D.E. Publicado em 19/03/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR A QUESTÃO PRELIMINAR, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, apenas para valorar negativamente as consequências do delito e aplicar a causa de aumento prevista no art. 317, § 1º, do Código Penal; DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, apenas para reduzir a pena-base, diminuir o valor unitário do dia-multa, substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e afastar a cassação da sua aposentadoria; e, DE OFÍCIO, fixar o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, ficando a pena definitiva estabelecida em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 16 (dezesseis) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas por JOSÉ EDUARDO SANDOVAL NOGUEIRA e pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP que condenou o primeiro apelante como incurso no art. 317, caput, c.c. art. 71, ambos do Código Penal, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 52 (cinquenta e dois) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo; e absolveu o primeiro apelante da imputação pela prática do delito do art. 299, do Código Penal, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal. Não houve substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do art. 44, III, do Código Penal.
JOSÉ EDUARDO teve cassada a sua aposentadoria.
Narra a denúncia (fls. 231/236v), recebida em 26.02.2014 (fls. 268/269), que após investigações realizadas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Tamburataca, por meio de interceptações telefônicas e escutas ambientais judicialmente autorizadas, apurou-se a existência de esquema de irregularidades no âmbito da Gerência Regional do Trabalho de São José do Rio Preto, em que participavam auditores fiscais, com o intuito de beneficiar determinadas empresas, mediante percepção de vantagens indevidas, em detrimento de direitos dos trabalhadores. Dentre os delitos que teriam sido perpetrados por JOSÉ EDUARDO, destaca-se a solicitação e recebimento indevido de tubos da empresa "Central Energética Moreno de Monte Aprazível Açúcar e Álcool Ltda." em maio e junho de 2010. Para justificar a retirada dos produtos da empresa, o funcionário Marcos Roberto Foglia pediu ao réu dados para emissão de nota fiscal de doação, que foi fornecida em nome de "Flávio Sandoval Nogueira - ME", documento este ideologicamente falso, posteriormente apresentado para policiais militares em abordagem ao veículo de JOSÉ EDUARDO.
A sentença (fls. 677/689v) foi publicada em 18.11.2016 (fls. 690).
Em suas razões de apelação (fls. 701/710), o MPF requer a condenação do acusado pelo crime do art. 299, caput, do Código Penal; a incidência da causa de aumento disposta no §1º do art. 317, do Código Penal; a exasperação da pena-base quanto ao crime de corrupção passiva; a aplicação do concurso material entre os dois delitos de corrupção passiva; e a fixação de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso.
Já a defesa de JOSÉ EDUARDO, em suas razões recursais (fls. 716/727), suscita preliminarmente a nulidade das interceptações telefônicas. No mérito, requer a absolvição quanto ao crime de corrupção passiva diante da ausência de prova de autoria delitiva e da atipicidade da conduta por não ter o réu praticado ato de ofício em benefício da empresa em questão. Pleiteia ainda a aplicação do princípio da insignificância. Subsidiariamente, pugna pela redução da pena-base ao mínimo legal, pelo afastamento da pena de multa ou por sua redução, pela substituição da pena corporal por restritivas de direitos e pelo afastamento da perda de cassação da aposentadoria.
Contrarrazões a fls. 728/741 (defesa) e 745/760v (acusação).
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso da acusação e pelo parcial provimento do recurso da defesa, para a redução da pena-base ao mínimo legal e pelo afastamento da cassação da aposentadoria (fls. 763/778).
É o relatório. À revisão.
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VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por JOSÉ EDUARDO SANDOVAL NOGUEIRA em face da sentença que condenou o acusado, como incurso no art. 317, caput, c.c. art. 71, ambos do Código Penal, e o absolveu, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, da imputação de prática do crime do art. 299 do Código Penal.
Rejeito a preliminar de nulidade das interceptações telefônicas. A defesa arguiu essa preliminar ao argumento de que as interceptações telefônicas teriam sido deferidas com base em denúncia anônima, sem qualquer fundamento e perdurado por prazo indeterminado. Sem razão.
Observa-se da cópia do processo nº 000577-56.2009.403.6106 (CD fls. 227), no bojo do qual foram deferidas as interceptações telefônicas, que a investigação se iniciou a partir de representação do Ministério Público do Trabalho à Procuradoria da República em razão de contradições encontradas em autos de fiscalização lavrados por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego.
