Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 17/04/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007193-21.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.007193-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCELO HENRIQUE MANCILHA
: DIOGO AFONSO RUIZ
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : FABIO RODRIGO DE SOUZA
ADVOGADO : SP116926 ELISABETE AVELAR DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
APELADO(A) : MARCELO HENRIQUE MANCILHA
: DIOGO AFONSO RUIZ
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : FABIO RODRIGO DE SOUZA
ADVOGADO : SP116926 ELISABETE AVELAR DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : CLAUDINEI BRAZ
ADVOGADO : SP247382 ALEX DE ALMEIDA SENA e outro(a)
No. ORIG. : 00071932120064036181 8P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

APELAÇÕES CRIMINAIS. PECULATO DOLOSO (ART. 312, CAPUT, DO CP) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288, CAPUT, DO CP). PRESCRIÇÃO DE PARTE DAS IMPUTAÇÕES, SUBSISTINDO APENAS A CONDENAÇÃO DE MARCELO HENRIQUE MANCILHA. PECULATO DOLOSO CARACTERIZADO. DOSIMETRIA PENAL MANTIDA, DESPROVIDO O PLEITO DE PERDÃO JUDICIAL.
01. Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal, e pelos corréus MARCELO HENRIQUE MANCILHA, DIOGO AFONSO RUIZ e FÁBIO RODRIGO DE SOUZA, originadas de ação penal intentada pela suposta prática dos crimes do art. 312, caput, e 288, caput, ambos do Código Penal, em face de sentença de parcial procedência, que condenou os acusados apenas pelo delito de peculato doloso.
02. Reconhecimento, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva com base na pena em abstrato quanto ao crime de quadrilha ou bando, atualmente denominado associação criminosa (art. 288, caput, do CP, com redação anterior à Lei nº 12.850/2013), pois, tendo a denúncia sido recebida em 22.03.2007, observa-se que, sendo a sentença absolutória quanto a este delito, entre este marco interruptivo da prescrição e o presente momento transcorreram mais de 12 anos e 09 meses, lapso temporal superior ao prazo prescricional correspondente à pena máxima cominada para o crime em questão, correspondente a 08 (oito) anos, segundo o disposto no art. 109, inc. IV, do Código Penal.
03. Reconhecida também a prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime de peculato doloso (art. 312, caput, do CP) para os acusados condenados a 02 (dois) anos de reclusão - DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ - em relação a quem a contagem do prazo prescricional baliza-se pelo lapso de 04 (quatro) anos, conforme preconizado pelo art. 109, V, do Código Penal, que restou ultrapassado entre os marcos interruptivos do recebimento da denúncia em 22.03.2007 e da publicação em secretaria da sentença condenatória em 25.06.2012.
04. No caso dos autos, a imputação que subsiste válida repousa na espúria destinação conferida a algumas das mercadorias às quais MARCELO HENRIQUE MANCILHA tinha acesso por força de suas funções enquanto empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, caracterizando o crime de peculato doloso (art. 312, caput, do CP).
05. A materialidade delitiva que se dessume da apreensão de parte das mercadorias que estava em poder de MARCELO HENRIQUE MANCILHA e dos demais corréus, bem como do laudo merceológico, a apontar que as diversas mercadorias desviadas e apropriadas pelos acusados foram avaliadas em um total de R$ 65.100,00.
06. Quanto à autoria delitiva, corrobora os elementos de prova material referidos a prova oral, composta pelos depoimentos de outros empregados dos Correios responsáveis pela investigação dos extravios, além da confissão de todos os acusados, tanto na fase investigativa quanto em juízo.
07. No contexto verificado, o dolo encontra-se comprovado exatamente pela apropriação indevida de diversas mercadorias que tramitavam pelos Correios com o objetivo de auferir lucro pessoal.
08. Dosimetria penal mantida. Pedido de perdão judicial desprovido, haja vista o grau de nocividade da conduta, a expressividade da lesão perpetrada e a repercussão negativa da prática delitiva, bem como o desvalor da ação delituosa em si, que atenta contra a confiabilidade da sociedade nos serviços postais.
09. Reconhecida, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva relativamente aos crimes do art. 288, caput, do Código Penal, em favor de todos os acusados, e do art. 312, caput, do Código Penal, este em favor de DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, prejudicadas as Apelações dos dois primeiros corréus e a do Ministério Público Federal. Mantida a condenação de MARCELO HENRIQUE MANCILHA, desprovida a sua Apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, reconhecer, DE OFÍCIO, a prescrição da pretensão punitiva relativamente aos crimes do art. 288, caput, do Código Penal, em favor de todos os acusados, e do art. 312, caput, do Código Penal, este em favor de DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, prejudicadas as Apelações dos dois primeiros corréus, e a do Ministério Público Federal, bem como voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação de MARCELO HENRIQUE MANCILHA, mantendo a sua condenação como incurso nas penas do art. 312, caput, do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de março de 2020.
MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO:10269
Nº de Série do Certificado: 11DE191002582A45
Data e Hora: 31/03/2020 16:43:07



