Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 17/04/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004589-35.2017.4.03.6106/SP
2017.61.06.004589-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : ARTUR CAETANO REZENDE reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP249573 AUGUSTO CESAR MENDES ARAUJO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00045893520174036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PROCESSO PENAL E PENAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA FEDERAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA TRANSNACIONALIDADE DO DELITO A ACARRETAR A NULIDADE DE TODO O TRAMITAR PROCESSUAL - REFUTAMENTO. CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA E DE MUNIÇÃO - ART. 18 C.C. ART. 19, AMBOS DA LEI Nº 10.826/2003 - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS - MANUTENÇÃO DO ÉDITO PENAL CONDENATÓRIO - AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 19 ANTE A SOBREVINDA DE ALTERAÇÃO NA CLASSIFICAÇÃO DO ARMAMENTO APREENDIDO (DE "USO RESTRITO" PARA DE "USO PERMITIDO") POR FORÇA DO DECRETO Nº 9.847/2019. DOSIMETRIA PENAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - SÚM. 231/STJ. REGIME INICIAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR REPRIMENDAS RESTRITIVAS DE DIREITO.
- A regra geral de competência da Justiça Federal, em matéria criminal, encontra-se plasmada no art. 109, IV, da Constituição Federal, preceito este que aduz que compete aos magistrados federais o julgamento de infrações penais perpetradas em prejuízo de bens, de serviços ou de interesses da União Federal, de suas entidades autárquicas e de suas empresas públicas, exceto as contravenções penais, ressalvadas, ademais, as competências tanto da Justiça Militar como da Justiça Eleitoral. Sem prejuízo do exposto, a competência criminal federal não se esgota no dispositivo constitucional anteriormente citado, devendo ser mencionada, para os fins adstritos a estes autos, a existência do inciso V do art. 109 do Texto Constitucional que aduz que os juízes federais também apreciarão os crimes previstos em tratados ou em convenções internacionais quando, uma vez iniciada a execução no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou vice-versa. Dentro de tal contexto, depreende-se a plena possibilidade de um processo criminal tramitar perante a Justiça Federal acaso se esteja diante de um crime à distância (vale dizer, em que caracterizada a transnacionalidade da infração penal), bem como tenha a República Federativa do Brasil assinado um tratado ou uma convenção internacional se comprometendo a reprimir o tal delito que, em tese, teria sido perpetrado.
- Nosso país ratificou e promulgou, por meio do Decreto Presidencial nº 5.941, de 26 de outubro de 2006, o Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições, complementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (adotada em Nova York nos idos de 31 de maio de 2001), oportunidade em que assumiu, tanto no cenário interno como no cenário internacional, o compromisso de combater e repreender condutas como a constante destes autos, vale dizer, de tráfico internacional de armas ou de munições.
- Portanto, plenamente justificado o assentamento da competência da Justiça Federal para o processamento e para o julgamento desta relação processual penal à luz da conjugação do art. 109, V, da Constituição Federal, com a subscrição, pela República Federativa do Brasil, do Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições (Decreto nº 5.941/2006), razão pela qual deve ser refutada a preliminar aventada pelo acusado. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
- À luz dos elementos fático-probatórios amealhados nos autos, plenamente demonstradas tanto materialidade como autoria delitivas, esta em desfavor do acusado, na justa medida em que comprovado que ele importou, sem autorização da autoridade competente (Comando do Exército), arma de uso permitido, devendo, assim, ser mantida sua condenação pela prática do delito estampado no art. 18 da Lei nº 10.826/2003. Todavia, afastada a causa de aumento de pena elencada no art. 19 de mencionada legislação especial por força da edição do Decreto Presidencial nº 9.847/2019, que alterou os critérios de classificação das armas vindo a beneficiar o acusado (pistola calibre 9mm outrora tida como arma de uso restrito passou a ser, em razão de mencionado ato presidencial, arma de uso permitido).
- Não se mostra lícito ao juiz, quando da aplicação do critério trifásico de individualização da pena (especificamente nas primeira e segunda etapas da dosimetria), extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a sanção penal daquele tipo que o agente encontra-se incorrido, não havendo que se falar na possibilidade de que uma atenuante abaixe a pena-base para aquém do mínimo legal (ainda que a dicção do Código Penal sustente que sua aplicação é obrigatória), uma vez que sua atividade judicante encontra baliza nos limites constantes do preceito secundário do tipo penal sem que se possa cogitar em ofensa aos postulados da legalidade e da individualização da pena. Precedentes repetitivos do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, além do verbete sumular nº 231/STJ, sem prejuízo da jurisprudência desta E. Corte Regional.
- Em razão do decotamento da causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003, recalculada a reprimenda, o que possibilitou a alteração do regime inicial de seu cumprimento, bem como sua substituição por penas restritivas de direito.
- Dado parcial provimento ao recurso de Apelação interposto pelo acusado ARTUR CAETANO REZENDE (para afastar a causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003, alterando, consequentemente, o regime inicial de cumprimento da reprimenda e substituindo a pena corporal por reprimendas restritivas de direito).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo acusado ARTUR CAETANO REZENDE (para afastar a causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003, alterando, consequentemente, o regime inicial de cumprimento da reprimenda e substituindo a pena corporal por reprimendas restritivas de direito), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de março de 2020.
MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO:10269
Nº de Série do Certificado: 11DE191002582A45
Data e Hora: 31/03/2020 16:44:21



