Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/06/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003003-93.2013.4.03.6108/SP
2013.61.08.003003-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR
: PETERSON FERREIRA CAMARGO
: DERMEVAL ABREU
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00030039320134036108 2 Vr BAURU/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E DE ALICIAMENTO DE TRABALHADORES (ARTS. 149 E 207, AMBOS DO CP).
01. Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal, originada de ação penal movida pela suposta prática dos crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CP) e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207 do CP), insistindo, o Parquet federal, na responsabilização penal dos acusados.
02. No tocante ao crime do art. 149 do Código Penal, compreende-se que a escravidão contemporânea é mais sutil, porém com consequências nefastas, cabendo registrar que as condutas estampadas no tipo penal não exigem o modelo escravagista concebido outrora para sua caracterização, não sendo imprescindível a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador e tampouco há a necessidade da ocorrência de violência física para a caracterização do delito, consistindo o crime em reduzir alguém à condição similar à de escravo.
03. Reduzir aqui significa subjugar, compelir, impor alguém a determinadas circunstâncias análogas à de um escravo. É delito de forma vinculada, cuja caracterização dependerá da demonstração de uma das condutas taxativamente estatuídas no tipo penal, as quais consistem em (a) submeter o ofendido a trabalhos forçados ou a jornadas excessiva; (b) sujeitá-lo a condições degradantes de trabalho; ou (c) restringir a liberdade de locomoção da vítima, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. São situações alternativas e não cumulativas.
04. No caso dos autos, a imputação delitiva repousa sobre as condições laborais de cinco trabalhadores da construção civil arregimentados para trabalho nos canteiros das obras de residenciais em Bauru/SP a cargo dos ora acusados, que teriam sujeitado as vítimas a condições degradantes e restringido a sua locomoção pelo não pagamento de remuneração, duas condutas nucleares, portanto, que alternativamente em tese consubstanciariam a prática delitiva de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.
05. No entanto, a situação laboral narrada pelo órgão ministerial, na parte em que concernente ao cerceamento de liberdade por inadimplemento contratual, não se afigura sequer penalmente relevante, e, quanto ao quadro de condições degradantes de trabalho, o conjunto probatório mostra-se insuficiente, não permitindo amoldar o caso à hipótese de escravidão.
06. Em relação à atipicidade do inadimplemento contratual, a enumeração taxativa das condutas que perfazem o crime em destaque impede que a hipótese legal de servidão por dívida englobe situação diversa da conduta específica de obrigar o trabalhador a fornecer mão-de-obra para custear despesas ou dívidas por ele contraídas em face do empregador, sendo Considerado, inclusive, o caráter fragmentário do Direito Penal, deve-se rechaçar a proposta de alargar a incidência repressiva tendente a abarcar contendas meramente patrimoniais, que se resolvem eficazmente no campo do Direito do Trabalho, tal como se verificou no caso em tela mediante a celebração de acordo perante o Ministério do Trabalho e Emprego, não se equiparando à situação protegida pela norma penal.
07. No que tange à caracterização do que seriam condições degradantes de trabalho, não basta para considerar delituoso o empregador, atribuir-lhe a pecha de um comportamento severo, mesquinho ou insensível. É preciso demonstrar a imposição de aflição intolerável à dignidade da pessoa humana, assim entendida a conflagração aviltante do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores, os quais admitem temperamentos conforme o contexto histórico, geográfico, econômico, social e ambiental no qual se insere a prestação de trabalho a ser analisada. O Supremo Tribunal Federal empresta auxílio, nesse sentido, ao consignar o elevado grau ínsito ao tipo de violação que ora se pretende balizar: (...) Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno (Inq. 3412/AL, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 12.11.2012).
08. Apesar de o Auto de Infração lavrado pelo Ministério do Trabalho certificar que a habitação das supostas vítimas não possuía armário individual nem roupa de cama adequada, ou mesmo que a conservação precária do imóvel, entendida pela acusação como haver sujeira (não escalonada em um grau objetivo), vitrais quebrados, colchões no chão e chuveiro sem bocal de ducha, embora constituam fatores que denotem uma moradia desagradável, inadequada ou afastada do ideal, não representam por si só um acolhimento desumano. Os fiscais do trabalho, certamente proficientes em diagnosticar as mais variadas espécies de alojamento, não relataram ao juízo situação degradante quanto ao imóvel em si. Tampouco os depoimentos das vítimas inclinam-se a tal consideração, afetando-se mais à questão patrimonial, que foi o motivo ensejador da insatisfação contra o empregador.
09. Reforça-se, assim, a insuficiência do simples oferecimento de condições pobres em conforto aos trabalhadores para que se perfaça o tipo incriminador sob exame, exigindo-se um ambiente irrefutavelmente nefasto, proeminente no que tange à desumanidade do tratamento dispensado pelo tomador do trabalho.
