D.E. Publicado em 28/09/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da acusação para exasperar a pena-base e conhecer em parte da apelação defensiva e, na parte conhecida, dar parcial provimento para reconhecer a atenuante de confissão, aplicar a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06, de modo a resultar para a ré Renize Áurea Oliveira de Jesus as penas de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses, 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c. artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Tratam-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, em favor de Renize Aurea Oliveira de Jesus, contra a sentença de fls. 203/205 que a condenou pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 583 (setecentos e trinta e nove) dias-multa, fixado o valor unitário em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Em razões recursais, o Ministério Público Federal requer, em síntese (fls. 220/229):
a) o aumento da pena-base em razão da natureza e quantidade de drogas apreendida; e
b) exasperação da causa de aumento de pena previsto no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.
A Defensoria Pública da União, em favor da ré Renize Aurea Oliveira de Jesus, por sua vez, requer (fls 269/278):
a) seja reconhecida a atenuante de confissão espontânea;
b) a aplicação da causa de diminuição de pena do §4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, em seu patamar máximo;
c) fixação do regime inicial de cumprimento de pena mais benéfico;
d) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos;
e) o reconhecimento do direito em recorrer em liberdade; e
f) subsidiariamente, a concessão da medida cautelar de prisão domiciliar.
Contrarrazões apresentadas pela defesa e pela acusação, respectivamente, às fls. 262/268 e 291/298.
A Procuradoria Regional da República opina pelo parcial provimento do recurso acusação, exclusivamente para o aumento da pena base, e pelo parcial provimento do recurso de defesa para reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, aplicação da redução do art.33, §4º, da Lei 11343/06 e para a fixação do regime inicial semiaberto (fls. 316/320v).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Consta dos autos que Renize Áurea Oliveira de Jesus foi denunciada pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c. c. o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, porque, em 26/03/2019, foi presa em flagrante nas dependências do Aeroporto Internacional de Viracopos/SP, por transportar 2.619g (dois mil, seiscentos e dezenove gramas) de massa líquida de cocaína, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (fls.60/61).
Segundo a peça acusatória, a acusada conheceu uma mulher de nome Laura, através do Facebook, que lhe propôs o traslado da droga para a França pelo valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), a serem pagos na entrega, no hotel previamente combinado. No dia dos fatos, a ré recebeu de Laura a droga já preparada em embalagens, para serem fixadas em seu corpo.
No período noturno, auditores fiscais da Receita Federal, realizavam fiscalização de rotina nos passageiros do voo AD8900, com destino final Paris/França, quando abordaram a acusada, pelo fato dela não ter bagagem despachada e demonstrar extremo nervosismo. Ao ser entrevistada por eles, a ré não soube justificar o motivo da viagem, o que levou a acionarem servidoras da Receita Federal para revista pessoal na acusada, momento em que a ré confessou que portava drogas junto ao corpo.
A prisão em flagrante foi convertida em prisão domiciliar (fls. 41/43), mediante a obrigação de comparecer mensalmente ao Juízo de Guaíra/PR para justificar suas atividades.
Após regular instrução, sobreveio sentença condenatória (fls.203/205) que condenou a ré pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c. artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 05 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 583 dias-multa, fixado o valor da multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Passo às matérias devolvidas.
A materialidade, a autoria e o dolo do delito restaram incontestes e não foram objeto de irresignação, por isso mantenho a condenação da ré Renize Áurea Oliveira de Jesus pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c. artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006.
Passo a análise da dosimetria da pena.
O Magistrado de primeiro grau aplicou as penas com a seguinte fundamentação:
Na primeira fase da dosimetria, a acusação requer a exasperação da pena-base com fulcro no art. 42 da Lei 11343/06.
Assiste razão.
Na primeira fase da dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente são circunstâncias que devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas.
Verifico que o Magistrado de primeiro grau não majorou a pena-base.
Aqui, a apreensão de significativa quantidade de droga de alto custo, demasiadamente nociva e viciante (2.619 g de cocaína), justifica a exasperação da reprimenda na fração de 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal.
As demais circunstâncias judiciais presentes no caso concreto não podem ser valoradas negativamente, pois não ultrapassam o grau de normalidade daquelas que se verificam habitualmente.
Portanto, fixo a pena-base em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Na segunda fase, a defesa requer o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.
Deve prosperar tal pedido, uma vez que a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos. São, pois, irrelevantes as razões pelas quais o agente admitiu a prática do crime para que se aplique a atenuante.
Assim, na segunda fase da dosimetria, aplico a atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do Código Penal), entretanto, fixo a pena no mínimo legal, em observância à Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, que veda a redução da pena abaixo deste patamar, daí porque estabeleço a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase, a acusação, ainda, requer a majoração da fração de aumento majorante prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei nº 11.343/06, enquanto a defesa pleiteia, ainda, a diminuição da pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, no máximo previsto.
Não assiste razão à acusação e assiste razão parcial a defesa.
Na sentença condenatória, o Juiz de primeiro grau já reconheceu a causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, aplicada à razão de 1/6 (um sexto), patamar que reputo razoável e proporcional diante das condições da prática delitiva.
De fato, a transnacionalidade do delito restou comprovada nos autos. No entanto, não vislumbro razão para elevação do patamar de aumento, tendo em vista que as circunstâncias do crime praticado pelo acusado não destoam das apreensões de droga realizadas no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP.
