Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/06/2020
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001421-94.2014.4.03.6117/SP
2014.61.17.001421-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : HEITOR FELIPPE reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP314641 JULIO CESAR MARTINS (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : MARIA APARECIDA FATIMA PEREIRA
No. ORIG. : 00014219420144036117 1 Vr JAU/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TENTATIVA DE ESTELIONATO MAJORADO. EMENDATIO LIBELLI. FALSIFICAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM CTPS APRESENTADA EM AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO.
1. A divergência estabeleceu-se quanto à condenação do embargante pela prática do delito de estelionato majorado. O acórdão embargado, por maioria, manteve a condenação do réu, porém procedeu à alteração da classificação jurídica dos fatos (CPP, art. 383) para tentativa de estelionato.
2. É possível constatar, do exame dos autos, que o embargante tentou obter, em prejuízo do réu da ação previdenciária - INSS - vantagem indevida consistente na obtenção de benefício previdenciário. Para tanto, instruiu a petição inicial com cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) da segurada contendo vínculo empregatício falso, inserido anteriormente ao ajuizamento da ação.
3. Ainda que tenha sido possível ao juízo constatar, no curso da ação, que o vínculo empregatício inserido na CTPS era falso, diante do seu cotejo com a prova oral produzida durante a instrução processual e com documentos apresentados pelo INSS, tal fato não conduz à atipicidade da conduta praticada pelo embargante.
4. Prevalência dos votos vencedores. Mantida a condenação do embargante, bem como a emendatio libelli procedida em segundo grau, que não foi objeto da divergência, ressalvado o entendimento do relator de que a tipificação correta do fato seria aquela constante da sentença, ou seja, o art. 304 do Código Penal.
5. Embargos infringentes e de nulidade não providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, NEGAR PROVIMENTO aos embargos infringentes e de nulidade, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencido o Desembargador Federal Mauricio Kato, que dava provimento aos embargos.

São Paulo, 18 de junho de 2020.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 21/06/2020 16:34:26



EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001421-94.2014.4.03.6117/SP
2014.61.17.001421-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : HEITOR FELIPPE reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP314641 JULIO CESAR MARTINS (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : MARIA APARECIDA FATIMA PEREIRA
No. ORIG. : 00014219420144036117 1 Vr JAU/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de embargos infringentes e de nulidade opostos por HEITOR FELIPPE (fls. 516/520) em face de acórdão proferido pela Quinta Turma desta Corte (fls. 481/504) que, por maioria, procedeu de ofício à emendatio libelli (CPP, art. 383) para ajustar a classificação jurídica do fato para aquele previsto no art. 171, § 3º, c. c. o art. 14, II, do Código Penal, fixando a pena definitiva em 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do voto do Desembargador Federal André Nekatschalow, que foi acompanhado pelo voto do Desembargador Federal Paulo Fontes.


A ementa do acórdão é a seguinte:


PENAL. PROCESSO PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CP, ART. 304 C. C. O ART. 299. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. TENTATIVA. CP, ART. 171, § 3º, C. C. O ART. 14, II. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADAS. EMENDATIO LIBELLI. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. CABIMENTO. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO.
1. Aplicado o instituto da emendatio libelli, conforme disposto no art. 383 do Código de Processo Penal, a fim de condenar o réu Heitor Felippe por prática do crime do art. 171, § 3º, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal.
2. Considerando que apenas uma das circunstâncias foi valorada negativamente, a qual deve ser mantida, em razão da maior reprovabilidade da conduta de tentativa de obtenção de vantagem ilícita por intermédio de pessoa com baixo grau de instrução, fixo a pena-base em 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal, do que resulta a pena-base de 1 (ano) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
3. Mantida a agravante prevista no art. 61, II, g, do Código Penal, em 1/6 (um sexto), que resulta a pena intermediária de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 12 (doze) dias-multa.
4. Na terceira fase da dosimetria, tratando-se de crime contra a Previdência Social, incide a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do Código Penal, de modo que a pena, majorada em 1/3 (um terço), passa a 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.
5. Em razão da causa de diminuição de pena pela tentativa (CP, art. 14, II), reduzida a pena em 1/3 (um terço), fração que se revela mais adequada ao iter criminis percorrido, dado que no caso concreto houve esgotamento dos atos executórios por parte do acusado, não tendo o crime se consumado em razão do cuidado do Juiz de Direito na apreciação das provas produzidas na ação previdenciária. Assim, fixada a pena definitivamente em 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
6. Valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
7. Considerando a quantidade de pena aplicada e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis de ordem subjetiva, fixado o regime inicial aberto, com fundamento no art. 33, § 2º, c, do Código Penal.
8. Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 2 (dois) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.
9. Considerando a fixação do regime prisional inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, e tendo em vista que não subsistem os motivos para a manutenção da prisão preventiva, que consistiam na evasão do acusado do distrito da culpa e na existência de inquéritos e as ações penais em curso contra o réu, os quais por si sós não são motivos suficientes, revoga-se a ordem de prisão preventiva, sem prejuízo do prosseguimento dos atos de execução da pena.