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007193-21.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.007193-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCELO HENRIQUE MANCILHA
: DIOGO AFONSO RUIZ
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : FABIO RODRIGO DE SOUZA
ADVOGADO : SP116926 ELISABETE AVELAR DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
APELADO(A) : MARCELO HENRIQUE MANCILHA
: DIOGO AFONSO RUIZ
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : FABIO RODRIGO DE SOUZA
ADVOGADO : SP116926 ELISABETE AVELAR DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : CLAUDINEI BRAZ
ADVOGADO : SP247382 ALEX DE ALMEIDA SENA e outro(a)
No. ORIG. : 00071932120064036181 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por MARCELO HENRIQUE MANCILHA, nascido em 25.05.1979, DIOGO AFONSO RUIZ, nascido em 05.02.1982, e FÁBIO RODRIGO DE SOUZA, nascido em 12.03.1976, originadas de ação penal intentada pela suposta prática dos crimes do art. 312, caput, c/c 29, caput, e 288, ambos do Código Penal.


Recebida em 22.03.2007 (fls. 221/222), a peça acusatória narra que (fls. 02/06):


Consta dos autos que MARCELO HENRIQUE MANCILHA, DIOGO ALFONSO RUIZ, CLAUDINEI BRAZ e FÁBIO RODRIGO DE SOUZA JÚNIOR, em comum acordo, associaram-se com o objetivo de se apropriar e desviar bens móveis de que tinham a posse em razão de seus cargos de servidores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT ou, no caso do último acusado, de prestador de serviços à empresa pública federal, todos com atuação no Centro de Triagem de Cartas - CTC do bairro da Mooca, nesta Capital.
A Gerência de Inspeção dos Correios, ciente do extravio ou desvio de uma encomenda de 4 (quatro) caixas postadas pela empresa TIM Celular S/A, contendo cada uma delas 10 (dez) aparelhos de telefone celular Black Berry 8700 G, iniciou uma investigação no sentido de encontrar os responsáveis pelos fatos (fls. 11/13).
Feita pesquisa no sítio da Internet MERCADO LIVRE, um dos funcionários da referida gerência de inspeção localizou um usuário que disponibilizava produtos similares aos que foram objeto de desvio, por preço manifestamente inferior ao de mercado.
Realizado contato com o vendedor e simulada uma compra, os funcionários dos Correios que investigavam os fatos puderam constatar que o vendedor dos celulares era pessoa que trabalhava na ECT (fls. 14/21 e 27/29). Marcado um encontro para a entrega dos celulares, no dia 24 de maio de 2006, os funcionários dos Correios, acompanhados da autoridade policial, puderam identificar o operador de triagem e transbordo do CTM-Mooca MARCELO HENRIQUE MANCILHA como vendedor dos aparelhos, o qual foi encaminhado à Polícia Federal, prontificando-se a colaborar com as investigações.
Em seu depoimento à Polícia Federal (fls. 35/37), MARCELO HENRIQUE MANCILHA afirmou que juntamente com DIOGO ALFONSO RUIZ, CLAUDINEI BRAZ e FÁBIO RODRIGO DE SOUZA JÚNIOR, organizou um esquema de desvio de encomendas do CTC-Mooca, aproveitando-se de uma suposta falha no controle. Confessou a apropriação e o desvio de outras mercadorias, esclarecendo, ainda, a destinação dos celulares e dos demais objetos: como foram divididos entre os participantes dos crimes, para quem foram vendidos e onde se localizavam os remanescentes.
(...)

