D.E. Publicado em 19/03/2020 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao agravo regimental e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NINO OLIVEIRA TOLDO:10068 |
Nº de Série do Certificado: | 11A2170626662A49 |
Data e Hora: | 12/03/2020 14:27:47 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por IKECHUKWU INNOCENT OBI, por intermédio da Defensoria Pública da União (DPU), em face da sentença (fls. 187/202) proferida pela 5ª Vara Federal de Guarulhos/SP que o condenou à pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data do fato, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei n° 11.343/2006.
Narra a denúncia (fls. 89/90), recebida em 28.01.2019 (fls. 113/114v):
A sentença foi publicada em 24.06.2019 (fls. 203).
Em seu recurso (fls. 224/232v), o apelante requer: a) a redução da pena-base ao mínimo legal; b) a aplicação, em seu grau máximo, da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n° 11.343/2006; c) a aplicação, em seu patamar máximo, da causa de diminuição de pena do art. 24, § 2º, do Código Penal; d) a fixação do regime inicial aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade; e) a substituição dessa pena por penas restritivas de direitos; f) o reconhecimento do direito de recorrer em liberdade; e g) seja afastado o perdimento do dinheiro apreendido (fls. 11).
Contrarrazões a fls. 234/240.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 243/247).
A Defensoria Pública da União (DPU) requereu a liberação dos documentos pessoais do réu IKECHUKWU INNOCENT OBI, bem como do numerário em moeda nacional, cujo perdimento não foi decretado por ocasião da sentença (fls. 249).
Ante a manifestação do MPF (fls. 252/253) e o que foi determinado na sentença de fls. 187/202, aliado ao quanto disposto no art. 1º, § 2º, da Resolução nº 162/2012, do Conselho Nacional de Justiça, determinei o encaminhamento do passaporte do réu IKECHUKWU INNOCENT OBI à Embaixada da Nigéria, tendo em vista a ausência de representação diplomática desse país em São Paulo. Em relação ao pedido de liberação de numerário e documentos, nada foi deliberado, pois sua destinação foi determinada na sentença.
Em face dessa decisão (fls. 255/256), foi interposto agravo regimental (fls. 261/263).
Em contraminuta, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pela confirmação da decisão monocrática (fls. 268/269v).
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NINO OLIVEIRA TOLDO:10068 |
Nº de Série do Certificado: | 11A2170626662A49 |
Data e Hora: | 11/02/2020 17:36:07 |
|
|
|
|
|
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por IKECHUKWU INNOCENT OBI em face da sentença que o condenou pelo crime de tráfico transnacional de drogas.
Inicialmente, aprecio o agravo regimental interposto a fls. 261/263, que pugna pela autorização da liberação dos documentos pessoais (passaporte) e numerário em moeda nacional apreendidos quando da prisão em flagrante do apelante, cujo perdimento, segundo alega o agravante, não teria sido decretado pela sentença.
Em relação ao passaporte apreendido, a decisão agravada apenas cumpriu o quanto estabelece o art. 1º, § 2º, da Resolução nº 162/2012 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a comunicação de prisão de estrangeiro à missão diplomática do seu respectivo Estado de origem.
Além disso, o encaminhamento do passaporte do preso estrangeiro à respectiva representação diplomática (Embaixada da Nigéria) já havia sido determinado pela sentença (fls. 202), nos termos da referida Resolução.
Por isso, não procede o pedido da defesa de devolução do passaporte ao recorrente, ainda que a falta desse documento possa dificultar o seu processo de ressocialização.
No tocante ao numerário estrangeiro apreendido (US$ 1.800,00), a sentença (fls. 201) determinou o seu perdimento em favor da SENAD, com fundamento no art. 60, caput, da Lei nº 11.343/2006, e essa determinação foi objeto de impugnação nas razões de apelação (fls. 231v/232), motivo pelo qual nada foi deliberado a respeito na decisão agravada. Quanto ao pedido de liberação do numerário em moeda nacional, também não há nada para ser deliberado, considerando-se que não consta do auto de apreensão (fls. 11/12).
Portanto, mantenho a decisão agravada.
Passo ao exame das razões de apelação.
Rejeito a alegação da existência do estado de necessidade, pois a versão do apelante de que somente aceitou realizar a conduta para custear o tratamento médico de sua mãe não exclui a ilicitude ou culpabilidade.
Com efeito, o art. 24 do Código Penal dispõe que se considera "em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se".
