Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 17/04/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013571-75.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.013571-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : FLAVIA DENISE CAMARGO LUCIANO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00135717520154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO. ARTIGO 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. FUNCIONÁRIO DOS CORREIOS. AFASTADA A TESE DE CRIME IMPOSSÍVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. NÃO CONFIGURADO. CRIME CONSUMADO. SUBTRAÇÃO DO BEM. POSSE TRANQUILA SOBRE A COISA AINDA QUE POR BREVE PERÍODO DE TEMPO. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA.
- Não caracterizada a hipótese de crime impossível porquanto o meio empregado não era absolutamente inidôneo para o fim colimado, até porque, a despeito do monitoramento eletrônico de vigilância, a increpada logrou êxito em acondicionar os objetos em seu armário pessoal, detendo, ainda que por curto interregno, a posse mansa e pacífica dos celulares.
- O fato da funcionária responsável pelo setor ter percebido a ocorrência e ter acionado a polícia não faz com que se possa admitir que o meio empregado era absolutamente incapaz para a execução do ato. A existência de sistema interno de monitoramento não obsta a consumação delitiva, já que tais mecanismos configuram apenas tentativas de minimizarem eventuais ocorrências, não ilidindo, de forma absolutamente eficaz, a consumação do crime.
- Materialidade delitiva comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (registro de Àudio e Imagens).
- Autoria delitiva comprovada pela prisão em flagrante da ré, além da prova oral colida em juízo, notadamente pelos depoimentos das testemunhas e a confissão da ré em juízo.
- Elemento subjetivo consubstanciado no dolo comprovado.
- Perfectibilizada a prática do crime estampado no artigo 312, caput, do Código Penal. Comprovação de que a ré, em razão de sua atividade junto aos Correios, valeu-se dessa qualidade para subtrair bens pertencentes a terceiros que estavam sob a guarda da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT.
- Impossibilidade de aplicação da causa especial de diminuição da pena estatuída no artigo 16 do Código Penal (arrependimento posterior), já que comprovado que os bens foram localizados sem que para tanto houvesse qualquer voluntariedade no ato de restituição da coisa ou de reparação do dano. Ao contrário, os objetos não foram devolvidos por vontade própria pela acusada, mas localizados e apreendidos após vistoria policial em seu armário pessoal. Ausente o requisito da voluntariedade no ato de reparação do dano ou de restituição da coisa, não há como favorecer o agente com a incidência do redutor da pena.
- Não aplicação do redutor da pena atinente à tentativa, ante a consumação do delito. Ainda que por um curto interregno, a ré manteve a posse mansa e pacífica dos objetos em seu armário, até que fossem localizados pela polícia, ou seja, tão somente após a funcionária efetiva ter retornado do almoço e percebido a violação das encomendas, e depois do acionamento das forças de segurança pública, é que se conseguiu localizar os objetos.
- Recurso da Defesa a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA RÉ, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de março de 2020.
MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013571-75.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.013571-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : FLAVIA DENISE CAMARGO LUCIANO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00135717520154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, nascida em 24.05.1991, em face da sentença publicada aos 18.11.2016 (fl. 166), pelo MM. Juiz Federal da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, Dr. Silvio César Arouck Gemaque, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré pela prática do delito insculpido no artigo 312, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal. Estabelecido o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada à entidade pública com destinação social, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, na forma a ser indicada pelo juízo das execuções, pelo prazo da pena privativa de liberdade (fls. 160/165).