10. Não se desincumbiu o órgão acusatório, nesse sentido, do ônus probatório consistente em demonstrar concretamente a desconsideração das necessidades básicas humanitárias que deveriam ser oferecidas aos trabalhadores, que não se confunde com a deficiência ou baixa qualidade destas, de sorte que o conjunto probatório mostra-se, de fato, insuficiente para sustentar a condenação pretendida pelo Parquet federal, devendo ser mantida a absolvição por ausência de provas de que os réus teriam praticado o delito do art. 149 do Código Penal.
11. Relativamente ao crime do art. 207 do Código Penal, a conduta incriminada pelo caput consiste no simples aliciamento, assim entendida a ação de atrair, seduzir, instigar, recrutar pessoas para desempenharem trabalho em local afastado de onde se encontram radicados, coibindo-se ainda, no respectivo parágrafo primeiro, dessa vez empregando o verbo recrutar, a conduta de quem alicia trabalhadores mediante fraude ou cobrança de determinada quantia, além da atuação de quem não assegura o retorno do trabalhador à sua origem. Nessa modalidade de aliciamento, embora o legislador acrescente qualificativos à ação típica prevista no caput, lhe comina pena idêntica, igualando a reprovabilidade do aliciamento (caput) ao recrutamento mediante fraude (§ 1º).
12. A espécie delitiva caracterizada no caput do art. 207 do Código Penal, encartada como modalidade de crime contra a organização do trabalho, tutela o interesse estatal de evitar o êxodo de trabalhadores dentro do território nacional. Já na figura do parágrafo primeiro do art. 207 do Estatuto Penal Repressivo, a objetividade jurídica recai sob a proteção de trabalhadores em situação de vulnerabilidade que poderiam ser enganosamente reduzidos à condição análoga à de escravo.
13. Os preceitos penais comentados constituem, portanto, vértices de proteção nitidamente distintos, que acabam por revelar a atipicidade de certo tipo de comportamento que não resvale nem no desequilíbrio da força de trabalho local nem interfira na formação da vontade livre, esclarecida e ponderada do trabalhador que resolve assentir com o trabalho afastado do local de sua naturalidade.
14. A ordem constitucional vigente, sede própria das discussões acerca do aliciamento de trabalhadores, enuncia como fundamento do Estado de Direito os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, inc. IV, da CF), contrastando-o, de algum modo, com os objetivos de garantia do desenvolvimento nacional e de redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incs. II e III, da CF). Além disso, ao preceituar os princípios que regem a ordem econômica, a Constituição Federal assevera que a finalidade desta é assegurar existência digna a todos com base na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170, caput, da CF), sendo a intervenção estatal na economia delimitada essencialmente pelo art. 174 da Constituição Federal que restringe a atuação normativa e reguladora do Estado como meramente indicativa para o setor privado.
15. A equação da política trabalhista basilar do Estado brasileiro não abre mão, portanto, do direito subjetivo fundamental de migrar para obter sustento digno mediante trabalho lícito e tampouco da livre atuação privada quanto ao oferecimento de postos de trabalho afastados da localidade em que radicados os trabalhadores, restando vedado o dirigismo estatal controlador das forças econômicas da sociedade sob o pretexto de comandar o desenvolvimento da nação.
16. Com base em tais argumentos, entende-se que a subsistência da incriminação do aliciamento de trabalhadores descrita no caput do art. 207 do Código Penal, abstraindo-se da força abrrogativa do art. 174 da Carta Magna, teria lugar meramente diante de uma conduta tendente a colapsar a força de trabalho de determinada localidade.
17. Diante das considerações ora efetuadas, não se considera como materialmente típica, antes guarda pertinência à moderna organização do trabalho como meio de garantir a existência digna, a conduta de aliciamento de trabalhadores consistente em oferecer emprego a pessoas sem oportunidades profissionais para laborarem em localidade distinta onde existem vagas disponíveis. Desde que não exista fraude ou coação, o recrutamento de trabalhadores é comportamento socialmente aceito no mundo globalizado, conforme as mais variadas demandas econômicas, científicas, tecnológicas ou sociais, não se viabilizando a repressão penal ventilada pelo art. 207, caput, do Código Penal, sob o enfoque da mera oferta de posto de trabalho.
18. No caso dos autos, além de não refletir risco penalmente relevante o deslocamento de poucos trabalhadores de São Luís/MA, não restou demonstrado o propósito astucioso ou ganancioso de atrair os trabalhadores com condições falsas, não se sustentando tal hipótese sequer pelo relato das supostas vítimas e menos ainda diante do acordo trabalhista que foi honrado pela empresa dos acusados, posteriormente às desavenças no tocante ao inadimplemento contratual dos empreendedores.
19. Destarte, resta afastada a possibilidade de responsabilização penal dos acusados a título de aliciamento de trabalhadores, nos moldes estabelecidos pela sentença.
20. Absolvição mantida. Apelo ministerial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à Apelação do Ministério Público Federal, mantendo a absolvição dos acusados, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de maio de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003003-93.2013.4.03.6108/SP
2013.61.08.003003-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR
: PETERSON FERREIRA CAMARGO
: DERMEVAL ABREU
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00030039320134036108 2 Vr BAURU/SP

