Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 28/09/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001225-22.2017.4.03.6117/SP
2017.61.17.001225-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : HEITOR FELIPPE
ADVOGADO : SP314641 JULIO CESAR MARTINS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : LUZIA APARECIDA JURADO DE SOUZA
No. ORIG. : 00012252220174036117 1 Vr JAU/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 171, §3º, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP. BENEFICIO PREVIDENCIARIO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. VITIMA IDOSA, SIMPLES E DE SEM INSTRUÇÃO. INCIDENCIA DA AGRAVANTE DO ART. 62, II, H, DO CP. HIPOSSUFICIENCIA DA VITIMA JÁ ANALISADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. TENTATIVA. FRAÇÃO DE REDUÇÃO EM SEU MINIMO LEGAL.
1. A materialidade restou demonstrada por meio dos seguintes documentos: cópia da petição inicial protocolada, em 12/05/2010, junto ao Juízo da Comarca de Bariri/SP; cópia da procuração pela qual Luzia Aparecida Jurado de Souza confere amplos poderes ao acusado para propor a ação de concessão de benefício previdenciário (aposentadoria rural por idade; cópia da CTPS nº 084300 de titularidade de Luzia Aparecida Jurado de Souza; certidão de casamento celebrado, em 11/08/965, entre Luzia Aparecida Jurado de Souza e Valdomiro Mendes de Souza; cópia da CTPS nº 74563 de titularidade de Valdomiro Mendes de Souza; extrato do sistema CNIS, no qual consta os vínculos empregatícios firmados por Valdomiro Mendes de Souza; sentença prolatada nos autos da ação nº 0001794-21.2010.8.26.0062, que julgou improcedente o pedido e determinou a extração de cópias do feito, encaminhando-se à autoridade policial para abertura de investigação e apuração de eventual infração penal (falsificação de documento); Acórdão prolatado pela Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região; e auto de apresentação e apreensão, no qual consta a apreensão da CTPS nº 74563 de titularidade de Valdomiro Mendes de Souza, inexistindo registro dos vínculos empregatícios de 28/06/1988 a 29/06/1990 e de 27/05/1991 a 19/01/1999 junto ao empregador Cia. Agrícola Zilo Lorenzetti, na condição de lavrador, constando apenas vínculos empregatícios de natureza urbana.
2. A autoria e o dolo restaram evidentes, nos autos, pelas declarações prestadas pelas testemunhas e pelo próprio recorrente.
3. O delito de estelionato exige para sua configuração a vontade livre e consciente de induzir ou manter a vítima em erro, com o fim específico de obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
4. Dosimetria da pena. Pena-base reduzida para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Considera-se circunstância judicial negativa o réu valer-se de pessoa idosa, simples e de sem instrução, conquistando sua confiança para perpetrar a fraude aqui investigada, para além do que exige o ardil, configurando conduta mais reprovável. Incidiu a agravante relativa ao cometimento do crime com abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo, ofício, ministério ou profissão (art. 61, II, "g" do Código Penal), no patamar de 1/6 (um sexto). Incidiu, ainda, a causa de diminuição da pena referente à tentativa (artigo 14, inciso II, do Código Penal). Mantido o patamar de 1/3 (um terço), considerando que a prática delitiva percorreu quase todo o iter criminis, aproximando-se da consumação do delito, não se aperfeiçoando o crime por circunstâncias alheias à vontade do réu. Incidiu, por fim, a causa de aumento da pena prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal, na razão de 1/3 (um terço). Pena definitiva fixada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses e 06 (seis) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
5. Fixado o regime inicial de cumprimento da pena no aberto, posto que nos termos do art. 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.
6. Presentes os requisitos elencados no artigo 44 do Código penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstância judiciais predominantemente favoráveis), substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, já que suficiente à prevenção e repressão do delito.
7. Indeferido o pedido da Procuradoria Regional da República de execução provisória após esgotadas as vias recursais ordinárias, considerando que o Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento concluído no dia 07 de novembro de 2019, alterou o entendimento anteriormente firmado, julgando procedentes as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, de modo que ficou consignado a constitucionalidade da regra disciplinada no Código de Processo Penal de que é necessário o esgotamento de todas as possibilidades de recursos, ou seja, o trânsito em julgado da ação, para que seja dado início ao cumprimento da pena.
8. Recurso provido em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação da defesa, a fim de reformar a pena fixada para 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade de assistência social, pelo mesmo período da pena corporal, e prestação pecuniária de 01 (um) salário mínimo, mantida, quanto ao mais, a r. sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 14 de setembro de 2020.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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Data e Hora: 17/09/2020 09:49:37



