Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 28/09/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010893-21.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010893-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO
: ASMERON GOITOM TEWELDE
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU
ADVOGADO : MG129366 PAULA LOPARDI PASSOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
APELADO(A) : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO
: ASMERON GOITOM TEWELDE
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU
ADVOGADO : MG129366 PAULA LOPARDI PASSOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
CO-REU : LETICIA PESSOA DE ALMEIDA (desmembramento)
: EDILSON MONTEIRO DE SOUZA (desmembramento)
: ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA (desmembramento)
: RESTOM SIMON (desmembramento)
: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00108932120114036119 1 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTIGO 304 E 297 DO CÓDIGO PENAL. PASSAPORTE ESTRANGEIRO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ALEGAÇÕES DE ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA AUSÊNCIA DE BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA PENAL BRASILEIRA OU PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA POR DIFICULDADES FINANCEIRAS. DESACOLHIDAS.CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PRETENSÃO DO MPF DE MAJORAÇÃO DAS PENAS-BASES NÃO ACOLHIDA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP NORMAIS À ESPÉCIE DELITIVA. RECURSOS DA DPU E DO MPF DESPROVIDOS.
1. A materialidade e a autoria não foram objetos de impugnação recursal, mas estão devidamente demonstradas nos autos, pelo que restam incontroversas.
2. Afastada a alegação de atipicidade da conduta de falsificação dos passaportes internacionais por suposta ausência de bem jurídico tutelado pela norma penal brasileira, uma vez que os referidos passaportes, conquanto estrangeiros, foram utilizados no território nacional com o claro intuito de ludibriar as autoridades aeroportuárias brasileiras, amoldando-se a conduta, por isso, ao disposto no art. 304 do Código Penal. Precedente da Egrégia Corte.
3. Afastada a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de falsificação e uso de documento falso, tendo em vista que o bem jurídico protegido é a fé pública. É remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que referido princípio não se aplica aos crimes contra a fé pública. Precedentes.
4. Não se verifica a excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa por dificuldades financeiras. Relativamente ao dolo, o conjunto probatório é suficiente para a comprovação do elemento subjetivo do tipo penal.
5. Dosimetria das penas. Nesse ponto, a defesa não se insurgiu contra os parâmetros estabelecidos na dosimetria da pena, até porque já fixadas no mínimo legal. Pretensão de majoração das penas-bases pelo MPF não acolhida. As circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP são normais à espécie. O fato de terem pago uma alta quantia em dólar pela obtenção dos passaportes contrafeitos, não ultrapassa o grau de normalidade daqueles que praticam este tipo de crime, sendo certo que o tipo penal do art. 297 do CP não faz nenhuma distinção entre passaporte nacional ou estrangeiro, bem como a paga pela obtenção do passaporte falsificado, pouco importa se em real ou dólar, é o que normalmente ocorre, uma vez que quem comete esse tipo de fraude de falsificar documentos públicos, sempre o faz visando lucro.
6. Apelações da defesa e da acusação desprovidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO aos recursos da defesa e da acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 14 de setembro de 2020.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010893-21.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010893-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO
: ASMERON GOITOM TEWELDE
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU
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: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU
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: ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA (desmembramento)
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: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00108932120114036119 1 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União em favor dos réus Mekonen Gebremedhin Yihdego, Amanuel Gebretnsae Kusmu e Asmeron Goitom Tewelde em face da r. sentença de fls. 2.153/2.162, que julgou procedente a denúncia, para condená-lo à prática do delito previsto no artigo 297, c. c. o art. 29, ambos do Código Penal, fixadas para os réus as mesmas penas de 2 anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, para cada réu.


Em suas razões recursais de fls.2.182v./2.185v., o MPF requer somente a majoração das penas-bases dos réus.