Uma das contradições foi apurada a partir da lavratura de auto de infração em desfavor de empresa que teria descumprido termo de compromisso firmado após ser condenada em processo trabalhista. Segundo informações, a própria empresa, em sua defesa, juntou relatório elaborado por auditor fiscal em evidente contradição com o que fora verificado durante diligência de fiscalização de cumprimento do referido termo de compromisso (CD fls. 227 - Volume 01).
Assim, a medida foi deferida por decisão fundamentada, após o levantamento de indícios de prática de delito contra a Administração Pública, e não por denúncia anônima, como alegado. Aliás, as informações obtidas de fonte sigilosa foram apenas mais um elemento utilizado para justificar a necessidade da medida de interceptação telefônica.
Com efeito, a decisão que deferiu a medida e as que deferiram suas prorrogações estão devidamente fundamentadas e sempre foram precedidas de manifestação do MPF e de minuciosos relatórios da autoridade policial.
O que ocorre é que algumas dessas decisões têm fundamentação per relationem, reportando-se aos fundamentos dos elementos informativos que haviam embasado os requerimentos do MPF. Trata-se de técnica admitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como se verifica, a título exemplificativo, pela leitura da seguinte ementa de acórdão:
No que toca às prorrogações e aos prazos das interceptações, a Lei nº 9.296/96 autoriza que a medida seja renovada. Ainda que o art. 5º desse diploma legal determine que a interceptação não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por igual período, prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento acerca da possibilidade de várias renovações da diligência, desde que fundamentadas e que a complexidade do caso concreto o exija.
No presente caso, não verifico qualquer mácula ou deficiência nas decisões de prorrogação exaradas pelo juízo a quo. A utilização de interceptação telefônica em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações criminosas exige a utilização de métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96.
O caso concreto reflete, de forma clássica, aquela situação em que a medida excepcional das interceptações das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. As prorrogações, a seu turno, foram concretamente fundamentadas e justificaram-se em razão da complexidade do caso. O período pelo qual se estendeu a medida alinha-se à gravidade dos fatos e à magnitude da atuação do grupo investigado, o que tornou imprescindível a sua prorrogação, consoante se observa da mídia de fls. 227, que contêm cópia integral do processo nº 0000577-56.2009.403.6106.
Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça):
Especificamente no caso em exame, chama atenção, conforme se depreende da leitura dos relatórios policiais e das manifestações ministeriais, o surgimento, a cada nova conversa interceptada, de indícios cada vez mais contundentes de prática delitiva por parte de fiscais do Ministério do Trabalho e empresários, justificando a prorrogação da medida excepcional para se desvendar os detalhes das negociações promovidas entre os acusados.
Portanto, rejeito a preliminar e passo ao exame do mérito.
Crime de corrupção passiva
JOSÉ EDUARDO pleiteia sua absolvição, sustentando que não poderia solicitar nenhuma vantagem à empresa "Central Energética Moreno de Monte Aprazível Açúcar e Álcool Ltda.", conhecida como Usina Moreno, já que nunca fiscalizou a empresa. Aduz que requisitou a doação de tubos para uma instituição de caridade e que não foi apontado nenhum ato de ofício que deixou de ser praticar. Pede também a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que o valor dos canos não ultrapassa R$ 300,00 (trezentos reais).
O pedido não comporta provimento. A materialidade delitiva foi suficientemente provada pelo teor das interceptações telefônicas (fls. 258/259v), em que se constata que, em maio de 2010, o apelante requisitou 120 (cento e vinte) tubos para o funcionário da Usina Moreno, Marcos Roberto Foglia, tendo-os efetivamente recebido em 07.05.2010. Em junho de 2010, o apelante fez novo pedido de canos, que foi novamente acatado, e os produtos foram retirados em 11.06.2010.
Os depoimentos dos policiais federais Leandro Silveira e Paulo César da Silva, que participaram da chamada Operação Tamburataca, foram claros ao corroborar o teor das conversas telefônicas interceptadas a respeito da retirada de canos na Usina Moreno por JOSÉ EDUARDO (CD fls. 457).
Ainda que Leandro Silveira tenha realizado a transcrição dos diálogos, não há óbice para que o seu depoimento seja levado em consideração.