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001225-22.2017.4.03.6117/SP
2017.61.17.001225-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : HEITOR FELIPPE
ADVOGADO : SP314641 JULIO CESAR MARTINS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : LUZIA APARECIDA JURADO DE SOUZA
No. ORIG. : 00012252220174036117 1 Vr JAU/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por HEITOR FELIPPE contra sentença de fls. 295/310V, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Jaú/SP, que condenou o réu pela prática do delito descrito no art. 171, §3º, c/c art. 14, inc. II, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 53 (cinquenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A reprimenda não foi substituída por penas restritivas de direitos, em razão do não preenchimento dos requisitos previstos no art. 44 do Código Penal.
Em sede de razões recursais (fls. 329/333), a defesa requereu a absolvição do apelante, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal. De forma subsidiária, pleiteou: a) a redução da pena-base para o mínimo legal, observada a proporcionalidade com relação à pena de multa; b) a incidência da causa de diminuição da pena prevista no art. 14, inc. II, do Código Penal, no patamar de 2/3 (dois terços); c) a fixação do regime e cumprimento da pena no aberto; d) e a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44 do mesmo diploma legal.
Contrarrazões às fls. 345/348.
A Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Adriana Scordomaglia Fernandes, manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa, a fim de que seja mantida a r. sentença em seus exatos termos. Por fim, requereu a execução provisória da pena (fls. 350/355v).
É O RELATÓRIO.
À revisão, nos termos regimentais.
PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001225-22.2017.4.03.6117/SP
2017.61.17.001225-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : HEITOR FELIPPE
ADVOGADO : SP314641 JULIO CESAR MARTINS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : LUZIA APARECIDA JURADO DE SOUZA
No. ORIG. : 00012252220174036117 1 Vr JAU/SP

VOTO

Do caso dos autos. HEITOR FELIPPE foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 171, §3º, c/c artigos 14, inc. II, e 29, ambos do Código Penal.
Narra a denúncia (fls. 111/116) o que se segue:

"... Consta dos autos que, na data de 12 de maio de 2010, no Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bariri/SP, situado na Avenida Claudionor Barbieri, nº 488, Centro, Município de Bariri/SO, Luzia Aparecida Jurado de Souza, em comunhão de esforços e unidade de desígnios com o advogado HEITOR FELIPPE, propôs ação de concessão de benefício previdenciário (aposentadoria rural por idade), registrada sob o nº 0043374-71.2010.4.03.9999, em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (cf. petição inicial, fls. 05/09; e parte dos documentos que a instruiu, fls. 10/19), e, por intermédio dela, tentou obter para si e para outrem, em prejuízo da referida autarquia previdenciária e por meio da indução do Poder Judiciário a erro, vantagem ilícita, consubstanciada na percepção de valores decorrentes do benefício de aposentadoria rural por idade sem preencher os requisitos legais, mediante meio fraudulento, consistente em utilizar-se para esse fim, de informações de Carteira de Trabalho e Previdência Social pertencente a outrem (Darci Colombo), como se fosse de seu esposo Valdomiro Mendes de Souza (fls. 18 e 19), com o fim de fazer prova do início de prova material para comprovação do tempo de serviço rural alegado e, assim, receber o benefício previdenciário pretendido, mas cuja consecução restou frustrada por circunstâncias alheias à vontade de ambos."
Após o devido processamento do feito, sobreveio sentença de fls. 295/310V, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Jaú/SP, que julgou parcialmente procedente a peça acusatória para absolver Luzia Aparecida Jurado de Souza, com fulcro no art. 386, inc. V, do Código de Processo Penal, e condenar o apelante pela prática do delito descrito no art. 171, §3º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Não havendo arguições preliminares, passa-se ao mérito recursal.