Narra a denúncia que (fls. 56/58):


(...)
No dia 05/11/2015, por volta das 18:30hs, no interior do CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DOS CORREIOS, na Vila Leopoldina, FLAVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, funcionária dos correios, apropriou-se de 2 celulares da marca Motorola que fazia parte das encomendas que aportaram no CDC, oriundas das agências da região.
FLAVIA DENISE, que tinha sido contratada há 2 dias pelo CDC, como temporária, tinha como função recolher as encomendas que desciam da rampa e colocá-las nas gaiolas ou caixas.
No dia dos fatos, 2 encomendas foram encontradas violadas com caixas de celulares vazias identificadas com IMEI 358965068987157, IMEI 358985068987165 e IMEI 359000060914857.
Os mesmos celulares, de igual modelo, correspondentes aos respectivos IMEI constantes na caixa, foram encontrados no armário de FLAVIA, após vistoria realizada pela polícia militar, acionada pelo CDC Vila Leopoldina, diante do furto do conteúdo das 2 embalagens, conforme auto de apresentação e apreensão, de fl. 10.
No local dos fatos, estavam presentes dois outros funcionários dos correios, Jobisson Ferreira Silva e Rogério Perreira Pontes, os quais acompanharam o momento em que os celulares foram apreendidos no armário de FLAVIA, conforme depoimentos às fls. 04/07. Rogério chegou a dizer que, no primeiro dia de trabalho da denunciada, chamou-lhe a atenção a sua postura, porque parecia estar tentando identificar o conteúdo das embalagens que manuseava (fl. 06)
A denunciada foi presa em flagrante, concedendo-se lhe, após, liberdade provisória mediante as condições estabelecidas à fl. 50.
Assim, agindo, incorreu FLAVIA DENISE CAMARGO LUCIANO nas penas do art. 312, caput, do Código Penal (...)

Foi determinada a notificação da denunciada a apresentar defesa preliminar escrita, nos termos do artigo 514 do Código de Processo Penal (fl. 59), cuja peça foi acostada pela defesa às fls. 65/66.


A denúncia foi recebida em 17.03.2016 (fl. 73 e verso), tendo a defesa, em seguida, apresentado resposta à acusação (fls. 97/100). A sentença foi publicada aos 18.11.2016 (fl. 166), a qual transitou em julgado para o órgão ministerial aos 28.11.2016 (fl. 169).


Em suas razões recursais (fls. 172/175), a defesa postulou a absolvição da increpada, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal. Argumentou a atipicidade da conduta, porquanto, nos termos do artigo 17 do Código Penal, tratar-se-ia de crime impossível, diante da existência de monitoramento de vigilância eletrônico no local, além do que a consumação teria sido obstada antes mesmo de a ré efetivamente se apropriar do objeto com posse mansa e pacífica. Em caso de afastamento da tese anterior, requer a aplicação da causa de diminuição da pena decorrente da tentativa, em seu patamar máximo, a teor do que dispõe o artigo 14, II, e parágrafo único, do Código Penal, diante da interrupção do iter criminis. Na hipótese de entendimento contrário, ou seja, de que o crime se consumou, requer a aplicação da causa de diminuição da pena atinente ao arrependimento posterior na fração de 2/3, nos termos do artigo 16 do Código Penal.


Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal às fls. 177/186.


A Procuradoria Regional da República emitiu parecer, às fls. 189/192, para que seja negado provimento à Apelação da defesa.


É o Relatório.


À revisão.






FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013571-75.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.013571-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : FLAVIA DENISE CAMARGO LUCIANO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00135717520154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:

Confirmo o relatório.

O órgão do Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO como incursa nas sanções do artigo 312, caput, do Código Penal, porquanto, aos 05.11.2015, na condição de funcionária temporária dos Correios, apropriou-se do conteúdo de duas embalagens, atinente a 02 (dois) celulares da marca Motorola, que faziam parte das encomendas que aportaram no Centro de Distribuição - Vila Leopoldina, os quais foram encontrados no armário da increpada.

De acordo com a peça vestibular, a ré tinha como função recolher as encomendas que desciam da rampa e colocá-las nas gaiolas ou caixas, bem como que duas encomendas foram encontradas violadas com caixas de celulares vazias identificadas com IMEI 358965068987157, IMEI 358985068987165 e IMEI 359000060914857, sendo certo que os mesmos celulares, de igual modelo, correspondentes aos respectivos IMEI constantes na caixa, foram encontrados no armário FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, após vistoria realizada pela polícia militar (fls. 56/58).