As declarações desses agentes da polícia federal são corroboradas pelos relatórios de vigilância (fls. 220/221 e 222/224), nos quais consta que JOSÉ EDUARDO dirigiu-se à Usina Moreno em duas oportunidades (07.05.2010 e 11.06.2010) e que em ambas saiu com canos, sendo a primeira vez em um caminhão e a segunda, em uma caminhonete, acompanhado do filho.
É digna de nota também a cópia da nota fiscal obtida pela Polícia Militar em abordagem, emitida em nome da empresa do filho de JOSÉ EDUARDO, "Flavio Sandoval Nogueira - ME.", na qual consta a entrega de sucata de ferro a título de doação (fls. 226).
A defesa pleiteia a aplicação do princípio da insignificância porque o valor total de canos não ultrapassaria o montante de R$ 300,00 (trezentos reais), conforme informação do funcionário da Usina (fls. 158/161).
Contudo, o princípio da insignificância não se aplica, em regra, aos crimes contra a Administração Pública. Embora se busque resguardar o patrimônio público, o principal bem jurídico tutelado é a moral administrativa, que não é passível de ser valorada economicamente, o que obsta a utilização do valor da vantagem indevida como parâmetro para se aplicar o citado princípio.
Tal entendimento, aliás, encontra-se consolidado na Súmula nº 599 do Superior Tribunal de Justiça: "O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública". Por conseguinte, rejeito a aplicação do princípio da insignificância.
Quanto à autoria, também está suficientemente demonstrada. Da leitura das transcrições das ligações telefônicas, JOSÉ EDUARDO entra em contato com Marcos Roberto Foglia, funcionário da Usina Moreno, para combinar a retirada dos tubos previamente solicitados:
No dia combinado, JOSÉ EDUARDO entra em contato com uma pessoa de nome Valdemar, que iria auxiliá-lo a carregar o caminhão que foi utilizado na retirada dos canos:
De fato, o relatório de vigilância de fls. 220/221 mostra que o acusado foi até a Usina em 07.05.2010 e de lá saiu com os tubos requisitados, acompanhado de um caminhão, que descarregou os canos em um sítio em São José do Rio Preto/SP.
Quanto ao segundo fato narrado na denúncia, em 10.06.2010, em diálogo interceptado (índice 18165987), Marcos Roberto Foglia solicita ao acusado dados de CNPJ da suposta entidade beneficente para a qual se destinariam as doações, oportunidade em que o acusado forneceu os dados da empresa de seu filho, para confecção da nota fiscal de bonificação.
No dia seguinte, o acusado, acompanhado de seu filho, dirigiu-se à Usina Moreno, onde receberam mais canos, conforme comprovado pelo relatório de vigilância de 11.06.2010 (fls. 222/224). Houve abordagem da Polícia Militar ao veículo do réu, momento em que foi apresentada a nota fiscal de bonificação em nome da empresa "Flávio Sandoval Nogueira - ME" (fls. 226).
É inegável, portanto, que o réu solicitou a doação de canos para um funcionário da Usina Moreno.
O acusado alega que o pedido fora feito em nome de um centro de equoterapia, onde a sucata seria utilizada para a construção de cercas, não tendo sido feita solicitação em razão do seu cargo de auditor fiscal do trabalho. Contudo, tal versão não convence diante das provas produzidas.
O depoimento de Marcos Roberto Foglia confirmou a solicitação de doação de sucata de canos (CD fls. 391), porém, embora tenha negado a conexão entre a doação e o cargo exercido pelo acusado à época dos fatos, fica evidente a utilização dos tubos como contraprestação por informações dadas pelo réu a respeito da ocorrência de fiscalizações do Ministério do Trabalho.
Com efeito, no diálogo interceptado 18196930, Marcos Roberto Foglia inicia a conversa questionando se os canos doados três dias antes haviam sido satisfatórios para, em seguida, perguntar se haveria fiscalização. Transcrevo a referida conversa:
Ao contrário do alegado pelo réu em juízo, de que se tratava de uma resposta "padrão, automática", pois sempre haveria fiscalização na região (CD fls. 457), ele buscou saber detalhes da fiscalização, fazendo contato com o Ministério do Trabalho em São José do Rio Preto/SP logo após a ligação de Marcos Roberto Foglia, conforme diálogo de índice 18196971:
De posse da informação de que aconteceria fiscalização, o acusado avisou não só Marcos Roberto Foglia, mas também seu filho e um indivíduo de nome Rogério, usando frases codificadas, como se pode notar no seguinte diálogo:
Marcos Roberto Foglia confirmou, em suas declarações policiais, que a palavra "canos" referia-se à quantidade de fiscais do Ministério do Trabalho presentes na fiscalização (fls. 202/203). Ora, se fosse uma informação que pudesse ser repassada para os empresários, como intenta fazer crer o acusado, não haveria a necessidade de se utilizar de códigos na comunicação, evidenciando que o réu beneficiava a referida empresa, em troca da doação dos tubos.
