Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/09/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000230-11.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.000230-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : ROSELI APARECIDA DI BELLA
ADVOGADO : SP109182 MARCO ANTONIO ESTEBAM e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002301120174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO (CP. ART. 171, § 3º). PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÃO REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Ré denunciada e condenada por prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, porque obteve vantagem ilícita em favor de terceiro, em prejuízo do INSS, induzindo a Autarquia Previdenciária em erro mediante expediente fraudulento consistente em indicação de vínculo empregatício inexistente, necessário ao aperfeiçoamento do benefício.
2. Não verificada a prescrição da pretensão punitiva entre os sucessivos marcos interruptivos do prazo prescricional, (03.06.09, 06.09.10, 23.01.17 e 09.09.19) consoante o art. 109, IV, do Código Penal.
3. Materialidade e autoria comprovadas. Condenação mantida.
4. Dosimetria. Redução da pena-base por exclusão de circunstância judicial desfavorável (culpabilidade). Modificação do regime inicial, do semiaberto para o aberto.
5. Substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões da ré.
6. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação da ré Roseli Aparecida di Bella para excluir uma circunstância judicial desfavorável (culpabilidade) e reduzir a pena-base, reduzindo sua condenação às penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, regime inicial aberto, e 26 (vinte e seis) dias-multa, no mínimo valor unitário, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões da ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 14 de setembro de 2020.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 23/09/2020 18:27:26



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000230-11.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.000230-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : ROSELI APARECIDA DI BELLA
ADVOGADO : SP109182 MARCO ANTONIO ESTEBAM e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002301120174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pela ré Roseli Aparecida di Bella contra a sentença que a condenou às penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e 35 (trinta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, por prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal (fls. 482/488).
A ré alega o que segue:
a) o depoimento da vítima Natalino não pode ser considerado, pois confuso e contraditório, como o próprio Juízo reconheceu;
b) a ré confirmou que Natalino trabalhara informalmente em seu favor, na empresa Recauchutadora Rodona, e foi registrado posteriormente após os filhos da vítima ameaçarem a acusada;
c) restou comprovado que o réu jamais manteve vínculo empregatício com a empresa Band Auto;
d) não há nenhuma prova de materialidade delitiva;
e) a pena "extrapolou os limites legais" (cf. fl. 508), sendo caso de revê-la;
f) a fraude não causou prejuízo a Natalino, que se beneficiou por 6 (seis) anos dos pagamentos indevidos, além de que a obrigação de depor perante a Autoridade Policial não lhe causou dissabor, não sendo imputável à acusada a demora na apuração da fraude;
g) a ré é primária, de bons antecedentes e tem residência própria, não cabendo fixar-lhe regime inicial semiaberto;
h) cabe a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
i) está prescrita a pretensão punitiva dado que o primeiro pagamento do benefício ocorreu em junho de 2009 (fls. 497/512).
O Ministério Público Federal apresentou as contrarrazões (fls. 515/530).
O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Ageu Florêncio da Cunha, manifestou-se pelo desprovimento da apelação (fls. 538/543).
É o relatório.
Encaminhem-se os autos ao Revisor, nos termos regimentais.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000230-11.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.000230-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : ROSELI APARECIDA DI BELLA
ADVOGADO : SP109182 MARCO ANTONIO ESTEBAM e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002301120174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. Roseli Aparecida di Bella foi denunciada por prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, porque obteve vantagem ilícita em favor de terceiro, em prejuízo do INSS, induzindo a Autarquia Previdenciária em erro mediante expediente fraudulento consistente em indicação de vínculo empregatício inexistente, necessário ao aperfeiçoamento do benefício.
A denúncia narra que Roseli Aparecida di Bella atuou como intermediária do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez em favor de Natalino Marques de Oliveira (NB n. 32/543.038.278-3), perante a Agência do INSS de Água Rasa, em São Paulo (SP). O benefício foi implementado em 06.09.10. Antes da aposentadoria, Natalino usufruíra de benefício de auxílio-doença implementado em 03.06.09.
Para a concessão do primeiro benefício foi considerado vínculo empregatício com a pessoa jurídica Band Auto Center Comercial Ltda., CNPJ n. 56.560.055/0001-00, desde 02.02.07 até 30.06.07, conforme dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS - de Natalino.