A DPU, por sua vez, também apela em favor de Mekonen, Amanuel e Asmeron (fls. 2.197/2.202 e 2.219/2.223), pugnando pela absolvição dos apelantes pelos seguintes motivos: a.1) atipicidade da conduta por ausência de lesão a bem jurídico tutelado pela norma penal brasileira por se tratar de passaportes estrangeiros; a.2) ou pela aplicação do princípio da insignificância; b) inexigibilidade de conduta diversa pelas sérias dificuldades financeiras enfrentadas pelo acusado Mekonen.


Contrarrazões pela DPU apresentadas às fls. 2.188/2.193 e pelo MPF às fls. 2.204/2.206v.


A Procuradoria Regional da República opina pelo desprovimento das apelações interpostas pela acusação e defesa (fls. 2.233/2.236).


É o relatório.

À revisão.



MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010893-21.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010893-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO
: ASMERON GOITOM TEWELDE
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU
ADVOGADO : MG129366 PAULA LOPARDI PASSOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
APELADO(A) : MEKONEN GEBREMEDHIN YIHDEGO
: ASMERON GOITOM TEWELDE
: AMANUEL GEBRETNSAE KUSMU
ADVOGADO : MG129366 PAULA LOPARDI PASSOS (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
CO-REU : LETICIA PESSOA DE ALMEIDA (desmembramento)
: EDILSON MONTEIRO DE SOUZA (desmembramento)
: ANDRE LUIZ DOS SANTOS FEITOSA (desmembramento)
: RESTOM SIMON (desmembramento)
: BENI DIATUKA (desmembramento)
No. ORIG. : 00108932120114036119 1 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Consta dos autos que Mekonen Gebremedhin Yhdego, Asmeron Goitom Tewelde e Amanuel Gebretnsae Kusmu, em conjunto com Restom Simon, Edilson Monteiro de Souza, Letícia Pessoa de Almeida, André Luiz dos Santos Feitosa, foram denunciados pela prática dos crimes previstos nos artigos 288, 317, §1º, 304 e 297, c. c. o art. 29 todos do Código Penal, porque descortinou-se na denominada "Operação Coyote", que os acusados associaram-se com o fim de cometer crimes de falsificação de passaporte e uso de documentos públicos falsos, com o objetivo de enviar imigrantes ilegais da África aos Estados Unidos da América, com passagem pelo território brasileiro.

Consta da denúncia que, de acordo com os elementos de prova colhidos no bojo do procedimento criminal diverso n. 2009.61.19.006151-4, na denominada "Operação Coyote", Restom Simon atuava, pelo menos desde o ano de 2007, como o principal mentor de uma esquema voltado ao recebimento, hospedagem e reembarque de estrangeiros (eritréios, somalis e etíopes), com documentos falsos, a partir dos Aeroportos Internacionais de Guarulhos (São Paulo) e Galeão (Rio de Janeiro), agindo coordenadamente com outras organizações criminosas, de mesmos fins, estabelecidas na África do Sul, Bolívia, Panamá, México, Guatemala, Honduras e Estados Unidos.

A ação delitiva desenvolvia-se com algumas variações, mediante a observância do seguinte modus operandi: a) cúmplices de Restom, no continente africano, forneciam vistos brasileiros falsificados a estrangeiros ávidos por ingressar nos Estados Unidos da América, providenciando o seu embarque ao Brasil; b) no Brasil, Restom e seus comparsas viabilizavam a obtenção de documentos (passaportes e vistos) falsos, que os habilitassem a ingressar em outros países da América do Sul ou da América Central, bem como passagens aéreas em companhias nas quais o grupo possuía funcionários previamente aliciados ao esquema; c) na data do embarque, através da ação de tais funcionários e/ou da utilização de procedimentos fraudulentos (como, por exemplo, acesso à área internacional mediante check in para voo de cabotagem e posterior embarque em voo internacional), os estrangeiros eram enviados ilegalmente para outros países da América do Sul ou América Central, de onde seguiam, mediante o auxílio de outros membros da organização criminosa, com destino aos Estados Unidos da América.