Ficou vencido o Relator, Desembargador Federal Maurício Kato, que dava provimento à apelação da defesa para absolver o réu da imputação, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.


O embargante pretende a prevalência do voto vencido para que seja mantida a absolvição, pois alega que não existe previsão legal que tipifique a conduta do apelante como crime, na medida em que apenas juntou cópia da CTPS de sua cliente na petição inicial da ação previdenciária. Argumenta que o acórdão embargado maculou a coisa julgada, ao condená-lo por um crime pelo qual já havia sido absolvido, com trânsito em julgado para a acusação.


A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento dos embargos infringentes (fls. 526/530).


O voto condutor, que constava apenas do sistema GEDPRO, foi juntado aos autos (fls. 533/538v), em atendimento à determinação de fls. 532.


É o relatório.


À revisão.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 30/03/2020 20:09:39



EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001421-94.2014.4.03.6117/SP
2014.61.17.001421-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : HEITOR FELIPPE reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP314641 JULIO CESAR MARTINS (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : MARIA APARECIDA FATIMA PEREIRA
No. ORIG. : 00014219420144036117 1 Vr JAU/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): HEITOR FELIPPE foi condenado pela 1ª Vara Federal de Jaú/SP, como incurso no art. 304, c.c. o art. 299, ambos do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 28 (vinte e oito) dias-multa, no valor unitário mínimo, e absolvido da imputação de prática do crime previsto no art. 171, § 3º, c.c. o art. 14, II, e 29, caput, todos do Código Penal, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.


A Quinta Turma desta Corte, por maioria, procedeu à emendatio libelli (CPP, art. 383) para ajustar a classificação jurídica do delito para aquele previsto no art. 171, § 3º, c. c. o art. 14, II, do Código Penal, fixando a pena definitiva em 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, sendo que o voto vencido dava provimento à apelação da defesa, para absolver o apelante da imputação, com fundamento no art. 386, III, do CPP.


A divergência, portanto, estabeleceu-se quanto à condenação do embargante pela prática do delito de estelionato majorado.


O voto do Relator (vencido), Desembargador Federal Maurício Kato, valeu-se dos seguintes fundamentos para absolver o réu:


Autoria. Em que pese os elementos dos autos, a autoria delitiva não restou suficientemente demonstrada, razão pela qual, há que ser acolhida a pretensão recursal oferecida pela defesa do apelante.
No particular, Heitor Felippe, na qualidade de advogado, foi denunciado e condenado por ter proposto ação previdenciária (aposentadoria rural por idade) em face do INSS perante o Fórum de Bariri (SP), registrada sob n. 062.01.2021.001253-8, instruída com cópia da CTPS contendo vínculo empregatício falso para a comprovação do trabalho no campo.
Convencionou-se denominar "estelionato judiciário" ou "estelionato judicial" a conduta delitiva em que uma ação judicial é utilizada como meio para obter vantagem indevida, mediante fraude, ardil ou engodo.
Não há, contudo, previsão legal dessa figura típica. Por esta razão, não configurado o crime contra a fé pública (ou qualquer outra infração penal), como é o caso destes autos, o fato é atípico.
Isto porque a Constituição Federal assegura a todos os litigantes o acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, inc. XXXV), de modo que não se pode punir o agente que, a despeito de formular pedido indevido, obtém (ou tenta obter) a tutela jurisdicional pretendida.
Aqui, a natureza dialética do processo possibilita o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis. Assim, o Magistrado não está vinculado aos pedidos das partes, não é obrigado a atendê-los e não pode ser "induzido em erro" em feito judicial.
Em outros termos, quando uma das partes introduz um documento em um processo, independentemente do fato de ser ele falso ou não, a outra parte tem do direito de impugná-lo, mediante, inclusive, requerimento de instauração de incidente de falsidade documental.
Além do mais, eventual vantagem ilícita obtida pelo agente não decorreria do próprio ato fraudulento em si, mas de decisão judicial, proveniente do exercício constitucional do direito de ação, sujeita ao contraditório.
Desta forma, não admitida a "indução em erro" do julgador e inexistente a elementar relativa ao artificio, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, não há estelionato ou uso de documento falso.
Quando muito, a conduta atribuída ao acusado implicaria infração civil aos deveres processuais das partes, nos termos do artigo 77, II, do Novo Código de Processo Civil, e poderia sujeitar os infratores a pagamento de multa e/ou de indenização à parte contrária pelos danos processuais e civis derivados de sua conduta processual inadequada, consoante artigos 79, 80 e 81, todos do Novo Código de Processo Civil. Aliás, a conduta de deturpar situação fática com o objetivo de iludir o juízo, implica infração profissional do advogado, tal como previsto pelo artigo 34, XIV, da Lei n. 8.906/94.
Conclui-se, pois, que o comportamento descrito pela denúncia configura mera infração civil e administrativa, sujeitando-se seu autor à punição correlata, sem que, contudo, configure a figura típica de uso de documento falso prevista pelo art. 304 c. c. o art. 299, ambos do Código Penal.
De fato, considerando-se ocorrer no processo produção de provas e atos concatenados coordenados pelo Juízo, os quais, em razão da natureza dialética processual, se fazem com o necessário respeito ao pleno contraditório, que pressupõe a possibilidade recursal pelos litigantes, não há falar, no caso em comento, em indução em erro do Magistrado. Assim, eventuais condutas atribuídas ao acusado, relacionados ao fato de produzir ou oferecer documento falso, material ou ideologicamente para instruir o processo, poderia ser tipificado como crime autônomo, o qual não se confunde com a prática de estelionato judicial.
Poder-se-ia, ainda, falar em erro judiciário, porém não em estelionato judiciário.
Por tais fundamentos, não vejo como manter a condenação do acusado como incurso nas penas do art. 304, c. c. o art. 299, ambos do CP, razão pela qual entendo necessária a absolvição de Heitor Felippe, nos termos do que dispõe o art. 386, III, do CPP.
(fls. 500/501)

O voto condutor, do Desembargador Federal André Nekatschalow, manteve a condenação do réu, mas procedeu à alteração da classificação jurídica dos fatos (CPP, art. 383), nos seguintes termos:


Data venia, divirjo para manter a condenação do réu, mas por prática do crime do art. 171, § 3º, c. c. o art. 14, II, do Código Penal.
Imputação. Heitor Felippe e Maria Aparecida Fátima Pereira foram denunciados como incursos nas penas do art. 171, § 3º, c. c. o art. 14, II, e 29, caput, todos do Código Penal, bem como art. 304 c. c. o art. 29, caput, ambos do Código Penal, em concurso formal impróprio (CP, art. 70, in fine).
Narra a denúncia o seguinte:
[...]
Materialidade. Conforme consignado pelo Relator, a materialidade delitiva está comprovada pelos seguintes elementos dos autos:
[...]
Autoria. A autoria está suficientemente demonstrada. Conforme consignado pelo Juízo a quo, as testemunhas e os acusados declararam em audiência judicial o seguinte:
[...]
O Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela acusação e condenou o réu Heitor Felippe pelo delito do art. 304 c. c. o art. 299, ambos do Código Penal:
[...]
Estelionato judiciário. Critérios. Pelo que se infere da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível fazer uma distinção dentre as hipóteses em relação às quais se discute a tipificação do chamado "estelionato judiciário".
No caso de a suposta conduta delitiva consistir em atividade de caráter processual, como a mera distribuição da ação, dedução de pedido inicial, levantamento de valores, entende-se ficar assegurado o direito de ação e a correspondente disciplina instituída pela ordem processual, cujo caráter dialético e a natureza mesma da função jurisdicional desaconselham incluí-la no âmbito da tutela penal.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça entende haver "estelionato judicial" e, portanto, atipicidade, em hipóteses de (a) ajuizamento de ações com pedidos idênticos em favor da mesma parte e (b) levantamento indevido de valores mediante a conduta de incluir partes supostamente favorecidas pela decisão judicial: [...]
Mas na hipótese de a fraude decorrer de circunstância distinta da mera atividade processual, entende-se ser possível tipificar o delito de estelionato.
É o caso, por exemplo, do uso de documento previamente falsificado e empregado para iludir partes e juízes: [...]
Do caso dos autos. Entendeu o Juízo a quo que a conduta imputada aos réus pela acusação não se amoldava ao crime do art. 171, § 3º, do Código Penal, subsistindo o crime de uso de documento público ideologicamente falso (cfr. fls. 408v./409).
Condenado pelo crime previsto no art. 304 c. c. o art. 299, ambos do Código Penal, Heitor Felippe pleiteia, em sede recursal, sua absolvição.
Não lhe assiste razão.
Dada a simplicidade e baixa instrução de Maria Aparecida Fátima Pereira, conforme constatadas pelo Juízo a quo e verificadas pela gravação em mídia à fl. 331, não se mostra verossímil a versão apresentada pelo réu no sentido de que a CTPS já havia sido apresentada em seu escritório com o vínculo empregatício falso.
Ademais, Maria Aparecida Fátima Pereira demonstrou em Juízo seu descontentamento com o fato de que Heitor Felippe teria feito falsas promessas a respeito da obtenção de aposentadoria e consignou que o réu não havia devolvido a CTPS entregue no escritório de advocacia.
A condenação do acusado deve ser mantida, mas por crime diverso, qual seja, tentativa de estelionato, dado que o réu, mediante uso de documento ideologicamente falso, buscou obter vantagem ilícita em favor de Maria Aparecida Fátima Pereira, não tendo o crime se consumado por circunstâncias alheias à sua vontade.
Entende-se que a emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau, desde que respeitados os limites do art. 617 do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus (STJ, HC n. 294149, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03.02.15; HC n. 247252, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 11.03.14). No mesmo sentido (TRF da 3ª Região, ACr n. 2013.61.06.001782-6, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 23.11.15).
Conclui-se que o acusado, na condição de advogado, dolosamente instruiu ação previdenciária com cópia de carteira de trabalho contendo anotação de vínculo empregatício que sabia ser falso, restando plenamente demonstradas a materialidade, a autoria delitiva e o dolo na tentativa de obtenção de vantagem ilícita mediante fraude.
Ressalta-se que, no caso concreto, há absorção do crime de falso pelo crime de estelionato, nos termos da Súmula n. 17 do Superior Tribunal de Justiça ("Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido").
Assim, aplico o instituto da emendatio libelli, conforme disposto no art. 383 do Código de Processo Penal, a fim de condenar o réu Heitor Felippe por prática do crime do art. 171, § 3º, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal.
(fls. 533v/537v)

Em relação à condenação do embargante, penso que devem prevalecer os votos vencedores, não havendo que se falar em atipicidade da conduta em razão do suposto desconhecimento da falsidade dos registros na CTPS que o embargante utilizou para instruir a petição inicial de ação previdenciária.