O referido vínculo, porém, é falso, dado que Natalino jamais prestou serviços para a pessoa jurídica Band Auto, conforme depoimentos prestados por Gilberto da Silva Filho, Vanessa Graziano (filha dos representantes legais da empresa Band Auto) e da própria denunciada perante a Polícia Federal e o INSS.
A denunciada confirmou que atuara como intermediadora do benefício, malgrado não realizasse essa espécie de serviço de forma profissional, e admitiu que houve equívoco - não fraude - a respeito da empresa para a qual Natalino prestava serviços. Segundo sustentou, Natalino teria trabalhado para empresa de que a acusada é sócia, chamada Recauchutadora Rodona Ltda., e não para a empresa Band Auto Center.
A fim de comprovar a alegação, a denunciada promoveu a juntada de documentos (CNIS de Natalino, protocolo de envio de arquivos - conectividade social, registro de empregados, documentos encaminhados ao INSS para acerto de vínculo etc.).
A análise do INSS, entretanto, indicou que as informações prestadas pela denunciada são incoerentes, considerando:
a) a discrepância de datas do vínculo empregatício ao serem confrontados os dados da Carteira de Trabalho, do CNIS e da ficha de registro de empregados, sendo que no último documento há indícios inclusive de rasura das datas;
b) ausência de comprovantes de salário de contribuição do segurado ou de qualquer outro documento a comprovar o vínculo empregatício de fato, que não seja o registro extemporâneo constante da ficha de registro de empregados;
c) embora a denunciada negue o exercício profissional da atividade de intermediação de benefícios previdenciários, há registro de sua atuação nesse sentido em pelo menos outros 119 (cento e dezenove) casos;
d) a falta de verossimilhança da alegação de equívoco exclusivo do escritório de contabilidade considerando que a informação inverídica foi inserida no sistema apenas em 16.07.09, depois do indeferimento do auxílio-doença n, 31/535.897.950-2, ao passo que a suposta regularização ocorreu apenas com a transmissão de GFIP em 09.03.11, em data muito próxima à da solicitação policial;
e) as informações em nome da Band Auto Center Comercial Ltda. e a Recauchutadora Rodona Ltda. foram prestadas por pessoas diferentes.
Natalino foi ouvido em Juízo e confirmou que a denunciada atuara como intermediadora do benefício, negando saber da fraude.

O valor recebido indevidamente foi estimado em R$ 358.011,57 (trezentos e cinquenta e oito mil, onze reais e cinquenta e sete centavos) (fls. 349/355).

Prescrição. A ré foi condenada a cumprir pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a que corresponde o prazo prescricional de 8 (oito) anos, conforme o art. 109, IV, do Código Penal.
O primeiro pagamento do benefício de aposentadoria por invalidez obtida por meio fraudulento deu-se em 06.09.10 (Apenso X, fl. 187), ao passo que o primeiro pagamento referente ao benefício de auxílio-doença, que antecedeu a concessão da aposentaria, foi realizado em 03.06.09 (Apenso X, fl. 186).
A denúncia foi recebida em 23.01.17 (fls. 356/357) e a sentença foi publicada em 09.09.19 (fl. 489).
Não decorreu o prazo prescricional de 8 (oito) anos entre nenhum dos marcos prescricionais, de modo que não é caso de reconhecer a prescrição.
Rejeito a alegação de prescrição da pretensão punitiva.
Materialidade. A materialidade do delito está comprovada em razão do que segue:
a) cópias extraídas do procedimento administrativo do INSS que resultou em constatação de irregularidades nos vínculos empregatícios considerados para implementação dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidade de Natalino Marques de Oliveira (fls. 207/327; Notícia de Fato, fls. 3/261; e Apenso X);
b) relatório simplificado dos valores indevidamente recebidos por Natalino, consistentes em R$ 64.501,12 (sessenta e quatro mil, quinhentos e um reais e doze centavos) pelo auxílio-doença e R$ 358.011,57 (trezentos e cinquenta e oito mil, onze reais e cinquenta e sete centavos) pela aposentadoria por invalidez, montantes atualizados até 17.06.16 (Apenso X, fls. 186/189);
c) cópia de notícia de crime protocolizada por Gilberto da Silva Filho em que, identificando-se como advogado representante da empresa inativa Band Auto Center Comercial Ltda., informou possível fraude previdenciária haja vista que Natalino Marques de Oliveira jamais trabalhara na empresa Band Auto, indevidamente indicada como sua empregadora (fls. 7/8).
Autoria. A autoria do delito está comprovada.
