Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 17/04/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012774-94.2018.4.03.6181/SP
2018.61.81.012774-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM reu/ré preso(a)
ADVOGADO : MG106791 ISABEL PENIDO DE CAMPOS MACHADO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00127749420184036181 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. ESTELIONATO TENTADO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, C.C. ART. 14 , II, AMBOS DO CP. HIPÓTESE DE CRIME IMPOSSÍVEL AFASTADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE DUAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS (CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO). AUSÊNCIA DE CONFISSÃO. REDUÇÃO PARA 1/6 (UM SEXTO) DA FRAÇÃO DE AUMENTO PELA REINCIDÊNCIA. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL SEMIABERTO. REDUÇÃO DA PENA E ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL ESTABELECIDOS EM SENTENÇA.
1- Para a caracterização do crime de estelionato, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) o emprego de meio fraudulento, de que são exemplos o artifício (recurso engenhoso/artístico) e o ardil (astúcia, manha ou sutileza), ambos espécie do gênero fraude.; II) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; III) a obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita (economicamente apreciável), sem o que não se há de falar em consumação deste delito.
2- Ontologicamente, não se há de falar em distinção entre fraude penal e fraude civil, já que não há diferenças estruturais entre estas. É possível que haja um comportamento ilícito e, todavia, circunscrito à esfera civil. Assim, por força dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, é necessário, para a caracterização do crime de estelionato, que o agente tenha o dolo como fim especial de agir, sendo imprescindível a consciência, a vontade de enganar, ludibriar, com objetivo de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima. É a presença do dolo que distinguirá uma conduta penalmente relevante daquela situação em que, por exemplo, o agente age com boa-fé, sem a intenção de enganar, mas, por motivos diversos, acaba por cometer um ilícito civil. Atente-se que se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível aferir a presença do elemento anímico a partir de fatores externos, ou seja, dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos. Além disso, é indispensável, para a caracterização do delito de estelionato, que se identifique a ocorrência de ação dolosa pré-ordenada (antecedente), pois, se, em dado caso, se constatar que o dolo é posterior (subsequens), ou seja, surgiu apenas depois da obtenção/entrega da vantagem, não se haverá de falar em estelionato, mas sim no crime de apropriação indébita que, aliás, sequer exige a ocorrência de fraude para sua caracterização.
3-O estelionato não se confunde com o furto mediante fraude, pois, nesta última hipótese, a fraude é utilizada como meio de burlar a vigilância da vítima que, por desatenção, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída, enquanto que, na hipótese de estelionato, a fraude é utilizada para se obter o consentimento viciado da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.
4- É importante falar sobre a frequente hipótese em que a falsidade documental é o meio empregado para se obter êxito na empreitada criminosa. Neste caso, em observância ao princípio da consunção, deve prevalecer o entendimento de que o crime-meio (falsidade documental) deverá ser absorvido pelo crime-fim (estelionato), desde que, depois da utilização do documento falso para obtenção de vantagem ilícita, não reste qualquer potencialidade ofensiva, nos termos da súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça.
5- Em se constatando que a fraude não foi suficientemente hábil para provocar ou manter em erro a vítima (fraude grosseira), deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP).
6- Em sendo o estelionato um crime material e de dano, sua consumação se dará com a efetiva obtenção da vantagem, isto é, a partir do momento em que a coisa passar da esfera de disponibilidade da vítima para a do infrator (ou de terceiro). Além disso, não se deve perder de vista que a vantagem obtida pelo agente deve ser ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento, uma vez que, se a vantagem for devida, ficará descaracterizado o delito de estelionato, podendo haver, por exemplo, a desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do artigo 345 do CP.
7- No caso concreto, o réu foi condenado à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, e 32 (trinta e dois) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, pela prática do delito de estelionato contra ente público (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), na forma tentada, uma vez que ficou comprovado que ele, apresentando-se falsamente como Luan Bonifácio, recebeu, de maneira fraudulenta, encomendas entregues pelos Correios, ciente de que as mercadorias haviam sido adquiridas também mediante fraude, tendo sido, naquele momento, abordado por policiais civis que vigiavam a entrega, razão pela qual o delito não se consumou, já que o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, pois, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante.
8- Não há notícia de que o agente tenha sido induzido ou estimulado a cometer a infração penal, mas apenas de que policiais civis vigiaram sua conduta e conseguiram impedir a consumação do delito (hipótese de "flagrante esperado"). Conforme asseverou o r. juízo a quo, "não há que se falar em crime impossível pelo fato de policiais estarem investigando o caso. Com efeito, o crime em comento não fora praticado no transcurso do chamado 'flagrante preparado', visto que os policiais, ou mesmo a empresa pública, não tomaram qualquer iniciativa a instigar o acusado para a prática delitiva. Ao contrário, policiais e empresa de Correios apenas suspeitavam de fraude na compra do produto a ser entregue tendo em vista denúncia realizada pelo site de vendas Mercado Livre. Assim, foram ao local dos fatos a fim de averiguar a veracidade da denúncia. Neste contexto, o crime foi praticado espontaneamente pelo réu, ensejando sua imediata prisão em flagrante delito. O flagrante foi esperado pelos policiais, não preparado".
9- A despeito do que alegou a defesa, o meio utilizado pelo agente para perpetrar a fraude revelou-se eficaz. Embora não seja de praxe que os agentes dos Correios exijam identificação documental para entrega de encomendas, pois costumam pedir apenas que o destinatário da encomenda coloque nome e número do RG no recibo de entrega, fato é que restou suficientemente demonstrado que "o acusado (...) apresentou-se como LUAN, assinando este nome e colocando o RG desta pessoa no recibo, recebendo, então, de maneira fraudulenta, as encomendas". Além disso, a possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido existia e a consumação da infração penal somente não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do réu. Tal como constou da r. sentença, "em verdade, se as encomendas não viessem de outro Estado, certamente a vítima originária não teria conseguido avisar ao site de vendas e à polícia acerca da fraude perpetrada em tempo hábil. Ou seja, o acusado teria consumado o delito sem quaisquer problemas. Se havia a possibilidade de consumação do delito, não há que se falar, por óbvio, em impropriedade do objeto e em crime impossível.
10- Os elementos de prova apresentados, especialmente os depoimentos prestados pelas testemunhas, são suficientes para a formação de juízo de certeza acerca da materialidade e autoria delitivas, bem como evidenciam a presença do dolo.
11- O fato de o réu ter praticado o delito em questão quando estava gozando de livramento condicional indica que sua conduta extrapolou a normalidade a ponto de merecer maior reprovação social e, portanto, justifica, em princípio, a majoração da pena-base. Todavia, considerando que, in casu, a condenação transitada em julgado que ensejou a concessão do livramento condicional já foi utilizada na segunda fase da dosimetria para fins de incremento da pena (pela reincidência), não se deve permitir que esta gere, também, repercussões na reprimenda básica, sob pena de bis in idem. Determina-se, pois, seja afastado o incremento da pena-base em razão do vetor culpabilidade.
12- Para que as consequências do crime autorizem o aumento da pena-base, estas devem extravasar o mero resultado decorrente da prática da infração penal. Considerando que, in casu, o delito sequer se consumou, já que o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, pois, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante, considera-se não haver justificativa suficiente para uma avaliação negativa das consequências do delito.
13- É certo que, considerando circunstâncias como lugar do crime, tempo de sua duração, relacionamento existente entre autor e vítima, atitude assumida pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso, dentre outras, nada obsta o julgador de majorar a pena-base, desde que se tratem de circunstâncias acidentais, isto é, circunstâncias que não participem da própria estrutura do tipo penal (STJ, 5ª Turma, HC 235.465/RN, Rel. Marco Aurélio Bellize, DJe de 25.06.2013). Como bem asseverou o r. juízo a quo, "a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas", pois "foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida", de modo que a exasperação da pena-base com fulcro na valoração negativa das "circunstâncias do crime" se amparou em fundamentos idôneos e deve ser mantida.
14- Em sendo 8 (oito) as circunstâncias judiciais a serem analisadas para a fixação da pena-base (inteligência do art. 59 do CP), e considerando que a pena abstratamente cominada para o delito de estelionato é a de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão, considero que a exasperação deve ser equivalente a 06 (seis) meses para cada circunstância judicial identificada. Determina-se, pois, a redução da pena-base privativa de liberdade para 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.
15-Na segunda fase, o r. juízo a quo reconheceu como presente a agravante da reincidência, já que "o réu cumpria pena de mais de 11 anos de reclusão em regime de livramento condicional" e elevou a pena privativa de liberdade em 1/2 (metade). Ocorre que, embora o Código Penal não forneça um quantum para fins de atenuação ou agravamento da pena, de modo que ao juiz é dada certa margem de discricionariedade, ante a ausência de critérios previamente definidos pela lei, prevalece na doutrina e jurisprudência o entendimento de que, para se atender aos critérios da proporcionalidade e em observância ao princípio da razoabilidade, cada circunstância atenuante ou agravante deverá fazer com que a pena-base seja diminuída ou aumentada em 1/6 (um sexto), a menos que, no caso concreto, haja circunstância anormal que legitime a majoração ou redução em percentual diferente, o que não se verifica in casu. Fixa-se, pois, na segunda fase, a pena privativa de liberdade em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão.
16- Em momento algum o réu admitiu ter realizado a conduta que lhe foi imputada, isto é, jamais admitiu ter empregado meio fraudulento para obter vantagem ilícita, não se havendo de falar em confissão como atenuante.
17- Na terceira fase, vislumbra-se a presença da causa de aumento prevista no parágrafo 3º do art. 171 do CP do Código Penal, de maneira que a pena deve ser elevada em 1/3 (um terço), ficando estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses. Por fim, é de rigor a aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 14, II, do Código Penal, a fim de que a pena seja reduzida em 2/3 (dois terços), conforme determinou a r. sentença, em se tratando de recurso exclusivo da defesa.
18- Em sendo o réu reincidente, não se há de falar, em princípio, em fixação de regime inicial aberto. Por outro lado, não é razoável a manutenção do regime fechado (estabelecido em sentença), considerando que a pena privativa de liberdade foi fixada em patamar inferior a quatro anos e tendo em vista que as circunstâncias judiciais se revelaram majoritariamente favoráveis, de modo que deve prevalecer o teor da Súmula n.º 269 do Superior Tribunal de Justiça, a fim de que o regime inicial de cumprimento de pena seja o semiaberto (inteligência do art. 33, §2º, "b" e "c" e § 3º, do Código Penal).
19- A pena se torna definitiva em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).
20- Apelação da defesa a que se dá parcial provimento.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, determinando a redução da pena ao patamar de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 26 de março de 2020.
MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012774-94.2018.4.03.6181/SP
2018.61.81.012774-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM reu/ré preso(a)
ADVOGADO : MG106791 ISABEL PENIDO DE CAMPOS MACHADO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
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No. ORIG. : 00127749420184036181 1P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Desembargador Federal Fausto De Sanctis:


