D.E. Publicado em 17/04/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, determinando a redução da pena ao patamar de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Trata-se de Apelação interposta pela defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM (fls. 147 e 149/161) em face da r. sentença (fls. 123/135) proferida em 13.02.2019 pelo Exmo. Juiz Federal Alessandro Diaferia (1ª Vara Federal Criminal, do Júri e das Execuções Penais de São Paulo-SP) que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, nascido em 17.10.1985, pela prática do crime tipificado no artigo 171, parágrafo 3º, c.c. artigo 14, II, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado e 32 (trinta e dois) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).
Tipificação: artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal.
O recebimento da denúncia deu-se em 04.12.2018 (fls. 62/63).
Sobreveio a r. sentença (fls. 123/135) que condenou o réu pela prática do delito de estelionato contra ente público (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) na forma tentada. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa. A culpabilidade foi considerada acima do normal, uma vez que "o acusado, quando da prática do crime em comento, estava gozando de livramento condicional nos autos de execução penal pela prática de outros delitos, o que sugere ousadia acima do normal" (fl. 133). Também as circunstâncias e consequências foram valoradas negativamente, "eis que a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas. Foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida" (fls.133/133 v.). Na segunda fase, deixou-se de reconhecer a presença da atenuante da confissão espontânea e reconheceu-se como presente a agravante de reincidência, já que "o réu cumpria pena de mais de 11 anos de reclusão em regime de livramento condicional". Assim, elevou-se a pena em 1/2 (metade), fixando-a em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 72 (setenta e dois) dias-multa. Na terceira fase, a pena foi elevada em 1/3 (um terço), graças à causa de aumento descrita no parágrafo 3º do art. 171 do CP, de modo que ficou estabelecida em 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 96 (noventa e seis) dias-multa. Por fim, reduziu-se a pena em 2/3 (dois terços), com fulcro no artigo 14, II, do CP, de modo que, a pena definitiva ficou estabelecida em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, e 32 (trinta e dois) dias-multa.
Em suas razões de Apelação (fls. 149/161), a defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM alega, em síntese, que:
a) "se não há prova nos autos de que o réu efetivamente se valeu do documento alheio para, mediante fraude, obter vantagem, não há como dizer que o meio utilizado era apto e eficaz para lesionar o bem jurídico, mormente se ele nem mesmo chegou a ser utilizado" (fl. 153), de modo que, "não havendo provas de que o meio fraudulento foi utilizado, ou mesmo, que foi apto a enganar o homem médio, de rigor que se reconheça a existência de crime impossível e a atipicidade da conduta do réu" (fl. 153);
b) insuficiência de provas que suportem um decreto condenatório (fl. 154);
c) "inexistência de indícios de que o acusado tenha, em algum momento, agido com dolo ao receber a encomenda para terceiro" (fl. 155);
d) o fato de o acusado ter praticado o delito durante período de livramento condicional "não é causa para exasperação da pena-base com fundamento na culpabilidade do agente" (fl. 157). Argumenta que "a culpabilidade em nada se relaciona com eventual benesse conferida em outro processo e relacionada à prática de outro delito, mas sim deve estar relacionada e ser analisada com base nas peculiaridades do caso concreto, que, no caso, revela-se normal à espécie do delito em comento" (fl. 157);
e) "deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea" (fl. 158);
f) "não há razão para fixação do regime mais gravoso, cabendo, diante do montante de pena, o regime inicial aberto" (fl. 158);
g) deve ser readequada "a pena de multa, em virtude da hipossuficiência econômica comprovada nos autos" (fl. 160).
Recebido o recurso, com contrarrazões (fls. 162/164), subiram os autos a esta Egrégia Corte.