RELATÓRIO

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal, originada de ação penal movida em face de CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR (nascido em 04.08.1980), PETERSON FERREIRA CAMARGO (nascido em 28.03.1982) e DENERVAL ABREU (nascido em 05.09.1955), pela suposta prática dos crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CP) e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207 do CP).


Recebida parcialmente em 24.06.2016 (fls. 500/501), com exclusão da imputação do art. 149 do Código Penal relativamente a DENERVAL ABREU, a denúncia narra que (fls. 489/499):


Os denunciados CELSO FERREIRA CAMARGO JÚNIOR e PETERSON FERREIRA CAMARGO, na qualidade de sócios-proprietários da empresa CF CAMARGO JUNIOR & PF CAMARGO LTDA., responsáveis pela contratação de mão de obra para prestação de serviços à empresa MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A, em período incerto, mas que se estendeu até 27/04/2011 (data da fiscalização), agindo de modo livre e consciente, juntamente com o denunciado DENERVAL ABREU, aliciaram 27 (vinte e sete) trabalhadores, trazendo-os do estado do Maranhão, para trabalharem neste Município de Bauru/SP.
Descortinou-se que logo após a chegada das vítimas à cidade de Bauru, os denunciados CELSO FERREIRA CAMARGO JÚNIOR e PETERSON FERREIRA CAMARGO, diretamente, reduziram à condição análoga à de escravidão aqueles trabalhadores, sujeitando-os a condições degradantes e restringindo sua locomoção pelo não pagamento de remuneração ao longo dos dias trabalhados.
A prática dos crimes ora imputados foram constatados através de fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, cujo relatório embasa a presente denúncia (fls. 26/40).
Dessome-se dos autos, então, que, no dia 27.04.2011, em fiscalização no canteiro de obras da construtora MRV, especificamente nos Residenciais Parque Borghesi e Bauru Ville, ocasião em que Auditores do Trabalho constataram diversas irregularidades trabalhistas.
Durante a fiscalização, por volta do horário do almoço, um dos Auditores recebeu ligação anônima, por meio da qual seu interlocutor informou que haveria um alojamento situado rua Rua Rafaele Mercadante, nº 1-80, na cidade de Bauru/SP, cujo prédio estava em situação precária e as pessoas ali alojados estariam em condições sub-humanas.
Os Auditores Fiscais do Trabalho SILVANO MOTA PEREIRA e MÁRIO Y. IOKISHIGUE TANAKA deslocaram-se até o local, onde constataram que 'os trabalhadores ali alojados, no total de cinco pessoas, todos oriundos do Maranhão, estavam com salários em atraso, não possuíam armários, para a guarda de seus pertences, não haviam recebidos roupas de cama tais como fronhas, lençóis, travesseiros, cobertores dentre outros, prédio com conservação precária, ambiente com muita sujidade, fogões sujos, colchões colocados no chão, vitraux com vidros quebrados ou sem vidros, com camas confeccionadas com madeiras de sobras de construção, não proporcionando assim condições humanas de habitabilidade", conforme positiva o relatório de fls. 26/40.
Indagados, os trabalhadores ANTONIO BATISTA SANTOS MOURA (fl. 89/90), JOSÉ RIBAMAR ALVES BORGES (fl. 91/92), FRANCINALDO SILVA DOS SANTOS (fl. 93), MANOEL DE JESUS DOS SANTOS MOURA (fl. 94/95) e CARLOS MAGNO SOARES DE ALMEIDA (fl. 96/97), em uníssono, confirmaram a situação degradante a que eram submetidos.
Segundo eles, em janeiro de 2011 souberam que a pessoa de 'BENEVAL' (apelido do denunciado DENERVAL) estaria contratando trabalhadores para construção civil, para trabalho no Estado de São Paulo; que foram apresentados para JÚNIOR (referindo-se ao denunciado CELSO), proprietário da empresa, o qual informou as condições de trabalho, remuneração e acomodação.
Disseram que um grupo de 27 trabalhadores saiu do Maranhão em um micro-ônibus pertencente a JÚNIOR e que, já em Bauru, foram surpreendidos quando encaminhados a um alojamento, consistente num prédio em péssimas condições de conservação, apartamentos pequenos, com muita gente, sem móveis necessários (camas, mesas para refeições, etc), contando apenas com colchões, um banheiro em péssimas condições, onde sequer chuveiro para banho havia. Disseram ainda que receberam madeiras, com as quais os próprios trabalhadores improvisaram beliches, mas que antes dormiam com os colchões no chão. Narraram ainda que não foram fornecidas roupas de cama e os cobertores eram 'muito usados' e com cheiro desagradável.
Sobre a alimentação, asseveraram que nunca foi cumprido o combinado por ocasião da contratação, limitando-se a servir um arroz, muitas vezes mal cozido, feijão comum, além da 'mistura' como frango, ovo ou linguiça.
No que diz respeito à remuneração, esclareceram que, embora fosse superior ao valor inicialmente acordado (pois variava conforme a produção), nunca foi paga integralmente e que, no dia da fiscalização, estavam com os pagamentos atrasados há mais de 2 meses, motivo pelo qual tinham parado de trabalhar no dia 16.04.2011.
Como desdobramento da fiscalização encetada pela Delegacia do Trabalho, foi realizada audiência no MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, na qual os representantes das empresas CF CAMARGO JÚNIOR & PF CAMARGO JUNIOR e MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES LTDA S/A celebraram acordo (fls. 85/86), tendo sido quitadas as verbas trabalhistas e promovido o retorno dos trabalhadores à respectiva cidade natal.
(...)
Observa-se, portanto, que as promessas feitas por ocasião da contratação não condiziam com a realidade vivenciada em Bauru/SP, restando fartamente comprovada a materialidade dos crimes de aliciamento de trabalhadores e redução a condição análoga à de escravo.
(...)

A r. sentença (fls. 1075/1084), publicada em 04.07.2019 (fl. 1085), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Marcelo Freiberger Zandavali (2ª Vara Federal em Bauru/SP), julgou improcedente a pretensão punitiva, absolvendo os acusados, na forma do art. 386, incs. II e III, do CPP, por ausência de provas quanto ao crime do art. 149 do Código Penal e por atipicidade da conduta dos réus quanto ao crime do art. 207 do referido diploma repressivo.


Nas razões recursais (fls. 1090/1120), o Ministério Público Federal insiste na responsabilização penal dos acusados.


As Contrarrazões apresentadas (fls. 1124/1129).


A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do apelo ministerial (fls. 1131/1135).


É o Relatório.


À revisão.





MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 19/03/2020 16:02:01



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003003-93.2013.4.03.6108/SP
2013.61.08.003003-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR
: PETERSON FERREIRA CAMARGO
: DERMEVAL ABREU
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00030039320134036108 2 Vr BAURU/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Confirmo o relatório.

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal, originada de ação penal movida em face de CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR, PETERSON FERREIRA CAMARGO e DENERVAL ABREU, pela suposta prática dos crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CP) e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207 do CP), insistindo¸ o Parquet federal, na responsabilização penal dos acusados.

Por oportuno, consigne-se que em relação a DENERVAL ABREU, a denúncia foi recebida somente quanto ao crime do art. 207 do Código Penal, restringindo-se a cognição nesse sentido.