Trata-se de Apelação interposta pela defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM (fls. 147 e 149/161) em face da r. sentença (fls. 123/135) proferida em 13.02.2019 pelo Exmo. Juiz Federal Alessandro Diaferia (1ª Vara Federal Criminal, do Júri e das Execuções Penais de São Paulo-SP) que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, nascido em 17.10.1985, pela prática do crime tipificado no artigo 171, parágrafo 3º, c.c. artigo 14, II, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado e 32 (trinta e dois) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).


Consta da denúncia que, no dia 23 de outubro de 2018, (...), RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, agindo de forma livre e consciente, obteve, para si, vantagem ilícita em prejuízo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (CORREIOS), induzindo e mantendo esta empresa pública federal em erro, mediante fraude consistente no uso de documento de identidade alheia.
Com efeito, na data dos fatos, o funcionário dos CORREIOS Ronaldo Costa de Alcantara informou a Polícia Civil que havia recebido reclamações de clientes da empresa no sentido de que algumas encomendas estariam sendo recebidas fraudulentamente por um terceiro na Rua Celina de Barros Silveira, n.º 18, Jabaquara, São Paulo/SP, de modo que, para confirmar o ilícito penal, optou por realizar pessoalmente a entrega dos produtos que teriam o referido local como destino de entrega.
Diante dessas informações, os agentes policiais (...) decidiram acompanhar a entrega que seria realizada por Ronaldo Costa, comparecendo ao local dos fatos sem o conhecimento do denunciado.
Nesse contexto, o funcionário dos CORREIOS dirigiu-se ao imóvel situado no aludido endereço, quando foi recebido por RODRIGO SILVEIRA, o qual, apresentando-se como o suposto comprador da mercadoria, Luan Bonifácio dos Santos, mediante apresentação de cédula de identidade em nome deste (fl. 12), recebeu as quatro mercadorias constantes da Lista de Objetos Entregues ao Carteiro (LOEC) n.º 111100103049, inclusive assinando este documento (fl. 12).
Ato contínuo, os policiais civis se revelaram e abordaram o denunciado, que, após ser indagado acerca da fraude, declinou a sua real identidade e confessou o delito (fls. 06/07), sendo, consequentemente, preso em flagrante (fls. 02/11).
(...).

Tipificação: artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal.


O recebimento da denúncia deu-se em 04.12.2018 (fls. 62/63).


Sobreveio a r. sentença (fls. 123/135) que condenou o réu pela prática do delito de estelionato contra ente público (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) na forma tentada. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa. A culpabilidade foi considerada acima do normal, uma vez que "o acusado, quando da prática do crime em comento, estava gozando de livramento condicional nos autos de execução penal pela prática de outros delitos, o que sugere ousadia acima do normal" (fl. 133). Também as circunstâncias e consequências foram valoradas negativamente, "eis que a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas. Foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida" (fls.133/133 v.). Na segunda fase, deixou-se de reconhecer a presença da atenuante da confissão espontânea e reconheceu-se como presente a agravante de reincidência, já que "o réu cumpria pena de mais de 11 anos de reclusão em regime de livramento condicional". Assim, elevou-se a pena em 1/2 (metade), fixando-a em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 72 (setenta e dois) dias-multa. Na terceira fase, a pena foi elevada em 1/3 (um terço), graças à causa de aumento descrita no parágrafo 3º do art. 171 do CP, de modo que ficou estabelecida em 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 96 (noventa e seis) dias-multa. Por fim, reduziu-se a pena em 2/3 (dois terços), com fulcro no artigo 14, II, do CP, de modo que, a pena definitiva ficou estabelecida em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, e 32 (trinta e dois) dias-multa.


Em suas razões de Apelação (fls. 149/161), a defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM alega, em síntese, que:


a) "se não há prova nos autos de que o réu efetivamente se valeu do documento alheio para, mediante fraude, obter vantagem, não há como dizer que o meio utilizado era apto e eficaz para lesionar o bem jurídico, mormente se ele nem mesmo chegou a ser utilizado" (fl. 153), de modo que, "não havendo provas de que o meio fraudulento foi utilizado, ou mesmo, que foi apto a enganar o homem médio, de rigor que se reconheça a existência de crime impossível e a atipicidade da conduta do réu" (fl. 153);


b) insuficiência de provas que suportem um decreto condenatório (fl. 154);


c) "inexistência de indícios de que o acusado tenha, em algum momento, agido com dolo ao receber a encomenda para terceiro" (fl. 155);


d) o fato de o acusado ter praticado o delito durante período de livramento condicional "não é causa para exasperação da pena-base com fundamento na culpabilidade do agente" (fl. 157). Argumenta que "a culpabilidade em nada se relaciona com eventual benesse conferida em outro processo e relacionada à prática de outro delito, mas sim deve estar relacionada e ser analisada com base nas peculiaridades do caso concreto, que, no caso, revela-se normal à espécie do delito em comento" (fl. 157);


e) "deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea" (fl. 158);


f) "não há razão para fixação do regime mais gravoso, cabendo, diante do montante de pena, o regime inicial aberto" (fl. 158);


g) deve ser readequada "a pena de multa, em virtude da hipossuficiência econômica comprovada nos autos" (fl. 160).


