Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/03/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007645-74.2011.4.03.6110/SP
2011.61.10.007645-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : WILIAN FREDERICO ZATTA
ADVOGADO : LUCIANA MORAES ROSA GRECCHI (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : ONEI DE BARROS JUNIOR
No. ORIG. : 00076457420114036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 183 DA LEI 9.472/97. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. TIPICIDADE. ABOLITIO CRIMINIS. RESOLUÇÃO 680/2017 DA ANATEL. CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE.
1. A Resolução nº 680, de 27.06.2017, da Anatel, estabeleceu novas regras para a exploração do serviço de comunicação multimídia de radiação restrita até cinco mil usuários, tornando prescindível a prévia outorga da agência reguladora. Hipótese de abolitio criminis
2. Extinção da punibilidade. Apelação prejudicada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, com fundamento no art. 61 do Código de Processo Penal e no art. 107, III, do Código Penal, DE OFÍCIO, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE de WILIAN FREDERICO ZATTA, ficando prejudicado o exame da apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de março de 2020.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007645-74.2011.4.03.6110/SP
2011.61.10.007645-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : WILIAN FREDERICO ZATTA
ADVOGADO : LUCIANA MORAES ROSA GRECCHI (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : ONEI DE BARROS JUNIOR
No. ORIG. : 00076457420114036110 1 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por WILIAN FREDERICO ZATTA, por intermédio da Defensoria Pública da União (DPU), em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP que o condenou à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97.


A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistente em: a) prestação de serviços a entidade assistencial, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses; b) uma prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, em favor de entidade a ser designada por ocasião da audiência admonitória.


Narra a denúncia (fls. 282/283) recebida em 29.11.2012 (fls. 288):


Nos dias 04 e 05 de julho de 2011, servidores públicos vinculados à ANATEL constataram, com base na fiscalização realizada em estabelecimento comercial (endereço acima discriminado) de WILIAN FREDERICO ZATTA que o mesmo desenvolvia e utilizava, de forma habitual, atividades de telecomunicação multimídia sem observância da legislação pertinente, ou seja, desenvolvia clandestinamente atividades de telecomunicação multimídia sem observância dos requisitos legais e técnicos.
Na posse de WILIAN FREDERICO ZATTA foram encontradas duas estações de serviço de comunicação multimídia, as quais possuíam um roteador sem fio da marca Router, modelo APR-WR254HT, S/N 10C30465, um adaptador da marca Ubiquiti, modelo UBI-POE-245, S/N LV20110200716, um banco de baterias da marca APC, modelo RS/XS 1500, S/N NB0544000874 e um nobreak da marca APC, modelo RS 1500, S/N JB0433005715, que operava na faixa de frequência de 2,4 e 5,8 GHz (fl. 67vº e 73).

A sentença (fls. 357/387) foi publicada em 19.10.2015 (fls. 388).


Em suas razões recursais (fls. 393/397), a defesa pede a absolvição do réu pela atipicidade da conduta e pela ausência de provas. Subsidiariamente, requer a redução da pena-base e a redução da pena de prestação pecuniária para 1 (um) salário mínimo.


Contrarrazões a fls. 400/403.


A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 411/416).


É o relatório. Dispensada a revisão.


VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): O apelante requer sua absolvição, sustentando, para tanto, que a conduta é atípica por se tratar de serviço de provedor de internet, que não se caracteriza como telecomunicação.


A extinção da punibilidade do réu deve ser declarada de ofício.


Com efeito, o crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97 é formal, de perigo abstrato, cujo bem jurídico tutelado são os meios de comunicação, pois a exploração de radiodifusão sem a devida autorização da agência reguladora pode causar interferência em vários sistemas de comunicação. Para a sua caracterização exige-se somente a comprovação do desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicações, não sendo imprescindível à configuração do delito a comprovação da obtenção de vantagem econômica ou o caráter profissional da conduta.


Contudo, a Resolução nº 680, de 27.06.2017, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), estabeleceu novas regras para a exploração do Serviço de Comunicação Multimídia de radiação restrita até cinco mil usuários. A propósito, transcrevo o art. 5º da mencionada resolução:

Art. 5º O Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:
Art. 10-A. Independe de autorização a prestação do SCM nos casos em que as redes de telecomunicações de suporte à exploração do serviço utilizarem exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita.
§ 1º A dispensa prevista no caput aplica-se somente às prestadoras com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço.
§ 2º A prestadora que fizer uso da dispensa prevista no caput deverá comunicar previamente à Agência o início de suas atividades em sistema eletrônico próprio da Anatel.
§ 3º A prestadora que fizer uso da dispensa prevista no caput deverá atualizar seus dados cadastrais anualmente, até o dia 31 de janeiro, em sistema eletrônico próprio da Anatel.
§ 4º A dispensa prevista no caput não exime a prestadora da obrigatoriedade de atendimento das condições, requisitos e deveres estabelecidos na legislação e na regulamentação.
§ 5º Atingido o limite de acessos em serviço previsto no § 1º, a prestadora terá 60 (sessenta) dias para providenciar a competente outorga para exploração do serviço.