Oficiando nesta instância, o órgão ministerial opinou pelo "desprovimento do recurso defensivo", bem como requreu "seja determinado o início da execução da pena" (fls. 165/168).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:
Confirmo o relatório.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE ESTELIONATO
O art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, assim dispõe:
Trata-se de uma modalidade especial de estelionato, praticado contra entidades de direito público ou institutos de economia popular, assistência social ou beneficência (tais como a Caixa Econômica Federal e o INSS, por exemplo), de modo que é maior a reprovabilidade da conduta, já que tais entes prestam serviços fundamentais à sociedade, razão pela qual a lei prevê, para essa hipótese, uma causa especial de aumento de pena a ser considerada na terceira fase da dosimetria da pena.
Para a caracterização do crime de estelionato, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) o emprego de meio fraudulento, de que são exemplos o artifício (recurso engenhoso/artístico) e o ardil (astúcia, manha ou sutileza), ambos espécie do gênero fraude.; II) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; III) a obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita (economicamente apreciável), sem o que não se há de falar em consumação deste delito.
A respeito do primeiro requisito (emprego de meio fraudulento), é relevante mencionar que, ontologicamente, não se há de falar em distinção entre fraude penal e fraude civil, já que não há diferenças estruturais entre estas. Com efeito, não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas é que determinam se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente (TJRS, AP. Crim. 70013151618, 7ª Câm. Crim., Rel Sylvio Baptista Neto, j. 22.12.2005).
É possível que haja um comportamento ilícito e, todavia, circunscrito à esfera civil. Assim, por força dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, é necessário, para a caracterização do crime de estelionato, que o agente tenha o dolo como fim especial de agir, sendo imprescindível a consciência, a vontade de enganar, ludibriar, com objetivo de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima. É a presença do dolo que distinguirá uma conduta penalmente relevante daquela situação em que, por exemplo, o agente age com boa-fé, sem a intenção de enganar, mas, por motivos diversos, acaba por cometer um ilícito civil. Atente-se que se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível aferir a presença do elemento anímico a partir de fatores externos, ou seja, dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos. Além disso, é indispensável, para a caracterização do delito de estelionato, que se identifique a ocorrência de ação dolosa pré-ordenada (antecedente), pois, se, em dado caso, se constatar que o dolo é posterior (subsequens), ou seja, surgiu apenas depois da obtenção/entrega da vantagem, não se haverá de falar em estelionato, mas sim no crime de apropriação indébita que, aliás, sequer exige a ocorrência de fraude para sua caracterização.
Por oportuno, cabe mencionar, também, que o estelionato não se confunde com o furto mediante fraude, pois, nesta última hipótese, a fraude é utilizada como meio de burlar a vigilância da vítima que, por desatenção, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída, enquanto que, na hipótese de estelionato, a fraude é utilizada para se obter o consentimento viciado da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.
Válida, nesse passo, a menção ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
Ademais, ainda tratando da fraude como elemento central do delito de estelionato, é importante falar sobre a frequente hipótese em que a falsidade documental é o meio empregado para se obter êxito na empreitada criminosa. Neste caso, em observância ao princípio da consunção, deve prevalecer o entendimento de que o crime-meio (falsidade documental) deverá ser absorvido pelo crime-fim (estelionato), desde que, depois da utilização do documento falso para obtenção de vantagem ilícita, não reste qualquer potencialidade ofensiva, nos termos da súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
A respeito do segundo requisito (induzimento ou manutenção da vítima em erro), é relevante mencionar que o erro é a consequência provocada pela fraude e que, em se constatando que a fraude não foi suficientemente hábil para provocar ou manter em erro a vítima (fraude grosseira), deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP).
Já a respeito do terceiro requisito (obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita), cabe consignar que, em sendo o estelionato um crime material e de dano, sua consumação se dará com a efetiva obtenção da vantagem, isto é, a partir do momento em que a coisa passar da esfera de disponibilidade da vítima para a do infrator (ou de terceiro).
Além disso, não se deve perder de vista que a vantagem obtida pelo agente deve ser ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento, uma vez que, se a vantagem for devida, ficará descaracterizado o delito de estelionato, podendo haver, por exemplo, a desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do artigo 345 do CP.