Recebido o recurso, com contrarrazões (fls. 162/164), subiram os autos a esta Egrégia Corte.


Oficiando nesta instância, o órgão ministerial opinou pelo "desprovimento do recurso defensivo", bem como requreu "seja determinado o início da execução da pena" (fls. 165/168).


É o relatório.


À revisão.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 04/02/2020 09:57:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012774-94.2018.4.03.6181/SP
2018.61.81.012774-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM reu/ré preso(a)
ADVOGADO : MG106791 ISABEL PENIDO DE CAMPOS MACHADO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00127749420184036181 1P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:



Confirmo o relatório.


BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE ESTELIONATO


O art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, assim dispõe:


Art. 171: Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Trata-se de uma modalidade especial de estelionato, praticado contra entidades de direito público ou institutos de economia popular, assistência social ou beneficência (tais como a Caixa Econômica Federal e o INSS, por exemplo), de modo que é maior a reprovabilidade da conduta, já que tais entes prestam serviços fundamentais à sociedade, razão pela qual a lei prevê, para essa hipótese, uma causa especial de aumento de pena a ser considerada na terceira fase da dosimetria da pena.


Para a caracterização do crime de estelionato, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) o emprego de meio fraudulento, de que são exemplos o artifício (recurso engenhoso/artístico) e o ardil (astúcia, manha ou sutileza), ambos espécie do gênero fraude.; II) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; III) a obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita (economicamente apreciável), sem o que não se há de falar em consumação deste delito.


A respeito do primeiro requisito (emprego de meio fraudulento), é relevante mencionar que, ontologicamente, não se há de falar em distinção entre fraude penal e fraude civil, já que não há diferenças estruturais entre estas. Com efeito, não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas é que determinam se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente (TJRS, AP. Crim. 70013151618, 7ª Câm. Crim., Rel Sylvio Baptista Neto, j. 22.12.2005).


É possível que haja um comportamento ilícito e, todavia, circunscrito à esfera civil. Assim, por força dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, é necessário, para a caracterização do crime de estelionato, que o agente tenha o dolo como fim especial de agir, sendo imprescindível a consciência, a vontade de enganar, ludibriar, com objetivo de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima. É a presença do dolo que distinguirá uma conduta penalmente relevante daquela situação em que, por exemplo, o agente age com boa-fé, sem a intenção de enganar, mas, por motivos diversos, acaba por cometer um ilícito civil. Atente-se que se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível aferir a presença do elemento anímico a partir de fatores externos, ou seja, dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos. Além disso, é indispensável, para a caracterização do delito de estelionato, que se identifique a ocorrência de ação dolosa pré-ordenada (antecedente), pois, se, em dado caso, se constatar que o dolo é posterior (subsequens), ou seja, surgiu apenas depois da obtenção/entrega da vantagem, não se haverá de falar em estelionato, mas sim no crime de apropriação indébita que, aliás, sequer exige a ocorrência de fraude para sua caracterização.


Por oportuno, cabe mencionar, também, que o estelionato não se confunde com o furto mediante fraude, pois, nesta última hipótese, a fraude é utilizada como meio de burlar a vigilância da vítima que, por desatenção, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída, enquanto que, na hipótese de estelionato, a fraude é utilizada para se obter o consentimento viciado da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.


Válida, nesse passo, a menção ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:


CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSO PENAL. FRAUDE ELETRÔNICA NA INTERNET. TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO DE CONTA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. FURTO MEDIANTE FRAUDE QUE NÃO SE CONFUNDE COM ESTELIONATO. CONSUMAÇÃO. SUBTRAÇÃO DO BEM. APLICAÇÃO DO ART. 70 DO CPP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARANAENSE.
1. O furto mediante fraude não se confunde com o estelionato. A distinção se faz primordialmente com a análise do elemento comum da fraude que, no furto, é utilizada pelo agente com o fim de burlar a vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o consentimento da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.
2. Hipótese em que o agente se valeu de fraude eletrônica para a retirada de mais de dois mil e quinhentos reais de conta bancária, por meio da 'Internet Banking' da Caixa Econômica Federal, o que ocorreu, por certo, sem qualquer tipo de consentimento da vítima, o Banco. A fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do Banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Configuração do crime de furto qualificado por fraude, e não estelionato.
3. O dinheiro, bem de expressão máxima da idéia de valor econômico, hodiernamente, como se sabe, circula em boa parte no chamado 'mundo virtual' da informática. Esses valores recebidos e transferidos por meio da manipulação de dados digitais não são tangíveis, mas nem por isso deixaram de ser dinheiro. O bem, ainda que de forma virtual, circula como qualquer outra coisa, com valor econômico evidente. De fato, a informação digital e o bem material correspondente estão intrínseca e inseparavelmente ligados, se confundem. Esses registros contidos em banco de dados não possuem existência autônoma, desvinculada do bem que representam, por isso são passíveis de movimentação, com a troca de titularidade. Assim, em consonância com a melhor doutrina, é possível o crime de furto por meio do sistema informático.
4. A consumação do crime de furto ocorre no momento em que o bem é subtraído da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade. No caso em apreço, o desapossamento que gerou o prejuízo, embora tenha se efetivado em sistema digital de dados, ocorreu em conta-corrente da Agência Campo Mourão/PR, que se localiza na cidade de mesmo nome. Aplicação do art. 70 do Código de Processo Penal.
5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal de Campo Mourão - SJ/PR.
(STJ, Terceira Seção, Conflito de Competência n.º 67343 2006.01.66153-0, Rel. Laurita Vaz, DJ de 11.12.2007, pág. 170)

Ademais, ainda tratando da fraude como elemento central do delito de estelionato, é importante falar sobre a frequente hipótese em que a falsidade documental é o meio empregado para se obter êxito na empreitada criminosa. Neste caso, em observância ao princípio da consunção, deve prevalecer o entendimento de que o crime-meio (falsidade documental) deverá ser absorvido pelo crime-fim (estelionato), desde que, depois da utilização do documento falso para obtenção de vantagem ilícita, não reste qualquer potencialidade ofensiva, nos termos da súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

A respeito do segundo requisito (induzimento ou manutenção da vítima em erro), é relevante mencionar que o erro é a consequência provocada pela fraude e que, em se constatando que a fraude não foi suficientemente hábil para provocar ou manter em erro a vítima (fraude grosseira), deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP).


Já a respeito do terceiro requisito (obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita), cabe consignar que, em sendo o estelionato um crime material e de dano, sua consumação se dará com a efetiva obtenção da vantagem, isto é, a partir do momento em que a coisa passar da esfera de disponibilidade da vítima para a do infrator (ou de terceiro).


Além disso, não se deve perder de vista que a vantagem obtida pelo agente deve ser ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento, uma vez que, se a vantagem for devida, ficará descaracterizado o delito de estelionato, podendo haver, por exemplo, a desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do artigo 345 do CP.


Feitas essas breves considerações, passa-se à análise dos fatos descritos na presente denúncia.



ANÁLISE DO CASO CONCRETO


RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM foi condenado à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, e 32 (trinta e dois) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei), pela prática do delito de estelionato contra ente público (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), na forma tentada, uma vez que ficou comprovado que, no dia 23 de outubro de 2018, ele, apresentando-se falsamente como Luan Bonifácio, recebeu, de maneira fraudulenta, encomendas entregues pelos Correios, ciente de que as mercadorias haviam sido adquiridas também mediante fraude, tendo sido, naquele momento, abordado por policiais civis que vigiavam a entrega, razão pela qual o delito não se consumou, já que o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, pois, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante.



DA INOCORRÊNCIA DA HIPÓTESE DE CRIME IMPOSSÍVEL


Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que, "se não há prova nos autos de que o réu efetivamente se valeu do documento alheio para, mediante fraude, obter vantagem, não há como dizer que o meio utilizado era apto e eficaz para lesionar o bem jurídico, mormente se ele nem mesmo chegou a ser utilizado" (fl. 153), de modo que, "não havendo provas de que o meio fraudulento foi utilizado, ou mesmo, que foi apto a enganar o homem médio, de rigor que se reconheça a existência de crime impossível e a atipicidade da conduta do réu" (fl. 153).