A sentença (fls. 720/743), publicada em 25.06.2012, (fl. 744), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Márcio Assad Guardia (8ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP), julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, para condenar os acusados como incursos no art. 312 c/c art. 29, ambos do Código Penal, absolvendo-os relativamente ao delito do art. 288 do Código Penal por inexistência de prova acerca do fato.
MARCELO HENRIQUE MANCILHA restou apenado em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 18 (dezoito) dias-multa.

Cada um dos demais corréus, DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, recebeu a pena de 02 (dois) anos de reclusão, regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa.

Para todos os réus, foi estabelecido o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo à época dos fatos, bem como facultou-se a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da pena substituída em entidades assistenciais conforme definido pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo em favor de entidade social também designada pelo Juízo da Execução Penal.

Nas razões de Apelação (fls. 748/754), o Ministério Público Federal postula a condenação dos acusados como incursos no art. 288 do Código Penal.


Apela também FABIO RODRIGO DE SOUZA (fls. 811/814), requerendo a suspensão condicional do processo e a redução da pena-base ao mínimo legal.


Por fim, MARCELO HENRIQUE MANCILHA e DIEGO AFONSO RUIZ (fls. 815/829) apelam pugnando pela concessão de perdão judicial, redução das penas ao mínimo legal e o reconhecimento da atenuante da confissão para abaixar a pena de DIEGO AFONSO RUIZ abaixo do mínimo cominado.


As Contrarrazões foram apresentadas por MARCELO HENRIQUE MANCILHA e DIEGO AFONSO RUIZ (fls. 763/769), FABIO RODRIGO DE SOUZA (fls. 773/777), CLAUDINEI BRAZ (fls. 806/808) e pelo Parquet federal (fls. 831/836).


A Procuradoria Regional da República opinou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva no tocante ao crime de peculato, exceto com relação a MARCELO HENRIQUE MANCILHA. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento dos apelos defensivos e pelo provimento do recurso ministerial (fls. 838/843-v).


É o relatório.


À revisão.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066
Nº de Série do Certificado: 11A217042046CDD3
Data e Hora: 06/02/2020 16:32:16



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007193-21.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.007193-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCELO HENRIQUE MANCILHA
: DIOGO AFONSO RUIZ
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : FABIO RODRIGO DE SOUZA
ADVOGADO : SP116926 ELISABETE AVELAR DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
APELADO(A) : MARCELO HENRIQUE MANCILHA
: DIOGO AFONSO RUIZ
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : FABIO RODRIGO DE SOUZA
ADVOGADO : SP116926 ELISABETE AVELAR DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : CLAUDINEI BRAZ
ADVOGADO : SP247382 ALEX DE ALMEIDA SENA e outro(a)
No. ORIG. : 00071932120064036181 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:


Confirmo o relatório.

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo Ministério Público Federal, e pelos corréus MARCELO HENRIQUE MANCILHA, DIOGO AFONSO RUIZ, e FÁBIO RODRIGO DE SOUZA, originadas de ação penal intentada pela suposta prática dos crimes do art. 312, caput, e 288, caput, ambos do Código Penal, em face de sentença de parcial procedência, que condenou os acusados apenas pelo delito de peculato doloso.