Feitas essas breves considerações, passa-se à análise dos fatos descritos na presente denúncia.
ANÁLISE DO CASO CONCRETO
RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM foi condenado à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, e 32 (trinta e dois) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei), pela prática do delito de estelionato contra ente público (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), na forma tentada, uma vez que ficou comprovado que, no dia 23 de outubro de 2018, ele, apresentando-se falsamente como Luan Bonifácio, recebeu, de maneira fraudulenta, encomendas entregues pelos Correios, ciente de que as mercadorias haviam sido adquiridas também mediante fraude, tendo sido, naquele momento, abordado por policiais civis que vigiavam a entrega, razão pela qual o delito não se consumou, já que o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, pois, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante.
DA INOCORRÊNCIA DA HIPÓTESE DE CRIME IMPOSSÍVEL
Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que, "se não há prova nos autos de que o réu efetivamente se valeu do documento alheio para, mediante fraude, obter vantagem, não há como dizer que o meio utilizado era apto e eficaz para lesionar o bem jurídico, mormente se ele nem mesmo chegou a ser utilizado" (fl. 153), de modo que, "não havendo provas de que o meio fraudulento foi utilizado, ou mesmo, que foi apto a enganar o homem médio, de rigor que se reconheça a existência de crime impossível e a atipicidade da conduta do réu" (fl. 153).
É certo que, nos termos do art. 17 do Código Penal, "não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime".
Inclusive, a súmula n.º 145 do Supremo Tribunal Federal, a qual trata da hipótese de "flagrante preparado" ou "forjado", dispõe que "não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação". Contudo, a hipótese de "flagrante preparado", em que se configura a situação de crime impossível, não deve ser confundida com a de "flagrante esperado", em que há possibilidade de tentativa. Conforme ensina Rogério Greco, "no flagrante preparado, o agente é estimulado pela vítima, ou mesmo pela autoridade policial, a cometer a infração penal com o escopo de prendê-lo. A vítima e a autoridade policial, bem como terceiros que se prestem a esse papel, são conhecidos como 'agentes provocadores'. Já no flagrante esperado, não haveria essa estimulação por parte da vítima, da autoridade policial ou mesmo de terceiros, no sentido de induzir o agente à prática do delito. O agente, aqui, não é induzido a cometer delito algum. Nesses casos, tendo a autoridade policial prévio conhecimento da intenção do agente em praticar a infração penal, o aguarda, sem estimulá-lo a absolutamente nada, e cuida de todos os detalhes de modo a evitar a consumação do crime" (in Código Penal Comentado, 11ª edição, Editora Ímpetus, 2017, pág. 73).
NO CASO CONCRETO, não há notícia de que o agente tenha sido induzido ou estimulado a cometer a infração penal, mas apenas de que policiais civis vigiaram sua conduta e conseguiram impedir a consumação do delito (hipótese de "flagrante esperado"). Conforme asseverou o r. juízo a quo, "não há que se falar em crime impossível pelo fato de policiais estarem investigando o caso. Com efeito, o crime em comento não fora praticado no transcurso do chamado 'flagrante preparado', visto que os policiais, ou mesmo a empresa pública, não tomaram qualquer iniciativa a instigar o acusado para a prática delitiva. Ao contrário, policiais e empresa de Correios apenas suspeitavam de fraude na compra do produto a ser entregue tendo em vista denúncia realizada pelo site de vendas Mercado Livre. Assim, foram ao local dos fatos a fim de averiguar a veracidade da denúncia. Neste contexto, o crime foi praticado espontaneamente pelo réu, ensejando sua imediata prisão em flagrante delito. O flagrante foi esperado pelos policiais, não preparado" (fl. 130).