DO CRIME DISPOSTO NO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL - REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

O crime de redução à condição análoga à de escravo está redigido no Estatuto Penal Repressivo da seguinte forma:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Acerca da matéria, importante considerar, por primeiro, que o Brasil é signatário de diversos compromissos internacionais cujo objetivo é a repressão e a prevenção do trabalho escravo e práticas que com ele guardem similitude, como por exemplo, a Convenção n.º 29 da OIT, de 28.06.1930, promulgada pelo Decreto n.º 41.721, de 25.06.1957, pela qual, em sua 14ª Reunião da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, foram adotadas diversas proposições relativas ao trabalho forçado ou obrigatório, além da Convenção n.º 105 da OIT, adotada em Genebra, em 25.06.1957, e promulgada pelo Decreto n.º 58.822, de 14.07.1966, conhecida como a Convenção Relativa a Abolição do Trabalho Forçado.

Ainda no plano do direito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10.12.1948, dispõe especificamente em seu artigo 4º que ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. E a Convenção das Nações Unidas sobre a Escravatura assinada em Genebra aos 25.09.1926, emendada aos 07.12.1953 e promulgada pelo Decreto n.º 58.563, de 01.06.1966, em seu artigo 1º, reputa que a escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade.

A despeito de a escravatura brasileira ter sido formalmente abolida em 13.05.1888, a grave problemática não foi extirpada da realidade, havendo ainda hoje a sujeição de indivíduos a condições análogas a de escravo.

A escravidão contemporânea é mais sutil, porém com consequências nefastas, cabendo registrar que as condutas estampadas no tipo penal não exigem o modelo escravagista concebido outrora para sua caracterização. Consoante julgado do Pretório Excelso a 'escravidão moderna' é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno (Inq. 3412/AL, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 12.11.2012).

Conformando-se ao quadro ora delineado, o preceito penal em questão não se restringe a tutelar a liberdade individual, uma vez que a prática das condutas contidas na norma acaba por vilipendiar outros bens constitucionalmente tutelados, como a dignidade da pessoa humana e o sistema de organização do trabalho.

Consoante Informativo de Jurisprudência nº 543 do Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do delito não é imprescindível a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador. De fato, aludida restrição é uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única (CC 127937, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 3ª Seção, DJ 06.06.2014), sendo admissível, como visto, a sujeição a condições degradantes, subumanas. Basta, portanto, a sujeição física ou psicológica do indivíduo. No mesmo sentido posicionou-se o Pleno do Supremo Tribunal Federal: não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima a 'trabalhos forçados ou a jornada exaustiva' ou 'a condições degradantes de trabalho', condutas alternativas previstas no tipo penal (Inq. 3412/AL, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 12.11.2012).

Anote-se, ademais, que não há a necessidade da ocorrência de violência física para a caracterização do delito, bastando a reiterada ofensa aos direitos fundamentais do trabalhador, notadamente no que diz respeito a sua dignidade como ser humano.

A Lei nº 10.803, de 11.12.2003, conferiu nova redação ao tipo penal ora em comento, tendo sido enumerados taxativamente quais os comportamentos caracterizadores do crime estampado no artigo 149 do Código Penal, circunstâncias específicas nas quais se reputa reduzido, o indivíduo, à condição análoga à de escravo. Anteriormente a sua entrada em vigor, fazia-se alusão apenas a "reduzir alguém a condição análoga a de escravo", um conceito por demais aberto, que poderia resultar na utilização de critérios demasiadamente imprecisos pelo aplicador da lei penal.

O crime consiste em reduzir alguém à condição similar à de escravo. Reduzir aqui significa subjugar, compelir, impor alguém a determinadas circunstâncias análogas à de um escravo. É delito de forma vinculada, cuja caracterização dependerá da demonstração de uma das condutas taxativamente estatuídas no tipo penal, as quais consistem em (a) submeter o ofendido a trabalhos forçados ou a jornadas excessiva; (b) sujeitá-lo a condições degradantes de trabalho; ou (c) restringir a liberdade de locomoção da vítima, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

São situações alternativas e não cumulativas. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o crime se consuma com a prática de uma das condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a presença concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se tratar de crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou plurinuclear (HC 239.850/PA, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 20.08.2012), distinguindo-se conforme a breve conceituação abaixo declinada:

i) Por trabalho forçado entende-se aquele realizado compulsoriamente, mediante coação, física ou moral, sem que o indivíduo tenha se apresentado de modo voluntário. De acordo com a Convenção n.º 29 da OIT, em seu artigo 2º, item 1, a expressão trabalho forçado ou obrigatório compreende todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer qualidade e para o qual não se ofereceu de espontânea vontade.
ii) Já o conceito de jornada excessiva diz respeito ao interregno de trabalho diário que exaure o trabalhador, ultrapassando as regras da legislação trabalhista. O pequeno excesso na jornada de trabalho não caracteriza o delito. Também não se perfaz o crime se tal circunstância for almejada pelo próprio trabalhador.

De acordo com a Orientação n.º 03 da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho), criada por meio da Portaria n.º 231, de 12.09.2002, jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias da intensidade, frequência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade.

iii) Quanto às condições degradantes de trabalho é preciso que o trabalhador seja submetido a situações indignas de labor, desumanas. É a ausência das condições mínimas de higiene, alimentação, moradia, saúde, segurança e trabalho, ou ainda, são as situações que configuram desdém à dignidade da pessoa humana. Cite-se, como exemplo, os alojamentos superlotados, o não fornecimento de água potável e alimentação insuficiente.
A Orientação n.º 04 da CONAETE testifica que condições degradantes de trabalho são as que configuram desprezo à dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador.

Cumpre destacar que determinadas irregularidades relativas à legislação trabalhista não são hábeis a caracterizar o tipo penal, sendo necessária a análise criteriosa do caso concreto. A violação aos direitos do trabalho deve ser intensa e persistente, devendo atingir níveis gritantes, além de o trabalhador ser submetido a trabalhos forçados, jornadas excessivas ou a condições degradantes de labor, para que só então seja possível, em tese, o enquadramento no tipo penal.
iv) No que tange a servidão por dívidas, que também atrai a incidência do disposto no artigo 149 do Código Penal, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura da ONU testifica que se trata de estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida. Esclarece, ainda, que é a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição.