É certo que, nos termos do art. 17 do Código Penal, "não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime".


Inclusive, a súmula n.º 145 do Supremo Tribunal Federal, a qual trata da hipótese de "flagrante preparado" ou "forjado", dispõe que "não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação". Contudo, a hipótese de "flagrante preparado", em que se configura a situação de crime impossível, não deve ser confundida com a de "flagrante esperado", em que há possibilidade de tentativa. Conforme ensina Rogério Greco, "no flagrante preparado, o agente é estimulado pela vítima, ou mesmo pela autoridade policial, a cometer a infração penal com o escopo de prendê-lo. A vítima e a autoridade policial, bem como terceiros que se prestem a esse papel, são conhecidos como 'agentes provocadores'. Já no flagrante esperado, não haveria essa estimulação por parte da vítima, da autoridade policial ou mesmo de terceiros, no sentido de induzir o agente à prática do delito. O agente, aqui, não é induzido a cometer delito algum. Nesses casos, tendo a autoridade policial prévio conhecimento da intenção do agente em praticar a infração penal, o aguarda, sem estimulá-lo a absolutamente nada, e cuida de todos os detalhes de modo a evitar a consumação do crime" (in Código Penal Comentado, 11ª edição, Editora Ímpetus, 2017, pág. 73).


NO CASO CONCRETO, não há notícia de que o agente tenha sido induzido ou estimulado a cometer a infração penal, mas apenas de que policiais civis vigiaram sua conduta e conseguiram impedir a consumação do delito (hipótese de "flagrante esperado"). Conforme asseverou o r. juízo a quo, "não há que se falar em crime impossível pelo fato de policiais estarem investigando o caso. Com efeito, o crime em comento não fora praticado no transcurso do chamado 'flagrante preparado', visto que os policiais, ou mesmo a empresa pública, não tomaram qualquer iniciativa a instigar o acusado para a prática delitiva. Ao contrário, policiais e empresa de Correios apenas suspeitavam de fraude na compra do produto a ser entregue tendo em vista denúncia realizada pelo site de vendas Mercado Livre. Assim, foram ao local dos fatos a fim de averiguar a veracidade da denúncia. Neste contexto, o crime foi praticado espontaneamente pelo réu, ensejando sua imediata prisão em flagrante delito. O flagrante foi esperado pelos policiais, não preparado" (fl. 130).


A despeito do que alegou a defesa, o meio utilizado pelo agente para perpetrar a fraude revelou-se eficaz. Como bem asseverou o r. juízo a quo, embora não seja de praxe que os agentes dos Correios exijam identificação documental para entrega de encomendas, pois costumam pedir apenas que o destinatário da encomenda coloque nome e número do RG no recibo de entrega, fato é que restou suficientemente demonstrado que "o acusado RODRIGO apresentou-se como LUAN, assinando este nome e colocando o RG desta pessoa no recibo (fl. 12), recebendo, então, de maneira fraudulenta, as encomendas" (fl. 130 v.).


Além disso, o que se observa, in casu, é que a possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido existia e que a consumação da infração penal somente não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do réu. Tal como constou da r. sentença, "em verdade, se as encomendas não viessem de outro Estado, certamente a vítima originária não teria conseguido avisar ao site de vendas e à polícia acerca da fraude perpetrada em tempo hábil. Ou seja, o acusado teria consumado o delito sem quaisquer problemas. Se havia a possibilidade de consumação do delito, não há que se falar, por óbvio, em impropriedade do objeto e em crime impossível" (fl. 130 v.).



MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS


Em suas razões de Apelação, a defesa alegou: a) insuficiência de provas que suportem um decreto condenatório (fl. 154) e b) "inexistência de indícios de que o acusado tenha, em algum momento, agido com dolo ao receber a encomenda para terceiro" (fl. 155).


Contudo, os elementos de prova apresentados, especialmente os depoimentos prestados pelas testemunhas (transcritos abaixo - em negrito), são suficientes para a formação de juízo de certeza acerca da materialidade e autoria delitivas, bem como evidenciam a presença do dolo.


Por oportuno, transcrevo o seguinte trecho extraído da fundamentação da r. sentença (fls. 126/132 v.):


