Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/03/2020
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000360-41.2018.4.03.6124/SP
2018.61.24.000360-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : MARIA CHRISTINA FUSTER SOLER BERNARDO
ADVOGADO : SP206320 ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO
No. ORIG. : 00003604120184036124 1 Vr JALES/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. O crime de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino compete à Justiça Estadual. Súmula 104 do Superior Tribunal de Justiça.
2. Recurso em sentido estrito desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 12 de março de 2020.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000360-41.2018.4.03.6124/SP
2018.61.24.000360-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : MARIA CHRISTINA FUSTER SOLER BERNARDO
ADVOGADO : SP206320 ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO
No. ORIG. : 00003604120184036124 1 Vr JALES/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da decisão proferida pela 1ª Vara Federal de Jales/SP que declinou da competência para julgamento do feito e determinou a remessa dos autos ao Juízo Estadual de Jales/SP.


A decisão recorrida encontra-se assim redigida:


Sendo assim, não conheço da presente representação, que em verdade se trata de conflito de competência, e sugiro à DPF Jales que não reitere esse tipo de expediente, pois não compete à Justiça Federal arbitrar divergências entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, por meio de representação em um inquérito policial.
Diante isso, seria o caso de devolução dos autos à DPF para prosseguimento das diligências.
Porém, bem sabem MPF e DPF que competência é matéria cognoscível de ofício. Mesmo sendo via inadequada, a representação acaba por dar conhecimento ao magistrado federal a respeito de situação que, por dever legal, tem a obrigação de se manifestar de ofício. Isto porque, historicamente a doutrina defende que os poderes dos servidores públicos e agentes políticos são, em verdade, deveres. Logo, haveria o poder-dever de apreciar as questões cognoscíveis de ofício, inexistindo possibilidade de juízo de discricionariedade a respeito pelo magistrado. Em outras palavras, por mais que a via seja inadequada, e nem mesmo me pareça conveniente e oportuno me envolver nas divergências, fato é que, tecnicamente, competência é matéria cognoscível de ofício, logo, tenho o poder-dever de apreciá-la.
E nesse sentido, não adiro ao entendimento ministerial de que qualquer problema envolvendo Universidades particulares seria da alçada da diminuta e reduzida Justiça Federal, em razão da existência de delegação pública federal do ensino superior.
Do despacho de fls. 354 e ss do Exmo. Procurador da República oficiante, consta que: "Secretaria da Educação do Município de Vitória/ES, durante a avaliação de títulos (...) foram observados indícios de inidoneidade da documentação apresentada por alguns dos candidatos, dentre os quais oito graduadas em Licenciatura Plena e, Artes Visuais pelo Centro Universitário de Jales (UNIJALES) (...) Considerando o que apurado até aqui, há justa causa para instauração de inquérito policial, para investigar possível ocorrência do delito tipificado no artigo 299 do Código Penal (falsidade ideológica) por 571 vezes, cometidos em tese pela reitoria do UNIJALES".
Tal situação, respeitado entendimento contrário, se amolda perfeitamente à Súmula 104 do C. STJ, in verbis: "Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino" e a todo o histórico da jurisprudência do Tribunal da Cidadania, razão suficiente para o declínio de competência.
(...)
E em que pese a menção a julgados do STF e do TRF3, é do STJ a competência constitucional para deliberar a respeito de conflitos de jurisdição entre a Justiça Federal e Estadual (art. 105, I, d, CF), e a posição do Tribunal da Cidadania é clara e reiterada.
Isto posto, retornem à DPF Jales para que esta encaminhe os autos a uma das Varas com competência criminal da Justiça Estadual de Jales.

O MPF requer, preliminarmente, seja declarada nula a decisão, em decorrência da incompetência do juízo de primeiro grau, por entender que o declínio de competência configuraria arquivamento indireto, o que somente é possível pelos tribunais. Subsidiariamente, pleiteia a reforma da decisão recorrida para que seja declarada a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito, tendo em vista que "os crimes de falsificação e uso de diploma e certificado de conclusão de curso em instituição privada de ensino falsos são praticados em detrimento da União e, portanto, de competência da Justiça Federal" (fls. 5v).


Contrarrazões a fls. 21/27.


A decisão recorrida foi mantida pelo juízo a quo (fls. 28).


A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso (fls. 30/33).


É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.


VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): A discussão cinge-se à correção, ou não, da decisão que declinou da competência da Justiça Federal.


Rejeito a alegação de nulidade da decisão. A competência, no caso, poderia ser apreciada de ofício pelo juízo a quo por se tratar de questão de ordem pública, nos termos do art. 109 do Código de Processo Penal.


No mérito, trata-se de imputação de prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal pela reitora do Centro Universitário de Jales, em decorrência da emissão de 571 diplomas de curso não credenciado na instituição.


A competência para processar e julgar delitos relacionados à falsificação de diploma e de certidão de conclusão de curso superior em instituição privada de ensino é da Justiça Estadual, nos termos da Súmula nº 104 do Superior Tribunal de Justiça: "Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino."


Não verifico, no presente caso interesse da União. Nesse sentido, destaco das contrarrazões (fls. 25):


Conforme apurado com a maturação de Ação Civil Pública, a reitora da Associação Educacional de Jales UNIJALES teria, apenas em tese e associando-se com terceiros, emitido os mencionados diplomas, operação irregular realizada em proveito do Instituto de Educação Superior do Espírito Santo - IESES, pessoa jurídica pagadora.
Com a devida vênia, não há interesse da União verificável no caso telado, que se deu entre duas instituições privadas, ainda que de ensino superior. Como é cediço, para a fixação da competência federal pelo que dispõe o art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, a jurisprudência entende que o interesse da União há que ser particular, específico e DIRETO. Tais requisitos não são preenchidos com o mero argumento de que as instituições de ensino integrariam o Sistema Federal de Ensino. Do contrário, observa-se que não houve ofensa a bem, serviço ou interesse da União, isto porque não se verificou o uso das falsificações documentais perante qualquer instituição pública federal.