Na servidão por dívidas, restringe-se a liberdade do indivíduo em virtude da dívida contraída, ocasião em que o devedor passa a laborar com seus serviços pessoais a título de pagamento.

Feitas todas essas considerações, adentra-se ao caso concreto.

A imputação delitiva repousa sobre as condições laborais de cinco trabalhadores da construção civil arregimentados para trabalho nos canteiros das obras dos residenciais Parque Borghesi e Bauru Ville, em Bauru/SP, em favor da MRV ENGENHARIA S/A, por meio da construtora terceirizada CF CAMARGO JUNIOR & PF CAMARGO LTDA., de propriedade dos corréus CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR e PETERSON FERREIRA CAMARGO, em período que se estendeu até 27.04.2011.

Segundo a acusação, Antônio Batista Santos Moura, Manoel de Jesus Santos Moura, Francinaldo Silva dos Santos, José Ribamar Alves Borges e Calos Magno Soares de Almeida teriam sido sujeitados a condições degradantes e restringidos em sua locomoção pelo não pagamento de remuneração ao longo dos dias trabalhados, duas condutas nucleares, portanto, que alternativamente, em tese, consubstanciariam a prática delitiva.

No entanto, a situação laboral narrada pelo órgão ministerial, na parte em que concernente ao cerceamento de liberdade por inadimplemento contratual, não se afigura sequer penalmente relevante, e, quanto ao quadro de condições degradantes de trabalho, o conjunto probatório mostra-se insuficiente, não permitindo amoldar o caso à hipótese de escravidão.

Atipicidade do inadimplemento contratual

Embora o Ministério Público Federal sustente que os acusados teriam imposto restrição à locomoção das vítimas (art. 149, parte final do caput, do CP), mostra-se oportuno registrar que a sentença bem destacou que em juízo, as vítimas Antônio Batista, Manoel de Jesus e Francinaldo da Silva não relataram quaisquer restrições ao seu direito de ir e vir (fl. 1080-v).

A enumeração taxativa das condutas que perfazem o crime em destaque impede que a hipótese legal de servidão por dívida englobe situação diversa da conduta específica de obrigar o trabalhador a fornecer mão-de-obra para custear despesas ou dívidas por ele contraídas em face do empregador, sendo considerado, inclusive, o caráter fragmentário do Direito Penal, deve-se rechaçar a proposta de alargar a incidência repressiva tendente a abarcar contendas meramente patrimoniais, que se resolvem eficazmente no campo do Direito do Trabalho, tal como se verificou no caso em tela mediante a celebração de acordo perante o Ministério do Trabalho e Emprego (fls. 85/87).

Consequentemente, o descumprimento da obrigação de pagar pelo serviço prestado não é equivalente ou equiparável à situação protegida pela norma penal, impondo-se o reconhecimento da atipicidade da conduta denunciada quanto ao tópico em questão.

Ausência de demonstração de condições degradantes de trabalho

No que tange à caracterização do que seriam condições degradantes de trabalho, impende reconhecer que, conquanto louvável o esforço do legislador ao esclarecer o alcance do tipo com a reforma introduzida pela Lei nº 10.803/2003, permanece a dependência de grande esforço interpretativo para empregar com razoabilidade tal conceito legal indeterminado, o que gera dificuldades ou dissensos quanto ao enquadramento de situações cinzentas.

A ausência de uma ação vinculada que demarque a incidência do tipo na modalidade ora enfocada impõe extrema parcimônia e prudência à tarefa do julgador na eleição de fatores de degradação da qualidade do trabalho que o habilitem a classificar uma relação laboral como escravocrata, sob pena de hipertrofia da incriminação da atividade empreendedora.
As ponderações ora efetivadas justificam-se pela necessidade de compreender o Direito Penal como ultima ratio da intervenção estatal sobre a relação laboral irregular, sob pena de alçá-lo a instância punitiva de toda reclamação trabalhista, pela qual a persecução penal seria acionada sempre que um direito trabalhista fosse assinalado como violado na Justiça do Trabalho.

Nestes moldes, não basta para considerar delituoso o empregador, atribuir-lhe a pecha de um comportamento severo, mesquinho ou insensível. É preciso demonstrar a imposição de aflição intolerável à dignidade da pessoa humana, assim entendida a conflagração aviltante do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores, os quais admitem temperamentos conforme o contexto histórico, geográfico, econômico, social e ambiental no qual se insere a prestação de trabalho a ser analisada.

O Supremo Tribunal Federal empresta auxílio, nesse sentido, ao consignar o elevado grau ínsito ao tipo de violação que ora se pretende balizar (precedente já colacionado acima, cuja importância faz com que seja novamente lembrado): (...) Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno (Inq. 3412/AL, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 12.11.2012).

No caso dos autos, assenta-se a acusação em assertivas extraídas do relatório de fiscalização para erradicação do trabalho escravo (fls. 26/36), no qual os Auditores Fiscais do Trabalho concluíram que o alojamento dos cinco trabalhadores mencionados acima não proporcionava condições humanas de habitabilidade.

Assiste razão ao órgão ministerial quando insiste na validade do caráter probatório de tal afirmação, por se tratar de ato emanado de autoridade administrativa e dotado de presunção de legitimidade. Ocorre que nem por isso a conclusão dele emanada é impassível de questionamentos ou ponderações tanto com relação ao fato de a sua conclusão corresponder à gravidade correspondente ao preceito incriminador em destaque, quanto a avaliar a precisão das premissas invocadas, assim consignadas pelos fiscais do Ministério de Trabalho e Emprego:

'os trabalhadores ali alojados, no total de cinco pessoas, todos oriundos do Maranhão, estavam com salários em atraso, não possuíam armários, para a guarda de seus pertences, não haviam recebidos roupas de cama tais como fronhas, lençóis, travesseiros, cobertores dentre outros, prédio com conservação precária, ambiente com muita sujidade, fogões sujos, colchões colocados no chão, vitraux com vidros quebrados ou sem vidros, com camas confeccionadas com madeiras de sobras de construção, não proporcionando assim condições humanas de habitabilidade'.