(...)
A autoria e a materialidade delitivas restaram sobremaneira demonstradas pelas provas existentes nos autos: Auto de Prisão em Flagrante Delito, com os depoimentos das testemunhas e a confissão do acusado perante a autoridade policial (fls. 02/07); Boletim de Ocorrência nº 9202/2018 (fls. 08/11); Auto de Apresentação e Apreensão, com a relação dos códigos de rastreio dos objetos entregues pelo carteiro ao réu (fls. 12/13); o documento utilizado pelo acusado, em nome de LUAN BONIFÁCIO DOS SANTOS, para receber as encomendas (fl. 12).
Somam-se a tais elementos a confissão parcial do réu, quando do seu interrogatório em Juízo, apresentando detalhes acerca de sua participação no delito, e o depoimento das testemunhas Paulo Eduardo Vecchete e Guilherme Bandeira Guimarães da Silva, policiais responsáveis pela prisão em flagrante, e Ronaldo Costa de Alcântara, funcionário dos Correios responsável por acompanhar denúncias de fraude recebidas pela empresa pública.
Conforme consta dos elementos colhidos, restou induvidoso que pessoa ainda não identificada realizou compra de mercadorias pela internet, simulando o pagamento das mesmas. Os vendedores, que imaginavam que o pagamento havia sido realizado, enviavam as mercadorias pelos Correios, para serem entregues a pessoa de nome LUAN BONIFÁCIO DOS SANTOS, na Rua Celina Barros Silveira, 18, Vila Santa Catarina, São Paulo-SP, onde se encontrava o ora acusado RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, a cerca de 200 metros de sua residência.
Assim, ciente de que as mercadorias haviam sido adquiridas de maneira fraudulenta, o acusado portando documento em nome de LUAN BONIFÁCIO e, assim, mantendo em erro a empresa pública federal contratada para entrega dos bens, recebeu indevidamente as mercadorias, em proveito próprio e/ou de terceiros.
Entretanto, pouco antes, o funcionário dos Correios Ronaldo Costa de Alcântara havia recebido denúncia do site "Mercado Livre", alertando que mercadorias adquiridas com fraude seriam entregues no endereço mencionado, endereçadas a pessoa de nome LUAN BONIFÁCIO. Considerando que a encomenda ainda não havia sido entregue, o diligente funcionário acionou a Polícia Civil, que decidiu acompanhá-lo na entrega dos bens.
Assim, os policiais civis presenciaram o momento em que o ora acusado apresentou-se como LUAN BONIFÁCIO e recebeu, de maneira fraudulenta, as encomendas entregues pelos Correios.
Quando ouvido em Juízo, o funcionário dos Correios responsável pela entrega, assim narrou os fatos:
'Eu sou agente dos Correios e tenho a função de combate à fraude. A gente atua em toda São Paulo e grande São Paulo. No dia 23/10, a gente foi até a Unidade e o gestor informou que tinha várias ligações informando que as encomendas tinham suspeita de fraude, como a gente não tinha certeza havia quatro objetos para a Rua Celina de Barros Silveira, nº 18, como a gente não tem certeza, a gente liga para a polícia, que a gente não pode devolver nem entregar os objetos sem ter certeza. A gente entra em contato com a polícia para que ela nos dê apoio no momento da entrega. Aí no momento da entrega lá nesse dia, no momento ele se identificou como LUAN BONIFÁCIO, falando que era ele, as quatro encomendas estavam destinadas para esse LUAN, e no momento que ele assinou os policiais vieram e pegaram ele. Eu fui realizar a entrega normal. Inclusive eu ia passando do local da entrega e o rapaz gritou ou, se tem entrega é aqui, LUAN, aí parei o carro, voltei e fui entregar. Ele se identificou como LUAN. Aí os policiais abordaram ele e fomos pra delegacia. Na hora, os policiais conversaram com ele e parece que ele confessou, que parece que ele ganhava 100 reais por cada encomenda, que estava desempregado e tava fazendo isso, sabia o risco, aí depois me retirei e fui pro DP. No momento, pra mim ele falou que era LUAN, depois confessou que não era. Eu entreguei as quatro encomendas pra ele, que elas vêm juntas, ele assina a lista e recebe as quatro. Ele assinou a lista apoiando em uma das caixas, que já ficou com ele, as outras três não cheguei a entregar. Assim que ele assinou a polícia abordou ele, a polícia tava bem próxima, esperando fazer a entrega. Ele estava com uma caixa na porta da residência, no portão da casa dele, que ele estava sentado lá quando eu passei. Ele já estava do lado de fora da residência quando eu passei. Eu perguntei o nome dele, ele falou que é LUAN BONIFÁCIO, é aqui mesmo, eu falei é você?, sou eu, então põe seu RG aqui. Não lembro se ele me entregou o documento, ele se identificou como LUAN, inclusive ele já sabia que vinham quatro caixas. Quando assina a lista, é que ele já recebeu os objetos, é uma assinatura para as quatro caixas' (cf. fl. 117 e mídia digital de fl. 121).
Ouvido em Juízo, o policial civil Paulo Eduardo Vecchete confirmou a versão dos fatos narrados na inicial acusatória:
'Sou investigador de polícia. O pessoal do Correio entrou em contato com a gente, que tinha uma reclamação de que poderia estar entregando uma encomenda que seria de um processo de fraude, mas não tinham certeza né. E dessa forma pediram para que a gente pudesse acompanhar, fazer uma apuração do caso. Então nos antecipamos, fomos ao local onde seria entregue, com viatura descaracterizada, eis que chega o carro dos Correios para fazer a entrega, o rapaz se apresentou, pegou a encomenda, aí abordamos ele, questionamos ele sobre o que ele estaria fazendo lá, e ele de imediato já confessou que ele recebia um valor de 100 reais para receber aquela encomenda. Questionado sobre a identificação dele, ele exibiu um documento diverso da identificação dele e disse que uma outra pessoa teria dado aquele documento, para que ele apresentasse quando recebesse a mercadoria. Aí conduzimos ele para o distrito policial. Aí checamos que era uma fraude que está sendo bastante utilizada no Mercado Livre né, basicamente o estelionatário vê o anúncio lá no classificado de um bem, e ele obtém o e-mail desse vendedor e ele manda um e-mail confirmando o pagamento, e esse e-mail é falso, com um link de acesso à plataforma falso. A vítima acredita que fez a venda e posta o objeto, mas quando ela vai cobrar o Mercado Livre, porque ela acha que está negociando dentro do Mercado Livre, ela fica sabendo que não houve nenhuma negociação, o Mercado Livre fala olha, você não negociou conosco. Aí, nesse caso, como era de outro Estado, deu tempo, a vítima ligou e falou olha, não entrega porque eu fui tapeada, aí deu tempo, só que isso tá sendo muito comum aqui em São Paulo, sobretudo na Zona Leste de São Paulo, tem bastante quadrilha lá, e como é dentro de São Paulo eles acabam entregando. Inclusive eles mudaram também o jeito de atuação, antes usavam só os Correios, agora estão usando também aqueles aplicativos de mobilidade urbana para fazer entrega desses objetos. Ele disse que iria entregar os objetos para um rapaz na zona leste, mas aí não seria muito prudente continuar a diligência com ele, ele poderia tentar fugir, também sairia muito da área de atuação, a gente tava na zona sul, iria lá pra zona leste, a gente parou a investigação nesse momento, mas não conseguimos identificar a pessoa que teria feito essa fraude. A gente fez a abordagem e ele já tinha recebido, ele até assinou com outro nome, o que tava na identidade. O local era via público, meio que favela, numeração irregular, e ele já tava na rua, tanto que ele abordou o carro que ia passando, perguntou pra quem era a entrega, porque quando os Correios saem para entrega ele já vê pelo monitoramento, então ele já vai pra rua aguardar, porque aquele número que eles colocam para correspondência é um número qualquer, não necessariamente existe ou é de um imóvel, aí fica na rua aguardando e quando notam a chegada, ele vai até o carro, é assim que eles trabalham. Depois a gente ficou sabendo que a encomenda tinha celular ou câmera digital, algo assim, equipamento eletrônico. Nos posicionamos na via, próximos. Eu vi ele abordando o carro dos Correios, assinando e recebendo as caixas. Não lembro quantas caixas eram. Ele pegou e assinou, pegou a caixa na mão. Que eu me lembro sim, ele assinou, pegou e a gente fez a abordagem né, não teria por que a gente abordar durante. Abordamos na calçada, ele ainda estava com o carteiro. A abordagem foi super tranquila, ele de imediato colaborou com a gente. Ele falou que receberia 100 reais por encomenda, e que ele já estava fazendo isso há algum tempo, não era a primeira, ele já estava recebendo dinheiro por isso' (cf. fl. 118 e mídia digital de fl. 122).
No mesmo sentido o depoimento do policial civil Guilherme Bandeira Guimarães:
'O pessoal dos Correios entrou em contato, porque algumas entregas eles estavam com suspeitas de que eram fraudes, mas não tinham certeza disso, aí nós acompanhamos. Posicionamos a viatura descaracterizada próxima ao endereço em que seria entregue. Aí nós vimos a chegada do carro dos Correios, vimos o réu acenando para o carro, falando com o motorista, o motorista entregou um documento para ele assinar, ele assinou, e aí foi o momento em que a gente abordou, e ele falou que ele tava ali porque uma pessoa pagava 100 reais para cada encomenda que ele recebia e ele tava ali com o documento de outra pessoa, nós conduzimos ele até a delegacia. Ele recebeu a encomenda e assinou como sendo outra pessoa, como LUAN, salvo engano. Ele já estava do lado de fora da casa, ele aguardava do lado de fora, na calçada. Ele disse que recebia 100 reais por encomenda, que ele entregaria para uma pessoa na zona leste. Quando o abordamos ele já tinha assinado. Tem uma série de fraudes no mercado livre nesse sentido, que a pessoa vende, recebe um e-mail, só que um e-mail fraudulento, dizendo que o pagamento foi efetuado, aí ela posta a mercadoria, mas quando ela vai receber do Mercado Livre eles falam opa, mas aqui não foi feita nenhuma transação, aí foi isso, a pessoa ligou na agência para avisar não entrega, que foi fraude, foi isso. Ele não chegou a pegar as caixas, quando ele assinou o rapaz dos correios foi pegar as mercadorias e a gente abordou. A mercadoria estava no carro. Ele não se deslocou com as caixas. Ele estava com uma identidade em nome de LUAN. Não me recordo se tinha uma caixa de apoio na hora que ele assinou' (cf. fl. 119 e mídia digital de fl. 121).
Ouvido em Juízo, o réu RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM confessou o delito, embora tenha tentado isentar-se de culpa ao afirmar que fora induzido pelo carteiro a assinar o recibo de entrega com nome diverso:
'Sim, o que está na denúncia aconteceu. Primeiro eu recusei de fazer isso. Porém, eu não estava tendo uma renda específica para sustentar minha família. E por uma segunda, terceira vez essa pessoa veio e falou que não tinha problema, que me levava o documento pra mim e eu só tinha que esperar no dia e horário combinado, a pessoa me informou o horário e dia, e que quando o carteiro aparecesse eu falava que ia receber encomenda pra tal pessoa e recebendo eu ligava e combinava de entregar a encomenda pra essa pessoa, chamada MARCELO... essa pessoa entrou em contato pelo facebook, que eu divulgava meus serviços de jardinagem e foi onde ela me mandou essa proposta que eu acabei aceitando. Ele ia pagar 100 reais por cada encomenda que eu recebesse. Foi ele que me deu esse documento. A gente se encontrou na estação Dom Bosco, ele falou que ia receber encomenda tal dia, e para eu apresentar esse documento e depois devolver para ele o documento com as caixas, que ele me pagaria 100 reais por caixa. Ele falou que seriam 4 caixas nesse dia. Aí no dia a pessoa me ligou um pouquinho antes, meio dia, e ele falou pra eu ir lá pro endereço, que o correio ia passar, aí fiquei lá na calçada, sentei na guia mesmo, e fiquei aguardando. Quando deu por volta de meio dia e meia passou o carro dos Correios, em velocidade reduzida, aí eu perguntei se era encomenda pro LUAN, aí ele encostou o carro, falou que eu teria que assinar o comprovante, me deu um papel, eu não cheguei a dar o documento pra ele, nem me identifiquei, só perguntei se era encomenda para o LUAN, aí ele falou que sim, me deu o papel para assinar, no que eu fui fazer a assinatura os policiais me abordaram. Eu escrevi o nome do LUAN. Eu falei que ia receber pelo LUAN, até perguntei para ele se eu poderia colocar o meu nome ou o do LUAN, ele falou para assinar no nome do documento. Não sei quem é o LUAN. Eu não sabia o RG de cor, peguei do documento e escrevi ali na hora. Eu não sabia o que tinha nas caixas. Quando os policiais se apresentaram e perguntaram para mim eu falei que estava recebendo no nome daquela pessoa, até estava com o RG em mãos porque não sabia o número de cor, aí falei meu nome, falei da situação, e falaram que iam me conduzir até a delegacia, e eu falei que tudo bem. Estou arrependido. Essa foi única vez que eu fiz isso. Foi por questão financeira. Eu não estava recebendo nada fixo. No último mês eu tinha recebido 225 reais. Não cheguei a receber as caixas, porque os policiais me abordaram imediatamente depois da assinatura. O documento do LUAN não tinha minha foto, era outra foto. Eu não me passei por LUAN' (cf. fl. 120 e mídia digital de fl. 121).
Como se vê, o réu confirmou os fatos, mas tentou esquivar-se da culpa ao negar que tenha utilizado de meios fraudulentos para receber, em proveito próprio e em prejuízo alheio, vantagem indevida.
Todavia, a afastar a teste de crime impossível, não restam dúvidas de que o acusado apresentou-se como sendo outra pessoa (LUAN BONIFÁCIO) a fim de receber as encomendas fraudulentamente encomendadas.
Conforme narrado pelo carteiro, o acusado apresentou-se de imediato como LUAN BONIFÁCIO DOS SANTOS, afirmando que eram para ele as encomendas. Não soa verossímil que o acusado tenha se apresentado com seu nome verdadeiro e o carteiro tenha lhe dito para assinar como se fosse LUAN.
Inclusive porque o acusado estava na posse do documento de LUAN e, conforme por ele mesmo narrado, copiou o número de RG do documento no recibo assinado. Ou seja, o réu tinha a intenção, desde o início, de fazer-se passar por LUAN BONIFÁCIO a fim de receber as encomendas, soando despropositada a afirmação de que fora induzido pelo carteiro a assinar o documento em nome de outra pessoa.
Tal afirmação, claramente inverídica e com o intuito de eximir-se de culpa, inclusive afasta a possibilidade de posterior aplicação da atenuante de confissão espontânea, considerando que a confissão foi meramente parcial e ainda trouxe fantasiosa versão dos fatos, na vã tentativa de eximir-se de qualquer culpa.
(...)
No momento da entrega, conforme restou suficientemente demonstrado, o acusado RODRIGO apresentou-se como LUAN, assinando este nome e colocando o RG desta pessoa no recibo (fl. 12), recebendo, então, de maneira fraudulenta, as encomendas.
(...)
Por fim, entretanto, conforme requerido pela combativa Defesa, há que se reconhecer que o crime em comento não atingiu sua plena consumação por circunstâncias alheias à vontade do acusado, devendo ser aplicada, ao final, a causa de diminuição prevista no artigo 14, II, do Código Penal.
(...)
Conforme restou demonstrado durante a instrução processual, o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, visto que, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante. Ademais, é certo, a vítima não sofreu qualquer prejuízo. Assim, embora tenha ocorrido a transferência da posse dos bens, não há que se falar em consumação do crime de estelionato, visto que, por circunstâncias alheias à vontade do réu, não se configurou o binômio vantagem ilícita/prejuízo alheio.
De qualquer forma, restou inconteste que o acusado RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, por meio fraudulento (uso de documento falso) tentou obter para si (e/ou para outrem) vantagem ilícita, em prejuízo alheio (de vendedores, dos sites de venda online e, por fim, da empresa pública federal, contratada para entrega de mercadorias a determinada pessoa), não consumando o delito apenas por circunstâncias alheias à sua vontade. A condenação pelo crime de estelionato, contra empresa pública, na forma tentada, é, portanto, medida de rigor.
Por fim, acrescente-se, que não há nos autos qualquer circunstância que exclua a ilicitude ou a imputabilidade do acusado.
(...).