Por outro lado, o §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa.
Note-se que o Juiz fundamentou a não aplicação do benefício no fato de que, pelas circunstâncias do delito, tais como os atos preparatórios e executórios da conduta criminosa e o efetivo transporte da droga, concluiu que a acusada, de fato, integrou organização criminosa.
Com efeito, não é possível que a natureza e a quantidade de droga sejam duplamente valoradas na primeira e na terceira fases da dosimetria, razão pela qual não é possível adotar a fundamentação da sentença neste ponto.
Cumpre esclarecer, inicialmente, que a circunstância do transporte da droga e seus atos preparatórios e executórios são circunstancias ínsitas ao tipo penal do tráfico e não podem servir como fundamento para afastar o benefício ou ensejar sua aplicação em menor grau. Ao transportar a droga, o agente adere à prática delitiva e incide nas penas cominadas.
Ademais, em relação a viagem anteriormente feita à Namíbia, não restou devidamente comprovado que teve finalidade para prática de delito criminoso.
De fato, a acusada é primária, tem bons antecedentes e da prova dos autos, conclui-se que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa. Portanto, é merecedora do benefício de redução da pena.
Porém, o magistrado não está obrigado a aplicar o máximo da redução prevista (2/3) quando presentes os requisitos para a concessão desse benefício, possuindo plena discricionariedade para aplicar, de forma fundamentada, a redução no patamar que entenda necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
É importante notar, sobre esse aspecto, que se trata de ré que foi flagrada com o entorpecente no momento em que se preparava para embarcar para Paris/França. Esse comportamento, sem dúvida, exige uma maior reprovação, justamente porque revela uma audácia maior do que aquele que comercializa drogas em pequenos pontos de venda.
Portanto, nesse caso, embora não esteja comprovado que a agente integre em caráter permanente e estável a organização criminosa, deve ser considerado o grau de auxílio por ele prestado ao tráfico internacional de drogas e a consciência de que estava a serviço de um grupo de tal natureza. Dessa maneira, a ré fará jus à causa de diminuição no patamar mínimo legal, ou seja, em 1/6 (um sexto) e não em fração mais benéfica, nitidamente reservada a casos menos graves.
Assim, na terceira fase da dosimetria da pena, mantido a causa de aumento pela transnacionalidade na fração de 1/6 (um sexto) e aplicada a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 em idêntico patamar (um sexto), resulta a pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, arbitrado no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos.
No tocante ao regime prisional, a defesa ainda pleiteia a fixação de regime mais benéfico.
Assiste razão.
A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, nos termos do artigo 33, §2º, caput, do Código Penal.
Para a fixação do regime prisional, devem ser observados os seguintes fatores: a) modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas a, b e c, CP); caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do CP).
A exasperação da pena-base com fundamento na natureza e quantidade do entorpecente não impede a fixação de regime prisional mais benéfico, se as circunstâncias subjetivas forem favoráveis.
Aqui, considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas da ré (antecedentes, conduta social, personalidade e motivo do crime) não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto.
No particular, a pena concretamente aplicada (4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão) e as circunstâncias judiciais autorizam a fixação do regime semiaberto, nos termos dos artigos 33, §2º, c, do Código Penal.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tendo em vista a quantidade de pena aplicada (4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão) e as circunstâncias do delito, nos termos dos incisos I e III do artigo 44 do Código Penal.
No tocante ao pedido de concessão do direito de a apelante recorrer em liberdade, verifico não ser o caso de revogação da prisão cautelar, ante a manutenção do quadro fático que justificou sua decretação, nos termos dos artigos 282, incisos I e II, 312, caput e 313, inciso I, todos do Código de Processo Penal.
No ponto, observo que a Organização Mundial da Saúde - OMS decretou a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) em 11/03/2020. Na sequência, sobreveio, em 17/03/2020, a Recomendação CNJ nº 62, pela qual se sugere a reavaliação das prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à vítima.
Importa considerar, ainda, que o Plenário do STF, ao analisar o pedido cautelar da ADPF 347, divergiu em parte da decisão do relator no tocante à conclamação aos juízes de Execução Penal para adotarem, junto à população carcerária, procedimentos preventivos indicados pelo Ministério da Saúde para evitar o avanço da doença no sistema prisional brasileiro, dentre eles, a referida Recomendação CNJ nº 62, o que exige que a reavaliação das prisões preventivas seja feita de acordo com o caso concreto.
Some-se a orientação vigente das autoridades de saúde pública pelo isolamento social para todas as pessoas, estejam elas privadas de liberdade por decisão judicial ou não, a fim de impedir a propagação do novo coronavírus.
Aqui, a sentença de 1º grau manteve a prisão domiciliar da ré, o que atende às recomendações referidas, bem como indica a falta de interesse processual no pleito defensivo de concessão da segregação em domicílio.
Mantida, no mais, a r. sentença de 1º grau.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da acusação para exasperar a pena-base e conheço em parte da apelação defensiva e, na parte conhecida, dou parcial provimento para reconhecer a atenuante de confissão, aplicar a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06, de modo a resultar para a ré Renize Áurea Oliveira de Jesus as penas de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses, 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c. artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 17/09/2020 07:38:50 |