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004589-35.2017.4.03.6106/SP
2017.61.06.004589-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : ARTUR CAETANO REZENDE reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP249573 AUGUSTO CESAR MENDES ARAUJO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00045893520174036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo acusado ARTUR CAETANO REZENDE (fls. 163 e 213/223) em face da r. sentença (fls. 153/156), publicada em 18 de dezembro de 2017 (fl. 157), oriunda do MM. Juízo da 1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP e da lavra do Eminente Juiz Federal Adenir Pereira da Silva, que o condenou às penas de 06 anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, e de 15 dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na data do fato, em razão da perpetração do crime previsto no art. 18 c.c. art. 19, ambos da Lei nº 10.826/2003, restando mantida sua segregação cautelar preventiva.


Narra a inicial acusatória (fls. 71/72), recebida em 14 de novembro de 2017 (fls. 74/75):


(...) Entre os dias 23 e 25 de outubro de 2017, ARTUR CAETANO REZENDE importou arma de fogo e munições adquiridas em Ciudad del Este, consistentes em uma pistola, calibre 9mm, com carregador municiado com 13 unidades do mesmo calibre, as quais são de uso restrito, sem autorização da autoridade competente. Segundo consta, no dia 26 de outubro de 2017, por volta das 09h30min, no entroncamento da rodovia SP-310 com a BR-153, no município de São José do Rio Preto/SP, policiais militares rodoviários, em fiscalização de rotina, surpreenderam o denunciado transportando arma de fogo e munições adquiridas no exterior (Paraguai), desacompanhadas de qualquer documentação que amparasse sua importação ou porte, no interior do ônibus da EMPRESA GONTIJO DE TRANSPORTES LTDA. (...). Interrogado, ARTUR afirmou ter adquirido a arma de fogo municiada por R$ 3.000,00, aludindo que a revenderia em Belo Horizonte/MG, por R$ 7.000,00 (...). A materialidade delitiva e respectiva autoria estão suficientemente demonstradas pelos seguintes elementos: a) autos (sic) de prisão em flagrante (...); b) auto de apresentação e apreensão (...). Quanto à transnacionalidade da conduta, cumpre registrar que a arma e as munições foram apreendidas dentro de veículo que estava vindo da cidade de Foz do Iguaçu/PR, a qual faz divisa com a cidade (sic) Ciudad del Este/PY, conhecida pelo comércio de mercadorias estrangeiras, tendo o denunciado afirmado que a adquiriu nessa cidade paraguaia. Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia ARTUR CAETANO REZENDE como incurso nas penas do art. 18 c/c art. 19, ambos da Lei nº 10.826/03 (...) - destaques no original.

Almeja o acusado:


(a) O reconhecimento da incompetência desta Justiça Federal para o processamento deste feito, tecendo a seguinte argumentação: (...) conforme esclarecido pelo apelante o mesmo assumiu que queria adquirir a arma de fogo, entretanto, pelo laudo de perícia juntada (sic) às fls. 135/141 dos autos, percebesse que o apelante foi enganado pelos próprios vendedores, pois o mesmo queria adquirir uma arma de fogo estrangeira nova, e conforme a perícia constatou trata-se de uma arma brasileira usada, foi entregue e adquirida em Foz do Iguaçu, veja que às fls. 38 dos autos, consta o made in brasil (sic). Dessa forma, ao que tudo indica, essa arma não era nova, e sim uma arma usada de origem brasileira, que foi vendida para apelante (sic) como se fosse uma arma estrangeira, a defesa entende que é o caso de se declarar a incompetência desse juízo para análise do presente feito remetendo os autos a Justiça Estadual, por porte de arma de uso restrito, conforme preceitua o art. 16, da Lei 10.826/03, pois não ficou devidamente comprovada a sua internacionalização (...);


(b) A aplicação da atenuante da confissão ainda que o quantum de pena seja reduzido para abaixo do mínimo legal abstratamente previsto para a infração penal (rechaçamento do entendimento plasmado na Súm. 231/STJ);


(c) O afastamento da causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003 em razão de não saber que a arma era de uso restrito.