No caso, o apelante não demonstrou que realizou a conduta em razão de estar em situação de perigo atual, próprio ou de terceiro, tampouco que era inevitável a prática delituosa, não havendo que se falar em estado de necessidade.
Registre-se que o estado de necessidade exculpante ou a inexigibilidade de conduta diversa não tem previsão expressa na legislação brasileira, sendo considerado causa extralegal (ou supralegal) de exclusão da culpabilidade, que ocorre quando é inexigível conduta diversa do agente, que sacrifica um valor em função de outro (v. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed., S. Paulo: Saraiva, 1994, pp. 176/181). Quando presente a causa, afasta-se a culpabilidade do agente, embora a conduta permaneça típica e antijurídica. Exige-se, todavia, proporcionalidade entre o valor salvo e o valor sacrificado.
No caso, isso não ocorreu. Dificuldades financeiras são comuns na sociedade contemporânea, mas de modo algum justificam a prática criminosa, ainda mais o tráfico de drogas, conduta com altíssimo grau de reprovação social. Aceitar o cometimento de crime de forma indiscriminada como justificativa para satisfação de necessidades individuais significaria abrir mão do mínimo sentido de civilidade e de organização social, na medida em que cada ser humano estaria autorizado a suprir dificuldades financeiras a qualquer custo, o que levaria a evidente caos social.
Existem inúmeras alternativas para se superar eventual dificuldade financeira, todas passando muito longe da seara criminal, com total preservação de importantes valores como a paz social e a saúde pública.
Assim, a alegada dificuldade financeira do réu - que seria superada pelos valores obtidos com o transporte da droga - não justifica, de modo algum, o sacrifício de qualquer valor social, especialmente a saúde e a segurança públicas, bem como a paz social, considerando-se o alto poder viciante da droga traficada, que tanto mal faz a quem a utiliza, assim como aos efeitos deletérios que produz nas famílias dos viciados e em suas relações sociais.
Observo, ainda, que dificuldade financeira é argumento recorrente nos casos de tráfico transnacional de drogas, como no caso em exame. Contudo, esse tipo de alegação vem sendo rejeitada por este Tribunal, como se verifica, a título exemplificativo, na seguinte ementa:
No mesmo sentido: ACR 0001015-04.2013.4.03.6119, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 29.07.2014, e-DJF3 Judicial 1 05.08.2014; ACR 0004802-70.2015.4.03.6119, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 08.08.2017, e-DJF3 Judicial 1 18.08.2017; ACR 0001831-71.2017.4.03.6110, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, j. 22.01.2018, e-DJF3 Judicial 1 31.01.2018.
Portanto, rejeito a alegação de estado de necessidade justificante ou exculpante, este como causa excludente da culpabilidade ou de diminuição de pena (CP, art. 24, § 2º), ou, ainda, como atenuante (CP, art. 65, III, "a").
Embora a materialidade e a autoria não sejam objeto do recurso, registro que ambas estão devidamente comprovadas. A materialidade, pelo laudo preliminar de constatação (fls. 15/17) e pelo laudo definitivo (fls. 82/85), que atestam ser cocaína a substância apreendida. A autoria, por sua vez, está demonstrada pela certeza visual do crime, proporcionada pela prisão em flagrante do acusado, corroborada por sua confissão e pela prova oral produzida em contraditório durante a instrução processual (CD fls. 142).
Assim, mantenho a condenação de IKECHUKWU INNOCENT OBI pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei n° 11.343/2006
Passo ao reexame da dosimetria da pena.
Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa, acima do mínimo legal, levando em consideração, preponderantemente, a quantidade e a natureza da droga apreendida (3.008 gramas de cocaína). O apelante, todavia, pede a redução da pena-base para o mínimo legal.
Não procede o recurso, pois, considerando-se a natureza e a quantidade da droga apreendida com o acusado, bem como a jurisprudência das Turmas que compõem a Quarta Seção deste Tribunal Regional Federal, justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal, sendo que o montante fixado poderia até ter sido maior. Contudo, por se tratar de recurso exclusivo da defesa, fica mantido o quantum fixado.
Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes e reconheceu a circunstância atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), o que confirmo, tendo em vista que o acusado admitiu em juízo a prática delitiva e essa admissão foi considerada na fundamentação da sentença condenatória. Contudo, a incidência dessa atenuante levaria a pena, nesta fase, abaixo do mínimo legal, o que não é possível, conforme orienta a Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de modo que a pena intermediária fica em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, relativa à transnacionalidade do delito, haja vista que ficou bem delineado pela instrução probatória o fato de que a droga seria transportada para o exterior, o que confirmo.