Registro que, conforme informação de Marcos Roberto Foglia, a empresa tinha o costume de vender a sucata, de modo que não era comum a doação daqueles canos como ocorreu no caso dos autos (fls. 169/171).
Merece destaque também o depoimento de Marcos Roberto Foglia em juízo, ocasião em que afirmou que conhecia o réu como auditor fiscal do trabalho, mas que não havia relação de amizade com ele (CD fls. 391). Assim, não haveria nenhuma outra justificativa para que fosse autorizada a doação da sucata de canos.
A despeito da alegação do acusado de que não era responsável por fiscalizar a Usina Moreno, isso pouco importa para a caracterização do delito de corrupção passiva, uma vez que se trata de crime formal, cuja consumação independe de resultado naturalístico.
Assim, considerando que a corrupção passiva se consuma pela mera solicitação da vantagem indevida, sua comprovação é suficiente para a configuração do fato típico descrito no art. 317 do Código Penal, não se exigindo a efetiva entrega do valor indevido pelo particular ao funcionário público, tampouco que ele tenha praticado algum ato em decorrência do pagamento.
Por essa mesma razão, a versão do réu de que se tratava de pedido de doação destinada ao centro de equoterapia não é suficiente para se afastar a tipicidade da conduta.
A propósito, sequer foi demonstrada a utilização dos canos a título de doação. A documentação apresentada pela defesa traz fotografias de cercas construídas em um sítio, mas não é possível verificar se para isso foram usados os tubos obtidos junto à Usina. Ao contrário, Marcos Roberto Foglia informou em juízo que os canos estavam muito deteriorados e, por isso, não poderiam sequer ser pintados, o que não é compatível com o que se observa nas fotografias de fls. 458 e 462.
Tampouco merece acolhida a alegação de ausência de ato de ofício praticado pelo réu. Como acima mencionado, não se requer a prática ou omissão de ato de ofício para a caracterização do delito de corrupção passiva. Se demonstrada a desídia do funcionário público em decorrência da vantagem indevida solicitada, está caracterizada a causa de aumento do parágrafo 1º do art. 317 do Código Penal.
O juízo a quo afastou a causa de aumento ao fundamento de que a conduta do acusado não é ato de ofício e contra isso se insurge o MPF.
Pois bem. O aviso de fiscalizações contraria o dever funcional do auditor fiscal do trabalho, conforme o art. 35, II, do Regulamento de Inspeção do Trabalho (Decreto nº 4.552/2002), que coíbe a revelação de informações obtidas pelos funcionários em decorrência do exercício de sua competência. Tendo em vista ainda a previsão do art. 15 desse Regulamento, de que as inspeções devem ser efetuadas de forma imprevista para assegurar a sua eficácia, não há dúvida de que o sigilo se inclui no dever funcional dos auditores fiscais do trabalho.
Portanto, a atuação do acusado que beneficiou a Usina, ao alertá-la de possíveis fiscalizações do grupo de trabalho do Ministério do Trabalho, violou o Regulamento de Inspeção do Trabalho e, por isso, se caracteriza como prática de ato em violação ao seu dever funcional como auditor fiscal do trabalho.
Ainda, segundo o depoimento em juízo de Marcos Roberto Foglia, quando eram avisados antecipadamente da fiscalização, procuravam se precaver, embora nem sempre houvesse tempo hábil para não sofrer autuação (CD fls. 391). Assim, mesmo que não ocorresse a fiscalização, a Usina já havia sido avisada para se preparar caso houvesse necessidade.
Por conseguinte, está demonstrada a relação espúria entre o réu, que solicitava vantagens indevidas em razão de seu cargo de auditor do Ministério do Trabalho, e a Usina.
Portanto, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, mantenho a condenação de JOSÉ EDUARDO SANDOVAL NOGUEIRA pela prática de corrupção passiva.