Subiram os autos a esta E. Corte, com contrarrazões (fls. 225/227).


A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do apelo (fls. 230/235).


À fl. 237, este Relator converteu o julgamento em diligência a fim de que fosse oficiado o Setor de Criminalística do Departamento de Polícia Federal para a finalidade de que se esclarecesse se as armas e as munições periciadas passaram a ser de uso permitido em razão do advento do Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019, cabendo salientar que a respectiva resposta encontra-se acostada à fl. 241 deste feito.


É o relatório.


À revisão.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066
Nº de Série do Certificado: 11A217042046CDD3
Data e Hora: 03/02/2020 10:41:58



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004589-35.2017.4.03.6106/SP
2017.61.06.004589-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : ARTUR CAETANO REZENDE reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP249573 AUGUSTO CESAR MENDES ARAUJO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00045893520174036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:


De início, confirma-se o relatório anteriormente apresentado.


Trata-se de feito no qual recorre o acusado ARTUR CAETANO REZENDE da r. sentença que o condenou às penas de 06 anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, e de 15 dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na data do fato, em razão da perpetração do crime previsto no art. 18 c.c. art. 19, ambos da Lei nº 10.826/2003, restando mantida sua segregação cautelar preventiva. Sinteticamente, para além de suscitar matéria preliminar consistente na incompetência desta Justiça Federal, apresenta teses com o objetivo de que seja alterada sua dosimetria penal.


DA PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA FEDERAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA TRANSNACIONALIDADE DO DELITO A ACARRETAR A NULIDADE DE TODO O TRAMITAR PROCESSUAL


Argui o acusado ARTUR CAETANO REZENDE preliminar de nulidade deste feito em razão de que os fatos nele contidos deveriam ser objeto de perquirição junto à Justiça Estadual na justa medida em que não demonstrada a transnacionalidade da infração. Nesse diapasão, aduz, basicamente, que teria sido "ludibriado" pelo vendedor internacional, uma vez que objetivava a aquisição de arma de fogo estrangeira nova, porém lhe foi vendido um armamento de origem brasileira e, ainda por cima, usado, aspectos diagnosticados pela prova pericial levada a efeito nesta senda processual, sem prejuízo de asseverar que toda a transação teria ocorrido em Foz do Iguaçu/PR. Desta feita, segundo seu entender, o caso ora em julgamento não estaria dentre aqueles a atrair a jurisdição federal.


Com efeito, importante salientar, de início, que a regra geral de competência da Justiça Federal, em matéria criminal, encontra-se plasmada no art. 109, IV, da Constituição Federal, preceito este que aduz que compete aos magistrados federais o julgamento de infrações penais perpetradas em prejuízo de bens, de serviços ou de interesses da União Federal, de suas entidades autárquicas e de suas empresas públicas, exceto as contravenções penais, ressalvadas, ademais, as competências tanto da Justiça Militar como da Justiça Eleitoral (Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - Os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (...)).


Sem prejuízo do exposto, a competência criminal federal não se esgota no dispositivo constitucional anteriormente transcrito, devendo ser mencionada, para os fins adstritos a estes autos, a existência do inciso V do art. 109 do Texto Constitucional que aduz que os juízes federais também apreciarão os crimes previstos em tratados ou em convenções internacionais quando, uma vez iniciada a execução no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou vice-versa (Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) V - Os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (...)). Dentro de tal contexto, depreende-se a plena possibilidade de um processo criminal tramitar perante a Justiça Federal acaso se esteja diante de um crime à distância (vale dizer, em que caracterizada a transnacionalidade da infração penal), bem como tenha a República Federativa do Brasil assinado um tratado ou uma convenção internacional se comprometendo a reprimir o tal delito que, em tese, teria sido perpetrado.


E, nessa toada, nota-se que nosso país ratificou e promulgou, por meio do Decreto Presidencial nº 5.941, de 26 de outubro de 2006, o Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições, complementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (adotada em Nova York nos idos de 31 de maio de 2001), oportunidade em que assumiu, tanto no cenário interno como no cenário internacional, o compromisso de combater e repreender condutas como a constante destes autos, vale dizer, de tráfico internacional de armas ou de munições.