O aumento na fração de 1/6 (um sexto) foi razoável e condizente com a orientação firmada nesta Turma: ACR 0003048-86.2011.4.03.6005, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 25.08.2015, e-DJF3 Judicial 1 28.08.2015; ACR 0006410-53.2007.4.03.6000, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 06.10.2015, e-DJF3 Judicial 1 15.10.2015; ACR 0008341-15.2013.4.03.6119, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 06.10.2015, e-DJF3 Judicial 1 14.10.2015.
Assim, elevada a pena em 1/6 (um sexto), ela passa para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
O juízo de primeiro grau aplicou a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), mas o apelante pede que essa minorante seja aplicada no máximo permitido (dois terços).
Pois bem. De acordo com essa norma, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa, devendo esses quatro requisitos concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada.
No caso, o acusado é primário, não registra maus antecedentes e não há provas de que se dedique a atividades criminosas, não sendo possível afirmar que integre, ainda que circunstancialmente, organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas. Trata-se de situação de "mula" do tráfico.
É importante observar, por oportuno, que não é possível dizer, a priori, que as "mulas" sempre integram organização criminosa ou, de outro lado, que nunca a integram, devendo ser feita análise caso a caso. As "mulas" são pessoas contratadas para o transporte da droga e caracterizam-se por não ter nenhuma ingerência sobre como realizarão esse transporte, nem onde e de quem receberão a droga, cabendo-lhes obedecer a ordens e seguir roteiro previamente estabelecido. É inegável que o papel das "mulas" é imprescindível na cadeia delitiva de uma organização criminosa. Contudo, não se pode dizer que toda "mula" integra tal organização. A propósito, é de se destacar o seguinte trecho do voto-vista do Min. Gilmar Mendes, no julgamento do HC nº 101.265/SP:
No caso, tudo indica que o envolvimento do réu com o narcotráfico tenha sido pontual, sendo este o único episódio criminoso por ele perpetrado, de modo que faz jus à minorante conforme fixado na sentença, pois sua conduta foi inequivocamente relevante, tendo se disposto a levar a droga oculta em sua bagagem de mão.
Consoante a jurisprudência do STJ, a gravidade concreta do delito e suas circunstâncias autorizam a aplicação dessa causa de diminuição em patamar diverso do máximo (AgRg no HC 326.510/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 19.05.2016, DJe 08.06.2016). No mesmo sentido, o precedente desta Turma: ACR nº 000.1036-09.2015.4.03.6119/SP, v.u., Rel. Des. José Lunardelli, j. em 10.11.2015.
Assim, a fração utilizada pelo juízo a quo fica mantida, de modo que, não havendo outras causas de aumento ou diminuição de pena, fica ela fixada de modo definitivo em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa.
Mantenho o valor do dia-multa fixado na sentença, bem como o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, §, 2º, "b", do Código Penal, em razão da pena aplicada e porque as circunstâncias do art. 59 do Código Penal não foram consideradas desfavoráveis ao acusado.
Quanto à detração de que trata o art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, considerando que o acusado foi preso em flagrante em 18.11.2018 e a sentença condenatória foi publicada no dia 24.06.2019 (fls. 203), o tempo de prisão descontado não lhe daria direito a início do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime menos gravoso do que o fixado.
Não há que se falar em substituição dessa pena por restritivas de direitos, tendo em vista que falta requisito objetivo para tanto (CP, art. 44, I).
Quanto ao pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, a custódia preventiva foi devidamente fundamentada. Ademais, consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal em situação semelhante, "considerando que o réu permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não se afigura plausível, ao contrário, revela um contrassenso jurídico, sobrevindo sua condenação, colocá-lo em liberdade para aguardar o julgamento do apelo" (HC 110587/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.03.2012, DJe-097 DIVULG 17.05.2012 PUBLIC 18.05.2012).
Finalmente, em relação ao pedido de devolução do numerário estrangeiro apreendido (US$ 1.800,00), por não haver provas de que constitua produto do crime, não assiste razão ao apelante, uma vez que a liberação somente poderia ocorrer se provada a sua origem lícita, o que não ocorreu. Nesse sentido:
Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental e à apelação.
Comunique-se imediatamente o teor deste julgamento ao juízo responsável pela custódia do apelante, para as providências cabíveis.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NINO OLIVEIRA TOLDO:10068 |
Nº de Série do Certificado: | 11A2170626662A49 |
Data e Hora: | 12/03/2020 14:27:43 |