Da materialidade. A materialidade restou demonstrada por meio dos seguintes documentos: cópia da petição inicial protocolada, em 12/05/2010, junto ao Juízo da Comarca de Bariri/SP (fls. 05/09); cópia da procuração pela qual Luzia Aparecida Jurado de Souza confere amplos poderes ao acusado para propor a ação de concessão de benefício previdenciário (aposentadoria rural por idade) (fl.10); cópia da CTPS nº 084300 de titularidade de Luzia Aparecida Jurado de Souza (fls. 12/14); certidão de casamento celebrado, em 11/08/965, entre Luzia Aparecida Jurado de Souza e Valdomiro Mendes de Souza (fl. 15); cópia da CTPS nº 74563 de titularidade de Valdomiro Mendes de Souza (fls. 16/19); extrato do sistema CNIS, no qual consta os vínculos empregatícios firmados por Valdomiro Mendes de Souza (fls. 22/25); sentença prolatada nos autos da ação nº 0001794-21.2010.8.26.0062, que julgou improcedente o pedido e determinou a extração de cópias do feito, encaminhando-se à autoridade policial para abertura de investigação e apuração de eventual infração penal (falsificação de documento) (fls. 28/30); Acórdão prolatado pela Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fl.32); e auto de apresentação e apreensão, no qual consta a apreensão da CTPS nº 74563 de titularidade de Valdomiro Mendes de Souza, inexistindo registro dos vínculos empregatícios de 28/06/1988 a 29/06/1990 e de 27/05/1991 a 19/01/1999 junto ao empregador Cia. Agrícola Zilo Lorenzetti, na condição de lavrador, constando apenas vínculos empregatícios de natureza urbana (fls. 83/85); assim como pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio acusado (mídias de fls. 246 e 253).
Os documentos mencionados comprovam, de forma clara e precisa, que o apelante, na qualidade de advogado constituído e representando Luzia Aparecida Jurado de Souza, propôs ação de concessão de benefício previdenciário (aposentadoria rural por idade) em face do INSS, instruída documento público ideologicamente falso, consistente na utilização de informações da CTPS de outrem (Darci Colombo), como se fosse de seu cônjuge Valdomiro Mendes de Souza, com o fim de fazer prova de início de atividade rurícola.

