D.E. Publicado em 17/04/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA RÉ, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta por FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, nascida em 24.05.1991, em face da sentença publicada aos 18.11.2016 (fl. 166), pelo MM. Juiz Federal da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, Dr. Silvio César Arouck Gemaque, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré pela prática do delito insculpido no artigo 312, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal. Estabelecido o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada à entidade pública com destinação social, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, na forma a ser indicada pelo juízo das execuções, pelo prazo da pena privativa de liberdade (fls. 160/165).
Narra a denúncia que (fls. 56/58):
Foi determinada a notificação da denunciada a apresentar defesa preliminar escrita, nos termos do artigo 514 do Código de Processo Penal (fl. 59), cuja peça foi acostada pela defesa às fls. 65/66.
A denúncia foi recebida em 17.03.2016 (fl. 73 e verso), tendo a defesa, em seguida, apresentado resposta à acusação (fls. 97/100). A sentença foi publicada aos 18.11.2016 (fl. 166), a qual transitou em julgado para o órgão ministerial aos 28.11.2016 (fl. 169).
Em suas razões recursais (fls. 172/175), a defesa postulou a absolvição da increpada, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal. Argumentou a atipicidade da conduta, porquanto, nos termos do artigo 17 do Código Penal, tratar-se-ia de crime impossível, diante da existência de monitoramento de vigilância eletrônico no local, além do que a consumação teria sido obstada antes mesmo de a ré efetivamente se apropriar do objeto com posse mansa e pacífica. Em caso de afastamento da tese anterior, requer a aplicação da causa de diminuição da pena decorrente da tentativa, em seu patamar máximo, a teor do que dispõe o artigo 14, II, e parágrafo único, do Código Penal, diante da interrupção do iter criminis. Na hipótese de entendimento contrário, ou seja, de que o crime se consumou, requer a aplicação da causa de diminuição da pena atinente ao arrependimento posterior na fração de 2/3, nos termos do artigo 16 do Código Penal.
Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal às fls. 177/186.
A Procuradoria Regional da República emitiu parecer, às fls. 189/192, para que seja negado provimento à Apelação da defesa.
É o Relatório.
À revisão.
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VOTO
A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:
Confirmo o relatório.
O órgão do Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO como incursa nas sanções do artigo 312, caput, do Código Penal, porquanto, aos 05.11.2015, na condição de funcionária temporária dos Correios, apropriou-se do conteúdo de duas embalagens, atinente a 02 (dois) celulares da marca Motorola, que faziam parte das encomendas que aportaram no Centro de Distribuição - Vila Leopoldina, os quais foram encontrados no armário da increpada.
De acordo com a peça vestibular, a ré tinha como função recolher as encomendas que desciam da rampa e colocá-las nas gaiolas ou caixas, bem como que duas encomendas foram encontradas violadas com caixas de celulares vazias identificadas com IMEI 358965068987157, IMEI 358985068987165 e IMEI 359000060914857, sendo certo que os mesmos celulares, de igual modelo, correspondentes aos respectivos IMEI constantes na caixa, foram encontrados no armário FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, após vistoria realizada pela polícia militar (fls. 56/58).
A sentença acostada às fls. 160/165 julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré pela prática do delito insculpido no artigo 312, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valo mínimo legal. Foi fixado o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada à entidade pública com destinação social, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, na forma a ser indicada pelo juízo das execuções, pelo prazo da pena privativa de liberdade.
Feitas tais considerações, em linhas gerais, cabe considerar que a defesa requer a absolvição da increpada, ao fundamento da atipicidade da conduta, alegando tratar-se de crime impossível e, subsidiariamente, na hipótese de ser mantida a condenação, que seja aplicada a redução da pena em razão da tentativa, bem como em virtude do arrependimento posterior.
Mérito
Peculato. Artigo 312 do Código Penal.
O artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo dispõe acerca do crime de peculato nos seguintes termos:
O crime de peculato é crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público, sendo certo que a primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal prevê a conduta típica do peculato-apropriação, hipótese em que, o agente assenhora-se, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse.
Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha, sendo certo que a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação.
Na segunda hipótese (peculato-desvio), a conduta desviar compreende o fato de o agente da Administração Pública alterar o destino do objeto de que tenha posse para um fim diverso, em proveito próprio ou de terceiro, sendo certo que o proveito poderá ser patrimonial ou moral, havendo a necessidade de que a posse seja lícita, para que ulteriormente o bem possa ser desviado.
