D.E. Publicado em 17/04/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta por MICHELE OLIVEIRA BRESCIANI FIDALGO (fls. 363 e 366/376), nascida em 12.12.1979, por meio da Defensoria Pública da União, em face da sentença publicada aos 05.08.2016 (fl. 358), proferida pela MMª. Juíza Federal da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, Dra. Renata Andrade Lotufo, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré pela prática do delito insculpido no artigo 312, §1º, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, atualizados monetariamente desde a data do primeiro ato de execução no evento delitivo. Estabelecido o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, em favor da União, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, ambas a serem designadas pelo juízo das execuções penais. Fixado o valor mínimo à título de reparação dos danos causados pela infração, em R$ 3.510,49 (três mil quinhentos e dez reais e quarenta e nove centavos), atualizados até 09.04.2012, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal (fls. 349/357).
Narra a denúncia que (fls. 259/261):
A denúncia foi recebida em 26.03.2015 (fl. 262 e verso) e a sentença publicada aos 05.08.2016 (fl. 358).
Em suas razões recursais (fls. 366/376), a defesa postulou a absolvição da increpada, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal), invocando a aplicação do princípio da insignificância, por entender que os valores subtraídos são irrisórios (abaixo do montante considerado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais), os quais não teriam o condão de lesar gravemente o bem jurídico tutelado.
Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal às fls. 378/381.
A Procuradoria Regional da República emitiu parecer, às fls. 386/388, para que seja negado provimento à Apelação da defesa.
É o Relatório.
À revisão.
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VOTO
A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:
Confirmo o relatório.
O órgão do Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de MICHELE OLIVEIRA BRESCIANI FIDALGO como incursa nas sanções do artigo 312, parágrafo 1º, do Código Penal, porquanto, em apertada síntese, no interregno compreendido entre 12.02.2010 a 29.09.2011, teria se apropriado de valores pertencentes a clientes da referida empresa pública (Abono Salarial/PIS e numerário existente em conta corrente), no valor de R$ 3.510,49 (três mil, quinhentos e dez reais e quarenta e nove centavos), dos quais tinha a posse em razão de seu cargo como economiária (fls. 259/261).
A sentença acostada às fls. 349/357 julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré como incursa nas sanções do art. 312, § 1º, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, atualizado monetariamente desde a data do primeiro ato de execução no evento delitivo. Foi estabelecido o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, em favor da União, bem como prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, ambas a serem designadas pelo juízo das execuções penais. Foi fixado o valor mínimo a título de reparação dos danos causados pela infração, em R$ 3.510,49 (três mil quinhentos e dez reais e quarenta e nove centavos), atualizados até 09.04.2012, a teor do que dispõe o artigo 387, IV, do Código de Processo Penal.
Feitas tais considerações, cabe considerar que a defesa requer a absolvição da increpada, invocando a aplicação do princípio da insignificância, por entender que os valores subtraídos são irrisórios (abaixo do montante considerado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais), os quais não teriam o condão de lesar gravemente o bem jurídico tutelado.
Peculato. Artigo 312 do Código Penal.
O artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo dispõe acerca do crime de peculato nos seguintes termos:
O crime de peculato é crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público, sendo certo que a primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal prevê a conduta típica do peculato-apropriação, hipótese em que, o agente assenhora-se, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse.
Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha, sendo certo que a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação.
Na segunda hipótese (peculato-desvio), a conduta desviar compreende o fato de o agente da Administração Pública alterar o destino do objeto de que tenha posse para um fim diverso, em proveito próprio ou de terceiro, sendo certo que o proveito poderá ser patrimonial ou moral, havendo a necessidade de que a posse seja lícita, para que ulteriormente o bem possa ser desviado.
Tanto no peculato-apropriação quanto no peculato-desvio, a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação ou ao desvio. Ausente a posse, ainda que indireta ou jurídica, não há que se falar em peculato.
Em tais casos, é prescindível a natureza pública do bem para a configuração do crime de peculato, importando apenas que o objeto material tenha sido confiado ao funcionário público em razão de sua qualidade, podendo tratar de bens particulares.