Extrai-se dos autos que Natalino Marques de Oliveira requereu benefício de auxílio-doença em 03.06.09, em virtude de AVC sofrido no ano de 2007.
Inicialmente, o benefício foi indeferido em 15.06.09, haja vista que a incapacidade laboral iniciara em 29.06.07, data anterior ao regresso de Natalino à qualidade de segurado da Previdência Social, o que se deu em 01.09.07. O último vínculo empregatício antes do retorno à condição de segurado datava de 16.04.97 (Apenso Notícia de Fato, fls. 122/123).
Em 31.07.09, todavia, houve revisão administrativa que ensejou concessão automática do benefício requerido por Natalino, em virtude de inserção extemporânea, feita poucos dias antes da revisão, de vínculo empregatício com a empresa Band Auto Center Ltda., com duração de 02.02.07 até 30.06.07, com recolhimento tardio das contribuições relativas às competências de fevereiro a junho de 2007.
A inserção desse vínculo conferiu a Natalino a necessária condição de segurado para a concessão do auxílio-doença, que restou posteriormente convertido em aposentadoria por invalidez.
Representantes da empresa Band Auto Center, no entanto, tiveram ciência da inserção do vínculo empregatício em favor de Natalino e denunciaram ao Poder Público que referida pessoa jamais fora empregada da empresa (fl. 7).
O informe ensejou apuração por suspeita de concessão irregular do benefício.
Concomitantemente às apurações nas esferas administrativa e policial, a ré Roseli apresentou-se ao INSS dizendo que era proprietária da empresa Recauchutadora Rodona Ltda., que empregara Natalino em meados do ano de 2006. Roseli sustentou que, por equívoco de seu contador, o vínculo com sua empresa (Recauchutadora) não foi inserido: em vez dele, foi inserido o vínculo com a empresa Band Auto Center (Apenso Notícia de Fato, fls. 138/139).
Procurando demonstrar a veracidade da alegação, Roseli promoveu a juntada de requerimento de acerto de vínculos e remunerações, apresentando documentos como CNIS de Natalino, protocolo de envio de conectividade social, registro de empregados e declaração do empregador, entre outros.
O confronto dos documentos apresentados pela ré com os dados constantes do sistema do INSS e da Carteira de Trabalho de Natalino demonstraram, porém, que a alegação de Roseli não se sustentava: não era crível que Natalino houvesse de fato prestado serviços a qualquer uma das empresas.
Primeiramente, ressaltou-se que o vínculo empregatício com a empresa Band Auto Center não fora inserido por escritório de contabilidade, mas mediante chave de conectividade de uma empresa chamada "Daniel Dias de Moraes - AVES - EPP", atuante no ramo de comércio atacadista de produtos alimentícios em geral, infirmando a alegação de Roseli.
Ademais, o livro de registro de empregados apresentado por Roseli continha rasuras nas datas de admissão de Natalino, não estando em conformidade com o registro do vínculo na Carteira de Trabalho de Natalino.
Além disso, não foram apresentados quaisquer outros documentos (comprovantes de pagamentos de salários, por exemplo) a demonstrar que Natalino houvesse sido empregado da empresa Recauchutadora Rodona, de modo que a tentativa de retificação do vínculo empregatício informado tardiamente mostrou-se tentativa fracassada de regularizar uma situação laboral de fato inexistente.