Uma análise conglobante do conjunto probatório, também formado por prova oral (mais adiante escrutinada), põe em relevo alguns óbices à apressada conclusão de que teria havido condições degradantes de trabalho.
Como bem obtemperado pelo r. juízo a quo, o ônus acusatório compreende mais do que escorar-se nas irregularidades relacionadas pelo órgão fiscalizador do trabalho, carecendo a análise judicial de subsídios mais profundos sobre o ambiente do alojamento em si e também pelas razões de estar em tal condição, conforme se depreende do seguinte excerto da sentença:
Anoto que não há quaisquer imagens do local, ou laudo pericial que tenha identificado, de forma mais rigorosa, o alojamento em que ocorridos os fatos - e isto, a despeito do que estabelece o artigo 158, do CPP.
Analisando-se exclusivamente os fatos na forma em que deduzidos pelo MPF, tenho que, em que pese lamentável, a ausência de roupa de cama, o fato de a edificação ser antiga, a inexistência de armários ou de camas, em si mesmos, não permitem identificar um quadro de intensa e persistente violação de direitos do trabalhador, em níveis gritantes. Não entrevejo indignidade, ou condição desumana de habitabilidade.
A sujidade, de sua vez, é quadro que pode sim qualificar a situação como degradante, indigna, incompatível com os valores da sociedade humana.
Todavia, embora mencionada nos pouco confiáveis depoimentos prestados perante os auditores do trabalho, o quadro de insalubridade, de sujeira, não é relatado pelas vítimas, em juízo.
Com efeito, apesar de o Auto de Infração lavrado pelo Ministério do Trabalho à fl. 69 certificar que a habitação das supostas vítimas não possuía armário individual, nem roupa de cama adequada, ou mesmo que a conservação precária do imóvel, entendida pela acusação como haver sujeira (não escalonada em um grau objetivo), vitrais quebrados, colchões no chão e chuveiro sem bocal de ducha, embora constituam fatores que denotem uma moradia desagradável, inadequada ou afastada do ideal, não representam por si só um acolhimento desumano.
Os fiscais do trabalho, certamente proficientes em diagnosticar as mais variadas espécies de alojamento, não relataram ao juízo situação degradante quanto ao imóvel em si. Como apontado na sentença (fl. 1076-v/1077):
Mario Yokishigue Tanaka relatou que não constatou nenhum tipo de coação por parte dos empresários. O problema era nas condições de trabalho e atrasos no pagamento. Eles reclamavam que foram informados que poderiam chegar a um ganho relativamente alto e também das condições que foram alojados. No Maranhão receberam uma informação que era totalmente diferente. Possivelmente, o que motivou a denúncia foram os atrasos nos pagamentos.
Já Silvano Motta Pereira declarou que não se lembra dos réus, porém já fez fiscalização na MRV e várias terceirizadas dela. Não era o único que atuava nessa área de fiscalização. Talvez existisse algum alojamento. Lembra-se que fez fiscalização em uma das obras da MRV. Mário era o chefe da fiscalização. Já foi depois duas vezes na polícia federal sobre um assunto relativo à MRV. Houve fiscalização em diversos canteiros de obras, porém não se lembra de resgate de trabalhadores.
Denote-se que Silvano sequer lembra-se do resgate dos trabalhadores, ao passo que Mário ressalta que o ilícito de maior gravidade seria o atraso nos salários.
Tampouco os depoimentos das vítimas inclinam-se a tal consideração, afetando-se mais à questão patrimonial, que foi o motivo ensejador da insatisfação contra o empregador (nos moldes da transcrição efetuada na sentença às fls. 1077/1078-v):
- Antonio Batista Santos Moura disse que "BENEVAL" lhe fez a proposta de trabalho em São Luís/MA para trabalhar com gesso em Bauru/SP, que foi combinado uma coisa, mas aconteceu diferente. Foram 28 pessoas ao todo trabalhar no local. Tinham prometido um bom alojamento, mas só ofereceram colchão e tiveram que montar os beliches com a madeira que havia lá. A alimentação era somente arroz, feijão e linguiça toscana, e frango, de vez em quando. Saia para o trabalho às 05h00 e retornava às 18h00. Afirmou que não tinha chuveiro no alojamento e a água era de torneira. Disse que o trabalho era por produção e que quando saiu foi feito o acerto do pagamento.
- Manoel de Jesus Batista Santos Moura afirmou que foi contratado para trabalhar com gesso em Bauru/SP e que o serviço seria remunerado por produção, que foi prometido bom alojamento e as refeições. O café era na obra e o almoço era marmitex na empresa. No almoço e no jantar tinha calabresa, frango, mas mal feito. Confirmou que no alojamento havia banheiro, mas compartilhado para muitas pessoas. A água para tomar era da torneira. A limpeza era feita por eles mesmos. A estrutura era um prédio com colchões usados, uns ficavam no chão e outros eram montados em beliches com madeiras da obra. No início havia um chuveiro, mas depois ficou só o cano. Houve atraso no pagamento por três meses, nunca chegou a receber o salário integral, sempre em prestações, com vale, sob a alegação de não estarem recebendo do dono da obra.
- Francinaldo Silva dos Santos afirmou que trabalhava em São José do Rio Preto e depois foi para Bauru/SP trabalhar na obra da MRV como servente de pedreiro. Depois de irem ao Ministério do Trabalho, a empresa pagou passagem para todos para São Luís do Maranhão. A empresa usou como um alojamento um prédio com apartamentos, porque era muita gente. No início havia alimentação suficiente, mas depois começou a ficar ruim e, no tocante aos pagamentos, no início pagaram certo, mas depois começaram a atrasar, argumentando que por causa desse atraso procuraram o Ministério do Trabalho e um dos trabalhadores fez a denúncia.
- Interrogados em juízo (mídia à fl. 1014), PETERSON FERREIRA CAMARGO e CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR afirmaram que a denúncia no Ministério do Trabalho ocorreu porque houve atraso nos salários, havendo revolta de quatro funcionários, que inclusive depredaram o apartamento, destruindo-o. Afirmaram que os apartamentos tinham boa estrutura, com energia e água quente, que tinha colchões e roupa de cama que ele mesmo comprou. Tinha uma pessoa para servir refeições e fazer limpeza no chão (Denise, que era esposa de um dos trabalhadores), mas a limpeza era atribuição dos trabalhadores. Eram feitas vistorias nos alojamentos todo mês pela MRV. Dos 22 trabalhadores, foram os de um apartamento que fizeram essa destruição.
O conjunto das declarações, inclusive as prestadas pelas próprias vítimas, não se mostra categórico em retratar um contexto de avançada degradação das condições de trabalho, ausentes ainda o caráter sistemático, disseminado e persistente que costuma caracterizar relação laboral frequentemente associada ao intolerável trabalho escravo. Demais disto, como observado pelo r. juízo a quo, não há sequer registros fotográficos que evidenciem de modo objetivo a inadequação das instalações destinadas aos trabalhadores.
A encampação do parâmetro de qualidade de vida exigido pelo órgão ministerial significaria que muitas cidades brasileiras inteiras precisariam de interdição, dadas as condições sanitárias e de habitabilidade que assolam considerável parte dos Municípios, circunstância que não se pode perder de perspectiva. Não se questiona a reprovabilidade das deficiências apontadas pelo Ministério do Trabalho, mas não circunscrevem uma realidade inferior à infeliz condição de um País ainda aquém do desenvolvimento humano.
A título comparativo, no caso levado ao conhecimento da Corte Suprema, o alojamento daqueles trabalhadores foi descrito como cadeião, no qual 53 (cinquenta e três) empregados eram mantidos em abrigo sujo, mal ventilado, com acúmulo de lixo e mau cheiro, sem acesso às mais elementares necessidades humanas, como um banheiro sanitário ou uma cama digna (Inq 3412 - intervenção do Min. Ayres Britto), sendo por isso considerada penalmente relevante.
Reforça-se, assim, a insuficiência do simples oferecimento de condições pobres em conforto aos trabalhadores para que se perfaça o tipo incriminador sob exame, exigindo-se um ambiente irrefutavelmente nefasto, proeminente no que tange à desumanidade do tratamento dispensado pelo tomador do trabalho.
Não se desincumbiu o órgão acusatório, nesse sentido, do ônus probatório consistente em demonstrar concretamente a desconsideração das necessidades básicas humanitárias que deveriam ser oferecidas aos trabalhadores, que não se confunde com a deficiência ou baixa qualidade destas.
Demais disto, os réus insistiram que boa parte da destruição do apartamento destinado aos trabalhadores em questão, assim qualificadas as inadequações pontuadas pela acusação, foi provocada pelos próprios trabalhadores insatisfeitos, circunstância não afastada pela prova dos autos, haja vista que teria sido o único apartamento dentre os vários destinados aos trabalhadores do empreendimento questionado a apresentar problemas.
Desta sorte, o conjunto probatório mostra-se, de fato, insuficiente para sustentar a condenação pretendida pelo Parquet federal, devendo ser mantida a absolvição por ausência de provas de que os réus teriam praticado o delito do art. 149 do Código Penal.
DO CRIME DISPOSTO NO ARTIGO 207, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL

O crime de aliciar trabalhadores encontra tipificação no art. 207 do Código Penal, assim disposto:

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:
Pena - detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

A conduta incriminada pelo caput consiste no simples aliciamento, assim entendida a ação de atrair, seduzir, instigar, recrutar pessoas para desempenharem trabalho em local afastado de onde se encontram radicados.

Com a introdução legislativa veiculada pela Lei nº 9.777, de 29 de dezembro de 1998, passou-se a coibir, no respectivo parágrafo primeiro, dessa vez empregando o verbo recrutar, a conduta de quem alicia trabalhadores mediante fraude ou cobrança de determinada quantia, além da atuação de quem não assegura condições de retorno do trabalhador à sua origem.

Interessante observar que nessa modalidade de aliciamento, embora o legislador acrescente qualificativos à ação típica prevista no caput, lhe comina pena idêntica, igualando a reprovabilidade do aliciamento (caput) ao recrutamento mediante fraude (§ 1º).

A necessária diferenciação com relação às mencionadas condutas que ao intérprete cumpre efetuar, sob pena de entender pela inutilidade do parágrafo primeiro do art. 207 do Código Penal, pode ser implicitamente extraída da objetividade jurídica, que é específica para cada qual das hipóteses.

Com efeito, a espécie delitiva caracterizada no caput do art. 207 do Código Penal, encartada como modalidade de crime contra a organização do trabalho, tutela o interesse estatal de evitar o êxodo de trabalhadores dentro do território nacional, mais precisamente, conforme o escólio de Júlio Fabrinni Mirabete, o interesse de que os trabalhadores fiquem radicados no local em que estão, a fim de que não se despovoe uma região com o superpovoamento de outra (em Manual de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 a 234-B do CP), 2010, p. 364). Já na figura do parágrafo primeiro do art. 207 do Estatuto Penal Repressivo, a objetividade jurídica recai sob a proteção de trabalhadores vulneráveis que poderiam ser enganosamente reduzidos à condição análoga à de escravo.

Os preceitos penais comentados constituem, portanto, vértices de proteção nitidamente distintos, que acabam por revelar a atipicidade de certo tipo de comportamento que não resvale nem no desequilíbrio da força de trabalho local nem interfira na formação da vontade livre, esclarecida e ponderada do trabalhador que resolve assentir com o trabalho afastado do local de sua naturalidade.