A sentença acostada às fls. 160/165 julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré pela prática do delito insculpido no artigo 312, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valo mínimo legal. Foi fixado o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada à entidade pública com destinação social, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, na forma a ser indicada pelo juízo das execuções, pelo prazo da pena privativa de liberdade.

Feitas tais considerações, em linhas gerais, cabe considerar que a defesa requer a absolvição da increpada, ao fundamento da atipicidade da conduta, alegando tratar-se de crime impossível e, subsidiariamente, na hipótese de ser mantida a condenação, que seja aplicada a redução da pena em razão da tentativa, bem como em virtude do arrependimento posterior.

Mérito

Peculato. Artigo 312 do Código Penal.

O artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo dispõe acerca do crime de peculato nos seguintes termos:

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

O crime de peculato é crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público, sendo certo que a primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal prevê a conduta típica do peculato-apropriação, hipótese em que, o agente assenhora-se, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse.

Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha, sendo certo que a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação.

Na segunda hipótese (peculato-desvio), a conduta desviar compreende o fato de o agente da Administração Pública alterar o destino do objeto de que tenha posse para um fim diverso, em proveito próprio ou de terceiro, sendo certo que o proveito poderá ser patrimonial ou moral, havendo a necessidade de que a posse seja lícita, para que ulteriormente o bem possa ser desviado.

Tanto no peculato-apropriação quanto no peculato-desvio, a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação ou ao desvio. Ausente a posse, ainda que indireta ou jurídica, não há que se falar em peculato.

Em tais casos, é prescindível a natureza pública do bem para a configuração do crime de peculato, importando apenas que o objeto material tenha sido confiado ao funcionário público em razão de sua qualidade, podendo tratar de bens particulares.

Por outro lado, o parágrafo primeiro do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo descreve a conduta do peculato-furto. Nesta hipótese, há dois comportamentos tipificados. O primeiro evidencia a conduta do funcionário público que subtrai e o segundo o de concorrer para que seja subtraído, não se exigindo, como ocorre no caput, que o funcionário público tenha a posse da coisa. Trata-se aqui do peculato impróprio.

Nesse sentido, o Pretório Excelso já decidiu que para a configuração do peculato-furto o agente não detém a posse da coisa (valor, dinheiro ou outro bem móvel) em razão do cargo que ocupa, mas sua qualidade de funcionário público propicia facilidade para a ocorrência da subtração devido ao trânsito que mantém no órgão público em que atua ou desempenha suas funções (HC n.º 86717, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 22.08.2008).

O funcionário público vale-se de sua condição para assim atuar, quer seja para subtrair, quer seja concorrendo dolosamente para que outro subtraia. Basta que se beneficie das facilidades que dispõe em virtude de seu cargo.

Alegação de crime impossível

A defesa sustenta a ocorrência de crime impossível no que se refere ao crime de peculato, sob o argumento da existência de monitoramento de vigilância eletrônica no local e o fato de a consumação ter sido obstada antes mesmo de a ré efetivamente se apropriar dos objetos com posse mansa e pacífica.

Com efeito, a figura do crime impossível encontra previsão no art. 17 do Código Penal, estando definida da seguinte maneira: Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. De acordo com o artigo transcrito, nota-se que, para que a tentativa não seja punida, o meio empregado pelo agente precisa ser absolutamente (completamente) ineficaz para a consecução da empreitada criminosa ou o objeto (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do sujeito ativo do tipo penal) precisa ser absolutamente impróprio para o desiderato pretendido pelo criminoso. Tais situações retratadas escoram-se na ideia de que o bem jurídico tutelado pela norma penal não corre risco algum em face da conduta (comissiva ou omissiva) levada a efeito, de modo que o crime é reputado como impossível.

