Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/06/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005257-61.2017.4.03.6120/SP
2017.61.20.005257-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : JOSE MIRANDA DA COSTA
ADVOGADO : SP399759 FERNANDA MARIA FERREIRA FARINOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00052576120174036120 2 Vr ARARAQUARA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. PRESENÇA DE UMA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL (CONSEQUÊNCIAS DO CRIME). PRESENÇA DA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, I, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. MANUTENÇÃO DA PENA ESTABELECIDA EM SENTENÇA.
1- Para a caracterização do crime de estelionato, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) o emprego de meio fraudulento, de que são exemplos o artifício (recurso engenhoso/artístico) e o ardil (astúcia, manha ou sutileza), ambos espécie do gênero fraude.; II) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; III) a obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita (economicamente apreciável), sem o que não se há de falar em consumação deste delito.
2- Ontologicamente, não se há de falar em distinção entre fraude penal e fraude civil, já que não há diferenças estruturais entre estas. É possível que haja um comportamento ilícito e, todavia, circunscrito à esfera civil. Assim, por força dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, é necessário, para a caracterização do crime de estelionato, que o agente tenha o dolo como fim especial de agir, sendo imprescindível a consciência, a vontade de enganar, ludibriar, com objetivo de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima. É a presença do dolo que distinguirá uma conduta penalmente relevante daquela situação em que, por exemplo, o agente age com boa-fé, sem a intenção de enganar, mas, por motivos diversos, acaba por cometer um ilícito civil. Atente-se que se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível aferir a presença do elemento anímico a partir de fatores externos, ou seja, dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos. Além disso, é indispensável, para a caracterização do delito de estelionato, que se identifique a ocorrência de ação dolosa pré-ordenada (antecedente), pois, se, em dado caso, se constatar que o dolo é posterior (subsequens), ou seja, surgiu apenas depois da obtenção/entrega da vantagem, não se haverá de falar em estelionato, mas sim no crime de apropriação indébita que, aliás, sequer exige a ocorrência de fraude para sua caracterização.
3-O estelionato não se confunde com o furto mediante fraude, pois, nesta última hipótese, a fraude é utilizada como meio de burlar a vigilância da vítima que, por desatenção, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída, enquanto que, na hipótese de estelionato, a fraude é utilizada para se obter o consentimento viciado da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.
4- É importante falar sobre a frequente hipótese em que a falsidade documental é o meio empregado para se obter êxito na empreitada criminosa. Neste caso, em observância ao princípio da consunção, deve prevalecer o entendimento de que o crime-meio (falsidade documental) deverá ser absorvido pelo crime-fim (estelionato), desde que, depois da utilização do documento falso para obtenção de vantagem ilícita, não reste qualquer potencialidade ofensiva, nos termos da súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça.
5- Em se constatando que a fraude não foi suficientemente hábil para provocar ou manter em erro a vítima (fraude grosseira), deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP).
6- Em sendo o estelionato um crime material e de dano, sua consumação se dará com a efetiva obtenção da vantagem, isto é, a partir do momento em que a coisa passar da esfera de disponibilidade da vítima para a do infrator (ou de terceiro). Além disso, não se deve perder de vista que a vantagem obtida pelo agente deve ser ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento, uma vez que, se a vantagem for devida, ficará descaracterizado o delito de estelionato, podendo haver, por exemplo, a desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do artigo 345 do CP.
7- No caso concreto, o réu foi condenado à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, pela prática do delito de estelionato contra ente público (INSS), uma vez que ficou comprovado que, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2014, ele obteve vantagem ilícita no valor de R$ 105.932,52 (cento e cinco mil, novecentos e trinta e dois reais e cinquenta e dois centavos), em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social, induzindo e mantendo em erro a autarquia previdenciária, mediante o saque mensal dos valores correspondentes ao benefício de amparo assistencial ao idoso NB n.º 88/121.717.569-2, não obstante já recebesse aposentadoria do Departamento de Estrada e Rodagens do Estado de São Paulo DER, fato que foi omitido tanto na oportunidade em que o benefício assistencial foi requerido (em 2001) quanto quando houve o recadastramento do beneficiário (em 2005).
8- O delito de estelionato perpetrado contra a Previdência Social tem natureza distinta a depender do agente que pratica o ilícito. Conforme a atual jurisprudência dos tribunais superiores, se o ilícito é cometido pelo beneficiário da aposentadoria ou do benefício assistencial, será de natureza permanente, iniciando-se a contagem do prazo prescricional apenas a partir de quando cessa o recebimento indevido do benefício, enquanto que, se o delito é praticado por servidor do INSS ou por terceiro não beneficiário, por meio de fraude consistente na inserção de dados falsos, será instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se a contagem do prazo prescricional a partir da data do pagamento da primeira prestação do benefício (STJ, Sexta Turma, RHC 27.582/DF, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 15.08.2013, DJe 26.08.2013).
9- Verifica-se, in casu, que o réu recebeu indevidamente o benefício assistencial entre dezembro de 2001 e janeiro de 2014, não podendo ser outra a conclusão senão a de que o delito se consumou em janeiro de 2014, quando cessou o pagamento do benefício concedido fraudulentamente (inteligência do art. 111, III, do CP). Note-se que, em se tratando de fatos criminosos ocorridos após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, a qual alterou a redação do art. 110 do Código Penal, não há possibilidade de o termo inicial da contagem do prazo prescricional ser anterior à data de recebimento da denúncia. Nos termos do art. 110, parágrafo 1º, do CP, em já tendo havido trânsito em julgado para a acusação (mesmo que ainda pendente o julgamento de recurso da defesa), o prazo prescricional a ser considerado regula-se pela pena concretamente aplicada (01 - um - ano e 08 - oito - meses de reclusão), de modo que importaria verificarmos, em princípio, se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, transcorreu lapso superior a 4 (quatro) anos (inteligência do art. 109, V, do CP). Considerando, contudo, que, na data da r. sentença, o réu era maior de 70 (setenta) anos (inteligência do art. 115 do CP), o prazo prescricional a ser considerado é o de 2 (dois) anos. Considerando que o recebimento da denúncia se deu em 04.08.2017 (inteligência do art. 117, I, do CP) e que a publicação da sentença condenatória ocorreu em 16.08.2018 (inteligência do art. 117 IV, do CP), é evidente que não transcorreu o prazo de 02 (dois) anos entre os marcos interruptivos legalmente previstos, não se havendo de falar, portanto, em prescrição da pretensão punitiva.