Da autoria e do dolo. A autoria e o dolo restaram evidentes, nos autos, pelas declarações prestadas pelas testemunhas e pelo próprio recorrente. Vejamos.
Luzia Aparecida Jurado de Souza, ao ser ouvida na fase judicial, informou que conheceu o acusado por intermédio de sua irmã, Maria Aparecida Jurado, haja vista que ela havia conseguido o benefício de aposentadoria. Relatou que o réu questionou à irmã, se ela conhecia alguém que queria se aposentar, tendo esta mencionado Luzia. Então, o advogado pediu à irmã de Luzia que a levasse ao escritório, alegando que conseguiria aposentá-la e seria mais fácil por se tratar de pessoa que não sabe ler nem escrever. Declarou que, ao comparecer no escritório do réu, apresentou seus documentos pessoais, RG e CIC, e a pedido dele fez uns rabiscos com seu nome em documentos, observando que, na ocasião, disse que não sabia assinar, ao que ele explicou que era necessário fazer um "rabisquinho", sob pena de não conseguir se aposentar. Posteriormente, Heitor foi até sua residência a fim de solicitar a CTPS de seu marido Valdomiro Mendes de Souza, tendo dito que pretendia dar uma "olhadinha" no documento. Esclareceu que está casada há mais de cinquenta anos, que seu esposo sempre trabalhou em fábricas e como servente de pedreiro e que ele nunca trabalhou na Cia. Agrícola Zilo Lorenzetti. Afirmou que, quando Heitor devolveu a carteira de trabalho do marido, pediu que ela guardasse bem o documento e que não entregasse para ninguém, nem se o juiz pedisse. Negou ter falado na polícia federal que Valdomiro havia trabalhado na Cia. Agrícola Zilo Lorenzetti. Por fim, não soube precisar em que momento o réu pediu a CTPS do marido (mídia de fl. 246).
Por sua vez, Maria Aparecida Jurado, informou, em Juízo, que se aposentou por tempo de contribuição e que seu advogado, ora apelante, questionou se ela conhecia alguém que queria se aposentar, tendo mencionado a irmã Luzia. Na ocasião, disse a Heitor que a irmã não sabia ler nem escrever, no que ele disse que seria melhor ainda e pediu para levá-la ao escritório. Ao levar a irmã no escritório, esta levou seus documentos pessoais e assinou um papel a pedido do acusado, sem que soubesse do conteúdo. Ressaltou que a irmã disse que não sabia escrever, tendo o réu pedido que ela "rabiscasse" do jeito que ela soubesse. Disse que em relação ao seu processo de aposentadoria não houve nenhum problema. Por fim, afirmou que a irmã é casada há mais de cinquenta anos com Valdomiro Mendes de Souza e que ele trabalhava em empresa e, depois, tornou-se servente de pedreiro, não tendo conhecimento de que ele trabalhou na roça (mídia de fl. 246).
Valdomiro Mendes de Souza, também ouvido como informante, em sede judicial, declarou que é esposo de Luzia Aparecida Jurado de Souza. Relatou que o apelante foi até a sua casa e lá solicitou que ele entregasse sua CTPS para análise, tendo devolvido o documento depois de três meses. Disse que a solicitação ocorreu, após sua esposa ter procurado os serviços de Heitor. Afirmou que não trabalhou na empresa Zilor ou em alguma Cia. Agrícola e que não conhece a pessoa de nome Darci Colombo. Confirmou a titularidade da CTPS acostada à fl. 84 dos altos, ressaltando que foi esse o documento entregue ao acusado (mídia de fl. 246).
Por fim, Carlos Alberto Vanni, funcionário de uma das empresas do grupo Zilor, antiga Zillo Lorenzetti, confirmou que Valdomiro Mendes não teve qualquer vínculo com a empresa e que os dados utilizados, na ação previdenciária, pertenciam ao colaborador Darci Colombo (mídia de fl. 246).
Durante o interrogatório judicial, o réu negou a prática dos fatos narrados na exordial. Alegou que atuou como mero intermediador do pedido de Luzia e que, nessa condição, limitou-se, de boa-fé, a instruir a ação judicial com base na documentação apresentada pela parte autora. Disse que, em razão do elevado volume de serviço na época, não realizava visitas a clientes, de modo que não prospera a alegação de Luzia de que ele teria ido até a sua residência para solicitar a CTPS de seu marido. Disse, ainda, que somente tomou conhecimento da irregularidade quando da instauração deste processo, ressaltando que confiou nas cópias dos documentos apresentados por Luzia, depois de analisar a documentação original, para ajuizar a ação previdenciária (mídia de fl. 253).
O delito de estelionato exige para sua configuração a vontade livre e consciente de induzir ou manter a vítima em erro, com o fim específico de obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
No caso, é incontroverso o fato de que houve a juntada, na petição inicial da ação previdenciária, de cópias de CTPS não pertencentes ao marido de Luzia Aparecida Jurado de Souza como se fossem dele, a fim de comprovar o tempo de serviço rural exigido para a obtenção do benefício de aposentadoria rural solicitado por esta, restando claro o meio fraudulento.
Consoante o conjunto probatório acostado aos autos, as alegações do recorrente, de que teria agido de boa-fé e de acordo com os documentos apresentados por Luzia, não se sustentam. Isso porque vai de encontro às demais provas carreadas aos autos.
Vale destacar que na CTPS pertencente a Valdomiro Mendes de Souza (fl. 84) não consta nenhum registro de trabalho rural, o demonstra que as alegações do réu são inverídicas, já que ele afirmou que agiu de boa-fé baseado nas cópias dos documentos apresentados por Luzia, após a conferência dos originais.
Além disso, conforme se depreende dos autos, Luzia é idosa, extremamente simples e sem nenhuma instrução (analfabeta), de modo que os elementos contidos nos autos demonstram que ela foi induzida a erro pelo réu, por ter suposto, em decorrência da relação de confiança estabelecida, que as orientações dele, na condição de advogado, estavam em consonância com a lei.
Nesse sentido, a fundamentação do Juízo de primeiro grau, in verbis:

"... os depoimentos da testemunhas e dos informantes são harmônicos e coerentes no sentido de que o cônjuge da autoria, Sr. Valdomiro Mendes de Souza, nunca exerceu atividade rurícola, seja na condição de segurado empregado, seja na de segurado especial, tampouco manteve vínculo empregatício com o empregador Companhia Agrícola Zillo Lorenzetti.
Esclarecedores os depoimentos dos informantes acerca do baixo grau de instrução da corré Luzia Aparecida Jurado de Souza (analfabeta), fato este comprovado pelo documento de identidade RG nº 13.912.215 (fl. 11 do inquérito policial). Mesmo não sabendo ler e escrever, a procuração "ad judicia" foi lavrada por instrumento particular, tendo a representada outorgado amplos poderes de representação judicial ao acusado HEITOR FELIPPE.
Uníssonos também se mostram os depoimentos das testemunhas no sentido de que a corré Luzia compareceu, pessoalmente, no escritório de advocacia do réu HEITOR FELIPPE e entregou-lhe tão somente a sua CTPS e a de seu cônjuge, bem como os documentos de identificação civil (RG e CPF), com o fim de serem extraídas cópias. Sublinhou o informante Valdomiro Mendes de Souza que o corréu HEITOR FELIPPE manteve em seu poder a sua CTPS, devolvendo-a após quase três meses.
... a acusada não dispõe de capacidade intelectiva para, valendo-se de meios ardilosos e subterfúgios fraudulentos, apresentar ao corréu HEITOR FELIPPE documentos verídicos ... e inverídicos. Com efeito, a coesão dos depoimentos dos informantes e da testemunha revela que a acusada efetivamente entregou a via original de sua carteira de trabalho a HEITOR FELPPE, sendo que desconhecia a inserção em ação judicial de documentos de titularidade de terceiro.
Ressoa dos autos que o réu HEITOR FELPPE figura em inúmeros inquéritos policiais e ações penais em curso neste Juízo ... cujo modus operandi empregado assemelha-se e muito ao objeto da presente ação penal...
Detinha, portanto, consciência da ilicitude de sua conduta, perseguindo a empreitada delituosa com o fim de obter para si indevida vantagem e econômica, mediante a obtenção de benefício previdenciário para sua cliente, através de via judicial, cujos valores seriam parcialmente a ele transferidos a título de honorários contratuais e verba de sucumbência."
Por fim, insta mencionar que a não concessão do benefício previdenciário, em razão da descoberta, ainda que parcial, da manobra fraudulenta empregada, não tem o condão de afastar, na hipótese em tela, o crime de estelionato majorado praticado, achando-se este presente na forma tentada, ainda que ausente o efetivo prejuízo à autarquia previdenciária.
Assim, resta suficientemente comprovado que o réu agiu voluntária e conscientemente com a intenção de induzir o INSS em erro, devendo ser mantida a r. sentença, para condenar o acusado como incurso nas penas do art. 171, §3º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

Da dosimetria da pena. A pena restou concretizada em 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 53 (cinquenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A reprimenda não foi substituída por penas restritivas de direitos, em razão do não preenchimento dos requisitos previstos no art. 44 do Código Penal.
Inconformada, a defesa requer: a) a redução da pena-base para o mínimo legal, observada a proporcionalidade com relação à pena de multa; b) a incidência da causa de diminuição da pena prevista no art. 14, inc. II, do Código Penal, no patamar de 2/3 (dois terços); c) a fixação do regime e cumprimento da pena no aberto; d) e a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44 do mesmo diploma legal.
Vejamos.
Na primeira fase, a sentença recorrida fixou a pena-base acima do mínimo legal, qual seja, 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 53 (cinquenta e três) dias-multa. Confira-se:

"... No que tange à culpabilidade, observo que o réu, alfabetizado, portador de elevado grau de instrução, advogado atuante em diversos processos administrativos e judiciais voltados à concessão de benefício previdenciário e assistencial, detinha, ao tempo da infração penal, capacidade plena de entender o caráter criminoso do delito e de que a conduta praticada é nitidamente reprovável. Valeu-se o sentenciado dos conhecimentos jurídicos para empregar meios ardilosos, com uso de estratagemas elaborados, com o fim de obter, por meio de ação judicial, a concessão de aposentadoria por idade rural em proveito direto de sua cliente e, indiretamente, em seu benefício. Desonrosa a conduta do réu que fez uso de tão nobre profissão, essencial à funcionalidade da Justiça e à mantença do Estado Democrático de Direito. Entretanto, tendo em vista que tal conduta será valorada na segunda fase de dosimetria da pena, como circunstância agravante prevista no art. 61, inc. II, alínea "g", do Código Penal, deixo de valorá-la nesta fase, de modo a evitar bis in idem.
A despeito do registro de inúmeros inquéritos policiais e ações penais em desfavor do sentenciado, não há sentença penal condenatória definitiva, o que impede a valoração da circunstância como maus antecedentes, em obediência ao princípio constitucional estampado no art. 5º, inc. LVII, da CR/88 e Súmula 444 STJ.
A conduta social do sentenciado deve ser sopesada para aferir a sua postura no universo social em que inserida, analisando-se a forma pela qual ele se sustenta (trabalho), o seu relacionamento com amigos, vizinhos, dentre outros fatores. Nada de desabonador apurou-se em desfavor.
Inexistem nos autos elementos que permitam aferir a personalidade do sentenciado.
O motivo do crime se constitui pelo desejo de utilizar documento público contrafeito com o fim de criar obrigações e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, o qual já é punido pela própria tipicidade e previsão do delito, de acordo com a própria objetividade jurídica dos crimes contra o patrimônio.
As circunstâncias do crime devem ser valoradas negativamente. HEITOR FELIPPE, no exercício da atividade profissional de advogado, utilizou-se de meios ardilosos para convencer pessoa idosa, com baixíssimo grau de instrução (analfabeta), a demandar contra o INSS para obtenção de benefício previdência de aposentadoria por idade rural, inserindo, para tanto, às escondidas, informação diversa da realidade, com o escopo de transparecer que buscava, na via judicial, o reconhecimento de direito de segurado da Previdência Social. Conclui-se, portanto, que Luzia Aparecida Jurado de Souza foi utilizada como instrumento para que o sentenciado obtivesse, por via transversa, aumento patrimonial, consistente em honorários advocatícios descontados das parcelas a serem pagas do benefício futuramente concedido pela autarquia previdenciária. O emprego de meio fraudulento pela via judicial demonstra a tamanha ousadia de HEITOR FELIPPE de utilizar o aparelho estatal, com a intenção de induzir a erro os atores processuais (magistrado e parte adversa), dando aparência de legalidade às suas condições ilícitas.
As consequências do crime são normais a espécie, nada tendo a se valorar como fator extrapenal.
Quanto ao comportamento da vítima, nada se tem a valorar, eis que se trata de crime contra a fé pública.
Por fim, quanto à situação econômica do réu, não há elementos para aferi-la."