A despeito do que alegou a defesa, o meio utilizado pelo agente para perpetrar a fraude revelou-se eficaz. Como bem asseverou o r. juízo a quo, embora não seja de praxe que os agentes dos Correios exijam identificação documental para entrega de encomendas, pois costumam pedir apenas que o destinatário da encomenda coloque nome e número do RG no recibo de entrega, fato é que restou suficientemente demonstrado que "o acusado RODRIGO apresentou-se como LUAN, assinando este nome e colocando o RG desta pessoa no recibo (fl. 12), recebendo, então, de maneira fraudulenta, as encomendas" (fl. 130 v.).
Além disso, o que se observa, in casu, é que a possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido existia e que a consumação da infração penal somente não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do réu. Tal como constou da r. sentença, "em verdade, se as encomendas não viessem de outro Estado, certamente a vítima originária não teria conseguido avisar ao site de vendas e à polícia acerca da fraude perpetrada em tempo hábil. Ou seja, o acusado teria consumado o delito sem quaisquer problemas. Se havia a possibilidade de consumação do delito, não há que se falar, por óbvio, em impropriedade do objeto e em crime impossível" (fl. 130 v.).
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
Em suas razões de Apelação, a defesa alegou: a) insuficiência de provas que suportem um decreto condenatório (fl. 154) e b) "inexistência de indícios de que o acusado tenha, em algum momento, agido com dolo ao receber a encomenda para terceiro" (fl. 155).
Contudo, os elementos de prova apresentados, especialmente os depoimentos prestados pelas testemunhas (transcritos abaixo - em negrito), são suficientes para a formação de juízo de certeza acerca da materialidade e autoria delitivas, bem como evidenciam a presença do dolo.
Por oportuno, transcrevo o seguinte trecho extraído da fundamentação da r. sentença (fls. 126/132 v.):
Ante o exposto, a manutenção da condenação é medida que se impõe.
DOSIMETRIA DA PENA
O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal.
Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição.
PENA-BASE
Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa. A culpabilidade foi considerada acima do normal, uma vez que "o acusado, quando da prática do crime em comento, estava gozando de livramento condicional nos autos de execução penal pela prática de outros delitos, o que sugere ousadia acima do normal" (fl. 133). Também as circunstâncias e consequências foram valoradas negativamente, "eis que a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas. Foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida" (fls.133/133 v.).
Passa-se, pois, à análise pormenorizada das circunstâncias judiciais ora mencionadas (inteligência do art. 59 do CP).
Culpabilidade
A culpabilidade, para fins do art. 59 do CP, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade sobre a conduta, apontando maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu.
Em suas razões de Apelação, a defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM alegou que o fato de o acusado ter praticado o delito durante período de livramento condicional "não é causa para exasperação da pena-base com fundamento na culpabilidade do agente" (fl. 157). Argumentou que "a culpabilidade em nada se relaciona com eventual benesse conferida em outro processo e relacionada à prática de outro delito, mas sim deve estar relacionada e ser analisada com base nas peculiaridades do caso concreto, que, no caso, revela-se normal à espécie do delito em comento" (fl. 157).
Consigna-se que, a despeito do que se alegou, o fato de o réu ter praticado o delito em questão quando estava gozando de livramento condicional indica que sua conduta extrapolou a normalidade a ponto de merecer maior reprovação social e, portanto, justifica, em princípio, a majoração da pena-base.
Todavia, considerando que, in casu, a condenação transitada em julgado que ensejou a concessão do livramento condicional já foi utilizada na segunda fase da dosimetria para fins de incremento da pena (pela reincidência), não se deve permitir que esta gere, também, repercussões na reprimenda básica, sob pena de bis in idem.
Determina-se, pois, seja afastado o incremento da pena-base em razão do vetor culpabilidade.
Consequências do Crime
Para que as consequências do crime autorizem o aumento da pena-base, estas devem extravasar o mero resultado decorrente da prática da infração penal.
Considerando que, in casu, o delito sequer se consumou, já que o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, pois, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante, considera-se não haver justificativa suficiente para uma avaliação negativa das consequências do delito.