Desta feita, plenamente justificado o assentamento da competência da Justiça Federal para o processamento e para o julgamento desta relação processual penal à luz da conjugação do art. 109, V, da Constituição Federal, com a subscrição, pela República Federativa do Brasil, do Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições (Decreto nº 5.941/2006), razão pela qual deve ser refutada a preliminar aventada pelo acusado. Aliás, apenas com o objetivo de corroborar o que se acaba de expor, pertinente trazer à colação os julgados que seguem da lavra do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRÁFICO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. INDÍCIO SUFICIENTE DE MERCANCIA E TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LESÃO AOS INTERESSES DA UNIÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. 1. Conforme art. 109, V, da Constituição Federal - CF, compete à Justiça Federal o julgamento de crime à distância se preenchido o duplo requisito da existência de nexo de transnacionalidade e de o Brasil ser signatário de tratado ou convenção internacional para a repressão do crime em tese praticado. 2. O Estado brasileiro é signatário de instrumento internacional (Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, suas Peças e Componentes e Munições - complementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional -, promulgado pelo Decreto n. 5.941, de 26/10/2006), no qual se comprometeu a tipificar a conduta como crime. Precedente: CC 126.235/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 18/11/2016 3. Na espécie, embora o indiciado tenha permanecido calado em seu interrogatório, existem indícios no sentido de que o delito foi praticado mediante transposição de fronteira, informados por Agente da Polícia Federal. Ademais, constata-se que a conversa havida entre indiciado e Agente da Polícia Federal, com informação de que a arma foi adquirida no Uruguai para venda em território brasileiro, foi presenciada por dois policiais militares e um escrivão da polícia civil. Observa-se, ainda, que, por ocasião do flagrante, além do armamento (1 fuzil calibre 556 da marca Palermo, 1 fuzil calibre 556 Smith Wesson), foi encontrada quantia de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) em dinheiro em notas diversas e $ 340,00 (trezentos e quarenta) pesos Uruguaios, o que indica, em tese, a possibilidade de mercancia e não de mera posse de arma de uso restrito. Por derradeiro, a operação que resultou no flagrante foi iniciada em razão de notícia de que o ora indiciado encontrava-se em situação suspeita na Praia Barra do Chuí, balneário no extremo sul do Brasil, localizado no município gaúcho de Santa Vitória do Palmar, que faz divisa com o povoado de Barra del Chuy, no Uruguai. 4. Nas circunstâncias em que o conflito de competência foi apresentado a esta Corte Superior, com razão o Juízo Estadual suscitado, na medida em que os autos carreiam indícios suficientes da transnacionalidade delitiva. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara de Rio Grande - SJ/RS, o suscitante (STJ, CC 164.168/RS, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/04/2019, DJe 07/05/2019) - destaque nosso.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMAS DE FOGO E DE MUNIÇÕES, POSSE E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E RESTRITO, ASSOCIAÇÃO E TRÁFICO DE DROGAS. CARACTERIZADA A TRANSNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LESÃO AOS INTERESSES DA UNIÃO. CONEXÃO PROBATÓRIA. SÚMULA 122/STJ. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. 1. 'Em se tratando de tráfico internacional de munições ou armas, cumpre firmar a competência da Justiça Federal para conhecer do tema, já que o Estado brasileiro é signatário de instrumento internacional (Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, suas Peças e Componentes e Munições - complementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional -, promulgado pelo Decreto n. 5.941, de 26/10/2006), no qual se comprometeu a tipificar a conduta como crime' (AgRg no Ag 1389833/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 25/04/2013). 2. O bem a reclamar a tutela jurisdicional é da competência da Justiça Federal, porquanto o crime de tráfico internacional de armas e de munições evidencia, neste momento processual, lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. (...) 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da Vara Criminal e Juizado Especial Criminal de Maringá - SJ/PR , o suscitado (STJ, CC 126.235/PR, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/11/2016, DJe 18/11/2016) - destaque nosso.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMAS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. TRANSNACIONALIDADE DA CONDUTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM DENEGADA. O paciente neste habeas corpus foi denunciado pela prática, em tese, do crime descrito no artigo 18, na forma do artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/2003. Os impetrantes refutam a caracterização do crime em apreço. Há nos autos provas de que o veículo FORD/F-1000, de placas HUI-9609, teve passagem efetivamente registrada na região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai - Posto da Receita Federal da Ponte da Amizade em Foz do Iguaçu, de Santa Terezinha de Itaipu -, por diversas vezes, na época dos fatos. Há indícios, outrossim, de que o citado veículo transportava mercadorias ilícitas, dentre as quais, o fuzil calibre .223, modelo AR-15, apreendido na ocasião (encontrado em compartimento secreto localizado embaixo do assento traseiro da caminhonete) e importado pelo paciente. As circunstâncias extraídas dos autos denotam que a arma de fogo foi adquirida no Paraguai e encaminhada ao Brasil, o que corrobora a importação e, portanto, ressalta a internacionalidade da conduta, assim como a competência da Justiça Federal, nos moldes do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. (...) Ordem denegada (TRF3, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5027393-23.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 16/12/2019, Intimação via sistema DATA: 17/12/2019) - destaque nosso.
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO. ART. 18 C. C. O ART. 19 DA LEI Nº 10.826/03. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRANSNACIONALIDADE. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. DOSIMETRIA. APELAÇÃO DE DEFESA NÃO PROVIDA. (...) 2. Consoante o art. 109, inc. V, da Constituição Federal, a existência de suficientes indícios de transnacionalidade do crime é suficiente para a atração da competência da Justiça Federal para o julgamento do feito. (...) (TRF3, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 60513 - 0002810-95.2011.4.03.6125, Rel. Des. Fed. PAULO FONTES, julgado em 17/09/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/10/2018) - destaque nosso.