Pela leitura desse dispositivo, observa-se que, para a exploração do serviço de comunicação multimídia de radiação restrita até cinco mil usuários, tornou-se prescindível a prévia outorga da Anatel, o que revela uma evolução na compreensão da agência reguladora acerca dos requisitos para a exploração desses serviços, o que afasta a tipicidade da conduta nessa hipótese.


No caso, de acordo com o relatório de fiscalização (fls. 05/10), foi apurado o funcionamento de atividade de telecomunicações clandestinas nos dias 4 e 5 de julho de 2011, enquanto o relatório circunstanciado de cumprimento de mandado de busca e apreensão (fls. 43/46), de 26.10.2011, indica que a estação da avenida Governador Mário Covas nº 52, em Mairinque/SP, continuava em operação nesse dia. Também se destacam o termo de apresentação (fls. 58/61), a nota técnica (fls. 73/79) e o ofício da Anatel (fls. 192/195), que apontam a ausência de licença para funcionamento de equipamentos de transmissão de internet, o que caracterizaria, dessa forma, exploração ilegal do serviço de telecomunicações.


Outrossim, foi verificado pela fiscalização que o serviço irregular era prestado a menos de cinco mil usuários (aproximadamente 200 clientes ativos - fls. 47/54), dentro do limite previsto na Resolução nº 680, de 27.06.2017, para a dispensa de autorização.


Observo que a necessidade de prévia comunicação à Anatel quanto à prestação do serviço de comunicação multimídia é formalidade administrativa, devendo ser apurada no âmbito da agência reguladora, e não mais no âmbito judicial, visto que não caracteriza violação à lei, pois, conforme já destacado, houve uma redução da abrangência típica para os casos de exploração do serviço de comunicação multimídia de radiação restrita até cinco mil usuários.


Desse modo, tendo em vista a posterior regulamentação da Anatel sobre o serviço de comunicação multimídia, a conduta do acusado deixou de ser tipificada, ocorrendo a abolitio criminis. Nesse sentido, já decidiu esta Turma:


APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 183 DA LEI 9.472/97. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. TIPICIDADE. ABOLITIO CRIMINIS. RESOLUÇÃO 680/2017. CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. Agentes de fiscalização da ANATEL constataram que o denunciado explorava clandestinamente serviço de telecomunicação (multimídia) em sua microempresa. O crime previsto no art. 183, caput, da Lei n.º 9.472/97 possui natureza formal, de perigo abstrato, que tutela a segurança e higidez das telecomunicações no Brasil, bem como o controle e fiscalização estatal sobre tais atividades, bastando, pois, a prática da conduta para que se configure em concreto a conduta típica em questão. O serviço de comunicação multimídia (internet via rádio), de fato, caracteriza atividade de telecomunicação e, quando operado clandestinamente, configura, em tese, o crime descrito no art. 183 da Lei n.º 9.472/97. Diante do advento da Resolução 680/2017 da ANATEL, que deixou de exigir autorização para a exploração do SCM que utilize exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita, com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço, e, em razão disso, afastou a clandestinidade desses serviços, houve a descriminalização da conduta imputada ao réu, prevista no art. 183 da Lei 9.472/97.4. Apelação desprovida. De ofício, declarada extinta a punibilidade do réu, nos termos do art. 107, inciso III, do Código Penal e art. 61 do Código de Processo Penal. (g.n.)
(ACR 0003677-75.2007.403.6110, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 22.05.2018, e-DJF3 Judicial 1 28.05.2018)

Considerando o teor do art. 5º, XL, da Constituição Federal, acerca da retroatividade da lei penal mais benéfica, é de rigor a declaração da extinção da punibilidade do acusado.


Posto isso, com fundamento no art. 61 do Código de Processo Penal e no art. 107, III, do Código Penal, de ofício, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE de WILIAN FREDERICO ZATTA, ficando prejudicado o exame da apelação, nos termos da fundamentação supra.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 12/03/2020 14:28:09