Circunstâncias do Crime
É certo que, considerando circunstâncias como lugar do crime, tempo de sua duração, relacionamento existente entre autor e vítima, atitude assumida pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso, dentre outras, nada obsta o julgador de majorar a pena-base, desde que se tratem de circunstâncias acidentais, isto é, circunstâncias que não participem da própria estrutura do tipo penal (STJ, 5ª Turma, HC 235.465/RN, Rel. Marco Aurélio Bellize, DJe de 25.06.2013).
Como bem asseverou o r. juízo a quo, "a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas" (fl. 133), pois "foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida" (fls.133/133 v.), de modo que a exasperação da pena-base com fulcro na valoração negativa das "circunstâncias do crime" se amparou em fundamentos idôneos e deve ser mantida.
Quantum a ser majorado na primeira fase da dosimetria
Em sendo 8 (oito) as circunstâncias judiciais a serem analisadas para a fixação da pena-base (inteligência do art. 59 do CP), e considerando que a pena abstratamente cominada para o delito de estelionato é a de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão, considero que a exasperação deve ser equivalente a 06 (seis) meses para cada circunstância judicial identificada.
Determina-se, pois, a redução da pena-base privativa de liberdade para 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.
AGRAVANTES E ATENUANTES
Na segunda fase, deixou-se de reconhecer a presença da atenuante da confissão espontânea e reconheceu-se como presente a agravante da reincidência, já que "o réu cumpria pena de mais de 11 anos de reclusão em regime de livramento condicional". Assim, elevou-se a pena privativa de liberdade em 1/2 (metade).
Confissão
Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que "deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea" (fl. 158).
A confissão é ato de colaboração com a Justiça e, segundo a doutrina, pode ser total - quando o agente narra o fato com todas as suas circunstâncias; parcial - caso em que não admite, por exemplo, qualificadora ou causa de aumento - ou qualificada - quando o réu admite a autoria do evento, mas alega fato impeditivo ou modificativo do direito, como a presença de uma excludente de ilicitude ou culpabilidade (Rogério Sanches Cunha, Manual de Direito Penal, Parte Geral, 3. ed., Ed. JusPodivm, p. 425).
É certo que doutrina e jurisprudência oscilam quanto a reconhecer a confissão qualificada como atenuante, sendo que o STJ, inicialmente, se recusava a aplicar a atenuante nessa hipótese (STJ, AgRg no Resp. 1359503/MG, Rel. Min. Campos Marques, Desembargador convocado do TJPR, DJE 21/5/2013; STJ, HC 211294/MS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T. DJE 1/8/2012) e, mais recentemente, mudou seu posicionamento, passando a entendê-la como possível (STJ, HC 325.163/SP, Relª. Minª, Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJE 03/08/2015; STJ, HC 87.337/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T. DJE 25/06/2015; STJ, Af. Rg. no Resp. 1392005/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJE 27/6/2014).
De qualquer sorte, in casu, sequer há necessidade de enfrentarmos essa questão.
NO CASO CONCRETO, não se vislumbra ter havido, propriamente, confissão, seja esta total, parcial ou qualificada.
Ao ser ouvido em Juízo, o réu RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM afirmou:
Embora o réu tenha confessado que estava no local dos fatos aguardando a entrega dos Correios, o que se observa é que, em momento algum, RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM admitiu ter se passado por Luan para receber, de maneira fraudulenta, as encomendas. Ao contrário, insistiu na versão de que não agiu com o dolo de fraudar nem com intenção de obter qualquer vantagem indevida. Reconheceu, apenas, que, acreditando que "não tinha problema", se dispôs a receber uma encomenda a pedido e em nome de outrem.
Contudo, o conjunto probatório produzido nos autos revelou que, na realidade, o réu tinha a intenção, desde o início, de se fazer passar por Luan Bonifácio, a fim de receber fraudulentamente as encomendas. Além disso, é inverossímil a alegação do réu no sentido de que teria sido induzido pelo carteiro a assinar o recibo de entrega como se fosse Luan.