Tanto no peculato-apropriação quanto no peculato-desvio, a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação ou ao desvio. Ausente a posse, ainda que indireta ou jurídica, não há que se falar em peculato.
Em tais casos, é prescindível a natureza pública do bem para a configuração do crime de peculato, importando apenas que o objeto material tenha sido confiado ao funcionário público em razão de sua qualidade, podendo tratar de bens particulares.
Por outro lado, o parágrafo primeiro do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo descreve a conduta do peculato-furto. Nesta hipótese, há dois comportamentos tipificados. O primeiro evidencia a conduta do funcionário público que subtrai e o segundo o de concorrer para que seja subtraído, não se exigindo, como ocorre no caput, que o funcionário público tenha a posse da coisa. Trata-se aqui do peculato impróprio.
Nesse sentido, o Pretório Excelso já decidiu que para a configuração do peculato-furto o agente não detém a posse da coisa (valor, dinheiro ou outro bem móvel) em razão do cargo que ocupa, mas sua qualidade de funcionário público propicia facilidade para a ocorrência da subtração devido ao trânsito que mantém no órgão público em que atua ou desempenha suas funções (HC n.º 86717, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 22.08.2008).
O funcionário público vale-se de sua condição para assim atuar, quer seja para subtrair, quer seja concorrendo dolosamente para que outro subtraia. Basta que se beneficie das facilidades que dispõe em virtude de seu cargo.
Alegação de crime impossível
A defesa sustenta a ocorrência de crime impossível no que se refere ao crime de peculato, sob o argumento da existência de monitoramento de vigilância eletrônica no local e o fato de a consumação ter sido obstada antes mesmo de a ré efetivamente se apropriar dos objetos com posse mansa e pacífica.
Com efeito, a figura do crime impossível encontra previsão no art. 17 do Código Penal, estando definida da seguinte maneira: Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. De acordo com o artigo transcrito, nota-se que, para que a tentativa não seja punida, o meio empregado pelo agente precisa ser absolutamente (completamente) ineficaz para a consecução da empreitada criminosa ou o objeto (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do sujeito ativo do tipo penal) precisa ser absolutamente impróprio para o desiderato pretendido pelo criminoso. Tais situações retratadas escoram-se na ideia de que o bem jurídico tutelado pela norma penal não corre risco algum em face da conduta (comissiva ou omissiva) levada a efeito, de modo que o crime é reputado como impossível.
Cumpre destacar que o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1385621/MG (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015), sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos da controvérsia, firmou entendimento no sentido de que realmente a ineficácia do meio precisa ser absoluta para que o crime possa ser tido como impossível. Apreciou-se, naquele feito, a alegação de que sistemas de segurança existentes em estabelecimentos comerciais fariam com que eventual conduta tipificadora do crime de furto fosse impossível de ser realizada justamente porque a consumação do delito estar-se-ia obstada pelo aparato protetivo instalado pelo comerciante. O posicionamento adotado pela C. Corte Superior baseou-se no fato de que sistemas de circuito interno de TV (instalados exatamente com o objetivo de evitar desfalques patrimoniais) não teriam o condão de tornar absolutamente incapaz o meio empregado na justa medida em que a eficiência do mecanismo de segurança apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impede(m), de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais - consignou-se, ademais, que não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equipamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc.
Segue a ementa do precedente (frise-se: de observância obrigatória sob o pálio do disposto no art. 927, III, do Código de Processo Civil):
Portanto, somente é possível cogitar-se de crime impossível quando a ineficácia do meio empregado for absolutamente irretorquível pelos elementos de prova constantes dos autos, nos termos em que fixada a jurisprudência de observância obrigatória do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria.
Dentro desse contexto, não se vislumbra na hipótese dos autos a ocorrência de crime impossível, porquanto o meio por ela empregado não era absolutamente inidôneo para o fim colimado, até porque, a despeito do monitoramento eletrônico de vigilância, a increpada logrou êxito em acondicionar os celulares em seu armário pessoal, detendo, portanto, ainda que por curto interregno, a posse mansa e pacífica dos objetos.
Como muito bem explicitado na sentença:
Como se vê, deve ser rechaçada a tese de absoluta ineficácia do meio empregado, da qual decorreria a possibilidade de incidência da figura do crime impossível, porquanto o sistema de monitoramento eletrônico não obstou que a ré conseguisse percorrer todo o iter criminis e de ter mantido sob sua posse mansa e pacífica (dentro de seu armário pessoal), ainda que por curto lapso de tempo, os objetos identificados na denúncia.