Como se não bastasse tudo o que se acaba de expor, o próprio acusado ARTUR CAETANO REZENDE, quando interrogado em juízo (fl. 145 e mídia digital acostada à fl. 143), disse expressamente que adquiriu a arma devidamente municiada no Paraguai, tendo negociado com o vendedor a entrega em solo brasileiro (Foz do Iguaçu/PR) diante da impossibilidade, segundo seu conhecimento, de se conseguir transpor a fronteira com tal equipamento, o que seria mais fácil por meio de mototáxi a cargo do vendedor, aspecto que sufraga a constatação de que o caso concreto conclama a jurisdição federal à luz de que se está diante de um delito de tráfico internacional de arma.


Consigne-se, ao cabo, não ser possível aquiescer com a argumentação apresentada no sentido de que o fato do acusado ter sido "ludibriado" pelo vendedor ante a entrega de uma arma usada teria o condão de indicar que este feito deveria ter sido processado na Justiça Estadual - aliás, a concatenação da tese leva a crer que o acusado está mais preocupado com eventual vício do produto a avocar a incidência dos ditames do Código de Defesa do Consumidor, com a possibilidade de requerer ao vendedor ou ao fornecedor a troca do produto, o abatimento proporcional do preço ou o desfazimento do "contrato" do que com influxos processuais penais afetos à competência, sendo completamente inimaginável uma eventual desclassificação da conduta supedaneada num "pseudo" negócio viciado.


Assim, por todos os fundamentos anteriormente declinados, de rigor o refutamento da preliminar arguida, razão pela qual reconhecida a competência da Justiça Federal para o julgamento desta Ação Penal.


DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA E DE MUNIÇÃO - ART. 18 C.C. ART. 19, AMBOS DA LEI Nº 10.826/2003 - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS - MANUTENÇÃO DO ÉDITO PENAL CONDENATÓRIO - AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 19 ANTE A SOBREVINDA DE ALTERAÇÃO NA CLASSIFICAÇÃO DO ARMAMENTO APREENDIDO (DE "USO RESTRITO" PARA DE "USO PERMITIDO") POR FORÇA DO DECRETO Nº 9.847/2019


Colhe-se dos temas ventilados em sede de razões recursais que o acusado ARTUR CAETANO REZENDE não se insurge acerca do reconhecimento tanto da materialidade como da autoria delitivas em relação ao crime de tráfico internacional de arma e de munição. Aliás, mostrar-se-ia até mesmo dissociado da realidade probatória amealhada nos autos a arguição de referidos temas tendo em vista que eles restaram sobejamente comprovados sob o pálio do devido processo legal (com seus corolários da ampla defesa e do contraditório).


Com efeito, infere-se desta relação processual penal que o acusado foi preso em flagrante delito nos idos de 26 de outubro de 2017, quando, por volta das 09horas30minutos, policiais militares rodoviários realizaram blitz em ônibus da Viação Gontijo que fazia a rota Foz do Iguaçu/PR - Belo Horizonte/MG (referido veículo encontrava-se trafegando na Rodovia Washington Luís no entroncamento com a BR-153). Nesse contexto, quando da averiguação do passageiro que se encontrava alocado na poltrona nº 43 (quarenta e três) daquele automotor, os agentes da força pública notaram nervosismo incomum, o que ensejou a revista da respectiva mochila por ele portada, oportunidade em que descoberto, no interior de uma embalagem branca e azul, uma pistola calibre 9mm guarnecida com carregador e com 13 (treze) munições. Indagado aquele passageiro a respeito do tal objeto, houve o declínio de que ele tinha sido adquirido no Paraguai, pelo valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais - segundo versão dos milicianos) ou de R$ 3.000,00 (três mil reais - segundo versão do acusado) com o desiderato de ser vendido em Belo Horizonte/MG pelo importe final de R$ 7.000,00 (sete mil reais).