Do trecho transcrito da r. sentença, nota-se que as circunstâncias do crime foram valoradas a fim de exasperar a pena-base.
In casu, deve ser mantida a circunstância judicial negativa elencada na sentença, pois o réu valeu-se de pessoa sem instrução (analfabeta), simples e idosa, conquistando sua confiança para perpetrar a fraude aqui investigada, para além do que exige o ardil, configurando conduta mais reprovável.
Os elementos utilizados para majoração da pena-base, ainda que razoáveis e de fato configurados, ensejam o aumento da pena em 1/6 (um sexto) e não na 1/2 (metade) da pena mínima.
Desta feita, reduzo a pena-base para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Na segunda fase, ausente atenuantes. Incidiu, todavia, a agravante relativa ao cometimento do crime com abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo, ofício, ministério ou profissão (art. 61, II, "g" do Código Penal), no patamar de 1/6 (um sexto), a qual resta mantida, ante a resignação da defesa, do que resulta a pena intermediária de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria, incidiu a causa de diminuição da pena referente à tentativa (artigo 14, inciso II, do Código Penal).
A defesa pleiteia que a fração da seja elevada a patamar superior.
Todavia, considerando que a prática delitiva percorreu quase todo o iter criminis, aproximando-se da consumação do delito, não se aperfeiçoando o crime por circunstâncias alheias à vontade do réu, mantida a diminuição da pena em seu percentual mínimo. Com efeito, a fração de diminuição de 1/3 (um terço) é razoável, devendo ser mantida.
Incidiu, por fim, a causa de aumento da pena prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal, na razão de 1/3 (um terço).
Assim, fixo a pena definitiva em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 06 (seis) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Mantido o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Fica estabelecido o regime inicial aberto para o cumprimento da pena corporal, posto que nos termos do art. 33, parágrafo 2ª, alínea "c", do Código Penal.
Presentes os requisitos elencados no artigo 44 do Código penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstância judiciais predominantemente favoráveis), substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, já que suficiente à prevenção e repressão do delito.
Por derradeiro, indefiro pedido da Procuradoria Regional da República de execução provisória após esgotadas as vias recursais ordinárias, considerando que o Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento concluído no dia 07 de novembro de 2019, alterou o entendimento anteriormente firmado, julgando procedentes as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, de modo que ficou consignado a constitucionalidade da regra disciplinada no Código de Processo Penal de que é necessário o esgotamento de todas as possibilidades de recursos, ou seja, o trânsito em julgado da ação, para que seja dado início ao cumprimento da pena.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da defesa, a fim de reformar a pena fixada para 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade de assistência social, pelo mesmo período da pena corporal, e prestação pecuniária de 01 (um) salário mínimo, mantida, quanto ao mais, a r. sentença recorrida.

É COMO VOTO.



PAULO FONTES
Desembargador Federal


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