Cumpre destacar que o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1385621/MG (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015), sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos da controvérsia, firmou entendimento no sentido de que realmente a ineficácia do meio precisa ser absoluta para que o crime possa ser tido como impossível. Apreciou-se, naquele feito, a alegação de que sistemas de segurança existentes em estabelecimentos comerciais fariam com que eventual conduta tipificadora do crime de furto fosse impossível de ser realizada justamente porque a consumação do delito estar-se-ia obstada pelo aparato protetivo instalado pelo comerciante. O posicionamento adotado pela C. Corte Superior baseou-se no fato de que sistemas de circuito interno de TV (instalados exatamente com o objetivo de evitar desfalques patrimoniais) não teriam o condão de tornar absolutamente incapaz o meio empregado na justa medida em que a eficiência do mecanismo de segurança apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impede(m), de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais - consignou-se, ademais, que não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equipamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc.

Segue a ementa do precedente (frise-se: de observância obrigatória sob o pálio do disposto no art. 927, III, do Código de Processo Civil):

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. DIREITO PENAL. FURTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE SEGURANÇA E DE VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. CRIME IMPOSSÍVEL. INCAPACIDADE RELATIVA DO MEIO EMPREGADO. TENTATIVA IDÔNEA. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso Especial processado sob o rito previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. TESE: A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial. 2. Embora os sistemas eletrônicos de vigilância e de segurança tenham por objetivo a evitação de furtos, sua eficiência apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais. Assim, não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equipamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc. 3. Conquanto se possa crer, sob a perspectiva do que normalmente acontece em situações tais, que na maior parte dos casos não logrará o agente consumar a subtração de produtos subtraídos do interior do estabelecimento comercial provido de mecanismos de vigilância e de segurança, sempre haverá o risco de que tais providências, por qualquer motivo, não frustrem a ação delitiva. 4. Somente se configura a hipótese de delito impossível quando, na dicção do art. 17 do Código Penal, "por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime." 5. Na espécie, embora remota a possibilidade de consumação do furto iniciado pelas recorridas no interior do mercado, o meio empregado por elas não era absolutamente inidôneo para o fim colimado previamente, não sendo absurdo supor que, a despeito do monitoramento da ação delitiva, as recorridas, ou uma delas, lograssem, por exemplo, fugir, ou mesmo, na perseguição, inutilizar ou perder alguns dos bens furtados, hipóteses em que se teria por aperfeiçoado o crime de furto. 6. Recurso especial representativo de controvérsia provido para: a) reconhecer que é relativa a inidoneidade da tentativa de furto em estabelecimento comercial dotado de segurança e de vigilância eletrônica e, por consequência, afastar a alegada hipótese de crime impossível; b) julgar contrariados, pelo acórdão impugnado, os arts. 14, II, e 17, ambos do Código Penal; c) determinar que o Tribunal de Justiça estadual prossiga no julgamento de mérito da apelação" (REsp 1385621/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015) - destaque nosso.

Portanto, somente é possível cogitar-se de crime impossível quando a ineficácia do meio empregado for absolutamente irretorquível pelos elementos de prova constantes dos autos, nos termos em que fixada a jurisprudência de observância obrigatória do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria.

Dentro desse contexto, não se vislumbra na hipótese dos autos a ocorrência de crime impossível, porquanto o meio por ela empregado não era absolutamente inidôneo para o fim colimado, até porque, a despeito do monitoramento eletrônico de vigilância, a increpada logrou êxito em acondicionar os celulares em seu armário pessoal, detendo, portanto, ainda que por curto interregno, a posse mansa e pacífica dos objetos.

