D.E. Publicado em 17/04/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, reconhecer, DE OFÍCIO, a prescrição da pretensão punitiva relativamente aos crimes do art. 288, caput, do Código Penal, em favor de todos os acusados, e do art. 312, caput, do Código Penal, este em favor de DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, prejudicadas as Apelações dos dois primeiros corréus, e a do Ministério Público Federal, bem como voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação de MARCELO HENRIQUE MANCILHA, mantendo a sua condenação como incurso nas penas do art. 312, caput, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por MARCELO HENRIQUE MANCILHA, nascido em 25.05.1979, DIOGO AFONSO RUIZ, nascido em 05.02.1982, e FÁBIO RODRIGO DE SOUZA, nascido em 12.03.1976, originadas de ação penal intentada pela suposta prática dos crimes do art. 312, caput, c/c 29, caput, e 288, ambos do Código Penal.
Recebida em 22.03.2007 (fls. 221/222), a peça acusatória narra que (fls. 02/06):
Nas razões de Apelação (fls. 748/754), o Ministério Público Federal postula a condenação dos acusados como incursos no art. 288 do Código Penal.
Apela também FABIO RODRIGO DE SOUZA (fls. 811/814), requerendo a suspensão condicional do processo e a redução da pena-base ao mínimo legal.
Por fim, MARCELO HENRIQUE MANCILHA e DIEGO AFONSO RUIZ (fls. 815/829) apelam pugnando pela concessão de perdão judicial, redução das penas ao mínimo legal e o reconhecimento da atenuante da confissão para abaixar a pena de DIEGO AFONSO RUIZ abaixo do mínimo cominado.
As Contrarrazões foram apresentadas por MARCELO HENRIQUE MANCILHA e DIEGO AFONSO RUIZ (fls. 763/769), FABIO RODRIGO DE SOUZA (fls. 773/777), CLAUDINEI BRAZ (fls. 806/808) e pelo Parquet federal (fls. 831/836).
A Procuradoria Regional da República opinou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva no tocante ao crime de peculato, exceto com relação a MARCELO HENRIQUE MANCILHA. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento dos apelos defensivos e pelo provimento do recurso ministerial (fls. 838/843-v).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:
CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE PECULATO DOLOSO (ART. 312, CAPUT, DO CP)
O caput do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo dispõe acerca do crime de peculato nos seguintes termos:
O peculato constitui crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público, sendo certo que a primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal prevê a conduta típica do peculato-apropriação, hipótese em que, o agente assenhora-se, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse.
Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha, sendo certo que a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação.
Na segunda hipótese (peculato-desvio), a conduta desviar compreende o fato de o agente da Administração Pública alterar o destino do objeto de que tenha posse em proveito próprio ou de terceiro, sendo certo que o proveito poderá ser patrimonial ou moral, havendo a necessidade de que a posse seja lícita, para que ulteriormente o bem possa ser desviado.
Tanto no peculato-apropriação quanto no peculato-desvio, a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação ou ao desvio. Ausente a posse, ainda que indireta ou jurídica, não há que se falar em peculato.
Em tais casos, é prescindível a natureza pública do bem para a configuração do crime de peculato, importando apenas que o objeto material tenha sido confiado ao funcionário público em razão de sua qualidade, podendo tratar de bens particulares.
No caso dos autos, a imputação repousa na espúria destinação conferida a algumas das mercadorias às quais MARCELO HENRIQUE MANCILHA tinha acesso por força de suas funções enquanto empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT.
A materialidade delitiva dessume-se da apreensão de parte das mercadorias que estavam em poder de MARCELO HENRIQUE MANCILHA e dos demais corréus (fls. 48, 55, 56, 61, 62, 68, 94, 103, 107, 110, 114 e 115), dentre as quais, especialmente, telefones celulares arrolados na notificação de sinistro (fls. 142/143), bem como do laudo merceológico (fls. 191/198) a apontar que as diversas mercadorias desviadas e apropriadas pelos acusados foram avaliadas em um total de R$ 65.100,00.
Quanto à autoria delitiva, corrobora os elementos de prova material referidos a prova oral, composta pelos depoimentos de Kelly Cristiane Felício Diniz e Nelson Riboldi Júnior, também empregados dos Correios, além da confissão de todos os acusados, tanto na fase investigativa quanto em juízo.
Conforme descrito na sentença (fl. 727), o empregado dos Correios Nelson Riboldi Júnior, que trabalhava na Gerência de Inspeção, aduziu circunstanciadamente que (fls. 610/612):
Consoante também reportado na sentença, a inspetora dos Correios Kelly Cristiane Felício Diniz asseverou que (fls. 607/608):
Corroborando as evidências ora relacionadas, os acusados foram reinterrogados por força da entrada em vigor da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, oportunidade em que confirmaram o teor de seus anteriores interrogatórios, confessando a prática delitiva:
O conjunto da prova oral com a prova material ora discriminado mostra-se, portanto, harmônico em denotar que os acusados cooperaram para conferir destinação diversa da legalmente prevista para as mercadorias que tinham acesso na qualidade de servidores da empresa pública federal dos Correios.
No contexto verificado, o dolo encontra-se comprovado exatamente pela apropriação indevida de diversas mercadorias que tramitavam pelos Correios com o objetivo de auferir lucro pessoal.
Desta forma, resta perfectibilizada a responsabilidade penal de MARCELO HENRIQUE MANCILHA como incurso no delito do art. 312, caput, pela prática dolosa de peculato apropriação/desvio.
Pena de multa
A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que essa pena será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo traçado pelo legislador, demonstrando a intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros legais, distantes do abuso e do arbítrio do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).
Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente desvirtuaria o sistema penal, afastando a eficácia da pena de multa.
Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, jamais atingindo a margem bem distante entre o mínimo e o máximo da pena de multa.
Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983 da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias fixadas na legislação em vigor, adotando-se o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.
Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017 e na APELAÇÃO CRIMINAL nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017.
Assim, não há como fixar a pena de multa sem considerar os seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena corporal, atendendo aos preceitos constitucionais e legais mencionados.
Atendendo o critério ora estabelecido, a pena de multa correspondente ao crime de peculato doloso (art. 312, caput, do CP) deveria ser fixada em 27 dias-multa, todavia, deve ser mantido, sob pena de reformatio in pejus, o quantum estabelecido na sentença, de 18 dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo à época dos fatos, devidamente atualizados quando da execução.
Regime inicial
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o ABERTO, a teor do art. 33, § 2º, 'c', do Código Penal.
Substituição por pena restritiva de direito
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, deve ser mantida a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade com a mesma duração da pena corporal substituída em favor de entidade assistencial, na forma designada pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária no importe de 01 salário mínimo, atualizado monetariamente, também em favor de entidade assistencial designada pelo Juízo da Execução Penal.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por reconhecer, DE OFÍCIO, a prescrição da pretensão punitiva relativamente aos crimes do art. 288, caput, do Código Penal, em favor de todos os acusados, e do art. 312, caput, do Código Penal, este em favor de DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, prejudicadas as Apelações dos dois primeiros corréus, e a do Ministério Público Federal, bem como voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação de MARCELO HENRIQUE MANCILHA, mantendo a sua condenação como incurso nas penas do art. 312, caput, do Código Penal, nos termos acima expendidos.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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