Crime de falsidade ideológica
O juízo a quo absolveu o acusado da imputação da prática do crime do art. 299 do Código Penal, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal porque o fato objeto da falsidade não é juridicamente relevante.
Contra isso se insurge o MPF, alegando que a nota fiscal emitida em nome da empresa do filho de JOSÉ EDUARDO teria criado negócio jurídico que não ocorreu, o que não pode ser considerado irrelevante.
Não assiste razão à acusação.
Apesar de comprovada a materialidade e a autoria do crime do art. 299 do Código Penal, uma vez que a cópia da nota fiscal apresentada aos policiais militares durante a abordagem mostra como beneficiário da doação de sucatas a empresa "Flávio Sandoval Nogueira - ME", conforme dados fornecidos pelo próprio acusado a Marcos Roberto Foglia (ligação índice 18165987), não está demonstrada a atuação do acusado com o fim específico de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante com potencial para criar obrigações ou prejudicar direitos.
A emissão da nota fiscal teve como objetivo a liberação dos canos na empresa, documentando a doação, conforme pedido do funcionário da Usina Moreno. Além de ser inquestionável a doação em favor do réu, este, sendo o real beneficiário da doação, não agiu com o especial propósito de criar obrigação ou prejudicar direito da Usina ou de seu filho.
Nem se diga que a falsidade ideológica era essencial para a prática da corrupção passiva, já que o tipo penal do art. 317 do Código Penal é solicitar vantagem indevida. O recebimento da contraprestação requerida pouco importa para a caracterização do crime. Logo, o delito de corrupção passiva já estava consumado quando o réu forneceu os dados da empresa de seu filho para emissão da nota fiscal.
Por isso, mantenho a absolvição de JOSÉ EDUARDO SANDOVAL NOGUEIRA quanto à imputação de prática do crime do art. 299 do Código Penal.
Passo ao reexame da dosimetria da pena quanto ao crime de corrupção passiva.
Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 3 (três) anos de reclusão e 45 (quarenta e cinco) dias-multa, acima do mínimo legal, porque entendeu como negativa a conduta social do acusado, vez que já fora condenado em primeira instância pela prática de delito da mesma espécie, além de responder a outras ações penais.
A defesa requer a redução da pena-base, invocando a Súmula nº 444 do STJ, enquanto a acusação pleiteia a exasperação da pena-base, tendo em conta os maus antecedentes, a personalidade, os motivos e consequências do crime.
Assiste razão à defesa, pois a jurisprudência desta Décima Primeira Turma é no sentido de que, ainda que os raciocínios aplicados a cada uma das circunstâncias judiciais sejam distintos, a Súmula nº 444 do STJ veda a utilização de inquéritos e ações penais em curso para caracterizar qualquer das circunstâncias judiciais aptas a agravar a pena-base (ACR 0007959-84.2000.4.03.6181, Rel. Des. Federal Nino Toldo, Rel. p/ acórdão Des. Federal Cecilia Mello, j. 28.07.2015, e-DJF3 Judicial 1 10.08.2015). Os processos citados pelo juízo a quo estavam pendentes de trânsito em julgado, de modo que não poderiam ser considerados para majorar a pena-base.
De outra parte, o pleito do MPF quanto à personalidade e aos maus antecedentes do réu não prospera, tendo em vista que essas circunstâncias devem ser mantidas neutras, já que, como dito acima, não há trânsito em julgado das condenações e os demais processos criminais ainda estavam em andamento. No que toca à motivação do delito, que teria sido praticado por ganância, trata-se de circunstância inerente à prática criminosa e, por isso, deve ser mantida neutra.
Quanto às consequências do delito, assiste razão à acusação, dada a sua gravidade, uma vez que o réu, como fiscal do Ministério do Trabalho, tinha o dever de proteger os interesses dos trabalhadores, mas os preteriu em detrimento de empresa. Por isso, justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal por esta circunstância, mas em patamar menor do que o arbitrado na sentença, razão pela qual reduzo a pena-base para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes nem atenuantes, o que confirmo, ficando inalterada a pena intermediária.
Na terceira fase, o juízo a quo não aplicou causas de diminuição da pena e aplicou a causa de aumento decorrente da continuidade delitiva (CP, art. 71).