É possível constatar, pelo exame dos autos, que o embargante tentou obter, em prejuízo do réu da ação previdenciária (INSS), vantagem indevida consistente em benefício previdenciário em favor de Maria Aparecida Fátima Pereira. Para tanto, induzindo a erro a 1ª Vara da Comarca de Bariri/SP, instruiu a petição inicial com cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) da segurada contendo vínculo empregatício falso, inserido anteriormente ao ajuizamento da ação.


Ainda que tenha sido possível ao juízo constatar, no curso da ação, que o vínculo empregatício inserido na CTPS era falso, diante do seu cotejo com a prova oral produzida durante a instrução processual e com documentos apresentados pelo INSS, tal fato não conduz à atipicidade da conduta praticada pelo embargante.

Assim, a condenação do acusado deve ser mantida, devendo ser ressaltado, contudo, que a tipificação correta do fato era aquela constante da sentença, ou seja, corresponde ao delito do art. 304 do Código Penal.


Em caso análogo, que envolveu o mesmo réu e a mesma propriedade rural no mesmo município, a Décima Primeira Turma deste Tribunal manteve a sentença proferida pelo mesmo juízo de origem, que condenara o réu pela prática do crime de uso de documento falso. Confira-se a ementa do julgado:


PENAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO IDEOLOGICAMENTE FALSO - ART. 304 C.C. ART. 299, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO EXIGIDO PELO TIPO PENAL DEVIDAMENTE COMPROVADOS EM DESFAVOR DO ACUSADO - MANUTENÇÃO DE SUA CONDENAÇÃO NOS TERMOS DA SENTENÇA. DOSIMETRIA PENAL. PENA-BASE: ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO, DO QUANTUM MAJORADOR EMPREGADO PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. AGRAVANTE. CORREÇÃO, DE OFÍCIO, DA REFERÊNCIA AO DISPOSITIVO LEGAL QUE TRATA DA HIPÓTESE RECONHECIDA PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA.
1. Comprovada a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal, razão pela qual é mantida a condenação do acusado pela prática do crime previsto no art. 304 c.c. 299, ambos do Código Penal.
2. A sentença valorou negativamente as circunstâncias do crime apresentando a fundamentação que segue: (...) o emprego de meio fraudulento pela via judicial demonstra a tamanha ousadia de (...) de utilizar o aparelho estatal, com a intenção de induzir a erro os atores processuais (magistrado e parte adversa), dando aparência de legalidade às suas condutas ilícitas (...). De fato, as circunstâncias delitivas se mostram acima da média, principalmente tendo em vista que o uso de documento ideologicamente falso ocorreu perante o Poder Judiciário.
[...]
5. Negado provimento ao recurso de Apelação interposto pelo acusado. De ofício, redução do quantum majorador aplicado na 1ª etapa da dosimetria penal e correção do erro material acerca da referência ao artigo de lei que prevê a agravante reconhecida em 1º grau de jurisdição. Além disso, redimensionamento do número de dias-multa, de forma proporcional à fixação da pena privativa de liberdade, fixação do regime aberto e substituição da pena corporal por penas restritivas de liberdade.
(ApCrim 0000570-21.2015.4.03.6117, Décima Primeira Turma, maioria, Rel. Des. Federal Fausto De Sanctis, Rel. p/acórdão Des. Federal Nino Toldo, j. 30.01.2020, DJe 27.05.2020)

A divergência se dera na dosimetria da pena.

No caso em exame, contudo, como a emendatio libelli (CPP, art. 383) realizada pela maioria da Quinta Turma não foi objeto da divergência - já que o voto vencido absolveu o réu -, os embargos infringentes constituem recurso exclusivo da defesa e os votos vencedores foram favoráveis ao réu, com redução significativa da pena fixada na sentença, deixo de proceder ao ajuste da classificação jurídica do delito, devendo prevalecer integralmente os votos vencedores.


Posto isso, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes e de nulidade.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 21/06/2020 16:34:22