O Parquet federal postula a condenação dos acusados como incursos no art. 288 do Código Penal. MARCELO HENRIQUE MANCILHA e DIOGO AFONSO RUIZ pugnam pela concessão de perdão judicial, redução das penas ao mínimo legal e pelo reconhecimento da atenuante da confissão para abaixar a pena de DIOGO AFONSO RUIZ abaixo do mínimo cominado. Por fim, FABIO RODRIGO DE SOUZA requer a suspensão condicional do processo e a redução da pena-base ao mínimo legal.


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288, CAPUT, DO CP)

O crime imputado aos réus encontra tipificação no art. 288, caput, do Código Penal, que à época dos fatos denunciados continha a seguinte redação:

Quadrilha ou bando
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)

Atualmente, a tipificação da associação objetivando o cometimento de crimes encontra-se estampada no Código Penal da seguinte maneira:

Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) (Vigência)

Do cotejo entre a atual prescrição normativa com a norma vigente ao tempo dos fatos subjacentes ao feito, extrai-se que a associação para o cometimento de crimes permaneceu incriminada, sendo que atualmente bastam três indivíduos, e não mais quatro, para perfazer o quantitativo mínimo de agentes criminosos associados entre si.

Demais disto, importante ter presente que, nada obstante os réus responderem também por peculato, a consumação do delito de quadrilha (ora epigrafado como organização criminosa) possui momento consumativo dissociado dos crimes visados, na medida em que se caracteriza como delito de perigo e formal, bastando para a sua compleição que ocorra a mera reunião criminosamente ordenada do grupo independentemente da efetiva consumação dos crimes acordados, como crime de perigo tipificado para a proteção da paz pública (STJ, HC 200.444/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T. DJe 17.03.2015).

Considerando, destarte, que a imputação delitiva se reporta à associação estável direcionada para a prática delitiva que teria havido entre os acusados no decorrer do ano de 2006, entre os meses de abril (quando teria se iniciado o vínculo interssubjetivo) e maio (ocasião em que perpetrado o peculato também denunciado), bem como que a denúncia foi recebida em 22.03.2007 (fls. 221/222), sendo absolutória a sentença quanto a este delito, observa-se que entre este marco interruptivo da prescrição e o presente momento transcorreram mais de 12 anos e 9 meses, lapso temporal superior ao prazo prescricional correspondente à pena máxima cominada para o crime em questão, correspondente a 08 (oito) anos, segundo o disposto no art. 109, inc. IV, do Código Penal. Registre-se que nesse sentido manifestou-se a Procuradoria Regional da República.

Destarte, impõe-se reconhecer, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva estatal relativamente ao crime do art. 288, caput, do Código Penal, prejudicada a Apelação do Ministério Público Federal.


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA QUANTO AO CRIME DE PECULATO DOLOSO PARA OS ACUSADOS CONDENADOS NO MÍNIMO LEGAL (ART. 312, CAPUT, DO CP)

Relativamente ao crime de peculato doloso, pelo qual os acusados restaram condenados em primeiro grau de jurisdição, insta reconhecer a prescrição da pretensão punitiva com base na pena em concreto atribuída aos acusados, com exceção de MARCELO HENRIQUE MANCILHA.

Com efeito, tendo havido o trânsito em julgado para a acusação, no que se refere à pena de 02 (dois) anos de reclusão imposta a DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, ante a ausência de irresignação recursal do Ministério Público Federal quanto a este ponto, a contagem do prazo prescricional baliza-se pelo lapso de 04 (quatro) anos, conforme preconizado pelo art. 109, V, do Código Penal, ao passo que em relação a MARCELO HENRIQUE MANCILHA, a pena concretamente estabelecida, de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão prescreveria apenas com o transcurso de 08 (oito anos, a teor do inc. IV, do mesmo dispositivo legal).

Como a denúncia foi recebida em 22.03.2007 (fls. 221/222) e a sentença condenatória foi publicada em 25.06.2012, (fl. 744), entre tais marcos interruptivos transcorreram mais de 05 (cinco) anos, sobejando o prazo prescricional de 04 (quatro) anos incidente na espécie.