10- Os elementos de prova apresentados são robustos e suficientes para a formação de juízo de certeza acerca da materialidade e autoria delitivas, bem como evidenciam a presença do dolo.
11- É relevante salientar que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. In casu, independentemente de se tratar o réu de pessoa com idade avançada, era presumível que, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade, ele tivesse extraído a consciência (consciência potencial) da ilicitude do comportamento de ocultar (dolosamente) do INSS a informação de que já era aposentado pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens). Note-se que a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade) não se confunde com o dolo (elemento integrante da tipicidade).
12- Embora a defesa tenha alegado que "não houve, em momento algum, dolo ou mesmo culpa por parte do réu", ficou evidenciado que o acusado agiu de forma consciente e voluntária ao omitir do INSS a informação de que era aposentado pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens), sem o que não teria obtido a concessão fraudulenta do benefício. Como bem asseverou o r. juízo a quo, foi o próprio réu quem, pessoalmente (sem a intermediação de advogado), na ocasião do recadastramento do benefício (em 2005), declarou (falsamente) que o amparo assistencial era sua única fonte de renda, o que torna inverossímil a versão de que as orientações do advogado Marco Aurélio Forastieri o teriam levado a acreditar que o benefício era devido.
13- É certo que, para que as consequências do crime autorizem o aumento da pena-base, estas devem extravasar o mero resultado decorrente da prática da infração penal. In casu, observa-se que os pagamentos indevidos perduraram de dezembro de 2001 e janeiro de 2014 (por mais de doze anos), causando ao INSS prejuízo de R$ 105.932,52 (cento e cinco mil, novecentos e trinta e dois reais e cinquenta e dois centavos), montante suficientemente vultoso para justificar uma avaliação negativa das consequências do delito. Portanto, a majoração da pena-base em 6 (seis) meses se amparou em fundamento idôneo e deve ser mantida.
14- Na segunda fase da dosimetria, o r. juízo a quo reconheceu a presença da atenuante prevista no art. 65, I, do CP (agente maior de 70 anos na data da sentença) e reduziu a pena em 1/6 (um sexto), fixando-a, nesta etapa, em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, o que deve ser mantido. Por fim, na terceira fase, diante da presença da causa de aumento prevista no parágrafo 3º do art. 171 do CP do Código Penal, elevou-se a pena em 1/3 (um terço), ficando a pena definitiva estabelecida em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão.
15- No que diz respeito à pena de multa e aos critérios para a sua fixação, é certo que o número de dias-multa deve guardar proporcionalidade com o quantum da pena privativa de liberdade estabelecida, conforme os parâmetros do sistema trifásico, enquanto o valor do dia-multa deve ser fixado de acordo com as condições econômicas do condenado. Considerando que a pena privativa de liberdade abstratamente prevista pelo art. 171 do CP é de 1 (um) a 5 (cinco) anos e tendo em vista que a pena concretamente cominada foi a de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, conclui-se que, proporcionalmente, a pena de multa deveria ter sido fixada em 68 (sessenta e oito) dias-multa. De qualquer sorte, como, no caso em questão, a pena de multa estabelecida em sentença foi a de 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente em janeiro de 2014), tal determinação, embora tenha violado a regra de proporcionalidade, não poderia, neste momento, ser alterada, sob pena de haver reformatio in pejus.
16- Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que deve haver "a dispensa de dias-multa e custas, em razão da hipossuficiência do acusado". Quanto ao pleito relacionado às custas, deixa-se de apreciá-lo, por falta de interesse, já que constou da r. sentença o seguinte: "concedo ao réu o benefício da assistência judiciária gratuita, de modo que o dispenso do pagamento das custas". Portanto, o apelo não merece ser conhecido em relação a esse ponto. Em relação ao pleito de "dispensa de dias-multa", deve-se salientar que a condição econômica de um condenado não tem o poder de dispensá-lo do pagamento da multa, pois, tratando-se a multa de sanção de caráter penal, sua isenção violaria o princípio constitucional da legalidade (Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Criminal, Apelação n.º 0008903-30.2009.8.26.0189, Rel. Euvaldo Chaib, Julg. 15.05.2012). Ademais, cabe reiterar que, para a fixação do número de dias-multa, não se leva em consideração a eventual hipossuficiência do acusado, mas sim o quantum da pena privativa de liberdade estabelecida. O que deve ser fixado de acordo com as condições econômicas do condenado é o valor de cada dia-multa. Considerando que, in casu, este valor já foi estabelecido no patamar mínimo legal (1/30 - um trigésimo- do salário mínimo vigente na época do fato), não se há de falar em redução.
17- A pena se torna definitiva em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente em janeiro de 2014), ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, uma de limitação de fim de semana (art. 48 do Código Penal), pelo mesmo tempo da condenação, e outra de prestação pecuniária equivalente a 1 (um) salário mínimo (vigente à época do pagamento) em favor de entidade assistencial a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais.
18- Apelação da defesa a que, na parte conhecida, se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, CONHECER PARCIALMENTE da Apelação da defesa de JOSÉ MIRANDA DA COSTA e, na parte conhecida, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de maio de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005257-61.2017.4.03.6120/SP
2017.61.20.005257-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : JOSE MIRANDA DA COSTA
ADVOGADO : SP399759 FERNANDA MARIA FERREIRA FARINOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00052576120174036120 2 Vr ARARAQUARA/SP