Tanto materialidade como autoria delitivas encontram-se demonstradas pelo: (a) Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 02/07); (b) Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 08/09), no qual se constata o amealhamento da pistola, das munições, do invólucro em que os objetos estavam acondicionados (com a peculiar indicação do valor de "265.000G" - alusão à moeda paraguaia - bem como na cor branca e azul) e dos respectivos bilhetes de viagem e de despacho da mala; (c) Laudo pericial balístico (fls. 135/141 e 165/171), que deve ser conjugado com a complementação de informação constante do ofício colacionado à fl. 241, a indicar que a arma e as munições então apreendidas em 2017 (classificadas àquela época como de uso restrito - pistola calibre 9mm) passaram a ser, por força da edição do Decreto nº 9.847/2019, de uso permitido; (d) Prova oral produzida em audiência judicial (testemunha Franciel Costa da Silva - fl. 144 e mídia digital acostada à fl. 143), referendando os termos do flagrante; e (e) Interrogatório do acusado (fl. 145 e mídia digital acostada à fl. 143), confessando a prática delitiva.


Especificamente no que tange à causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003 (Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito), não se verifica mais a pertinência de sua incidência ao caso concreto não porque o acusado desconhecia o caráter então restrito do armamento por ele adquirido em 2017 (aspecto que se deflui de seu interrogatório judicial quando aduz que queria comprar uma arma "potente"), mas sim em razão da sobrevinda do Decreto Presidencial nº 9.847/2019, que alterou os critérios de classificação das armas vindo a beneficiar o acusado (aquela pistola calibre 9mm outrora tida como arma de uso restrito passou a ser, em razão de mencionado ato presidencial, arma de uso permitido) - fl. 241.


Conclusão


À luz de tudo o que se acaba de expor, plenamente demonstradas tanto materialidade como autoria delitivas, esta em desfavor do acusado ARTUR CAETANO REZENDE, na justa medida em que comprovado que ele importou, sem autorização da autoridade competente (Comando do Exército), arma de uso permitido, devendo, assim, ser mantida sua condenação pela prática do delito estampado no art. 18 da Lei nº 10.826/2003. Todavia, afastada a causa de aumento de pena elencada no art. 19 de mencionada legislação especial por força da edição do Decreto Presidencial nº 9.847/2019.


DA DOSIMETRIA PENAL


Colhe-se da r. sentença penal condenatória (fls. 153/156), especificamente no que se refere à dosimetria penal cominada ao acusado:


(...) Passo a dosar a pena em estrita observância ao disposto nos artigos 59 e 68, caput, do Código Penal, e artigo 387, incisos I a VI, do Código de Processo Penal. Considerando apenas a culpabilidade do réu, pois que agiu com dolo inerente à espécie e plenamente ciente da ilicitude de sua conduta, não possui maus antecedentes criminais, já tenha sido preso em flagrante por tentativa de roubo majorado, conforme ele mesmo admitiu e foi corroborado pelo extrato do andamento processual de fls. 41; sua conduta social e personalidade não foram devidamente apuradas; o motivo do delito, de acordo com o réu, era a revenda da arma e das munições na cidade de Belo Horizonte/MG; as circunstâncias do crime se encontram relatadas nos autos, motivo pelo qual fixo a pena-base privativa de liberdade em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 dias-multa. Embora o acusado tenha confessado a propriedade da arma de fogo e munições de uso restrito, a pena-base foi fixada no mínimo legal, não podendo ser reduzida, nos termos da Súmula 231 do STJ (A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal). Na segunda fase de individualização da pena, observo que inexistem atenuantes ou agravantes. No entanto, na terceira fase de individualização da pena, vislumbro a causa de aumento de pena prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/03, pois a arma de fogo e as munições importadas do Paraguai são de uso restrito, conforme exposto acima, de modo que a pena deverá ser aumentada da metade, resultando, assim, em uma pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos de reclusão e 15 dias-multa. Fixo o dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data do fato. O regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto (art. 33, § 2º, 'b', e § 3º do CP). (...).

Vindica o acusado a plena aplicabilidade da atenuante da confissão, ainda que a pena em cálculo tenha que ficar em patamar abaixo do mínimo legal, afastando, por consequência, o entendimento constante da Súm. 231/STJ, bem como o refutamento da causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003 (pedido este último já acolhido quando da análise da materialidade e da autoria delitivas, ainda que por fundamento diverso do aduzido pela defesa).


1ª etapa da dosimetria


Nada a reparar nessa etapa da dosimetria penal tendo em vista que o magistrado sentenciante fixou a pena-base no mínimo previsto pelo ordenamento (redação do preceito secundário do art. 18 da Lei nº 10.826/2003 antes da alteração promovida pela edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019). Consequência: pena-base mantida em 04 anos de reclusão e em 10 dias-multa.