Destarte, impõe-se reconhecer, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva estatal relativamente ao crime do art. 312, caput, do Código Penal em favor dos corréus DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, subsistindo válida a persecução penal unicamente quanto a MARCELO HENRIQUE MANCILHA.

CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE PECULATO DOLOSO (ART. 312, CAPUT, DO CP)


O caput do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo dispõe acerca do crime de peculato nos seguintes termos:

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

O peculato constitui crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público, sendo certo que a primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal prevê a conduta típica do peculato-apropriação, hipótese em que, o agente assenhora-se, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse.


Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha, sendo certo que a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação.


Na segunda hipótese (peculato-desvio), a conduta desviar compreende o fato de o agente da Administração Pública alterar o destino do objeto de que tenha posse em proveito próprio ou de terceiro, sendo certo que o proveito poderá ser patrimonial ou moral, havendo a necessidade de que a posse seja lícita, para que ulteriormente o bem possa ser desviado.


Tanto no peculato-apropriação quanto no peculato-desvio, a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação ou ao desvio. Ausente a posse, ainda que indireta ou jurídica, não há que se falar em peculato.


Em tais casos, é prescindível a natureza pública do bem para a configuração do crime de peculato, importando apenas que o objeto material tenha sido confiado ao funcionário público em razão de sua qualidade, podendo tratar de bens particulares.


No caso dos autos, a imputação repousa na espúria destinação conferida a algumas das mercadorias às quais MARCELO HENRIQUE MANCILHA tinha acesso por força de suas funções enquanto empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT.


A materialidade delitiva dessume-se da apreensão de parte das mercadorias que estavam em poder de MARCELO HENRIQUE MANCILHA e dos demais corréus (fls. 48, 55, 56, 61, 62, 68, 94, 103, 107, 110, 114 e 115), dentre as quais, especialmente, telefones celulares arrolados na notificação de sinistro (fls. 142/143), bem como do laudo merceológico (fls. 191/198) a apontar que as diversas mercadorias desviadas e apropriadas pelos acusados foram avaliadas em um total de R$ 65.100,00.


Quanto à autoria delitiva, corrobora os elementos de prova material referidos a prova oral, composta pelos depoimentos de Kelly Cristiane Felício Diniz e Nelson Riboldi Júnior, também empregados dos Correios, além da confissão de todos os acusados, tanto na fase investigativa quanto em juízo.


Conforme descrito na sentença (fl. 727), o empregado dos Correios Nelson Riboldi Júnior, que trabalhava na Gerência de Inspeção, aduziu circunstanciadamente que (fls. 610/612):


a) O desaparecimento de algumas encomendas que continham aparelhos celulares ensejou o início de apuração administrativa do fato; b) apurou-se que os aludidos aparelhos estavam, sendo vendidos pela Internet no mercado livre; c) após pesquisa do email, identificou-se que este pertencia ao funcionário MARCELO MANCILHA como autor das vendas; d) uma vez informado à Polícia Federal, realizou-se uma simulação de interesse na compra de um celular a fim de flagrar o vendedor e identificar se MARCELO era o autor das vendas ou se seria terceira pessoa; e) Marcou-se um encontro na agência do Banco do Brasil no Bom Retiro, ocasião em que MARCELO que portava dois ou três celulares e foi preso em flagrante; f) MARCELO confessou o fato e citou o nome de outros funcionários dos Correios que também se apropriaram de outras encomendas, a saber, DIOGO, CLAUDINEI e o "terceirizado" FÁBIO; g) o entreposto no qual os acusados trabalhavam era o setor encarregado do embarque e desembarque das encomendas; h) diligências realizadas nas residências de FÁBIO e MARCELO lograram êxito em encontrar mais mercadorias oriundas de encomendas do correios na posse deles.