RELATÓRIO


O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:



Trata-se de Apelação interposta pela defesa de JOSÉ MIRANDA DA COSTA (fls. 90 e 95/104) em face da r. sentença (fls. 83/86) proferida em 15.08.2018 pelo Exmo. Juiz Federal Márcio Cristiano Ebert (2ª Vara Federal de Araraquara-SP) que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar JOSÉ MIRANDA DA COSTA, nascido em 25.09.1930, pela prática do crime tipificado no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal, à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente em janeiro de 2014), ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, uma de limitação de fim de semana (art. 48 do Código Penal), pelo mesmo tempo da condenação, e outra de prestação pecuniária equivalente a 1 (um) salário mínimo (vigente à época do pagamento) em favor de entidade assistencial a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais.


Consta da denúncia que, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2014, no Município de Araraquara, SP, o denunciado JOSÉ MIRANDA DA COSTA obteve, para si, vantagem ilícita no valor de R$ 105.932,52 (cento e cinco mil, novecentos e trinta e dois reais e cinquenta e dois centavos), em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social, induzindo e mantendo em erro a autarquia previdenciária, mediante o saque mensal dos valores correspondentes ao benefício de amparo social ao idoso NB n.º 88/121.717.569-2. Segundo se apurou, o denunciado é aposentado do DER, Departamento de Estradas e Rodagem do Estado de São Paulo, desde 11 de dezembro de 1986 (fls. 16/17). Pois, apesar de aposentado, JOSÉ MIRANDA ingressou com requerimento de benefício assistencial em 19 de dezembro de 2001 junto ao INSS, afirmando, para tanto, não receber 'benefício da Previdência Social nem de outro regime'. Com a falsa afirmação, o denunciado burlou o impedimento decorrente do artigo 20, §4º, da Lei 8742/93. Concedido o benefício, houve revisão da avaliação social em outubro de 2005, ocasião em que o denunciado voltou a falsear a verdade, afirmando ter, como renda mensal, R$300,00 - valor do amparo - e negando, outra vez, sua condição de aposentado do DER (fl. 23 do apenso II, volume I). O benefício perdurou até que o INSS, constatando a fraude, cessou o pagamento do benefício.


Tipificação: artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal.


O recebimento da denúncia deu-se em 04.08.2017 (fls. 49/49 v.).


Sobreveio a r. sentença (fls. 83/86) que condenou o réu pela prática do delito de estelionato contra o INSS. Quanto à dosimetria, constou da r. sentença o seguinte: (...). As consequências devem ser valoradas de forma negativa em razão da duração dos pagamentos indevidos (mais de dez anos), o que repercute na intensidade do prejuízo suportado pelo INSS. (...). Assim, havendo circunstância desfavorável ao réu (consequências do crime), fixo a pena-base um pouco no mínimo legal, em 1 ano e 6 meses de reclusão. Ausentes agravantes. Presente a atenuante prevista no art. 65, I do CP (agente maior de 70 anos na data da sentença). Por força da atenuante reduzo a pena-base em 1/6, resultando a pena provisória em 1 ano e 3 meses de reclusão. Incide a causa de aumento prevista no 3º do art. 171, o que resulta em acréscimo de cinco meses à pena provisória. Não havendo outras causas de aumento, tampouco causas de diminuição, fixo a pena privativa de liberdade definitiva em 1 ano e 8 meses de reclusão. Condeno o réu também ao pagamento de 20 dias-multa, fixado o dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente em janeiro de 2014 (competência em que ocorreu o pagamento da última parcela indevida). Presentes os requisitos elencados nos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (...), substituo a pena privativa de liberdade aplicada por duas penas restritivas de direito. Tendo em vista a idade avançada do condenado (87 anos), deixo de aplicar a prestação de serviço à comunidade como medida substitutiva, aplicando em vez disso a medida de limitação de fim de semana (art. 48 do Código Penal), pelo mesmo tempo da condenação (1 ano e 8 meses). Além disso, o réu deverá promover o pagamento de prestação pecuniária em favor de entidade assistencial a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais. Atento às condições econômicas do acusado, fixo a pena pecuniária no montante equivalente a um salário mínimo vigente à época do pagamento. Caso necessário, o regime inicial para o cumprimento da pena será o aberto (art. 33, 2º, "c" do CP) - fls. 85/86.