O MPF requer a incidência da causa de aumento prevista no art. 317, § 1º, do Código Penal, que prevê o aumento de um terço quando, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
Assiste razão ao MPF nesse ponto. Como acima explanado, o acusado violou seu dever legal de sigilo quanto às fiscalizações, sendo, por isso, aplicável a causa de aumento supracitada. Assim, aumentada em 1/3 (um terço), a pena passa para 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 14 (catorze) dias-multa.
O juízo a quo aumentou a pena, em 1/6 (um sexto), em razão da continuidade delitiva. O MPF, todavia, pleiteia o reconhecimento do concurso material entre os crimes, argumentando que o acusado é criminoso habitual.
A jurisprudência dos tribunais superiores em casos análogos é no sentido de que, para se desnaturar a continuidade delitiva, deve estar comprovada a habitualidade delitiva e a autonomia dos desígnios. A título exemplificativo:
No caso, não ficou suficientemente comprovado que o acusado tivesse o crime como modo de vida. Além disso, os dois delitos da mesma espécie foram praticados em maio e junho de 2010, em semelhantes condições de tempo e lugar, de modo que estão preenchidos os requisitos do art. 71 do Código Penal, razão pela qual mantenho o aumento da pena pela continuidade delitiva, na fração utilizada de 1/6 (um sexto), resultando na pena definitiva de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.
O acusado requer a isenção do pagamento da multa ou, ao menos, a redução do valor do dia-multa.
Indefiro o pedido de dispensa da pena de multa, pois esta consta do preceito secundário do tipo penal do art. 317 do Código Penal, tendo sido fixada de forma proporcional à pena privativa de liberdade de liberdade. Ademais, registro que eventual inadimplemento do pagamento da pena de multa não impede a extinção do processo de execução penal nem o cumprimento integral da pena privativa de liberdade privativa de liberdade. Nesse sentido:
Quanto ao valor unitário do dia-multa, foi fixado em 1 (um) salário mínimo e contra isso insurge-se o acusado, com razão. Isso porque, considerando-se a cassação administrativa da sua aposentadoria e a ausência de informações mais detalhadas sobre a sua atual situação financeira, o valor fixado apresenta-se alto demais, razão pela qual o reduzo para o valor mínimo legal.
Quanto ao regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade, o juízo a quo fixou o semiaberto, considerando desfavoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal. O MPF, todavia, requer a fixação de regime mais gravoso, argumentando que a personalidade e a conduta social do acusado, além dos seus antecedentes, justificariam o início do cumprimento da pena corporal em regime fechado.
Não comporta provimento a pretensão da acusação. Com efeito, a personalidade e a conduta social do acusado, bem como seus antecedentes, são neutros, como acima visto, não podendo ser ponderados em desfavor do acusado na fixação do regime inicial de cumprimento da sua pena. Apenas uma circunstância foi valorada negativamente, o que não é suficiente para a fixação de regime inicial mais gravoso, devendo ser observado o disposto no art. 33, § 2º, "c", do Código Penal. Por isso, de ofício, altero para o regime aberto o início do cumprimento da pena privativa de liberdade.
O juízo a quo não procedeu à substituição da pena corporal por restritivas de direitos, em vista do não preenchimento dos requisitos subjetivos do art. 44, III, do Código Penal. A defesa, todavia, pugna por essa substituição.
Com razão a defesa, pois as consequências do delito, embora valoradas negativamente, não são suficientes para afastar a substituição referida, de modo que acolho o pleito defensivo e procedo à substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo período da pena corporal, em local a ser indicado pelo juízo da execução; ii) prestação pecuniária, no valor de 5 (cinco) salários mínimos, a ser paga a entidade pública ou privada com destinação social a ser indicada pelo juízo da execução.
O apelante requer, ainda, o afastamento da pena de cassação de sua aposentadoria, determinada com base no art. 92 do Código Penal.
Acolho o pleito porque a jurisprudência do STJ é no sentido de que o rol desse dispositivo é taxativo e não autoriza a perda da aposentadoria em razão da condenação penal, o que só pode ocorrer na via administrativa. Confira-se:
Posto isso, REJEITO A QUESTÃO PRELIMINAR, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, apenas para valorar negativamente as consequências do delito e aplicar a causa de aumento prevista no art. 317, § 1º, do Código Penal; DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, apenas para reduzir a pena-base, diminuir o valor unitário do dia-multa, substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e afastar a cassação da sua aposentadoria; e, DE OFÍCIO, fixar o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, ficando a pena definitiva estabelecida em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 16 (dezesseis) dias-multa, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
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