Portanto, não se há de falar em confissão como atenuante.
É relevante salientar, por fim, que não se ignora o teor da súmula nº. 545 do STJ no sentido de que "quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do CP" (11.07.2017).
In casu, todavia, o que verdadeiramente embasou a conclusão condenatória não foi a suposta confissão do agente, mas sim o conteúdo das provas produzidas nos autos, em especial, o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas. Em momento algum o réu admitiu ter realizado a conduta que lhe foi imputada, isto é, jamais admitiu ter empregado meio fraudulento para obter vantagem ilícita.
Reincidência
Quanto à determinação de que a pena seja majorada em 1/2 (metade) em razão da reincidência, consigna-se que, embora o Código Penal não forneça um quantum para fins de atenuação ou agravamento da pena, de modo que ao juiz é dada certa margem de discricionariedade, ante a ausência de critérios previamente definidos pela lei, prevalece na doutrina e jurisprudência o entendimento de que, para se atender aos critérios da proporcionalidade e em observância ao princípio da razoabilidade, cada circunstância atenuante ou agravante deverá fazer com que a pena-base seja diminuída ou aumentada em 1/6 (um sexto), a menos que, no caso concreto, haja circunstância anormal que legitime a majoração ou redução em percentual diferente.
Válida, nesse passo, a menção aos seguintes julgados:
Considerando que, in casu, não se vislumbra nenhuma circunstância anormal apta a ensejar a aplicação de fração de aumento em desacordo com os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência pátria, impõe-se a majoração da pena em 1/6 (um sexto).
Fixa-se, pois, na segunda fase, a pena privativa de liberdade em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão.
CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO
Nesta fase, vislumbra-se a presença da causa de aumento prevista no parágrafo 3º do art. 171 do CP do Código Penal, de maneira que a pena deve ser elevada em 1/3 (um terço), ficando estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses.
Por fim, é de rigor a aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 14, II, do Código Penal, a fim de que a pena seja reduzida em 2/3 (dois terços), conforme determinou a r. sentença (fl. 134), em se tratando de recurso exclusivo da defesa.
Assim, ao final da terceira fase, a pena privativa de liberdade deve ficar estabelecida em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.
PENA DE MULTA
Em suas razões de Apelação, a defesa requereu fosse readequada a pena de multa (fl. 160).
No que diz respeito à pena de multa e aos critérios para a sua fixação, é certo que o número de dias-multa deve guardar proporcionalidade com o quantum da pena privativa de liberdade estabelecida, conforme os parâmetros do sistema trifásico, enquanto o valor do dia-multa deve ser fixado de acordo com as condições econômicas do condenado.
Considerando que a pena privativa de liberdade abstratamente prevista pelo art. 171 do CP é de 1 (um) a 5 (cinco) anos e tendo em vista que a pena concretamente cominada foi a de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, conclui-se que, proporcionalmente, a pena de multa deve ser fixada no patamar mínimo de 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).
REGIME INICIAL
Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que "não há razão para fixação do regime mais gravoso, cabendo, diante do montante de pena, o regime inicial aberto" (fl. 158).
Ocorre que, em sendo o réu reincidente, não se há de falar, em princípio, em fixação de regime inicial aberto. Por outro lado, não é razoável a manutenção do regime fechado (estabelecido em sentença), considerando que a pena privativa de liberdade foi fixada em patamar inferior a quatro anos e tendo em vista que as circunstâncias judiciais se revelaram majoritariamente favoráveis, de modo que deve prevalecer o teor da Súmula n.º 269 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Ante o exposto, determina-se que o regime inicial de cumprimento de pena seja o SEMIABERTO, a teor do art. 33, §2º, "b" e "c" e § 3º, do Código Penal.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, determinando a redução da pena ao patamar de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).
Tendo em vista o regime de cumprimento de pena ora estabelecido, oficie-se ao Juízo das Execuções Penais.
É o voto.
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