A ordem constitucional vigente, sede própria das discussões acerca do aliciamento de trabalhadores, enuncia como fundamento do Estado de Direito os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, inc. IV, da CF), contrastando-o, de algum modo, com os objetivos de garantia do desenvolvimento nacional e de redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incs. II e III, da CF). Além disso, ao preceituar os princípios que regem a ordem econômica, a Constituição Federal assevera que a finalidade desta é assegurar existência digna a todos com base na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170, caput, da CF).

Cabe lembrar, por oportuno, que a intervenção estatal na economia, por mais que se justifique pela necessidade de assegurar o desenvolvimento de regiões menos favorecidas, é delimitada essencialmente pelo art. 174 da Constituição Federal, in verbis: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (destaquei).

A equação da política trabalhista basilar do Estado brasileiro não abre mão, portanto, do direito subjetivo fundamental de migrar para obter sustento digno mediante trabalho lícito e tampouco da livre atuação privada quanto ao oferecimento de postos de trabalho afastados da localidade em que radicados os trabalhadores, restando vedado o dirigismo estatal controlador das forças econômicas da sociedade sob o pretexto de comandar o desenvolvimento da nação.

Na doutrina, campeiam manifestações adversas à incriminação, a pretexto da defesa de certo modelo organizacional do trabalho, do mero convite profissional pautado pela liberdade de contratação privada e dentro das regras trabalhistas em vigor, a exemplo do posicionamento externado por Bitencourt (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 3, 2016, p. 557):

Trata-se, na verdade, de um tipo penal esdrúxulo, desnecessário, superado e, na atualidade, absolutamente injustificado. Nos primórdios da nossa República, ou, vá lá, na primeira metade do século XX até se podia admitir que houvesse esse tipo de preocupação nacional. Contudo, na atualidade, num país absolutamente povoado, com tanta carência de emprego em todos os recantos, sobrando mão de obra em todos os segmentos sociais, essa criminalização perdeu sua razão de ser (...).

A inadequação ou, minimante, a obsolescência histórica da repressão penal ao aliciamento de trabalhadores denota-se inclusive pela observação de que é o único preceito dos arrolados no título dos crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207, todos do CP) que não ostenta uma conduta demarcada por fraude, violência ou grave ameaça.
Com base em tais argumentos, entende-se que a subsistência da incriminação do aliciamento de trabalhadores descrita no caput do art. 207 do Código Penal, abstraindo-se da força abrrogativa do art. 174 da Carta Magna, teria lugar meramente diante de uma conduta tendente a colapsar a força de trabalho de determinada localidade, entendimento este abarcado pelo comentário de Ela Viecko de Castilho ao tipo penal incriminador sob exame (Coordenadores GRECO FILHO, Vicente e JALIL, Maurício Shacun. CÓDIGO PENAL COMENTADO: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA, 3ª ed. São Paulo: 2020, p. 612):
De outra forma, a criminalidade dessa conduta não faz sentido nos dias de hoje, a menos que a magnitude do recrutamento tenha reflexos econômicos e sociais.
Diante das considerações ora efetuadas, não se considera como materialmente típica, antes guarda pertinência à moderna organização do trabalho como meio de garantir a existência digna, a conduta de aliciamento de trabalhadores consistente em oferecer emprego a pessoas sem oportunidades profissionais para laborarem em localidade distinta onde existem vagas disponíveis. Desde que não exista fraude ou coação, o recrutamento de trabalhadores é comportamento socialmente aceito no mundo globalizado, conforme as mais variadas demandas econômicas, científicas, tecnológicas ou sociais, não se viabilizando a repressão penal ventilada pelo art. 207, caput, do Código Penal, sob o enfoque da mera oferta de posto de trabalho.
No caso dos autos, a imputação repousa no mero aliciamento em si, não qualificado por qualquer forma de fraude ou coação, sendo a denúncia enfática ao argumentar que vinte e sete trabalhadores foram aliciados do Maranhão para trabalharem na construção civil em Bauru/SP, aventando que DENERVAL ABREU teria atuado como "gato", a mando de CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR e de PETERSON FERREIRA CAMARGO, apresentando propostas de trabalho bastante atrativas, as quais não teriam sido satisfatoriamente cumpridas.
Entretanto, não restou demonstrado o propósito astucioso ou ganancioso de atrair os trabalhadores com condições falsas, não se sustentando tal hipótese sequer pelo relato das supostas vítimas e menos ainda diante do acordo trabalhista que foi honrado pela empresa dos acusados, posteriormente às desavenças no tocante ao inadimplemento contratual dos empreendedores.
Conforme bem salientado na sentença, as circunstâncias narradas pela acusação tampouco refletem risco penalmente relevante (fl. 1079-v):
De fora parte a complexidade da questão da emigração, como retratada no HC de nº 31.734, tem-se que a criminalização do aliciamento de trabalhadores, dentro do território nacional, como iluminada pela doutrina e pela jurisprudência, exige a demonstração de risco de lesão aos interesses econômicos do Estado, ou seja, prova do potencial desequilíbrio no meio social de origem ou de destino dos trabalhadores.
In casu, não demonstrados, nem mesmo de forma remota, os efeitos econômico-sociais deletérios decorrentes da vinda dos trabalhadores de São Luís/MA para Bauru/SP - até porque o deslocamento teria, ao que se dessume dos autos, caráter meramente temporário - há que se afirmar a atipicidade da conduta dos réus.
Destarte, resta afastada a possibilidade de responsabilização penal dos acusados a título de aliciamento de trabalhadores, nos moldes estabelecidos pela sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à Apelação do Ministério Público Federal, mantendo a absolvição de CELSO FERREIRA CAMARGO JUNIOR, PETERSON FERREIRA CAMARGO e DENERVAL ABREU, nos termos acima expendidos.
Retifique-se a autuação para que conste a grafia correta de DENERVAL ABREU.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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