Na fase investigativa, Natalino Marques de Oliveira declarou que jamais prestara serviços para a empresa Band Auto Center Comercial e que seu benefício de aposentadoria fora requerido mediante intermediação de pessoa chamada Roseli, mãe da namorada de seu filho, que nada cobrou pelo serviço (fl. 129). Em Juízo, Natalino afirmou que conhecia Roseli, com quem não tinha nenhum vínculo de parentesco. Parou de receber a aposentadoria há alguns anos. Roseli requereu a aposentadoria em seu favor. Procuraram Roseli porque sabiam da atividade dela, tinham amizade com a filha da ré. Ela disse que poderia se aposentar. O depoente deu a ela a Carteira de Trabalho. Recebeu por alguns anos, depois houve o corte. Foi ao INSS e disseram que o corte foi por algo que não sabe explicar. Não lembra quanto pagou para Roseli, não sabe quantos salários pagou para a ré. Tentou resolver no INSS, mas não conseguiu. Eles disseram muitas coisas, não se lembra bem. Trabalhou na empresa Band Auto Center Comercial. Indagado sobre o corte do INSS ter sido fundamentado na ausência de vínculo com a empresa Band Auto Center, reafirmou que trabalhou lá, sim. O depoente tem problemas de saúde nas pernas e nos braços, sofre paralisia por conta de derrame que teve. Lembra-se de vez em quando de alguns dos lugares em que trabalhou. Sofreu o derrame há mais de 6 (seis) anos. Ficou internado por mais de 1 (um) ano. Conhecia Roseli do bairro, não trabalhou para ela. Conhece a empresa Recauchutadora Rodona. Trabalhou nesse local por 1 (um) único mês. Era ajudante. Não trabalhou na Band Auto, pelo que se recorda. Está difícil para lembrar. O depoente começou a trabalhar como ajudante geral e exerceu essa função por muitos anos, com registro em Carteira. Chegou em São Paulo (SP) em 1969 e seu primeiro trabalho foi na empresa Juta Fio. Depois trabalhou na Cepesa, na Mooca. Não se recorda de como foi requerido o auxílio-doença. Não conhece Nino, ex-marido de Roseli. Nunca trabalhou na empresa dele. O filho do depoente namorava a filha de Roseli. A filha de Roseli disse que a genitora requeria aposentadoria. Não conhece outras pessoas que façam isso (mídia eletrônica à fl. 465).
A testemunha Vanessa Graziano declarou em Juízo que Roseli é casada com o sobrinho de seu pai. Disse que administrava a empresa de seu pai, que estava muito doente, e nessa época foi recebida uma carta da Previdência Social. Encaminhou a correspondência ao contador e ele disse que não havia nenhum funcionário com aquele nome na empresa. Era uma carta de aposentadoria, a qual dizia que o funcionário Natalino poderia encaminhar-se a uma agência porque sua aposentadoria fora concedida. O contador orientou a depoente a procurar uma agência da Previdência Social a fim de obter informações porque esse nome não constava no registro de funcionários. Não localizaram nada, inclusive foi à agência acompanhada de sua genitora. Procuraram Roseli porque ela já havia obtido aposentadoria para seus pais, ela trabalhava com isso. Não discutiu o assunto com Roseli, não tem contato com ela. Chegou à conclusão de que havia alguma implicação de Roseli porque ela dispunha dos dados de seus pais. De fato, conversou com ela, mas não se lembra do teor da conversa. Natalino era sogro da filha de Roseli, por isso "ligou os fatos" (cf. 6min da mídia eletrônica). Discutiu com Roseli, mas não se lembra da reação dela. Não teve contato com Roseli depois disso. Procuraram a Delegacia, a pedido e por orientação de seu genitor, a fim de denunciar a situação. Soube posteriormente que Natalino era pai do namorado de Roseli. Quando buscava se informar sobre a situação, soube pelo esposo de Roseli do vínculo dela com Natalino. Inicialmente, não sabia quem era Natalino, procurou endereços, mas não logrou encontrar nada. O genitor da depoente pediu que noticiasse o fato. Só soube desse fato relacionado a Roseli. Ela teve acesso aos dados de seus genitores porque atuou na aposentadoria deles. A empresa dos pais da depoente era um centro automotivo, há muito tempo está fechada. Chegaram a ter 30 (trinta) funcionários, encerraram com 15 (quinze). Natalino jamais trabalhou no local. Eram vizinhos de Roseli. Não sabe o que ela fazia antes, sabia que ela era do lar. Seu primo, esposo de Roseli, trabalhava no mesmo ramo do pai da depoente. Ele tinha uma empresa chamada Di Bella ou Recauchutadora Rodona, não sabe qual era o nome fantasia e qual era o registrado. Roseli sempre ficava em casa, não sabe se ela tinha alguma participação na empresa do marido. Roseli jamais pediu para usar os dados da empresa do pai da depoente perante o INSS. Gilberto era o advogado da depoente que a acompanhou quando procurou a Polícia Federal para noticiar o fato (mídia eletrônica à fl. 465).
Na fase investigativa, a ré Roseli Aparecida di Bella negou a prática do estelionato. Em resumo, disse que era proprietária de um estabelecimento de recauchutagem de pneus desde 1976 e que Natalino Marques de Oliveira fora seu funcionário. Natalino, porém, passou a sofrer problemas de saúde que ensejaram que a acusada atuasse em seu favor para fins de obtenção de benefício previdenciário. Por equívoco, o registro de Natalino com sua empresa foi inserido em nome de outra pessoa jurídica, a Band Auto Center Ltda. Atribuiu o erro ao fato de que ambas as empresas funcionavam na mesma rua. A ré negou que exercesse com regularidade a função de intermediadora de negociações e disse que já havia tomado as providências para regularizar o vínculo empregatício de Natalino, promovendo a juntada da documentação pertinente (fls. 101/102 e 152).