Em suas razões de Apelação (fls. 95/104), a defesa de JOSÉ MIRANDA DA COSTA alega, em síntese, que:


a) deve ser reconhecida a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva;


b) "o acusado é pessoa de idade avançada, indouto" (fl. 102), que "não houve, em momento algum, dolo ou mesmo culpa por parte do réu, apenas imaginando este ter recebido o que lhe acreditava ser de direito (erro essencial escusável)" (fl. 101) e que "não há nos autos prova sobre o crivo do contraditório e ampla defesa que impute ao réu, de forma indubitável, a autoria do delito" (fl. 102);


c) todas as circunstâncias judiciais "são favoráveis ao acusado" (fl. 103), de modo que deve haver "aplicação da pena-base no mínimo legal" (fl. 103);


d) deve haver "a dispensa de dias-multa e custas, em razão da hipossuficiência do acusado" (fl. 103).



Recebido o recurso, com contrarrazões (fls. 105/110 v.), subiram os autos a esta Egrégia Corte.


Oficiando nesta instância (fls. 112/122), o órgão ministerial opinou pelo "parcial conhecimento do apelo defensivo e, na parte conhecida, pelo seu desprovimento" (fl. 122), bem como requereu "seja determinado o início do cumprimento da pena imposta, considerando-se a recente decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44" (fl. 122).


É o relatório.


À revisão.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005257-61.2017.4.03.6120/SP
2017.61.20.005257-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : JOSE MIRANDA DA COSTA
ADVOGADO : SP399759 FERNANDA MARIA FERREIRA FARINOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00052576120174036120 2 Vr ARARAQUARA/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:



BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE ESTELIONATO


O art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, assim dispõe:


Art. 171: Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Trata-se de uma modalidade especial de estelionato, praticado contra entidades de direito público ou institutos de economia popular, assistência social ou beneficência (tais como a Caixa Econômica Federal e o INSS, por exemplo), de modo que é maior a reprovabilidade da conduta, já que tais entes prestam serviços fundamentais à sociedade, razão pela qual a lei prevê, para essa hipótese, uma causa especial de aumento de pena a ser considerada na terceira fase da dosimetria da pena.


Para a caracterização do crime de estelionato, devem estar presentes três requisitos fundamentais, quais sejam: I) o emprego de meio fraudulento, de que são exemplos o artifício (recurso engenhoso/artístico) e o ardil (astúcia, manha ou sutileza), ambos espécie do gênero fraude.; II) o induzimento ou manutenção da vítima em erro; III) a obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita (economicamente apreciável), sem o que não se há de falar em consumação deste delito.


A respeito do primeiro requisito (emprego de meio fraudulento), é relevante mencionar que, ontologicamente, não se há de falar em distinção entre fraude penal e fraude civil, já que não há diferenças estruturais entre estas. Com efeito, não existe diferença entre a fraude civil e a fraude penal. Só há uma fraude. Trata-se de uma questão de qualidade ou grau, determinado pelas circunstâncias da situação concreta. Elas é que determinam se o ato do agente não passou de apenas um mau negócio ou se neles estão presentes os requisitos do estelionato, caso em que o fato será punível penalmente (TJRS, AP. Crim. 70013151618, 7ª Câm. Crim., Rel Sylvio Baptista Neto, j. 22.12.2005).


É possível que haja um comportamento ilícito e, todavia, circunscrito à esfera civil. Assim, por força dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, é necessário, para a caracterização do crime de estelionato, que o agente tenha o dolo como fim especial de agir, sendo imprescindível a consciência, a vontade de enganar, ludibriar, com objetivo de obter vantagem ilícita em detrimento da vítima. É a presença do dolo que distinguirá uma conduta penalmente relevante daquela situação em que, por exemplo, o agente age com boa-fé, sem a intenção de enganar, mas, por motivos diversos, acaba por cometer um ilícito civil. Atente-se que se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível aferir a presença do elemento anímico a partir de fatores externos, ou seja, dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos. Além disso, é indispensável, para a caracterização do delito de estelionato, que se identifique a ocorrência de ação dolosa pré-ordenada (antecedente), pois, se, em dado caso, se constatar que o dolo é posterior (subsequens), ou seja, surgiu apenas depois da obtenção/entrega da vantagem, não se haverá de falar em estelionato, mas sim no crime de apropriação indébita que, aliás, sequer exige a ocorrência de fraude para sua caracterização.


Por oportuno, cabe mencionar, também, que o estelionato não se confunde com o furto mediante fraude, pois, nesta última hipótese, a fraude é utilizada como meio de burlar a vigilância da vítima que, por desatenção, não percebe que a coisa lhe está sendo subtraída, enquanto que, na hipótese de estelionato, a fraude é utilizada para se obter o consentimento viciado da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.