Consta que os acusados Mekonen, Amanuel e Asmeron, pretensos imigrantes, forneceram suas fotografias e dados pessoais para feitura de passaportes e vistos contrafeitos.

Do processo. Os acusados Mekonen, Amanuel e Asmerom foram devidamente citados (fls. 1.609 e 1.629) e ofereceram resposta à acusação por meio da DPU, arrolando as mesmas testemunhas de acusação.

Após terem suas prisões preventivas revogadas por esta Egrégia Corte (fls. 1.715/1.717 e 1.781/1.782), os acusados não mais compareceram aos autos, rumando para lugar incerto e não sabido, até porque por serem estrangeiros (africanos) não tinham vínculo com o distrito da culpa, sendo que todas as diligências para a localização dos acusados restaram infrutíferas.

Considerando a impossibilidade de localização dos acusados, a acusação requereu o desmembramento do feito somente em relação aos réus foragidos Mekonen, Amanuel e Asmeron, o qual foi deferido (fl. 2.042).

O Juízo a quo decretou a revelia dos acusados e determinou a suspensão do processo e do prazo prescricional, com fundamento no art. 366 do CPP.

O MPF pediu reconsideração parcial da decisão somente no que toca a determinação de suspensão do processo e do prazo prescricional, uma vez que os acusados foram devidamente citados, apresentaram defesa prévia, foram colocados em liberdade por meio do HC impetrando perante este E. Tribunal Regional, e prestaram o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo e, mesmo assim, mudaram de endereço sem comunicar o Juízo, devendo a eles ser aplicado o disposto no art. 367 do CPP (fls. 2.112/2.113v.).

O Juízo a quo decidiu que diante da ausência de prejuízo para o deslinde da demanda, tendo os réus utilizado seu direito de não acompanhar pessoalmente o processo, estando devidamente assistidos pela DPU, deviam arcar com o ônus da revelia, e reconsiderou a decisão para determinar o prosseguimento do feito (fls. 2.114v.).

Após, sobreveio sentença que condenou os acusados Mekonen, Amanuel e Asmeron, por falsidade de documento público em concurso de pessoas (CP, art. 297 c. c. o art. 29), conforme descrito no relatório.

Este é o relato das principais ocorrências do processo.

Passo à análise da matéria devolvida.

A materialidade e a autoria não foram objetos de impugnação recursal, mas estão devidamente demonstradas pelas provas colhidas no procedimento criminal diverso n. 2009.61.19.006151-4, em especial pelos seguintes elementos de provas:

I - diligências investigatórias e documentos fornecidos pelo Consulado Geral dos Estados Unidos da América (fls. 39/326);

II - quebra judicial do sigilo telefônico e telemático dos acusados (fl. 347);

III - Relatório Parcial da Unidade de Inteligência Policial (fls. 350/354 e mídia à fl. 355);

IV - Autos de Apreensão (fls. 539/542);

V - documentos apreendidos junto à empresa DHL (Empresa de Frete Expresso - Terminal de Cargas do Aeroporto Internacional de Guarulhos) (fls. 509/609);

VI - Informação da Unidade de Inteligência Policial referente a denominada "Operação Coyote" (fls. 610/614);

VII - Auto de Prisão em Flagrante dos acusados (fls. 843/857);

VIII - Laudos de Exame Documentoscópico (Autenticidade Documental - Passaporte) que atestaram a adulteração dos passaportes francês e holandês emitidos em nome de Mekonen, Amanuel e Asmerom (fls. 1.094/1.111);

IX - interrogatórios dos réus Letícia Pessoa de Almeida, André Luiz dos Santos Feitosa, Restom Simon, Edilson Monteiro de Souza, bem como depoimentos dos Agentes da Polícia Federal: a)- Renata Caetano Pereira da Silva Fuga, que participou das investigações e interceptações telefônicas da denominada "Operação Coyote"; b) - Carlos Gustavo Rodrigues Brito e Felipe Romero Yamada Martins, que efetuaram a prisão em flagrante dos réus Restom, Mekonen e André Feitosa, no Aeroporto Internacional do Galeão no Rio de Janeiro/RJ (prova emprestada - mídias às fls. 2.064/2.066 e 2.109/2.110), que comprovam que Mekonen, Amanuel e Asmerom, uniram-se aos demais acusados para a prática de delito de falsificação de documentos públicos, todos apreendidos no âmbito da "Operação Coyote".

