D.E. Publicado em 28/09/2020 |
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EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DA DEFESA. MOEDA FALSA. ARTIGO 289, §1º, DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE DENÚNCIA E SENTENÇA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. SUBSTITUIÇÃO POR DUAS PENAS PECUNIÁRIAS. INCABÍVEL. RECURSO DA DEFESA PROVIDO.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Filipe da Silva contra a sentença de fls. 153/161 que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 289, §1º, do Código Penal à pena privativa de liberdade de 3 anos de reclusão, em regime inicial aberto, com a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, mais o pagamento de 10 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime, com correção monetária por ocasião da execução penal.
Em suas razões recursais (fls. 212/220), a defesa pleiteia a absolvição do apelante pelos seguintes motivos:
a) preliminarmente, requer a nulidade da sentença por violação ao princípio da correlação, tendo em vista a falta de correlação entre a denúncia e a sentença, uma vez que o réu foi denunciado por tentativa do delito de moeda falsa e, ao final da instrução, foi condenado por esse delito em sua forma consumada;
b) no mérito, alega ausência de dolo;
c) e, subsidiariamente, em caso de confirmação da condenação, requer a substituição da pena alternativa de prestação de serviços à comunidade por outra pena de prestação pecuniária (duas penas pecuniárias), a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal.
O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões às fls. 234/236.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso defensivo (fls. 240/243v.).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Consta dos autos que Filipe da Silva foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 289, §1º, do Código Penal, pelos fatos a seguir expostos.
Segundo a denúncia, em 18/06/2018, o acusado foi flagrado por policiais militares tentando introduzir em circulação moeda falsa, consubstanciada em 10 (dez) cédulas falsas de R$ 50,00 (cinquenta reais), cuja contrafação não é grosseira, conforme a perícia documentoscópica.
Segundo apurado, a Polícia Militar de Santos recebeu informações de terceiros a respeito de um indivíduo que tentou trocar e introduzir notas falsas nos Quiosques localizados no Canal 4, informando, ainda, o veículo que partira do local do fato.
Diante dessas informações, os policiais militares iniciaram o seu patrulhamento, obtendo êxito em localizar o referido veículo na rua Frei Francisco Sampaio, 95, Embaré, Santos/SP. Durante a abordagem, verificaram que o condutor do veículo apenas trabalhava como motorista do aplicativo UBER, sendo dispensado, ao passo que o passageiro, Filipe da Silva, possuía as características descritas pelas informações recebidas, portando no bolso de sua calça 10 (dez) cédulas de R$ 50,00 (cinquenta reais), todas com a mesma numeração.
Sustenta a acusação que, a autoria delitiva, encontra-se comprovada pelo auto de prisão em flagrante, o qual inclui o interrogatório do acusado que confessa ter adquirido as cédulas falsas de R$ 50,00 (cinquenta reais) de terceiros em Curitiba/PR, bem como confessou ter tentado introduzi-las no comércio local.
A materialidade, por sua vez, está demonstrada pelo auto de exibição e apreensão de fls. 8/12 e laudo pericial documentoscópico de fls. 32/35, que atestou categoricamente que as cédulas são contrafações e não são grosseiras.
Por fim, narra a denúncia que perpetrando os fatos acima descritos, o acusado, de forma consciente, livre e voluntária, adquiriu e tentou introduzir em circulação moeda falsa, requerendo a condenação do acusado pela prática do delito do art. 289, §1º, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal (fls. 63/64, destaques do original).
Após regular instrução, o réu foi condenado pela prática do crime estabelecido no artigo 289, §1º, do Código Penal, em sua forma consumada, conforme consta do relatório.
Passo à análise das razões recursais.
Em sede preliminar, a defesa de Filipe busca o reconhecimento da nulidade da sentença, ao argumento de que foi desrespeitado o princípio da correlação entre acusação e sentença.