Consoante também reportado na sentença, a inspetora dos Correios Kelly Cristiane Felício Diniz asseverou que (fls. 607/608):


Marcos Rogério, então gerente de inspeção da EBCT, por ocasião de diligências para apurar o desaparecimento de encomendas do CTC Mooca, solicitou-lhe para atuar em uma simulação de compra de dois aparelhos celular "Blackberry" da TIM, no sítio da Internet "mercado livre"; b) combinou com o vendedor para se encontrarem na agência do Banco do Brasil do bairro do Bom Retiro a fim de verificar o celular; c) o vendedor era MARCELO MANCILHA.

Corroborando as evidências ora relacionadas, os acusados foram reinterrogados por força da entrada em vigor da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, oportunidade em que confirmaram o teor de seus anteriores interrogatórios, confessando a prática delitiva:


- FÁBIO RODRIGO DE SOUZA afirmou que participou dos desvios, apontando o corréu MARCELO HENRIQUE MANCILHA como o responsável por fazer as vendas das mercadorias e por induzi-lo ao crime, sob o argumento de que os Correios estavam com problemas em registrar as mercadorias, e que tinha a incumbência de transportar as mercadorias desviadas (fls. 406/408 e 614/616).

- MARCELO HENRIQUE MANCILHA reconheceu que estava associado com os demais corréus para cometerem o delito em questão, repartindo o proveito econômico em partes iguais (fls. 476/478 e 617/618).

- DIOGO ALFONSO RUIZ admitiu que desviou algumas mercadorias e que os demais acusados foram apresentados a ele por MARCELO HENRIQUE MANCILHA, que o convidou para participar do delito, sendo que quando CLAUDINEI descobriu o desvio, também foi cooptado e aceitou participar do proveito criminoso (fls. 379/380 e 619/620).

- CLAUDINEI BRAZ confirmou que começou a perceber a falta de mercadorias, ocasião em que DIOGO RUIZ lhe propôs participar do desvio, com o que concordou, alegando que pretendia com isso sustentar seu vício em entorpecentes, sendo que fazia tratamento para se livrar da dependência química patrocinado pela própria empresa (fls. 381/382 e 621/622).

O conjunto da prova oral com a prova material ora discriminado mostra-se, portanto, harmônico em denotar que os acusados cooperaram para conferir destinação diversa da legalmente prevista para as mercadorias que tinham acesso na qualidade de servidores da empresa pública federal dos Correios.


No contexto verificado, o dolo encontra-se comprovado exatamente pela apropriação indevida de diversas mercadorias que tramitavam pelos Correios com o objetivo de auferir lucro pessoal.


Desta forma, resta perfectibilizada a responsabilidade penal de MARCELO HENRIQUE MANCILHA como incurso no delito do art. 312, caput, pela prática dolosa de peculato apropriação/desvio.



DOSIMETRIA PENAL

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

Saliente-se, por oportuno, o descabimento do pleito de aplicação do perdão judicial, haja vista o grau de nocividade da conduta, a expressividade da lesão perpetrada e a repercussão negativa da prática delitiva, bem como o desvalor da ação delituosa em si, que atenta contra a confiabilidade da sociedade nos serviços postais.