O referido laudo pericial no passaporte francês n. 05RX9923 emitido em nome de Mekonen Gebremedhin Yhdego constatou que as alterações consistiam no quanto segue: o passaporte teve troca da folha de identificação, páginas 1 e 2, por outra de natureza diversa com impressão a jato de tinta e aplicação de nova cobertura plástica também falsa, sendo então considerado FALSIFICADO. Trata-se de uma adulteração de boa qualidade, podendo desta forma, iludir pessoas de mediano conhecimento (...) (fl. 1.109).

Pelas provas coligidas nos autos restou evidenciado que Restom Simon, Edilson Monteiro, Letícia Pessoa e André Feitosa, agindo de forma livre e consciente e, em comunhão vontades e de desígnios, uniram-se para a falsificação de passaportes franceses e holandeses, neles inserindo fotografia diversa da de seus titulares e alternado, mediante impresso, dados qualificativos, vistos e carimbos constantes no interior do documento.

Para a prática do delito, Restom Simon ofereceu vantagem indevida à Letícia, Edilson e André, funcionários das companhias aéreas Avianca (Edilson) e Copa Airlines (Letícia e André), à época dos fatos, que, após aceitarem o suborno, viabilizavam, em infringência a dever funcional, a emissão de passagens aéreas e a realização de procedimentos necessários ao embarque dos passageiros, acusados nos presentes autos, Mekonen, Amanuel e Asmerom, beneficiários dos passaportes e vistos falsos.

Além da prisão em flagrante delito dos acusados, a autoria também está demonstrada pela confissão do corréu Restom Simon, durante a instrução criminal, em que, no seu interrogatório judicial, confessou a prática delitiva, afirmando que falsificava passaportes para enviar estrangeiros ávidos para ingressar nos Estados Unidos da América, e que os corréus Letícia, Edilson e André tinham conhecimento da falsidade (funcionários de empresas aéreas previamente aliciados ao esquema criminoso), e efetuaram os atos necessários para que os acusados Mekonen, Amanuel e Asmerom pudessem sair do Brasil rumo ao exterior.

Assim, não havendo impugnação específica quanto à autoria e materialidade delitivas do delito do art. 297 do Código Penal, pelo que restam incontroversas.

Das teses defensivas.

a) Da alegação de atipicidade da conduta por ausência de lesão a bem jurídico tutelado pela norma penal brasileira. Não procede a alegação de atipicidade da conduta de falsificação dos passaportes da França e Holanda, por suposta ausência de bem jurídico tutelado pela norma penal brasileira, uma vez que os referidos passaportes, conquanto estrangeiros, foram utilizados no território nacional com o claro intuito de ludibriar as autoridades aeroportuárias brasileiras, amoldando-se a conduta, por isso, ao disposto no art. 304 do Código Penal. Nessa linha, julgado desta Egrégia Corte:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE PASSAPORTE ESTRANGEIRO FALSO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INOCORRENCIA DE PRESCRIÇÃO. VALIDADE DA CITAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA INSIGNIFICÂNCIA. CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. PROVA DOCUMENTAL. AMBIENTE CONTRADITÓRIO. APELO IMPROVIDO.
(...)
5. Alegação de atipicidade da conduta, por não ter sido afetada a fé pública de documentos públicos nacionais rejeitada. Embora o documento público falso seja um passaporte chileno, aparentemente falsificado em território argentino, a conduta criminosa imputada ao acusado é de fazer uso de documento falso perante autoridade migratória brasileira, conduta essa que se amolda ao crime previsto no artigo 304 do Código Penal, cominado com a pena prevista no artigo 297 do Código Penal, por se tratar de documento público.
(...)
(ACR 0003748-84.2006.4.03.6119, Primeira Turma, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 16.02.2016, julgado em 16.02.2016)