Válida, nesse passo, a menção ao seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:


CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSO PENAL. FRAUDE ELETRÔNICA NA INTERNET. TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO DE CONTA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. FURTO MEDIANTE FRAUDE QUE NÃO SE CONFUNDE COM ESTELIONATO. CONSUMAÇÃO. SUBTRAÇÃO DO BEM. APLICAÇÃO DO ART. 70 DO CPP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARANAENSE.
1. O furto mediante fraude não se confunde com o estelionato. A distinção se faz primordialmente com a análise do elemento comum da fraude que, no furto, é utilizada pelo agente com o fim de burlar a vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o consentimento da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.
2. Hipótese em que o agente se valeu de fraude eletrônica para a retirada de mais de dois mil e quinhentos reais de conta bancária, por meio da 'Internet Banking' da Caixa Econômica Federal, o que ocorreu, por certo, sem qualquer tipo de consentimento da vítima, o Banco. A fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do Banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Configuração do crime de furto qualificado por fraude, e não estelionato.
3. O dinheiro, bem de expressão máxima da idéia de valor econômico, hodiernamente, como se sabe, circula em boa parte no chamado 'mundo virtual' da informática. Esses valores recebidos e transferidos por meio da manipulação de dados digitais não são tangíveis, mas nem por isso deixaram de ser dinheiro. O bem, ainda que de forma virtual, circula como qualquer outra coisa, com valor econômico evidente. De fato, a informação digital e o bem material correspondente estão intrínseca e inseparavelmente ligados, se confundem. Esses registros contidos em banco de dados não possuem existência autônoma, desvinculada do bem que representam, por isso são passíveis de movimentação, com a troca de titularidade. Assim, em consonância com a melhor doutrina, é possível o crime de furto por meio do sistema informático.
4. A consumação do crime de furto ocorre no momento em que o bem é subtraído da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade. No caso em apreço, o desapossamento que gerou o prejuízo, embora tenha se efetivado em sistema digital de dados, ocorreu em conta-corrente da Agência Campo Mourão/PR, que se localiza na cidade de mesmo nome. Aplicação do art. 70 do Código de Processo Penal.
5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal de Campo Mourão - SJ/PR.
(STJ, Terceira Seção, Conflito de Competência n.º 67343 2006.01.66153-0, Rel. Laurita Vaz, DJ de 11.12.2007, pág. 170)

Ademais, ainda tratando da fraude como elemento central do delito de estelionato, é importante falar sobre a frequente hipótese em que a falsidade documental é o meio empregado para se obter êxito na empreitada criminosa. Neste caso, em observância ao princípio da consunção, deve prevalecer o entendimento de que o crime-meio (falsidade documental) deverá ser absorvido pelo crime-fim (estelionato), desde que, depois da utilização do documento falso para obtenção de vantagem ilícita, não reste qualquer potencialidade ofensiva, nos termos da súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

A respeito do segundo requisito (induzimento ou manutenção da vítima em erro), é relevante mencionar que o erro é a consequência provocada pela fraude e que, em se constatando que a fraude não foi suficientemente hábil para provocar ou manter em erro a vítima (fraude grosseira), deverá haver, em princípio, o reconhecimento da hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP).


Já a respeito do terceiro requisito (obtenção, em prejuízo alheio, de vantagem ilícita), cabe consignar que, em sendo o estelionato um crime material e de dano, sua consumação se dará com a efetiva obtenção da vantagem, isto é, a partir do momento em que a coisa passar da esfera de disponibilidade da vítima para a do infrator (ou de terceiro).


Além disso, não se deve perder de vista que a vantagem obtida pelo agente deve ser ilícita, ou seja, contrária ao ordenamento, uma vez que, se a vantagem for devida, ficará descaracterizado o delito de estelionato, podendo haver, por exemplo, a desclassificação para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do artigo 345 do CP.


Feitas essas breves considerações, passa-se à análise dos fatos descritos na presente denúncia.



ANÁLISE DO CASO CONCRETO


JOSÉ MIRANDA DA COSTA foi condenado à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, pela prática do delito de estelionato contra ente público (INSS), uma vez que ficou comprovado que, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2014, ele obteve vantagem ilícita no valor de R$ 105.932,52 (cento e cinco mil, novecentos e trinta e dois reais e cinquenta e dois centavos), em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social, induzindo e mantendo em erro a autarquia previdenciária, mediante o saque mensal dos valores correspondentes ao benefício de amparo assistencial ao idoso NB n.º 88/121.717.569-2, não obstante já recebesse aposentadoria do Departamento de Estrada e Rodagens do Estado de São Paulo DER, fato que foi omitido tanto na oportunidade em que o benefício assistencial foi requerido (em 2001) quanto quando houve o recadastramento do beneficiário (em 2005).



DA INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA


Em suas razões de Apelação, a defesa de JOSÉ MIRANDA DA COSTA alega que deve ser reconhecida a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva.


A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP).


É certo que o Código Penal prevê duas modalidades de prescrição:


1) Prescrição da Pretensão Punitiva, a qual, de acordo com a doutrina, subdivide-se em: i) abstrata (regula-se pela pena máxima cominada in abstrato), ii) superveniente ou intercorrente (que, em tendo havido trânsito em julgado para a acusação, efetiva-se pela pena in concreto, sempre após a data em que foi publicada a sentença ou acórdão condenatórios) e iii) retroativa (que ocorre pela pena in concreto, mas "para trás", isto é, em relação aos lapsos entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia e entre este e a publicação da sentença condenatória. Atente-se que, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, a qual, por sua vez, somente se aplica a fatos praticados a partir de sua vigência, não se há mais de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia ou queixa.