Como muito bem explicitado na sentença:

(...)
Pelo que restou apurado, a acusada já havia guardado os objetos em seu armário, sendo que só foi descoberta em razão da suspeita levantada pela funcionária efetiva que notou o rompimento de invólucro no boxe sob sua responsabilidade. Assim, nada impedia, antes do efetivo encontro dos objetos, que a acusada conseguisse retirá-los do local.
(...)
No caso em tela, não existiu inidoneidade alguma, tendo ocorrido a consumação do crime, pois a acusada, ainda que, por breves momentos, logrou obter a posse dos objetos desviados.
Ademais, a descoberta do crime deu-se apenas por diligência da funcionária efetiva, que retornava de seu horário de descanso, não havendo suspeita fundada, antes disso, até porque recém contratada, em relação à acusada".

Como se vê, deve ser rechaçada a tese de absoluta ineficácia do meio empregado, da qual decorreria a possibilidade de incidência da figura do crime impossível, porquanto o sistema de monitoramento eletrônico não obstou que a ré conseguisse percorrer todo o iter criminis e de ter mantido sob sua posse mansa e pacífica (dentro de seu armário pessoal), ainda que por curto lapso de tempo, os objetos identificados na denúncia.

O fato de a funcionária responsável pelo setor ter percebido a ocorrência e ter acionado a polícia não faz com que se possa admitir que o meio empregado era absolutamente incapaz para a execução do ato. A existência de sistema interno de monitoramento não obsta a consumação delitiva, já que tais mecanismos configuram apenas tentativas de minimizarem eventuais ocorrências, não elidindo, de forma absolutamente eficaz, a consumação do delito.

Afastada, portanto, a tese de crime impossível aventada pela defesa.

Materialidade e autoria

A despeito de não ter sido objeto de recurso, a materialidade delitiva ficou evidenciada pelo Auto de Apresentação e Apreensão acostado às fls. 10/11, bem como pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Registro de Áudio e Imagens) n.º 720/2016-NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP.

A autoria igualmente não foi objeto de insurgência, mas igualmente restou delineada nos autos, não apenas pela prisão em flagrante da ré, mas também por outros elementos probatórios. Como bem exposto na sentença (fl. 161 e verso):

Com efeito, a acusada, em seu interrogatório judicial admitiu a prática do delito, dizendo-se arrependida.
No mesmo sentido, os depoimentos das testemunhas Anderson Silva Veríssimo, Rogério Perreira Pontes e Jobisson Ferreira Silva, ouvidos durante a instrução, são claros em evidenciar o 'modus operandi' do crime. Com efeito, principalmente os dois últimos (funcionários dos Correios) relataram que a acusada, recém contratada, aproveitando-se desta condição e do fato de que substituía uma funcionária efetiva, desviou os referidos aparelhos. Referidas testemunhas foram uníssonas em descrever como se deu a suspeita, eis que a funcionária efetiva deu por conta de rompimento de invólucro no boxe de origem, oportunidade que, durante diligência de conferência no armário da acusada, conseguiram encontrar os objetos em questão.
Em suma, diante da confissão da acusada e dos demais elementos de prova colhidos, inclusive a prova da materialidade, em que ficam provados os fatos descritos na exordial acusatória, em que a acusada, aproveitando-se de sua condição de então funcionária terceirizada da EBCT, praticou, de fato, o delito descrito na exordial acusatória.

O elemento subjetivo consubstanciado no dolo, consistente na vontade livre e consciente da increpada em se apropriar do bem também ficou caracterizado pelas provas acima amealhadas.

Percebe-se, pois, que tais elementos probatórios revelam que a ré, em razão de sua atividade levada a efeito nos Correios, valeu-se dessa qualidade para subtrair bens pertencentes a terceiros que estavam sob a guarda da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT.

Perfectibilizada, portanto, a prática do crime estampado no artigo 312, caput, do Código Penal.

Da Dosimetria da Pena.

Pena-base

Na primeira fase da dosimetria, o Juízo a quo, ponderando todos os elementos do artigo 59 do Código Penal, fixou a pena-base no mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão, pela prática do crime de peculato.