b) Da alegação de atipicidade da conduta por aplicação do princípio da insignificância. Não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância pela infração penal ter sido perpetrada sem violência ou grave ameaça, pois este não se aplica aos crimes de falsificação e uso de documento falso, tendo em vista que o bem jurídico protegido é a fé pública. É remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que referido princípio não se aplica aos crimes contra a fé pública (AgRg no REsp 1644250/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 30/05/2017; AgRg no AREsp 1131701/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018).

Assim, irrelevante se houve violência ou grave ameaça, efetiva vantagem patrimonial ou a existência de periculosidade social da ação, a ofensividade e o alto grau de reprovabilidade da conduta do agente tipificada no art. 304 do CP, não permitem a caracterização da insignificância penal pretendida pela DPU.

c) Da alegação de inexigibilidade de conduta diversa pelas sérias dificuldades financeiras enfrentadas pelo acusado Mekomem. A defesa também requer a absolvição do acusado mediante o reconhecimento de inexigibilidade de conduta diversa por dificuldades financeiras enfrentadas pelo acusado à época dos fatos.

Tal pedido não merece acolhimento.

Considera-se inexigibilidade de conduta diversa quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Se a defesa não se desincumbe de comprovar o preenchimento dos requisitos (artigo 156, caput, do Código de Processo Penal), não se verifica essa excludente de culpabilidade. Meras alegações (tentar ingressar nos EUA mediante o uso de passaporte falso por sérias dificuldades financeiras) dissociadas do conjunto probatório não são aptas a demonstrar a ocorrência da causa excludente de ilicitude.

E em que pese, os indicativos de dificuldades financeiras por tentar ingressar em país alienígena em busca de melhores condições de vida, o réu não se desincumbiu do ônus de demonstrar que a prática criminosa era a única alternativa de que dispunha para livrar-se da situação de crise.

Portanto, não há nos autos qualquer prova hábil para amparar a alegada inexigibilidade de conduta diversa.

Relativamente ao dolo, da análise dos autos, verifico que o conjunto probatório é suficiente para a comprovação do elemento subjetivo do tipo penal, o que se denota, especialmente, pela prisão em flagrante delito dos acusados.

Com efeito, o monitoramento eletrônico nas dependências do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/RJ evidenciou que os réus, ora apelantes, conheciam muito bem o corréu Restom Simon (processo desmembrado), como se nota da entrega por Simon de documentos aos passageiros de origem africana Mekonen, Amanuel e Asmerom, mediante paga em dólares americanos, momento em que pretendiam embarcar com destino aos Estados Unidos, na posse de passaportes francês (Mekonen) e holandês (Amanuel e Asmerom) falsos.

Desse modo, não restam dúvidas de que os apelantes possuíam plena ciência de que os passaportes eram falsos e, mesmo que não tivesse conhecimento da ilicitude de sua conduta, no mínimo, assumiram o risco de praticá-la, o que configura o dolo eventual.

Inclusive, nota-se que os acusados tanto demonstraram ter ciência da prática ilícita que colaboraram para a confecção do documento falso, uma vez que são originários de Eritreia, país da África, e os passaportes eram da França e Holanda, fornecendo suas fotografias, assinaturas e ainda pagaram a quantia de US$ 13.000,00 para alguém que não pertencia à repartição pública competente para a expedição do passaporte.