Consoante se observa da leitura do inteiro teor do julgado mencionado pelo MPF em suas razões recursais (fls. 5v), a competência da Justiça Federal foi fixada pela apresentação de documentos falsos ao Conselho Regional de Administração, órgão de fiscalização profissional federal:


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DIPLOMA E CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DE CURSO SUPERIOR EM INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO FALSOS. APRESENTAÇÃO PARA FINS DE OBTENÇÃO DE REGISTRO PROFISSIONAL NO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO - CRA. COMPETÊCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INFRAÇÕES PRATICADAS EM DETRIMENTO DE SERVIÇOS E INTERESSES DA UNIÃO (ART. 109, IV, DA CF). INSTITUIÇÕES PRIVADAS DE ENSINO SUPERIOR INTEGRANTES DO SISTEMA FEDERAL DE ENSINO (ARTS. 16, II, E 21, II, DA LEI N. 9.394/96). SUJEITAS, PORTANTO, À AUTORIZAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, SUPERVISÃO, CONTROLE E AVALIAÇÃO DO PODER PÚBLICO FEDERAL. ORDEM INDEFERIDA.
1. O uso de documento falso de instituição privada de ensino superior, com o fato de apresentá-lo ao órgão de fiscalização profissional federal, é delito cognoscível pela justiça federal, que ostenta, para o caso concreto, competência absoluta.
2. É que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) explicita que a educação superior está inserida no gênero educação escolar, bem como prevê que as instituições de ensino superior criadas e mantidas pela iniciativa privada também integram o sistema federal de ensino, nos termos dos artigos 21, inciso II, e 16, inciso II, respectivamente.
[...]
4. In casu: (i) discute-se a competência para processar e julgar delitos relacionados à falsificação de diploma e de certidão de conclusão de curso superior em instituição privada de ensino, para fins de obtenção de registro profissional perante o Conselho Regional de Administração (CRA), cuja natureza jurídica é de autarquia federal; (ii) o paciente foi denunciado, por esses fatos, perante a 3ª Vara Federal Criminal do Estado de São Paulo como incurso nas sanções dos artigos 297, 299 e 304 do Código Penal; (iii) a defesa opôs exceção de incompetência, pleiteando a remessa do autos à Justiça Estadual, sob o argumento de que, embora o documento dito falso tenha sido apresentado a autarquia federal, a credibilidade que teria sido abalada é a da instituição de ensino particular, pois seria ela quem estaria atestando a inexistente formatura do acusado, e não a seriedade do Conselho Regional de Administração.
5. Considerando que o diploma falsificado diz respeito a instituição de ensino superior, incluída no Sistema Federal de Ensino, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96), resta patente que o delito narrado na denúncia foi praticado em detrimento de interesse da União, a atrair a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, CRFB), mesmo porque se operou o seu uso, sendo que consta que a referida autarquia teria descoberto a fraude e negado a emissão do registro.
6. Ordem indeferida.
(STJ, HC 93.938/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.10.2011, DJe de 23.11.2011, destaquei)

Nesse mesmo sentido, precedente desta Turma:


PENAL. APELAÇÃO. CRIME DE USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO (ART. 304 do CP). USO DE DIPLOMA UNIVERSITÁRIO E HISTÓRICO ESCOLAR FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. CÓPIAS AUTENTICADAS COMO OBJETO MATERIAL DO CRIME: POSSIBILIDADE. CONSUMAÇÃO DO USO DE DOCUMENTO FALSO: DELITO FORMAL. DESCABIMENTO DA DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO DE DOCUMENTO PARTICULAR. DOSIMETRIA PENAL: IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DE PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL EM DECORRÊNCIA DE ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DESCABIMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PELA INTERDIÇÃO RESTRITIVA DE DIREITOS. APELAÇÃO DESPROVIDA.
- O apelante foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 304 do Código Penal, pelo uso de diploma de bacharel em engenharia e histórico escolar falsos, em procedimento de inscrição profissional perante o Conselho Regional de Engenharia em São Paulo - CREA/SP.
[...]
- No caso, o apelante valeu-se de cópias autenticadas dos documentos falsos para pleitear a inscrição no conselho profissional.
- O uso de documento falso é crime formal, independe da obtenção dos efeitos pretendidos pelo agente, consumando-se, no caso, com a simples utilização do diploma e do histórico escolar falsificados no procedimento de registro profissional. A licença para exercício da engenharia não afeta a consumação do delito, mas constituiria mero exaurimento do mesmo.
- No cometimento do delito de uso de documento público falso, o agente utiliza falsificação material de escrito elaborado por ente estatal, na função pública.
- As Instituições de Ensino Superior - IES fazem parte do sistema federal de ensino, submetendo-se à autorização, reconhecimento, credenciamento, supervisionamento e avaliação por parte da União, nos termos dos arts. 8º, inc. IX, e 16, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Federal nº 9.394/1996. Nesse sistema de ensino, a expedição e o registro de diploma do universitário constituem atribuições a cargo da instituição de ensino superior, nos termos dos artigos 53 e 48 da mencionada lei.
- Portanto, o diploma e o histórico escolar são revestidos de caráter eminentemente público, na medida em que constituem responsabilidades legais decorrentes do pertencimento das instituições de ensino superior ao sistema federal de ensino.
[...]
- Apelação desprovida.
(ACR nº 0001432-96.2012.4.03.6181, Rel. Des. Federal Fausto de Sanctis, j. 07.08.2018, e-DJF3 14.08.2018)

Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 12/03/2020 14:28:02