Aduz que a condenação pelo art. 289, §1º, do CP não guarda a mínima equivalência com os fatos narrados na denúncia, tendo em vista que a denúncia narrou que o acusado cometeu o delito de circulação de moeda falsa em sua forma tentada, e o Juiz sentenciante o condenou por esse delito em sua forma consumada, tendo havido modificação da descrição do fato sem se proceder a emendatio libelli, instituto previsto no art. 383 do CPP, em flagrante violação às garantias do contraditório e ampla defesa, gerando nulidade absoluta ao presente feito.
Sem razão a defesa.
Quando do oferecimento da denúncia, o Ministério Público Federal capitulou os fatos no artigo 289, §1º, c. c. o art. 14, II, ambos do Código Penal, pelo fato de o acusado ter adquirido e tentado introduzir em circulação moeda falsa e, ao proferir a sentença, o Juízo a quo, valendo-se da previsão do artigo 383, do Código de Processo Penal, entendeu que os fatos se amoldariam melhor ao tipo penal descrito no artigo 289, §1º, do Código Penal, sob a seguinte fundamentação:
Reputo correta a aplicação do disposto no artigo 383, do Código de Processo Penal, considerando-se que não houve qualquer alteração na descrição fática da imputação, mas apenas ajuste da capitulação jurídica da conduta descrita na inicial acusatória.
O acusado defende-se dos fatos, não da capitulação jurídica a eles conferida pelo Ministério Público, bem como o julgador não está adstrito a esta capitulação por ocasião da prolação da sentença.
Ademais, após o encerramento da instrução criminal, em sede de alegações finais, o Ministério Público Federal, pediu a condenação do réu não pela conduta de tentativa de circulação de moeda falsa, e sim porque o denunciado de forma livre, espontânea e voluntária, adquiriu e guardou moeda falsa, conduta tipificada no art. 289, §1º, do Código Penal (fl. 140v.).
Afasto, pois, tal pretensão defensiva.
Superada a preliminar, passo ao mérito recursal.
A defesa pleiteia a absolvição do acusado por ausência de provas suficientes do dolo.
Sem razão. Vejamos:
A materialidade delitiva restou comprovada pelos seguintes elementos de prova: a) auto de apresentação e apreensão e pelas 10 (dez) cédulas falsas encartadas aos autos (fls. 8/12); b) e pelo laudo pericial que atesta categoricamente a falsidade das cédulas e que a contrafação não é grosseira (fls. 32/35).
A autoria delitiva e o dolo também foram evidenciados pelo auto de prisão em flagrante delito do acusado (fls. 2/6), pelo teor da oitiva das testemunhas de acusação em Juízo e pelo interrogatório do próprio acusado tanto na seara policial quanto em Juízo em que confessou que portava cédulas falsas.
No auto de prisão em flagrante, no calor dos acontecimentos, o acusado confessou a autoria delitiva ao afirmar que estava portando dez notas falsas de R$ 50,00 (cinquenta reais) que adquiriu de terceiro desconhecido em Curitiba/PR, e que pagou R$ 200,00 (duzentos reais) pelas notas contrafeitas (interrogatório de fls. 5/6).
Em Juízo, o acusado deu nova versão aos fatos, porém admitiu que portava notas falsas, alegando em sua defesa que desconhecia a falsidade das notas. Narrou que consumiu um chopp e um salgado num quiosque, no Canal 4 em Santos/SP, tendo efetuado o pagamento com uma nota de R$ 50,00 (cinquenta reais), e só soube da falsidade porque a atendente do quiosque o chamou e lhe informou que a cédula era falsa, tendo ele efetuado o pagamento da conta com seu cartão de crédito. Disse que, em seguida, pediu um carro por meio do aplicativo de carona (Uber), tendo sido abordado no percurso para casa por policiais militares. Alegou que adquiriu as dez notas de R$ 50,00 (cinquenta reais) em Curitiba/PR, porém sem saber que eram falsas, pois obteve um empréstimo de R$ 500,00 (quinhentos reais) de um agiota, tendo pago, no ato a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), comprometendo-se a pagar mais R$ 400,00 (quatrocentos) quando recebesse seu primeiro salário em Santos/SP (era jogador recém-contratado do Santos Futebol Clube). Perguntado pelo Juízo, o interrogado não soube indicar o nome nem endereço do suposto agiota que lhe emprestou o dinheiro (mídia audiovisual à fl. 121).