Ante o exposto, a manutenção da condenação é medida que se impõe.



DOSIMETRIA DA PENA


O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.


Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal.


Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição.




PENA-BASE


Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa. A culpabilidade foi considerada acima do normal, uma vez que "o acusado, quando da prática do crime em comento, estava gozando de livramento condicional nos autos de execução penal pela prática de outros delitos, o que sugere ousadia acima do normal" (fl. 133). Também as circunstâncias e consequências foram valoradas negativamente, "eis que a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas. Foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida" (fls.133/133 v.).


Passa-se, pois, à análise pormenorizada das circunstâncias judiciais ora mencionadas (inteligência do art. 59 do CP).



Culpabilidade


A culpabilidade, para fins do art. 59 do CP, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade sobre a conduta, apontando maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu.


Em suas razões de Apelação, a defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM alegou que o fato de o acusado ter praticado o delito durante período de livramento condicional "não é causa para exasperação da pena-base com fundamento na culpabilidade do agente" (fl. 157). Argumentou que "a culpabilidade em nada se relaciona com eventual benesse conferida em outro processo e relacionada à prática de outro delito, mas sim deve estar relacionada e ser analisada com base nas peculiaridades do caso concreto, que, no caso, revela-se normal à espécie do delito em comento" (fl. 157).


Consigna-se que, a despeito do que se alegou, o fato de o réu ter praticado o delito em questão quando estava gozando de livramento condicional indica que sua conduta extrapolou a normalidade a ponto de merecer maior reprovação social e, portanto, justifica, em princípio, a majoração da pena-base.


Todavia, considerando que, in casu, a condenação transitada em julgado que ensejou a concessão do livramento condicional já foi utilizada na segunda fase da dosimetria para fins de incremento da pena (pela reincidência), não se deve permitir que esta gere, também, repercussões na reprimenda básica, sob pena de bis in idem.


Determina-se, pois, seja afastado o incremento da pena-base em razão do vetor culpabilidade.



Consequências do Crime


Para que as consequências do crime autorizem o aumento da pena-base, estas devem extravasar o mero resultado decorrente da prática da infração penal.


Considerando que, in casu, o delito sequer se consumou, já que o acusado não chegou a desfrutar da vantagem que pretendia auferir, pois, tão logo recebeu as encomendas, foi abordado pelos policiais e preso em flagrante, considera-se não haver justificativa suficiente para uma avaliação negativa das consequências do delito.



Circunstâncias do Crime


É certo que, considerando circunstâncias como lugar do crime, tempo de sua duração, relacionamento existente entre autor e vítima, atitude assumida pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso, dentre outras, nada obsta o julgador de majorar a pena-base, desde que se tratem de circunstâncias acidentais, isto é, circunstâncias que não participem da própria estrutura do tipo penal (STJ, 5ª Turma, HC 235.465/RN, Rel. Marco Aurélio Bellize, DJe de 25.06.2013).


Como bem asseverou o r. juízo a quo, "a prática delitiva faria, se consumada, diversas vítimas" (fl. 133), pois "foram ao menos quatro vendedores que enviaram encomendas ao endereço onde se localizava o réu, sem receberem os valores devidos, bem como foram vítimas reflexas os sites de vendas online e a empresa pública federal, que, mantida em erro, entregaria mercadorias para pessoa indevida" (fls.133/133 v.), de modo que a exasperação da pena-base com fulcro na valoração negativa das "circunstâncias do crime" se amparou em fundamentos idôneos e deve ser mantida.