2) Prescrição da Pretensão Executória, a qual se regula pela pena in concreto e, em princípio, após o trânsito em julgado para ambas as partes.


Considerando que não houve, até o presente momento, trânsito em julgado para ambas as partes, cumpre-nos aqui analisar eventual ocorrência de prescrição da pretensão punitiva.


Nos termos do art. 110, parágrafo 1º, do CP, em já tendo havido trânsito em julgado para a acusação (mesmo que ainda pendente o julgamento de recurso da defesa), o prazo prescricional a ser considerado regula-se pela pena concretamente aplicada.


NO CASO CONCRETO, atribuiu-se a pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão a JOSÉ MIRANDA DA COSTA, de modo que importaria verificarmos, em princípio, se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, transcorreu lapso superior a 4 (quatro) anos (inteligência do art. 109, V, do CP). Considerando, contudo, que, na data da r. sentença, o réu era maior de 70 (setenta) anos (inteligência do art. 115 do CP), o prazo prescricional a ser considerado é o de 2 (dois) anos.


Atente-se que o delito de estelionato perpetrado contra a Previdência Social tem natureza distinta a depender do agente que pratica o ilícito. Conforme a atual jurisprudência dos tribunais superiores, se o ilícito é cometido pelo beneficiário da aposentadoria ou do benefício assistencial, será de natureza permanente, iniciando-se a contagem do prazo prescricional apenas a partir de quando cessa o recebimento indevido do benefício, enquanto que, se o delito é praticado por servidor do INSS ou por terceiro não beneficiário, por meio de fraude consistente na inserção de dados falsos, será instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se a contagem do prazo prescricional a partir da data do pagamento da primeira prestação do benefício (STJ, Sexta Turma, RHC 27.582/DF, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 15.08.2013, DJe 26.08.2013).


Verifica-se, in casu, que o réu recebeu indevidamente o benefício assistencial entre dezembro de 2001 e janeiro de 2014, não podendo ser outra a conclusão senão a de que o delito se consumou em janeiro de 2014, quando cessou o pagamento do benefício concedido fraudulentamente (inteligência do art. 111, III, do CP). Note-se que, em se tratando de fatos criminosos ocorridos após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, a qual alterou a redação do art. 110 do Código Penal, não há possibilidade de o termo inicial da contagem do prazo prescricional ser anterior à data de recebimento da denúncia.


Considerando que o recebimento da denúncia se deu em 04.08.2017-fls. 49/49 v. (inteligência do art. 117, I, do CP) e que a publicação da sentença condenatória ocorreu em 16.08.2018-fl. 87 (inteligência do art. 117 IV, do CP), é evidente que não transcorreu o prazo de 02 (dois) anos entre os marcos interruptivos legalmente previstos, não se havendo de falar, portanto, em prescrição da pretensão punitiva.



MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS


Os elementos de prova apresentados são robustos e suficientes para a formação de juízo de certeza acerca da materialidade e autoria delitivas, bem como evidenciam a presença do dolo.


Por oportuno, transcrevo o seguinte trecho extraído da fundamentação da r. sentença (fls. 84/85):