Por fim, não é suficiente a mera alegação de desconhecimento da falsidade para o reconhecimento do erro do tipo. Faculta-se ao sujeito processual que o suscita o ônus de demonstrar a sua ocorrência, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, não bastando, para o seu acolhimento, a simples invocação da tese jurídica que o ampara.

Mostra-se inconteste, dessa forma, que o acusado tinha conhecimento acerca da inautenticidade do documento, de modo que não pairam dúvidas quanto ao elemento subjetivo do tipo - o dolo.

Assim, restam comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, de modo que mantenho a condenação do acusado.

No tocante à dosimetria penal, o Juiz de primeiro grau procedeu da seguinte forma:

MEKONEN GEBREMEDHIN YHEGO.
Considerando as circunstâncias judiciais expostas no art. 59 do Código Penal: culpabilidade é própria do tipo; antecedentes, sem condenação transitada em julgado; conduta social e personalidade do agente, não respondeu a ações penais, o que demonstra não deter personalidade voltada a crimes; motivos, sem registro de motivos reprováveis; circunstâncias, nada negativo de registrar-se; consequências, próprias do crime, sem efeitos sobre outras pessoas; comportamento da vítima, prejudicado.
Disso, fixo a pena-base no mínimo legal, determinando-a em 02 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO E 10 (DEZ) DIAS-MULTA.
Por fim, face à desnecessidade de aplicação de qualquer causa de aumento ou de diminuição de pena, permanece a pena já fixada, que torno definitiva: 02 (DOIS) ANOS E 10 (DEZ) DIAS-MULTA, fixando o cumprimento de pena INICIALMENTE EM REGIME ABERTO, vistos os mesmos parâmetros do art. 59 do estatuto repressivo, suficientemente favoráveis a tal conclusão.
Fixo o valor do dia-multa, tendo em vista a situação econômica aparente do réu, em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, nos termos do art. 49, §1º, do Código Penal.
Tendo em vista a nova redação dada pela Lei nº 9.714/98 aos arts. 44 e seguintes do Código Penal, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade ora imposta por uma pena restritiva de direitos de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Á COMUNIDADE OU A ENTIDADES PÚBLICAS, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, a razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e pelo pagamento de PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA no valor equivalente a 02 (dois) salários mínimos (...) (fl. 2.160v., destaques do original).

Registro que as penas de Amanuel e Asmerom foram igualmente fixadas em 2 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto, substituídas as penas corporais por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 2 (dois) salários mínimos, com a mesma fundamentação acima transcrita.

Nesse ponto, a DPU não se insurgiu contra os parâmetros estabelecidos na dosimetria das penas, até porque já fixadas no mínimo legal.

Por outro lado, o MPF requer a majoração das penas-bases de Mekonen, Amanuel e Asmerom, sob a alegação de elevada culpabilidade dos apelados pelo fato de terem falsificado não qualquer documento, mas passaportes estrangeiros para atingir o objetivo de ingressar ilicitamente nos EUA. Além de terem pago a quantia de US$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos dólares) pela obtenção de passaportes adulterados.

Sem razão a acusação.

Da análise dos autos, verifico que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP são normais à espécie, não havendo que se considerar a culpabilidade exacerbada.

Com efeito, a pretensão de majoração da pena-base pela acusação sob o fundamento de terem falsificado passaportes internacionais, além de terem pago uma alta quantia em dólar pela obtenção dos passaportes contrafeitos, não ultrapassa o grau de normalidade daqueles que praticam este tipo de crime, sendo certo que o tipo penal do art. 297 do CP não faz nenhuma distinção entre passaporte nacional ou estrangeiro, bem como a paga pela obtenção do passaporte falsificado, pouco importa se em real ou dólar, é o que normalmente ocorre, uma vez que quem comete esse tipo de fraude de falsificar documentos públicos, sempre o faz visando lucro.

Mantida a r. sentença em sua integralidade.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos recursos da defesa e da acusação.

É como voto.

MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 17/09/2020 07:37:22