2ª etapa da dosimetria


O magistrado sentenciante reconheceu que o acusado confessou a prática delitiva (atenuante da confissão espontânea), porém deixou de fazer incidir qualquer redução à pena-base então em cálculo à luz de que ela estava fixada no mínimo legal abstratamente cominado à infração e porque a Súm. 231/STJ refuta a possibilidade de que atenuante faça com que a pena fique aquém do patamar mínimo previsto pelo legislador. Nesse contexto, propugna o acusado pelo afastamento do entendimento sumular indicado de molde que haja um abrandamento da reprimenda nesta etapa da dosimetria em razão de que confessou a infração penal.


Com efeito, importante ser dito que o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao infrator penal, deve respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena. Nesse diapasão, não se mostra lícito ao juiz, quando da aplicação do critério trifásico de individualização da pena (especificamente nas primeira e segunda etapas da dosimetria), extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a sanção penal daquele tipo que o agente encontra-se incorrido, não havendo que se falar na possibilidade de que uma atenuante abaixe a pena-base para aquém do mínimo legal (ainda que a dicção do Código Penal sustente que sua aplicação é obrigatória: São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) - destaque nosso), uma vez que sua atividade judicante encontra baliza nos limites constantes do preceito secundário do tipo penal sem que se possa cogitar em ofensa aos postulados da legalidade e da individualização da pena.


Destaque-se que o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se debruçar sob a matéria, inclusive reconhecendo a repercussão geral da questão constitucional (portanto, de observância obrigatória para as demais instâncias judiciárias a teor do art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmando sua jurisprudência no sentido de que atenuante genérica não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal - a propósito:


AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (RE 597270 QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgado em 26/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-11 PP-02257 LEXSTF v. 31, n. 366, 2009, p. 445-458) - destaque nosso.

Sem prejuízo do exposto, cumpre salientar, outrossim, que o C. Superior Tribunal de Justiça, a despeito de já ter editado entendimento sumular no sentido ora exposto nos idos de 1999 (Súm. 231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal), entendeu por bem reapreciar o assunto (quando do julgamento de dois casos concretos em 2011) por meio da sistemática dos recursos repetitivos (portanto, também de observância obrigatória para as demais instâncias judiciárias a teor do art. 927, III, do Código de Processo Civil), reafirmando o posicionamento, conforme é possível ser aferido das ementas que seguem:


RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ESTUPRO. PENAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ENUNCIADO DA SÚMULA N.º 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. VIOLAÇÃO AOS ART. 59, INCISO II, C.C. ARTS. 65, 68, CAPUT, E 213 DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. MENORIDADE E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DIMINUIÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme o entendimento que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo estabelecido em lei, conforme disposto na Súmula n.º 231 desta Corte Superior. 2. O critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo art. 68 do Código Penal, não permite ao Magistrado extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a aplicação da sanção penal. 3. Cabe ao Juiz sentenciante oferecer seu arbitrium iudices dentro dos limites estabelecidos, observado o preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, sob pena do seu poder discricionário se tornar arbitrário, tendo em vista que o Código Penal não estabelece valores determinados para a aplicação de atenuantes e agravantes, o que permitiria a fixação da reprimenda corporal em qualquer patamar. 4. Recurso especial conhecido e provido para afastar a fixação da pena abaixo do mínimo legal. Acórdão sujeito ao que dispõe o art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ n.º 08, de 07 de agosto de 2008 (REsp 1117073/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 29/06/2012) - destaque nosso.
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PENAL. VIOLAÇÃO AOS ART. 59, INCISO II, C.C. ARTS. 65 E 68, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. MENORIDADE E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. CRIME PREVISTO NO ART. 12, CAPUT, DA LEI N.º 6.368/76. COMBINAÇÃO DE LEIS. OFENSA AO ART. 2.º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL E AO ART. 33, § 4.º, DO ART. 11.343/06. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme o entendimento que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo estabelecido em lei, conforme disposto na Súmula n.º 231 desta Corte Superior. 2. O critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo art. 68 do Código Penal, não permite ao Magistrado extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a aplicação da sanção penal. 3. Cabe ao Juiz sentenciante oferecer seu arbitrium iudices dentro dos limites estabelecidos, observado o preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, sob pena do seu poder discricionário se tornar arbitrário, tendo em vista que o Código Penal não estabelece valores determinados para a aplicação de atenuantes e agravantes, o que permitiria a fixação da reprimenda corporal em qualquer patamar. 4. Desde que favorável ao réu, é de rigor a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, quando evidenciado o preenchimento dos requisitos legais. É vedado ao Juiz, diante de conflito aparente de normas, apenas aplicar os aspectos benéficos de uma e de outra lei, utilizando-se a pena mínima prevista na Lei n.º 6.368/76 com a minorante prevista na nova Lei de Drogas, sob pena de transmudar-se em legislador ordinário, criando lei nova. 5. No caso, com os parâmetros lançados no acórdão recorrido, que aplicou a causa de diminuição no mínimo legal de 1/6 (um sexto), a penalidade obtida com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, ao caput do mesmo artigo, não é mais benéfica à Recorrida. 6. Recurso especial conhecido e provido para, reformando o acórdão recorrido, i) afastar a fixação da pena abaixo do mínimo legal e ii) reconhecer a indevida cisão de normas e retirar da condenação a causa de diminuição de pena prevista art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, que no caso é prejudicial à Recorrida, que resta condenada à pena de 03 anos de reclusão. Acórdão sujeito ao que dispõe o art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ n.º 08, de 07 de agosto de 2008 (REsp 1117068/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 08/06/2012) - destaque nosso.