O enredo narrado pelo acusado não convence e destoa das demais provas coligidas ao feito
Em juízo, a testemunha de acusação, David Carlos Lopes Moreno, policial militar, que efetuou a prisão em flagrante do acusado e a apreensão das cédulas falsas, afirmou em seu depoimento, em síntese, que recebeu denúncia de populares que o réu estaria em posse de notas falsas, tentando repassá-las. Disse que ele e o colega avistaram o réu entrando num veículo de aplicativo e o abordaram mais a frente, sendo que na busca pessoal foram encontradas notas falsas no bolso do réu. Disse que chegou a questioná-lo sobre a origem das mesmas, e o réu respondeu que havia comprado as cédulas falsas em outro Estado (mídia à fl. 121).
Em juízo, a testemunha de acusação Leandro Canteiro Gutierrez, policial militar, que participou da diligência acima citada, afirmou em seu depoimento, em síntese, que ele e o colega David estavam em patrulhamento na orla da praia quando comerciantes informaram que uma certa pessoa estava tentando passar notas falsas em estabelecimento comercial (quiosque). Disse que foram passadas as características físicas do indivíduo e, em seguida, conseguiram avistá-lo entrando num carro de aplicativo e o abordaram mais à frente. O depoente afirmou que foi ele quem fez a busca pessoal, momento em que encontrou no bolso do acusado dez notas falsas de R$50,00 (cinquenta reais), com a mesma numeração em todas elas. Disse que diante dos fatos, o acusado foi conduzido à Delegacia. Esclareceu que o acusado informou que tinha acabado de chegar na cidade de Santos/SP e que comprou as notas falsas no Estado do Paraná. Acrescentou que o acusado informou que poderia ter mais notas falsas em sua residência, próximo ao local onde foi abordado, porém ao adentrarem na casa, com a anuência do acusado, nada foi encontrado (mídia de fl. 121).
Nota-se que os depoimentos dos policiais militares David e Leandro, responsáveis pela prisão em flagrante e condução do acusado à Delegacia, foram uníssonos em afirmar que Filipe da Silva portava notas falsas escondidas em seus bolsos, no momento da abordagem policial, e que o próprio acusado confessou, de pronto, naquela ocasião, que eram suas as cédulas falsas e que as havia adquirido de um indivíduo em Curitiba/PR, sua cidade de origem.
Por outro lado, a defesa não apresentou provas contundentes que pudesse dar credibilidade à versão de que o réu teria recebido de boa-fé as cédulas falsas em função de suposto empréstimo junto a um agiota, no entanto, não apontou quaisquer dados que pudessem corroborar essa versão que se mostrou inverossímil.
Consigno que, não há que se desvalorizar o depoimento prestado por policiais haja vista que, de acordo com jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, são válidos e revestidos de eficácia probatória os testemunhos prestados por policiais envolvidos com a ação investigativa, mormente quando em harmonia com as demais provas e confirmados em juízo, sob a garantia do contraditório. Precedentes. (AGARESP 201302495730, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:27/03/2014).
Cabe destacar que o crime de moeda falsa, em qualquer das modalidades previstas no art. 289, do CP, só é punível a título de dolo, ou seja, o agente, livre e conscientemente, guarda ou introduz em circulação a moeda falsa, sabendo-a inautêntica.
Não há, na espécie, a modalidade culposa, de modo que age dolosamente quem, sem qualquer justificativa razoável da origem do dinheiro falso, guarda ou introduz em circulação.