No caso, a sentença assim estabeleceu a pena de MARCELO HENRIQUE MANCILHA pelo peculato doloso (art. 312, caput, do CP) (fls. 731/733):
Com efeito, as circunstâncias judiciais inseridas no caput do art. 59 do Código Penal brasileiro são favoráveis ao acusado em comento, que é réu primário e de bons antecedentes, nos termos da súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça (fls. 692). A culpabilidade - juízo de reprovação que se faz pelo caminho que escolheu - não desborda da normalidade. Os motivos e as circunstâncias do crime são próprios do tipo penal em questão.
Todavia, no que concerne às consequências do crime, reputo vultosa a quantidade de mercadorias apropriadas e os valores correspondentes ao montante total, a saber, R$ 65.100,00 (sessenta e cinco mil e cem reais), conforme se extrai de fls. 42, 49, 50, 55, 56, 62, 88, 97, 101, 103, 104, 108 e 109 e do Laudo merceológico de fls. 191/198.
Além disso, conquanto referida conduta alcance, em última análise, o patrimônio da EBCT, responsável pela custódia e transporte dos referidos bens, não se pode olvidar que a conduta em questão é perniciosa e possui aptidão para atingir um incontável número de pessoas, de sorte a gerar transtornos nas relações pessoais e comerciais, além de litígios entre os destinatários das mercadorias e os responsáveis pela sua remessa.
Ressalto, ainda, que a conduta de apropriar-se de encomendas custodiadas e transportadas pelos Correios gera insegurança nas transações comerciais e na circulação de riqueza, notadamente porque as compras por meio de sítios da rede mundial de computadores (além de outras formas de compras à distância) consubstanciam-se, hodiernamente, em segmento considerável das vendas no varejo e que se encontra em evidente expansão.
Nesse contexto, o grau de nocividade social da conduta exacerba sobremaneira os lindes da normalidade do tipo penal em questão, de sorte a exigir uma reprimenda superior ao mínimo legal.
Portanto, fixo a pena-base no patamar superior ao mínimo estabelecido para o delito previsto no art. 312 do Código Penal, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa.
Na segunda fase de aplicação da pena, constato que, em relação ao acusado em comento, incidem as circunstâncias agravantes no concurso de pessoas previstas no art. 62, incisos I e II, do Código Penal, uma vez que o conjunto probatório acima explicitado aponta que MARCELO MANCILHA promoveu a cooperação no crime e induziu os demais acusados a aderir à prática criminosa.
É o que deflui do interrogatório do acusado FÁBIO às fls. 614/616 ('... quem me fez a proposta de desvio de mercadorias foi Marcelo...'); do acusado DIOGO às fls. 380, em duas passagens: ('...normalmente era Marcelo o responsável pela divisão das mercadorias...') e ('...o acusado declarou que entrou no esquema a convite de Marcelo'). Corroboram tal ilação os depoimentos das testemunhas Kelly Cristiane Felício Diniz e Nelson Riboldi Júnior, explicitados supra, dos quais se extrai que MARCELO era o protagonista da conduta criminosa, notadamente porque foi quem percebeu as falhas nos sistema da EBCT e iniciou a prática criminosa, bem ainda porque foi o responsável pela colocação em venda dos bens desviados no sítio 'Mercado livre' na Internet.
De outra face, observo incidir na espécie a circunstância atenuante da confissão espontânea, consignada no art. 65, III, alínea 'd', do Código Penal, haja vista que o réu admitiu em seu interrogatório a prática da conduta delitiva, bem como colaborou com a investigação, desde sua prisão em flagrante, a fim de localizar os bens desviados e devolvê-los parcialmente.
Nesse contexto, a pena provisória fica no mesmo patamar da pena-base.
Na terceira fase de aplicação da pena, constato a inexistência de causas de aumento ou de diminuição de pena. Dessa forma, fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, pela prática do crime do art. 312, c.c art. 29 e art. 62, I e II e art. 65, III, todos do Código Penal.

Primeira fase da dosimetria penal

Conquanto a defesa de MARCELO HENRIQUE MANCILHA pugne pela aplicação da pena no mínimo legal, observa-se que a sentença ponderou corretamente os fatores influentes na sua dosimetria.

Isso porque, na primeira fase da dosimetria penal, apesar de a maioria das circunstâncias ter sido considerada neutra, de fato as consequências do crime são de relevo maior do que padrão inerente ao tipo penal.

Importante consignar, nesse sentido, que ao desviar mercadorias do ente estatal responsável exatamente pela sua custódia e transporte, a lesão perpetrada ofende a confiabilidade do sistema postal, além de lesar os destinatários das encomendas desviadas. Ademais, os valores desviados são de fato expressivos, representado a soma de R$ 65.100,00, à época dos fatos.