Quantum a ser majorado na primeira fase da dosimetria


Em sendo 8 (oito) as circunstâncias judiciais a serem analisadas para a fixação da pena-base (inteligência do art. 59 do CP), e considerando que a pena abstratamente cominada para o delito de estelionato é a de 01 (um) a 05 (cinco) anos de reclusão, considero que a exasperação deve ser equivalente a 06 (seis) meses para cada circunstância judicial identificada.


Determina-se, pois, a redução da pena-base privativa de liberdade para 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.



AGRAVANTES E ATENUANTES


Na segunda fase, deixou-se de reconhecer a presença da atenuante da confissão espontânea e reconheceu-se como presente a agravante da reincidência, já que "o réu cumpria pena de mais de 11 anos de reclusão em regime de livramento condicional". Assim, elevou-se a pena privativa de liberdade em 1/2 (metade).



Confissão


Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que "deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea" (fl. 158).


A confissão é ato de colaboração com a Justiça e, segundo a doutrina, pode ser total - quando o agente narra o fato com todas as suas circunstâncias; parcial - caso em que não admite, por exemplo, qualificadora ou causa de aumento - ou qualificada - quando o réu admite a autoria do evento, mas alega fato impeditivo ou modificativo do direito, como a presença de uma excludente de ilicitude ou culpabilidade (Rogério Sanches Cunha, Manual de Direito Penal, Parte Geral, 3. ed., Ed. JusPodivm, p. 425).


É certo que doutrina e jurisprudência oscilam quanto a reconhecer a confissão qualificada como atenuante, sendo que o STJ, inicialmente, se recusava a aplicar a atenuante nessa hipótese (STJ, AgRg no Resp. 1359503/MG, Rel. Min. Campos Marques, Desembargador convocado do TJPR, DJE 21/5/2013; STJ, HC 211294/MS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T. DJE 1/8/2012) e, mais recentemente, mudou seu posicionamento, passando a entendê-la como possível (STJ, HC 325.163/SP, Relª. Minª, Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJE 03/08/2015; STJ, HC 87.337/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T. DJE 25/06/2015; STJ, Af. Rg. no Resp. 1392005/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJE 27/6/2014).


De qualquer sorte, in casu, sequer há necessidade de enfrentarmos essa questão.


NO CASO CONCRETO, não se vislumbra ter havido, propriamente, confissão, seja esta total, parcial ou qualificada.


Ao ser ouvido em Juízo, o réu RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM afirmou:


Sim, o que está na denúncia aconteceu. Primeiro eu recusei de fazer isso. Porém, eu não estava tendo uma renda específica para sustentar minha família. E por uma segunda, terceira vez essa pessoa veio e falou que não tinha problema, que me levava o documento pra mim e eu só tinha que esperar no dia e horário combinado, a pessoa me informou o horário e dia, e que quando o carteiro aparecesse eu falava que ia receber encomenda pra tal pessoa e recebendo eu ligava e combinava de entregar a encomenda pra essa pessoa, chamada MARCELO... essa pessoa entrou em contato pelo facebook, que eu divulgava meus serviços de jardinagem e foi onde ela me mandou essa proposta que eu acabei aceitando. Ele ia pagar 100 reais por cada encomenda que eu recebesse. Foi ele que me deu esse documento. A gente se encontrou na estação Dom Bosco, ele falou que ia receber encomenda tal dia, e para eu apresentar esse documento e depois devolver para ele o documento com as caixas, que ele me pagaria 100 reais por caixa. Ele falou que seriam 4 caixas nesse dia. Aí no dia a pessoa me ligou um pouquinho antes, meio dia, e ele falou pra eu ir lá pro endereço, que o correio ia passar, aí fiquei lá na calçada, sentei na guia mesmo, e fiquei aguardando. Quando deu por volta de meio dia e meia passou o carro dos Correios, em velocidade reduzida, aí eu perguntei se era encomenda pro LUAN, aí ele encostou o carro, falou que eu teria que assinar o comprovante, me deu um papel, eu não cheguei a dar o documento pra ele, nem me identifiquei, só perguntei se era encomenda para o LUAN, aí ele falou que sim, me deu o papel para assinar, no que eu fui fazer a assinatura os policiais me abordaram. Eu escrevi o nome do LUAN. Eu falei que ia receber pelo LUAN, até perguntei para ele se eu poderia colocar o meu nome ou o do LUAN, ele falou para assinar no nome do documento. Não sei quem é o LUAN. Eu não sabia o RG de cor, peguei do documento e escrevi ali na hora. Eu não sabia o que tinha nas caixas. Quando os policiais se apresentaram e perguntaram para mim eu falei que estava recebendo no nome daquela pessoa, até estava com o RG em mãos porque não sabia o número de cor, aí falei meu nome, falei da situação, e falaram que iam me conduzir até a delegacia, e eu falei que tudo bem. Estou arrependido. Essa foi única vez que eu fiz isso. Foi por questão financeira. Eu não estava recebendo nada fixo. No último mês eu tinha recebido 225 reais. Não cheguei a receber as caixas, porque os policiais me abordaram imediatamente depois da assinatura. O documento do LUAN não tinha minha foto, era outra foto. Eu não me passei por LUAN (cf. fl. 120 e mídia digital de fl. 121).


Embora o réu tenha confessado que estava no local dos fatos aguardando a entrega dos Correios, o que se observa é que, em momento algum, RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM admitiu ter se passado por Luan para receber, de maneira fraudulenta, as encomendas. Ao contrário, insistiu na versão de que não agiu com o dolo de fraudar nem com intenção de obter qualquer vantagem indevida. Reconheceu, apenas, que, acreditando que "não tinha problema", se dispôs a receber uma encomenda a pedido e em nome de outrem.


Contudo, o conjunto probatório produzido nos autos revelou que, na realidade, o réu tinha a intenção, desde o início, de se fazer passar por Luan Bonifácio, a fim de receber fraudulentamente as encomendas. Além disso, é inverossímil a alegação do réu no sentido de que teria sido induzido pelo carteiro a assinar o recibo de entrega como se fosse Luan.


Portanto, não se há de falar em confissão como atenuante.


É relevante salientar, por fim, que não se ignora o teor da súmula nº. 545 do STJ no sentido de que "quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do CP" (11.07.2017).


In casu, todavia, o que verdadeiramente embasou a conclusão condenatória não foi a suposta confissão do agente, mas sim o conteúdo das provas produzidas nos autos, em especial, o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas. Em momento algum o réu admitiu ter realizado a conduta que lhe foi imputada, isto é, jamais admitiu ter empregado meio fraudulento para obter vantagem ilícita.



Reincidência


Quanto à determinação de que a pena seja majorada em 1/2 (metade) em razão da reincidência, consigna-se que, embora o Código Penal não forneça um quantum para fins de atenuação ou agravamento da pena, de modo que ao juiz é dada certa margem de discricionariedade, ante a ausência de critérios previamente definidos pela lei, prevalece na doutrina e jurisprudência o entendimento de que, para se atender aos critérios da proporcionalidade e em observância ao princípio da razoabilidade, cada circunstância atenuante ou agravante deverá fazer com que a pena-base seja diminuída ou aumentada em 1/6 (um sexto), a menos que, no caso concreto, haja circunstância anormal que legitime a majoração ou redução em percentual diferente.