Por outro lado, o parágrafo primeiro do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo descreve a conduta do peculato-furto. Nesta hipótese, há dois comportamentos tipificados. O primeiro evidencia a conduta do funcionário público que subtrai e o segundo o de concorrer para que seja subtraído, não se exigindo, como ocorre no caput, que o funcionário público tenha a posse da coisa. Trata-se aqui do peculato impróprio.
Nesse sentido, o Pretório Excelso já decidiu que para a configuração do peculato-furto o agente não detém a posse da coisa (valor, dinheiro ou outro bem móvel) em razão do cargo que ocupa, mas sua qualidade de funcionário público propicia facilidade para a ocorrência da subtração devido ao trânsito que mantém no órgão público em que atua ou desempenha suas funções (HC n.º 86717, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 22.08.2008).
O funcionário público vale-se de sua condição para assim atuar, quer seja para subtrair, quer seja concorrendo dolosamente para que outro subtraia. Basta que se beneficie das facilidades que dispõe em virtude de seu cargo.
Não aplicação do Princípio da Insignificância.
A defesa da ré pretende o acolhimento da tese de atipicidade delitiva mediante a aplicação do princípio da insignificância, sustentando que o valor apropriado de R$ 3.510,49 (três mil, quinhentos e dez reais e quarenta e nove centavos) não teria o condão de resvalar no bem jurídico tutelado pela norma.
É cediço que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, de modo que sua atuação se torne necessária em casos de relevante violação dos bens jurídicos tutelados pelo Estado.
Assim, o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade.
Dentro desse contexto, a insignificância tem o condão de afastar a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, adequação entre fato e lei penal incriminadora.
A jurisprudência do Pretório Excelso tem exigido para a aplicação do referido princípio o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, a jurisprudência de nossa Corte maior determina a aplicação do princípio de forma criteriosa e realizada caso a caso, de forma que para se conduzir à atipicidade da conduta seria necessário ir além da irrelevância penal prevista em lei. Seria indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta, a fim de que a finalidade da lei fosse alcançada.
Com efeito, no caso ora sob análise, ainda que se possa, em princípio, considerar de pequena expressão o valor supramencionado (R$ 3.510,49 - três mil, quinhentos e dez reais e quarenta e nove centavos), não há que se falar na aplicação do aludido instituto.
Em que pese guardar certa semelhança com os delitos praticados contra o patrimônio, o crime de peculato é crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público.
Não só o aspecto patrimonial estatal resta violado no peculato, mas também os interesses da Administração, cuidando-se de crime pluriofensivo.
O bem jurídico tutelado é a Administração Pública, considerada sob o aspecto patrimonial (proteção do próprio Erário Público) e aspecto moral (dever de todo o agente de ser probo), tutelando-se, portanto, além do patrimônio público, o funcionamento regular da atividade estatal, a sua moralidade, probidade e eficácia.
Diante deste cenário, não deve ser admitida a aplicação do princípio da insignificância aos crimes perpetrados contra a Administração Pública, já que, como visto, a norma penal objetiva não só o resguardo do patrimônio público, mas também da moral administrativa, insuscetível de valoração econômica.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sido refratária à sua incidência, ainda que o valor seja irrisório. Nesse sentido:
O Supremo Tribunal Federal também já reconheceu a inadmissibilidade da aplicação do princípio em caso de crime contra a Administração Pública, ao argumento de que a norma penal objetiva não só o resguardo do patrimônio público, mas também da moral administrativa, senão vejamos:
Nessa toada, inviável o acolhimento da atipicidade material quanto ao crime de peculato, porquanto a norma visa resguardar além da questão patrimonial, o funcionamento regular da atividade estatal, a moralidade, probidade e eficácia.
Rechaçada, portanto, a tese defensiva.
De outra senda, não houve insurgência quanto à autoria e materialidade delitivas, tampouco quanto à existência do elemento subjetivo. A defesa igualmente não apelou quanto à dosimetria da pena, de modo que, ante a ausência de irregularidades a serem sanadas, a sentença deve ser mantida em sua totalidade.
Pelo exposto, nego provimento à Apelação da defesa, nos termos da fundamentação.
É o voto.
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Data e Hora: | 31/03/2020 16:43:00 |