(...)
A materialidade delitiva está demonstrada (i) pelo requerimento do amparo assistencial (fls. 01-03 ao Apenso II do IPL) (ii) pelos formulários que documentam o recadastramento do benefício (fls. 20-24) (iii) pelo extrato do pagamento do amparo assistencial ao réu entre dezembro de 2001 a janeiro de 2014 (fls. 32-36 do Apenso I) (iv) pelo ofício da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo que confirma que José Miranda é aposentado do DER desde dezembro de 1986 (fl. 48 do Apenso I do IPL). A conjugação desses elementos aponta que o acusado foi beneficiário de amparo assistencial ao mesmo tempo em que recebia proventos de aposentadoria do DER. Os documentos comprovam também que a percepção do amparo assistencial só foi possível porque o beneficiário omitiu a aposentadoria no requerimento e no recadastramento do benefício.
Comprovada a existência do crime, passo ao ponto mais sensível desta sentença: a autoria delitiva.
Tanto na fase policial quanto em juízo, o réu não negou a percepção simultânea de amparo assistencial e aposentadoria. Alegou, contudo, que não fazia ideia de que a cumulação era indevida.
Em seu interrogatório em juízo, disse que na época em que deu entrada no benefício ouviu a notícia de que os aposentados por tempo de serviço que continuassem trabalhando poderiam requerer uma nova aposentadoria depois de 120 contribuições. Como após se aposentar continuou trabalhando, para saber se tinha direito a tal benefício foi atrás de um advogado, que por sua vez fez o requerimento ao INSS. Começou a receber uma quantia mensal, acreditando que era a nova aposentadoria (a que se refere como pensão). Só percebeu que não era uma aposentadoria quando não recebeu o décimo-terceiro. Depois de um tempo foi chamado ao INSS, mas não se apresentou porque havia fraturado ambas as pernas. Questionado se ao perceber que não era pensão não pensou em ir até o INSS averiguar o que estava ocorrendo, disse que não considerou essa hipótese. Só bem mais tarde tomou conhecimento de que o recebimento do benefício era irregular. Lembra ter assinado alguns papeis que lhe foram apresentados, mas não se recorda se leu os documentos antes de assiná-los. Alegou não ter condições de ressarcir o prejuízo.
É certo que o dolo não pode ser demonstrado diretamente, já que existe apenas na mente do agente, devendo ser depreendido da análise de todos os elementos colhidos. Porém, no caso concreto, as circunstâncias do fato fragilizam a alegação do réu de que não tinha consciência da irregularidade na percepção simultânea de amparo assistencial e aposentadoria.
Em primeiro lugar, o réu não se desincumbiu de provar que requereu o amparo assistencial acreditando que se tratava de uma aposentadoria complementar. A alegação de que "ouviu dizer" que os aposentados que somaram mais 120 contribuições após a jubilação teriam direito à nova aposentadoria não está comprovada em outro elemento que não a palavra do acusado. Além disso, o acusado se socorreu de advogado para o requerimento do amparo assistencial, o que fez presumir que foi orientado pelo profissional a respeito da natureza do benefício.
O advogado em questão foi ouvido na fase policial. Nessa oportunidade, o Dr. Marco Aurélio Forastieri disse que ingressou com o requerimento de amparo assistencial porque em sua avaliação o cliente preenchia os requisitos para o benefício. Alegou que não tinha conhecimento de que este JOSE MIRANDA recebia aposentadoria do DER (fl. 37 do IPL).
As declarações do advogado estão em harmonia com as regras da experiência. Com efeito, se JOSE MIRANDA procurou o advogado com a história de que pretendia obter uma "aposentadoria complementar", supostamente devida a quem tivesse mais de 120 contribuições após a aposentadoria, é improvável (para dizer o mínimo) que o profissional não o tivesse orientado de que isso era balela. É ainda mais difícil supor que o advogado postularia o amparo assistencial tendo ciência de que o cliente não se enquadrava nas regras do LOAS, uma vez que as chances de vitória nesse caso estariam atreladas à omissão da aposentadoria do DER, manobra que atende pelo nome de fraude. E se contrariando todas as expectativas isso tivesse ocorrido, por certo o advogado atuaria de comum acordo com o cliente, ambos cientes que deambulavam sobre o fio da ilegalidade - trata-se de mera suposição, evidentemente, já que não há indício de que o advogado concorreu para a fraude.
Não bastasse isso, por ocasião do recadastramento do benefício, em 2005, JOSE MIRANDA, agora pessoalmente, sem a intermediação de advogado, declarou que o amparo assistencial era sua única fonte de renda (fls. 21-24 do Apenso I do IPL), omitindo novamente a aposentadoria para pelo DER, cuja renda superava (como ainda supera) o valor de um salário mínimo.
Em suma, a alegação do réu de que desconhecia a irregularidade na percepção simultânea de amparo assistencial e aposentadoria não apenas está isolada nos autos como foi infirmada pelos elementos que apontam que JOSE MIRANDA dolosamente ocultou do INSS a informação de que era aposentado pelo DER.
Tudo somado, provadas a materialidade e a autoria delitiva, não havendo causa que exclua o crime ou isente o réu de pena, impõe-se a condenação de JOSÉ MIRANDA DA COSTA pela prática do crime de estelionato majorado.
(...).

Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que "o acusado é pessoa de idade avançada, indouto" (fl. 102) e teria agido inocentemente ao receber o que "acreditava ser de direito (erro essencial escusável)" - fl. 101.


A esse respeito, é relevante salientar que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. In casu, independentemente de se tratar o réu de pessoa com idade avançada, era presumível que, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade, ele tivesse extraído a consciência (consciência potencial) da ilicitude do comportamento de ocultar (dolosamente) do INSS a informação de que já era aposentado pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens).


Note-se que a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade) não se confunde com o dolo (elemento integrante da tipicidade).


Embora a defesa tenha alegado que "não houve, em momento algum, dolo ou mesmo culpa por parte do réu" (fl. 101), ficou evidenciado que JOSÉ MIRANDA DA COSTA agiu de forma consciente e voluntária ao omitir do INSS a informação de que era aposentado pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens), sem o que não teria obtido a concessão fraudulenta do benefício. Como bem asseverou o r. juízo a quo, foi o próprio réu quem, pessoalmente (sem a intermediação de advogado), na ocasião do recadastramento do benefício (em 2005), declarou (falsamente) que o amparo assistencial era sua única fonte de renda, o que torna inverossímil a versão de que as orientações do advogado Marco Aurélio Forastieri o teriam levado a acreditar que o benefício era devido.


Ante o exposto, a manutenção da condenação é medida que se impõe.



DOSIMETRIA DA PENA


O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.


Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal.


Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição.



PENA-BASE


Na primeira fase da dosimetria, a pena-base privativa de liberdade foi fixada pelo r. juízo a quo acima do mínimo legal, em 1 ano e 6 meses de reclusão, sob o fundamento de "as consequências devem ser valoradas de forma negativa em razão da duração dos pagamentos indevidos (mais de dez anos), o que repercute na intensidade do prejuízo suportado pelo INSS" (fl. 85).


Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que todas as circunstâncias judiciais "são favoráveis ao acusado" (fl. 103), de modo que deve haver "aplicação da pena-base no mínimo legal" (fl. 103).