Interrogada em Juízo, a ré tornou a dizer que a acusação é falsa. Disse que o filho de Natalino residia no Japão à época dos fatos e namorava com a filha da interrogada. O filho de Natalino pediu à namorada se ela não poderia ajudar o genitor, porque ele bebia muito e sofria de hemorragias. Ele não tinha ninguém para cuidar dele. A filha da interrogada pediu-lhe se não poderia contratá-lo como auxiliar de serviços gerais, para ter alguma ocupação. Aceitou, mas Natalino passava o dia bem, bebia e, em seguida, sofria com as hemorragias. Disse que não tinha condições de mantê-lo empregado assim. A interrogada é empresária, sócia da Recauchutadora Rodona desde 1983. A empresa foi encerrada há 2 (dois) anos, o outro sócio era seu marido. Não tinha condições de socorrer Natalino toda hora. Ele finalmente teve um infarto. Não lhe disseram nada do que aconteceu com Natalino depois. Os primos dele foram atrás do INSS. A interrogada depois foi ao INSS, lá disseram que aguardasse, que em dado momento iria mostrar o livro e promover a reparação do erro. A depoente havia registrado Natalino, não sabe a data certa. Ele trabalhou pouco tempo, não chegou a 3 (três) meses. O derrame, ele sofreu depois que o dispensou. Avisou-o de que o dispensaria e daria baixa na Carteira de Trabalho, que, se ele desejasse, poderia continuar recolhendo ao INSS de forma autônoma. Não teve nenhuma atuação com relação ao auxílio-doença. Não sabe quem fez o requerimento desse benefício em favor de Natalino. A interrogada não trabalha com requerimentos de auxílio-doença ou LOAS, só auxilia aposentadoria, salário-maternidade, entre outros. Foi a própria interrogada quem fez o registro de Natalino no livro de empregados. Era um livro contemporâneo. Vanessa esteve na Polícia Federal dizendo que havia irregularidades, foi algo que ela fez "de ruindade" (cf. 12min da mídia eletrônica), foi um mero erro administrativo. Os benefícios não são mais agendados pelo CNIS ou pelo NIT. Isso é feito pelo contador, que envia as informações para a CEF. As demais informações são encaminhadas ao INSS. Vanessa queria dinheiro. Ela não propôs nenhum valor, até porque a interrogada não pagaria. Quanto às rasuras do livro de registro de empregados, foi feita apenas uma ressalva, de acordo com orientação de servidora do INSS. Na Previdência, disseram-lhe que o livro estava errado. Foi dito que deveria ser excluído o vínculo com a empresa Band. Não lembra se foi a própria interrogada quem rasurou o livro. Natalino não se recorda de ter trabalhado para a interrogada porque sofreu derrame e está mal. Já atuou em requerimentos ao INSS, prestou serviços como free lancer, mas não faz mais isso. Não teve nenhum problema com os outros casos em que atuou. Nada sabe acerca de o vínculo de Natalino com a empresa Band ter sido inserido após o indeferimento do primeiro requerimento de auxílio. A servidora disse que os sistemas sofrem "apagões". Não cobrou nada pelo auxílio prestado, nunca faz isso. Só agendou o requerimento de benefício, não acompanhou o réu depois disso. Fez o recolhimento previdenciário referente à retificação do registro dele. Quem providenciou tudo foi o requerente. O contador disse que iria providenciar o registro com a empresa certa. Não se lembra do nome do contador, já faz muito tempo. Vanessa envolveu toda a família na briga (pai e mãe), todos já morreram. Brigou com Vanessa, como a própria Vanessa disse em Juízo. A interrogada criou Vanessa e, ainda assim, ela fez o que fez, por maldade. Era amiga da mãe dela, viu-a nascer. A servidora do INSS orientou que fizesse a retificação, como de costume, e que quando chegasse um código eles chamariam o segurado. Suspenderam o pagamento de Natalino e foi por conta disso que foi procurada por familiares dele. Mostrou-lhes que havia "feito a retificadora" (cf. 28min da mídia eletrônica). Tem as GFIPs e CFIPs referentes às reparações. Não tem os comprovantes de pagamentos porque pagava ao acusado semanalmente, dando-lhe dinheiro aos poucos, que ele gastava com bebida. Vanessa não trabalhava na empresa dos pais, com quem morava. Eram vizinhos. Vanessa é prima de seu marido (mídia eletrônica à fl. 465).