Válida, nesse passo, a menção aos seguintes julgados:


HABEAS CORPUS. ROUBO. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. ACRÉSCIMO DESPROPORCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Devido o Código Penal não ter estabelecido balizas para o agravamento e atenuação das penas, na segunda fase de sua aplicação, a doutrina tem entendido que esse aumento ou diminuição deve se dar em até 1/6 (um sexto), atendendo a critérios de proporcionalidade.
2. Na hipótese, reconhecida a agravante da reincidência, o Juízo de primeiro grau se deteve, apenas, a mencionar o quantum da elevação - que se deu em patamar superior a 1/3 (um terço) -, sem declinar qualquer fundamentação a justificar a exasperação desarrazoada.
3. Desse modo, por ausência de fundamentação e proporcionalidade, o acréscimo decorrente do reconhecimento da agravante da reincidência deve ficar na fração de 1/6 (um sexto).
4. Ordem concedida.
(STJ, Sexta Turma, HC 201000024354, Rel. OG Fernandes, DJe de 10.05.2010)

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE. ART. 129, § 1º, I, II E III, C/C ART. 61, II, C, TODOS DO CP. ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. QUESTÃO JÁ ENFRENTADA POR ESTA CORTE NO JULGAMENTO DO RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DO TEMA NESTA INSTÂNCIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EXAURIDA. QUANTUM DE EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE, FIXADA EM PATAMAR QUATRO VEZES SUPERIOR AO MÍNIMO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE CONFIGURADA. DECOTE. PLEITO DE REDUÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO PELA INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, C, DO CP (CRIME COMETIDO À TRAIÇÃO, EMBOSCADA OU RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO). FRAÇÃO SUPERIOR A 1/6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PENA DEFINITIVA REDUZIDA. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL MAIS BRANDO. SANÇÃO DEFINITIVA QUE RESULTA INFERIOR A 4 ANOS. REGIME ABERTO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
-(...)
- O tema referente à fundamentação idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal já foi enfrentado por esta Quinta Turma, ao julgar o AgRg no AResp n. 696986, interposto pela defesa do paciente, bem como ao rejeitar os embargos declaratórios posteriormente opostos. Assim, utilizadas as vias adequadas à análise da matéria, a prestação jurisdicional, nesta instância, quanto ao ponto, está exaurida, a tornar manifestamente incabível a impetração de writ endereçado novamente a esta Corte para rediscutir a matéria. Precedente.
- De outro lado, ao analisar o quantum de aumento agregado à pena-base, tema que não foi objeto do recurso próprio, verifica-se a presença de constrangimento ilegal, apto a justificar a atuação desta Corte, de ofício.
- O paciente foi condenado, em primeira instância, à pena de 5 anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática de crime tipificado no art. 129, § 1º, I, II e III, c/c art. 61, II, c, ambos do Código Penal. A pena-base (1 ano) foi exasperada em quatro vezes, quantum que se afigura exagerado, a resultar em uma sanção definitiva evidentemente elevada e, portanto desproporcional. Tal violação ao princípio da proporcionalidade reclama a atuação de ofício do magistrado, a fim de decotar parte do acréscimo operado, de forma a serem observados os parâmetros utilizados pelo Código Penal em relação ao sistema de fixação de penas. Precedentes.
- Objetivando não deixar de considerar a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis e de três das hipóteses previstas no § 1º do art. 129 (incisos I, II e III) do CP, vislumbra-se ser razoável a aplicação da pena-base em patamar três vezes superior ao mínimo.
- O Código Penal não estabelece limites mínimo e máximo de exasperação de pena em razão das circunstâncias agravantes, cabendo ao magistrado, prudentemente, fixar o patamar de acréscimo necessário, dentro de parâmetros razoáveis e proporcionais.
- Na espécie, verifica-se que as instâncias ordinárias agravaram a pena na segunda fase da dosimetria na fração de 1/4, sem apresentar qualquer fundamentação concreta e idônea para justificar o referido aumento. Em casos tais, seguindo o entendimento firmado na jurisprudência desta Corte, deve-se aplicar a usual fração de 1/6. Precedentes.
- Reduzida a pena definitiva a patamar inferior a 4 anos, possível a fixação de regime inicial mais brando, nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP.
- Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para redimensionar as penas do ora paciente para 3 anos e 6 meses de reclusão, em regime aberto.
(STJ, Quinta Turma, HC 201503064294, Rel. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 07.11.2016)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO. DOSIMETRIA DA PENA. MATÉRIA A SER TRATADA EM VIA RECURSAL PRÓPRIA. 1. AFASTAMENTO DA MAJORANTE. EMPREGO DE ARMA DE BRINQUEDO. CANCELAMENTO DA SÚMULA 174/STJ. 2. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. AGRAVANTE. REINCIDÊNCIA. AUMENTO ACIMA DE 1/6. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. MAJORANTE NO PATAMAR DE 1/3. DESPROPORCIONALIDADE. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, MAS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
(...)
6. O acréscimo por força de circunstância agravante, deve respeitar, via de regra, o limite de 1/6, sob pena de se atribuir excessiva expressão à agravante, em detrimento da própria causa ou circunstância de aumento de pena, o que não seria razoável.
7. Embora a valoração das circunstâncias seja discricionária do juiz sentenciante, este Tribunal Superior tem orientado que o quantum do acréscimo pela circunstância agravante deve observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência à reprovação e prevenção ao crime, de acordo com o caso concreto.
8. Considerando a fixação da pena-base no patamar mínimo previsto, bem como o aumento da pena em razão da majorante em sua fração mínima, é desproporcional o aumento da pena na segunda fase de aplicação em aproximadamente 2/3, em decorrência da circunstância agravante da reincidência, ainda que específica.
9. Habeas corpus não conhecido, mas concedido de ofício para afastar a majorante relativa ao uso de arma de brinquedo e redimensionar a pena imposta ao paciente, totalizando 6 anos e 2 meses de reclusão e 16 dias-multa.
(STJ, Quinta Turma, HC 200800546163, Rel. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 13.02.2012)

Considerando que, in casu, não se vislumbra nenhuma circunstância anormal apta a ensejar a aplicação de fração de aumento em desacordo com os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência pátria, impõe-se a majoração da pena em 1/6 (um sexto).


Fixa-se, pois, na segunda fase, a pena privativa de liberdade em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão.



CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO


Nesta fase, vislumbra-se a presença da causa de aumento prevista no parágrafo 3º do art. 171 do CP do Código Penal, de maneira que a pena deve ser elevada em 1/3 (um terço), ficando estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses.


Por fim, é de rigor a aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 14, II, do Código Penal, a fim de que a pena seja reduzida em 2/3 (dois terços), conforme determinou a r. sentença (fl. 134), em se tratando de recurso exclusivo da defesa.


Assim, ao final da terceira fase, a pena privativa de liberdade deve ficar estabelecida em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.



PENA DE MULTA


Em suas razões de Apelação, a defesa requereu fosse readequada a pena de multa (fl. 160).


No que diz respeito à pena de multa e aos critérios para a sua fixação, é certo que o número de dias-multa deve guardar proporcionalidade com o quantum da pena privativa de liberdade estabelecida, conforme os parâmetros do sistema trifásico, enquanto o valor do dia-multa deve ser fixado de acordo com as condições econômicas do condenado.


Considerando que a pena privativa de liberdade abstratamente prevista pelo art. 171 do CP é de 1 (um) a 5 (cinco) anos e tendo em vista que a pena concretamente cominada foi a de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, conclui-se que, proporcionalmente, a pena de multa deve ser fixada no patamar mínimo de 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).




REGIME INICIAL


Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que "não há razão para fixação do regime mais gravoso, cabendo, diante do montante de pena, o regime inicial aberto" (fl. 158).


Ocorre que, em sendo o réu reincidente, não se há de falar, em princípio, em fixação de regime inicial aberto. Por outro lado, não é razoável a manutenção do regime fechado (estabelecido em sentença), considerando que a pena privativa de liberdade foi fixada em patamar inferior a quatro anos e tendo em vista que as circunstâncias judiciais se revelaram majoritariamente favoráveis, de modo que deve prevalecer o teor da Súmula n.º 269 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais (Súmula 269, Terceira Seção, Julgado em 22.05.2002, DJ 29.05.2002, p. 135).

Ante o exposto, determina-se que o regime inicial de cumprimento de pena seja o SEMIABERTO, a teor do art. 33, §2º, "b" e "c" e § 3º, do Código Penal.



CONCLUSÃO


Diante do exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa de RODRIGO SILVEIRA ESTEVAM, determinando a redução da pena ao patamar de 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e atualizado na forma da lei).


Tendo em vista o regime de cumprimento de pena ora estabelecido, oficie-se ao Juízo das Execuções Penais.


É o voto.


MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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