Destaque-se, como não poderia deixar de acontecer (ante o caráter vinculante dos entendimentos anteriormente mencionados), que esta E. Corte Regional também pacificou a questão no mesmo sentido, vale dizer, impossibilidade de que o reconhecimento de atenuante (dentre elas, da confissão) faça com que a pena-base fique abaixo da pena mínima prevista no tipo penal - exemplificativamente:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. NULIDADE AFASTADA. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. PENA-BASE REDUZIDA. AUSENTES AGRAVANTES. CONFISSÃO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006 AFASTADA. RÉU QUE SE DEDICA A ATIVIDADES CRIMINOSAS. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME INICIAL SEMIABERTO. (...). 5. Confissão reconhecida na sentença. Manutenção da atenuante. Redução da pena. Observância da Súmula 231 do STJ (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 71739 - 0010517-59.2016.4.03.6119, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2017) - destaque nosso.
APELAÇÃO CRIMINAL. MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CP. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA N.º 444 DO STJ. REDUÇÃO DA PENA-BASE DE OFÍCIO. CONTINUIDADE DELITIVA. RECURSO DA DEFESA PROVIDO EM PARTE. (...) 4. Ausentes elementos que servem à exasperação da pena-base, corrijo-a de ofício, fixando-a no mínimo em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Reconhecida a circunstância atenuante da confissão espontânea, deve a pena ser mantida em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, conforme determina a Súmula 231 do STJ (...) (TRF3, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 69608 - 0002984-67.2016.4.03.6113, Rel. Des. Fed. PAULO FONTES, julgado em 23/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2017) - destaque nosso.

Nesse contexto, correto o entendimento sufragado pelo magistrado de 1º grau quando da fixação da segunda etapa do critério trifásico de definição da pena, motivo pelo qual de rigor o não provimento do apelo aviado pelo acusado no ponto ora em análise. Consequência: pena intermediária mantida em 04 anos de reclusão e em 10 dias-multa.


3ª etapa da dosimetria


Tendo em vista o decotamento da causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003 quando da análise da materialidade e da autoria delitivas (ainda que por fundamento diverso do aduzido pela defesa), nada a apreciar nesse estágio da dosimetria penal. Consequência: pena final mantida em 04 anos de reclusão e em 10 dias-multa.


Pena definitiva


Fixa-se ao acusado ARTUR CAETANO REZENDE, em razão da perpetração do crime estampado no art. 18 da Lei nº 10.826/2003, as penas de 04 anos de reclusão e de 10 dias-multa (cada qual no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos devidamente corrigido).


Regime inicial de cumprimento


A teor do art. 33, § 2º, c, do Código Penal, a reprimenda corporal anteriormente fixada deve ser cumprida inicialmente em regime ABERTO.


Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito


Tendo em vista o implemento dos requisitos legais previstos no art. 44 do Código Penal, deve a pena corporal ser substituída por duas reprimendas restritivas de direito, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (a ser definida pelo MM. Juízo da Execução Penal - art. 46 do Código Penal) e prestação pecuniária no valor de 05 salários mínimos (a ser destinada a entidade com finalidade social). Ressalte-se que o pagamento da prestação pecuniária a entidade com destinação social atende o teor do art. 45, § 1º, do Código Penal, pois a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação - a destinação da prestação pecuniária ora determinada alcança fins sociais precípuos que o Direito Penal visa atingir, de maneira eficaz e objetiva.


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo acusado ARTUR CAETANO REZENDE (para afastar a causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/2003, alterando, consequentemente, o regime inicial de cumprimento da reprimenda e substituindo a pena corporal por reprimendas restritivas de direito), nos termos anteriormente expendidos. Expeça-se Alvará de Soltura Clausulado.


MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO:10269
Nº de Série do Certificado: 11DE191002582A45
Data e Hora: 31/03/2020 16:44:24