Verifica-se, portanto, pelo conjunto probatório, que não há dúvida acerca do dolo, já que se demonstrou ter o réu ciência da contrafação, na medida em que admitiu ter adquirido as 10 cédulas falsas de R$ 50,00 (cinquenta reais), num total de R$ 500,00 (quinhentos reais), de uma pessoa desconhecida mediante o pagamento de R$ 200,00 (duzentos reais) com notas verdadeiras, o que revela sua intenção de obter vantagem, de modo que tal conduta se coaduna com o modus operandi do tipo em tela.
É também sintomático e pesa em desfavor do réu Filipe o fato de ter consumido somente um chopp e um salgado de pequeno valor mediante o pagamento por meio de uma cédula falsa de R$ 50,00 de valor alto, apenas para a obtenção de troco em notas autênticas, o que revela também o modus operandi típico do crime em tela, de modo a estar evidenciado o dolo.
Assim, não prospera a tese defensiva de ausência de dolo e aplicação do princípio do in dubio pro reo pelo fato de o réu não ter conhecimento técnico para distinguir uma nota falsa de outra verdadeira, uma vez que se tratando de cédulas sabidamente falsas, incumbe à defesa provar que as notas haviam sido recebidas de boa-fé (art. 156 CPP), com o fito de afastar a responsabilidade da conduta, vez que não basta a mera presunção genérica de que o réu agira sem dolo.
No particular, muito pelo contrário, o acusado admitiu no momento de sua prisão em flagrante, no calor dos acontecimentos, ter comprado as notas espúrias encontradas em seu poder, o que foi confirmado pelos policiais militares, que procederam à prisão do réu e apreensão das notas, em seus depoimentos judiciais (fls. 5/6 e mídia à fl. 121)
Ressalta-se, inclusive, a perfectibilização do tipo penal em tela independe da introdução da moeda falsa em circulação, pois a mera ação de adquirir ou guardar a nota, tendo ciência de sua contrafação, já configura o ilícito, o que foi corroborado pela prova oral carreada aos autos.
Também é valioso lembrar que a modalidade deste crime de moeda falsa consistente em introduzir em circulação é de natureza instantânea ao passo que a modalidade guardar é de natureza permanente, o que faz com que o agente permaneça em estado de flagrância.
Diante dos fortes fundamentos para a condenação, não merecem acolhida as razões apresentadas pela defesa.
Assim, entendo restar satisfatoriamente comprovada a prática delitiva perpetrada por Filipe da Silva, uma vez que detinha ciência acerca da falsidade das cédulas, razão pela qual mantenho sua condenação como incurso nas penas do art. 289, § 1º, do CP.
No tocante à dosimetria penal, o juiz de primeiro grau procedeu da seguinte forma:
Neste ponto, a defesa requer somente, na substituição da pena corporal por restritivas de direitos, a fixação de duas penas pecuniárias, a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal, diante da impossibilidade do apelante de cumprimento da pena restritiva de direitos de prestação de serviços comunitários, que prejudicará uma nova colocação na profissão que escolheu (jogador de futebol), tendo, inclusive, entrado em depressão após sua prisão, desistindo de seu contrato com o Santos Futebol Clube, e retornado ao seio familiar em Curitiba/PR.
Sem razão.
Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo de duração da pena corporal, e prestação pecuniária de 3 (três) salários mínimos, tais como impostas na sentença.
Incabível a fixação de duas penas restritivas de direitos da mesma natureza (duas penas pecuniárias) em substituição à pena privativa de liberdade superior a 1 (um) ano, o que implicaria em imposição de sanção única, o que descaracteriza a finalidade da pena restritiva de direitos, conforme o disposto na parte final do artigo 44, §2º, do Código Penal, que prevê a fixação de duas restritivas de direitos.
Ademais, o art. 149, III e § 1º, da LEP, determina que o Juiz da execução ajustará a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, que poderá ser cumprida aos finais de semana ou em dias úteis, de forma a não prejudicar a jornada de trabalho do condenado.
Ressalta-se que a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos de prestação de serviços comunitários, levando-se em conta as condições pessoais do condenado, poderá ser discutida perante o Juízo da Execução Penal.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da defesa.
É como voto.
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Data e Hora: | 17/09/2020 07:36:53 |