Destarte, justifica-se plenamente a imposição da pena-base pouco acima do mínimo cominado, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Segunda fase da dosimetria penal

No que tange à segunda fase da dosimetria penal, a sentença compensou as circunstâncias agravantes e a atenuante vislumbradas no excerto acima reproduzido, não devendo haver alteração no tocante ao resultado, que foi manter a pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Isso porque, de fato, faz-se presente a circunstância agravante atinente à ação de quem promove a participação dos coautores ou partícipes (art. 62, inc. I, do CP), fato que ficou evidenciado no caso concreto, na medida em que MARCELO HENRIQUE MANCILHA protagonizou a ação delituosa, destacando-se face aos demais corréus porque cooptou a maioria deles e realizou em grande medida as vendas das mercadorias desviadas, dirigindo, portanto, o grupo criminoso.

No que se refere a induzir a participação dos demais (art. 62. inc. II, do CP), referida figura se amoldaria mais à hipótese em que o autor do crime se vale de interpostas pessoas para mediatamente obter o resultado lesivo, não sendo este o caso de MARCELO HENRIQUE MANCILHA porque cada um dos acusados concorreu por vontade própria, sem coação, sendo apenas convidados para participarem em iguais condições do peculato.

Apesar de a sentença ter afirmado a presença de ambas as agravantes (promover/dirigir a participação dos demais e induzir a participação deles), observa-se que mesmo extirpada a segunda, subsiste válida a compensação com a atenuante da confissão, obtendo-se o mesmo resultado, consistente na pena intermediária de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Terceira fase da dosimetria penal

Conforme salientado pela sentença, não há causas de aumento ou de diminuição de pena influentes no caso concreto, razão pela qual a pena se torna definitiva em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Consequentemente, deve ser desprovido o pleito de redução da pena ao mínimo legal.

Pena de multa


A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que essa pena será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo traçado pelo legislador, demonstrando a intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros legais, distantes do abuso e do arbítrio do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).


Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).


Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).


Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente desvirtuaria o sistema penal, afastando a eficácia da pena de multa.


Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, jamais atingindo a margem bem distante entre o mínimo e o máximo da pena de multa.


Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983 da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias fixadas na legislação em vigor, adotando-se o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.


Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017 e na APELAÇÃO CRIMINAL nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017.


Assim, não há como fixar a pena de multa sem considerar os seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena corporal, atendendo aos preceitos constitucionais e legais mencionados.


Atendendo o critério ora estabelecido, a pena de multa correspondente ao crime de peculato doloso (art. 312, caput, do CP) deveria ser fixada em 27 dias-multa, todavia, deve ser mantido, sob pena de reformatio in pejus, o quantum estabelecido na sentença, de 18 dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo à época dos fatos, devidamente atualizados quando da execução.


Regime inicial


O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o ABERTO, a teor do art. 33, § 2º, 'c', do Código Penal.


Substituição por pena restritiva de direito


Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, deve ser mantida a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade com a mesma duração da pena corporal substituída em favor de entidade assistencial, na forma designada pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária no importe de 01 salário mínimo, atualizado monetariamente, também em favor de entidade assistencial designada pelo Juízo da Execução Penal.



DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por reconhecer, DE OFÍCIO, a prescrição da pretensão punitiva relativamente aos crimes do art. 288, caput, do Código Penal, em favor de todos os acusados, e do art. 312, caput, do Código Penal, este em favor de DIOGO AFONSO RUIZ, FÁBIO RODRIGO DE SOUZA e CLAUDINEI BRAZ, prejudicadas as Apelações dos dois primeiros corréus, e a do Ministério Público Federal, bem como voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação de MARCELO HENRIQUE MANCILHA, mantendo a sua condenação como incurso nas penas do art. 312, caput, do Código Penal, nos termos acima expendidos.


MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO:10269
Nº de Série do Certificado: 11DE191002582A45
Data e Hora: 31/03/2020 16:43:04