É certo que, para que as consequências do crime autorizem o aumento da pena-base, estas devem extravasar o mero resultado decorrente da prática da infração penal.


In casu, observa-se que os pagamentos indevidos perduraram de dezembro de 2001 e janeiro de 2014 (por mais de doze anos), causando ao INSS prejuízo de R$ 105.932,52 (cento e cinco mil, novecentos e trinta e dois reais e cinquenta e dois centavos), montante suficientemente vultoso para justificar uma avaliação negativa das consequências do delito. Portanto, a majoração da pena-base em 6 (seis) meses se amparou em fundamento idôneo e deve ser mantida.



AGRAVANTES E ATENUANTES


Na segunda fase da dosimetria, o r. juízo a quo reconheceu a presença da atenuante prevista no art. 65, I, do CP (agente maior de 70 anos na data da sentença) e reduziu a pena em 1/6 (um sexto), fixando-a, nesta etapa, em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, o que deve ser mantido.



CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO


Nesta fase, diante da presença da causa de aumento prevista no parágrafo 3º do art. 171 do CP do Código Penal, elevou-se a pena em 1/3 (um terço), ficando a pena definitiva estabelecida em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, o que deve ser mantido.



PENA DE MULTA


No que diz respeito à pena de multa e aos critérios para a sua fixação, é certo que o número de dias-multa deve guardar proporcionalidade com o quantum da pena privativa de liberdade estabelecida, conforme os parâmetros do sistema trifásico, enquanto o valor do dia-multa deve ser fixado de acordo com as condições econômicas do condenado.


Considerando que a pena privativa de liberdade abstratamente prevista pelo art. 171 do CP é de 1 (um) a 5 (cinco) anos e tendo em vista que a pena concretamente cominada foi a de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, conclui-se que, proporcionalmente, a pena de multa deveria ter sido fixada em 68 (sessenta e oito) dias-multa. De qualquer sorte, como, no caso em questão, a pena de multa estabelecida em sentença foi a de 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente em janeiro de 2014), tal determinação, embora tenha violado a regra de proporcionalidade, não poderia, neste momento, ser alterada, sob pena de haver reformatio in pejus.


Em suas razões de Apelação, a defesa alegou que deve haver "a dispensa de dias-multa e custas, em razão da hipossuficiência do acusado" (fl. 103).


Quanto ao pleito relacionado às custas, deixa-se de apreciá-lo, por falta de interesse, já que constou da r. sentença o seguinte: "concedo ao réu o benefício da assistência judiciária gratuita, de modo que o dispenso do pagamento das custas" (fl. 86).


Por fim, em relação ao pleito de "dispensa de dias-multa" (fl. 103), deve-se salientar que a condição econômica de um condenado não tem o poder de dispensá-lo do pagamento da multa, pois, tratando-se a multa de sanção de caráter penal, sua isenção violaria o princípio constitucional da legalidade (Tribunal de Justiça de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Criminal, Apelação n.º 0008903-30.2009.8.26.0189, Rel. Euvaldo Chaib, Julg. 15.05.2012). Ademais, cabe reiterar que, para a fixação do número de dias-multa, não se leva em consideração a eventual hipossuficiência do acusado, mas sim o quantum da pena privativa de liberdade estabelecida. O que deve ser fixado de acordo com as condições econômicas do condenado é o valor de cada dia-multa. Considerando que, in casu, este valor já foi estabelecido no patamar mínimo legal (1/30 - um trigésimo- do salário mínimo vigente na época do fato), não se há de falar em redução.



DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA


Oficiando nesta instância (fls. 112/122), o órgão ministerial requereu "seja determinado o início do cumprimento da pena imposta, considerando-se a recente decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44" (fl. 122).


Ocorre, entretanto, que o C. Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 07 de novembro de 2019, por maioria de votos, quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 43, 44 e 54, entendeu por bem firmar posicionamento no sentido de que o art. 283 do Código de Processo Penal (Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva) é constitucional, razão pela qual somente se mostra possível a prisão para fins de cumprimento de pena após a sobrevinda do trânsito em julgado do édito penal condenatório - ademais, o mencionado C. Tribunal assentou entendimento segundo o qual a prisão antes de formada a coisa julgada deve estar fincada nas hipóteses legais que permitem a segregação cautelar.


À luz de que provimentos exarados em sede de controle abstrato de constitucionalidade possuem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública (art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999: A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal), cumpre aderir ao novel posicionamento firmado sobre a matéria oriundo do C. Supremo Tribunal Federal, o que culmina no indeferimento do pleito formulado pelo Ministério Público Federal oficiante junto a este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.



PENA DEFINITIVA


A pena se torna definitiva em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo (valor do salário mínimo vigente em janeiro de 2014), ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, uma de limitação de fim de semana (art. 48 do Código Penal), pelo mesmo tempo da condenação, e outra de prestação pecuniária equivalente a 1 (um) salário mínimo (vigente à época do pagamento) em favor de entidade assistencial a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais.



CONCLUSÃO


Diante do exposto, voto por CONHECER PARCIALMENTE da Apelação da defesa de JOSÉ MIRANDA DA COSTA e, na parte conhecida, NEGAR-LHE PROVIMENTO.


É o voto.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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