Analisados os autos, restou demonstrado que Roseli atuou como parte intermediadora da concessão do benefício previdenciário em favor de Natalino, promovendo a falsa inserção de vínculo empregatício com pessoa jurídica pertencente a familiares de seu marido, sem autorização, o que se mostrava necessário para que Natalino recuperasse a condição de segurado junto ao INSS e lograsse obter o auxílio-doença posteriormente convertido em aposentadoria por invalidez.
Não convence a versão da acusada, no sentido de que tudo foi mero erro administrativo - a ré não se desincumbiu do ônus de comprovar (CPP, art. 156) sequer o nome do contador ou do escritório de contabilidade que, segundo sustentou, seria responsável pelo registro equivocado.
Ainda que sua intenção fosse a de ajudar o genitor do namorado de sua filha, fato é que se valeu de expediente fraudulento de maneira consciente e voluntária, a fim de induzir em erro a Autarquia Previdência, causando-lhe significativo prejuízo.
Resta mantida, portanto, a condenação da acusada.
Passo à análise da dosimetria.
Dosimetria. O Juízo a quo valorou de forma negativa a culpabilidade da ré (exercia a intermediação fraudulenta como meio de vida e aliciava pessoas ingênuas, incentivando-as ao cometimento de atos ilícitos, cf. fls. 160/180 do Apenso X) e as consequências que o crime causou aos cofres públicos (R$ 358.011,57, cf. fl. 189 do Apenso X) e ao segurado Natalino (homem idoso e doente, que se viu desprovido da verba alimentar e teve de enfrentar os dissabores de prestar depoimentos perante a Polícia Federal e em Juízo, tendo sido inclusive tratado como investigado).
Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias atenuantes ou agravantes.
Na terceira fase, não foram reconhecidas causas de diminuição e incidiu a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço), majorando a pena para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 35 (trinta e cinco) dias-multa, resultado definitivo.
O valor unitário do dia-multa restou fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Foi fixado o regime inicial semiaberto, considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 33, § 2º, b, e § 3º).
O Juízo a quo considerou não preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, deixando de substituir a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Também foram considerados não preenchidos os requisitos para a concessão de suspensão condicional da pena (CP, art. 77).
A ré apela para que a pena seja revista e reduzida, fixando-se regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Assiste-lhe razão, em parte.
Revejo a dosimetria.
Excluo a valoração negativa da culpabilidade da ré, pois, embora esteja demonstrada sua atuação em diversos benefícios previdenciários (cf. Apenso X, fls. 160/182), não há indicativos suficientes de ilicitude com relação a esses demais casos, inclusive no que diz respeito a eventual aliciamento de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Por outro lado, as consequências do crime são extraordinariamente graves, pois apenas o pagamento indevido do benefício de aposentadoria por cerca de 6 (seis) anos ensejou prejuízo aos cofres públicos no expressivo valor de R$ 358.011,57 (trezentos e cinquenta e oito mil, onze reais e cinquenta e sete centavos), atualizado até 17.06.16 (apenso X, fls. 187/189).
Cabe, em virtude dessa circunstância negativa, exasperar a pena-base para que seja fixada no dobro do mínimo legal, 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.
Na segunda fase, não incidem circunstâncias atenuantes ou agravantes.
Na terceira fase, sem causas de diminuição, aplica-se a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço), ensejando a majoração da pena para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa, resultado que torno definitivo à míngua de outras circunstâncias judiciais incidentes sobre o cálculo.
Mantenho o valor unitário do dia-multa no mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Estabeleço o regime inicial aberto, considerando a quantidade de pena aplicada e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis de ordem subjetiva, com fundamento no art. 33, § 2º, c, e § 3º, do Código Penal.

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões da ré.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da ré Roseli Aparecida di Bella para excluir uma circunstância judicial desfavorável (culpabilidade) e reduzir a pena-base, reduzindo sua condenação às penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, regime inicial aberto, e 26 (vinte e seis) dias-multa, no mínimo valor unitário, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões da ré.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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