À míngua de recurso específico neste ponto, deve ser mantida a pena tal como lançada.

Agravantes e Atenuantes

Nesta segunda fase da dosimetria, o juízo a quo entendeu inexistirem circunstâncias agravantes. Por outro lado, quanto às circunstâncias atenuantes, em virtude de a ré ter confessado a prática delitiva, agiu acertadamente ao reconhecer a atenuante genérica da confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal). No entanto, deixou de aplicar o redutor, diante do disposto na Súmula n.º 231 do STJ, mantendo-a no patamar mínimo de 02 (dois) anos de reclusão.

Causas de Aumento e Diminuição

Nesta terceira fase dosimétrica, diante da ausência de causas de aumento ou de diminuição da pena, o magistrado sentenciante tornou a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (des) dias-multa.

A defesa sustenta que o crime não se consumou porquanto o objeto subtraído não ficou sob a esfera de disponibilidade da ré.

Como já explicitado alhures, a consumação do crime restou perfectibilizada. Ainda que por um curto interregno, a ré manteve a posse mansa e pacífica dos objetos em seu armário, até que fossem localizados pela polícia, ou seja, tão somente após a funcionária efetiva ter retornado do almoço e percebido a violação das encomendas, e depois do acionamento das forças de segurança pública, é que se conseguiu localizar os objetos.

Afastada, portanto, a pretensão de aplicação da causa de diminuição da pena atinente à tentativa.

De idêntico modo, ao contrário do aventado pela defesa, não há que ser aplicada a causa especial de diminuição da pena estatuída no artigo 16 do Código Penal, já que as provas amealhadas ao feito, são reveladoras no sentido de que os bens foram localizados sem que para tanto houvesse qualquer voluntariedade no ato de restituição da coisa. Ao contrário, os objetos não foram devolvidos por vontade própria pela acusada, mas localizados e apreendidos após vistoria policial em seu armário pessoal.

Nessa toada, ausente o requisito da voluntariedade no ato de restituição da coisa ou de reparação do dano, não há como favorecer o agente com a incidência do redutor da pena.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO. SERVIDORA PÚBLICA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PECULATO-FURTO. RESTITUIÇÃO. IRRELEVANTE. PECULATO DOLOSO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANULADO. EXONERAÇÃO A PEDIDO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MANUTENÇÃO. RESTITUIÇÃO DO NUMERÁRIO. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. NÃO CONFIGURADO. MULTA. RESTRITIVA DE DIREITOS. RECURSO IMPROVIDO.
(...)
8. A restituição do numerário não serve para aplicar o disposto no par. 3º do art. 312 do CP, como pede a defesa, por tratar-se de hipótese de peculato doloso, e, na singularidade do caso, também não serve para configurar o arrependimento posterior - causa especial de diminuição da pena, prevista no art. 16 do mesmo diploma legal, ao contrário dos termos do parecer ministerial, pois não foi a peculatária (...), mas sim o prejudicado (...) quem se ocupou de restituir o numerário aos cofres públicos.
(TRF3, ACR n.º 2002.03.99.001170-2/SP, Rel. Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Primeira Turma, j. 30.06.2009).

Portanto, torna-se definitiva a pena privativa de liberdade em 02 (dois) anos de reclusão.

Pena de Multa

A pena de multa foi fixada em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de um trigésimo do salário mínimo, devidamente atualizado a partir da data do fato, o que deve ser mantido.

Regime Inicial do Cumprimento da Pena

O regime fixado foi o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.

Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade

Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, o juízo a quo substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada à entidade pública com destinação social, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, na forma a ser indicada pelo juízo das execuções, esta última, pelo prazo da pena privativa de liberdade, o que deve ser mantido, ante ausência de recurso neste ponto.

Conclusão

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação da ré FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, nos termos da fundamentação.

É o voto.

MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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