O fato de a funcionária responsável pelo setor ter percebido a ocorrência e ter acionado a polícia não faz com que se possa admitir que o meio empregado era absolutamente incapaz para a execução do ato. A existência de sistema interno de monitoramento não obsta a consumação delitiva, já que tais mecanismos configuram apenas tentativas de minimizarem eventuais ocorrências, não elidindo, de forma absolutamente eficaz, a consumação do delito.
Afastada, portanto, a tese de crime impossível aventada pela defesa.
Materialidade e autoria
A despeito de não ter sido objeto de recurso, a materialidade delitiva ficou evidenciada pelo Auto de Apresentação e Apreensão acostado às fls. 10/11, bem como pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Registro de Áudio e Imagens) n.º 720/2016-NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP.
A autoria igualmente não foi objeto de insurgência, mas igualmente restou delineada nos autos, não apenas pela prisão em flagrante da ré, mas também por outros elementos probatórios. Como bem exposto na sentença (fl. 161 e verso):
O elemento subjetivo consubstanciado no dolo, consistente na vontade livre e consciente da increpada em se apropriar do bem também ficou caracterizado pelas provas acima amealhadas.
Percebe-se, pois, que tais elementos probatórios revelam que a ré, em razão de sua atividade levada a efeito nos Correios, valeu-se dessa qualidade para subtrair bens pertencentes a terceiros que estavam sob a guarda da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT.
Perfectibilizada, portanto, a prática do crime estampado no artigo 312, caput, do Código Penal.
Da Dosimetria da Pena.
Pena-base
Na primeira fase da dosimetria, o Juízo a quo, ponderando todos os elementos do artigo 59 do Código Penal, fixou a pena-base no mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão, pela prática do crime de peculato.
À míngua de recurso específico neste ponto, deve ser mantida a pena tal como lançada.
Agravantes e Atenuantes
Nesta segunda fase da dosimetria, o juízo a quo entendeu inexistirem circunstâncias agravantes. Por outro lado, quanto às circunstâncias atenuantes, em virtude de a ré ter confessado a prática delitiva, agiu acertadamente ao reconhecer a atenuante genérica da confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal). No entanto, deixou de aplicar o redutor, diante do disposto na Súmula n.º 231 do STJ, mantendo-a no patamar mínimo de 02 (dois) anos de reclusão.
Causas de Aumento e Diminuição
Nesta terceira fase dosimétrica, diante da ausência de causas de aumento ou de diminuição da pena, o magistrado sentenciante tornou a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (des) dias-multa.
A defesa sustenta que o crime não se consumou porquanto o objeto subtraído não ficou sob a esfera de disponibilidade da ré.
Como já explicitado alhures, a consumação do crime restou perfectibilizada. Ainda que por um curto interregno, a ré manteve a posse mansa e pacífica dos objetos em seu armário, até que fossem localizados pela polícia, ou seja, tão somente após a funcionária efetiva ter retornado do almoço e percebido a violação das encomendas, e depois do acionamento das forças de segurança pública, é que se conseguiu localizar os objetos.
Afastada, portanto, a pretensão de aplicação da causa de diminuição da pena atinente à tentativa.
De idêntico modo, ao contrário do aventado pela defesa, não há que ser aplicada a causa especial de diminuição da pena estatuída no artigo 16 do Código Penal, já que as provas amealhadas ao feito, são reveladoras no sentido de que os bens foram localizados sem que para tanto houvesse qualquer voluntariedade no ato de restituição da coisa. Ao contrário, os objetos não foram devolvidos por vontade própria pela acusada, mas localizados e apreendidos após vistoria policial em seu armário pessoal.
Nessa toada, ausente o requisito da voluntariedade no ato de restituição da coisa ou de reparação do dano, não há como favorecer o agente com a incidência do redutor da pena.
Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:
Portanto, torna-se definitiva a pena privativa de liberdade em 02 (dois) anos de reclusão.
Pena de Multa
A pena de multa foi fixada em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de um trigésimo do salário mínimo, devidamente atualizado a partir da data do fato, o que deve ser mantido.
Regime Inicial do Cumprimento da Pena
O regime fixado foi o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade
Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, o juízo a quo substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada à entidade pública com destinação social, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, na forma a ser indicada pelo juízo das execuções, esta última, pelo prazo da pena privativa de liberdade, o que deve ser mantido, ante ausência de recurso neste ponto.
Conclusão
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação da ré FLÁVIA DENISE CAMARGO LUCIANO, nos termos da fundamentação.
É o voto.
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Signatário (a): | MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO:10269 |
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Data e Hora: | 31/03/2020 16:42:54 |