Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/06/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000071-32.2018.4.03.6117/SP
2018.61.17.000071-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JAIME CALIENTE
ADVOGADO : SP228543 CARLOS ALEXANDRE TREMENTOSE (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00000713220184036117 1 Vr JAU/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 129 E 344 DO CÓDIGO PENAL. LESÃO CORPORAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. CONCURSO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA INALTERADA. CONDENAÇÃO POR CRIME ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR MÍNIMO PARA REPERAÇÃO DE DANOS. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE PEDIDO NA DENÚNCIA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A materialidade delitiva restou comprovada pelos depoimentos colhidos na fase policial, ratificados pelo interrogatório do apelante em sede judicial, depoimento da vítima e da testemunha de acusação, também realizados em juízo.
2. A autoria também está demonstrada pelos depoimentos colhidos tanto na fase policial como na fase judicial, bem como pelo interrogatório do apelante e depoimento da vítima. Sentença condenatória mantida.
3. Dosimetria mantida. Reconhecimento de crime único afastado. Crime de lesão corporal cometido em momento anterior ao de coação no curso do processo, tratando-se de condutas autônomas, de forma que no caso concreto não há que se falar em absorção e reconhecimento de crime único, ainda que ambos os crimes tenham sido cometidos no mesmo contexto.
4. Afastamento do valor mínimo para reparação de danos. No caso, restou inviabilizado o exercício do contraditório. Por ocasião do oferecimento da denúncia já existia a previsão legal do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.719, de 20/06/2008. Todavia, não houve pedido do Ministério Público Federal na inicial para a aferição desses valores e, consequentemente, manifestação da defesa no curso da ação penal acerca do tema.
5. Apelação defensiva parcialmente provida apenas para afastar a condenação ao pagamento de valor mínimo a título de reparação de danos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa de JAIME CALIENTE apenas para afastar a condenação fixada a título de reparação dos danos pelo magistrado a quo, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, com quem votou o Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Des. Fed. Fausto De Sanctis que mantinha o valor fixado a título de reparação dos danos, cujo reconhecimento prescinde de pedido expresso, tendo em vista tratar-se de efeito automático da condenação a teor do artigo 91, inciso I, do Código Penal.


São Paulo, 28 de maio de 2020.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000071-32.2018.4.03.6117/SP
2018.61.17.000071-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JAIME CALIENTE
ADVOGADO : SP228543 CARLOS ALEXANDRE TREMENTOSE (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00000713220184036117 1 Vr JAU/SP

RELATÓRIO


O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Trata-se de Apelação Criminal interposta pela defesa de JAIME CALIENTE contra a r. sentença de fls. 231/238 que, julgando procedente a pretensão punitiva, o condenou pela prática dos delitos descritos nos artigos 129, caput, e 344, ambos do Código Penal, às penas de 03 (três) meses de detenção e 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de R$3.000,00 (três mil reais).


O processo teve início no âmbito da Justiça Estadual. Inicialmente, foram imputados ao réu os crimes previstos nos artigos 129 e 147 do Código Penal. Narra a peça acusatória (fls. 30/31):


"Consta do incluso inquérito policial que, no dia 16 de maio de 2015, por volta das 12h30min, na Rua Antonio Casamáximo, número 100, Jardim São José II, em Igaraçu do Tietê, nesta comarca de Barra Bonita, o denunciado, consciente e voluntariamente, ofendeu a integridade corporal da vítima Everton Rosa do Nascimento, causando-lhe as lesões corporais de natureza grave descritas no laudo de exame de corpo de delito de fls. 12 e 15.
Dimana dos inclusos autos, ainda, que, nas mesmas condições de tempo e local descritas no parágrafo anterior, o denunciado, consciente e voluntariamente, ameaçou Everton Rosa do Nascimento, por palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, dizendo que iria matá-lo.
Segundo o apurado, a vítima e o denunciado já tinham alguns desentendimentos.
Na data dos fatos, a vítima estava trabalhando na casa de Célio Ronaldo da Silva, quando o denunciado apareceu e a agrediu com uma pá de pedreiro, atingindo-lhe o braço direito. Ademais, ameaçou a vítima de morte, caso prosseguisse com a ação trabalhista que estava movendo em face do autor dos fatos. Não bastassem as agressões, JAIME ainda ameaçou a vítima, dizendo que a mataria".

Posteriormente, em audiência de instrução e julgamento (fls. 85), a denúncia foi aditada para passar a constar que "no dia 16.05.2015, por volta das 12:30 horas, na Rua Antonio Casamáximo, 100, Jardim São José II, na cidade de Igaraçu do Tietê, comarca de Barra Bonita, o acusado JAIME CALIENTE, consciente e voluntariamente, usou de grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio, contra a vítima EVERTON ROSA DO NASCIMENTO, a qual funcionava como reclamante na ação trabalhista nº 0010652-40.2015.5.15.0024. Conforme se extrai da prova oral e documental produzida, no dia dos fatos, o acusado, após agredir a vítima, ameaçou-a de causar-lhe mal injusto e grave, com o fim de que ela retirasse a ação trabalhista que movi contra ele na Justiça do Trabalho de Jaú, dizendo que se ela prosseguisse com a referida ação 'ela iria ver".

Através da decisão de fls. 123/124, o juízo estadual declinou de sua competência e remeteu os autos à Justiça Federal, visto que a conduta foi praticada com a finalidade de favorecer interesse próprio em ação trabalhista.


Recebidos os autos na Justiça Federal, o Ministério Público Federal ratificou o aditamento da denúncia, imputando ao réu a prática dos crimes previstos nos artigos 129 e 344, ambos do Código Penal.


A denúncia foi recebida em 02 de maio de 2018 (fls. 139/140).


Após regular instrução, sobreveio sentença (fls. 231/238) que condenou o acusado às penas de 01 (um) ano de reclusão, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo, pelo cometimento do crime descrito no artigo 344 do Código Penal, e 03 (três) meses de detenção pela prática do crime descrito no artigo 129 do Código Penal, em regime inicial aberto.


As penas restritivas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser indicada pelo Juízo da execução penal, e prestação pecuniária no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).


Inconformado, o acusado apresentou recurso de apelação (fls. 265v), em cujas razões (fls. 270/280) postula sua absolvição, alegando insuficiência de provas. Caso mantida a sentença, requer o afastamento da condenação à reparação de danos, ante a ausência de pedido nesse sentido na denúncia.


Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 282/288) no sentido de ser mantida a sentença recorrida.


Parecer da Procuradoria Regional da República, pelo desprovimento do apelo (fls. 290/294v).


É o relatório.


À revisão.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000071-32.2018.4.03.6117/SP
2018.61.17.000071-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
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VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso, e passo a seu exame.


Conforme relatado, JAIME CALIENTE foi condenado pela prática dos delitos descritos nos artigos 129, caput, e 344, ambos do Código Penal, às penas de 03 (três) meses de detenção e 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de R$3.000,00 (três mil reais), a serem fixados pelo Juízo da Execução.


Irresignada, a defesa apela postulando (fls. 270/280), em síntese:


i) a absolvição da prática dos crimes previstos nos artigos 129, caput, e 344, ambos do Código Penal, ao argumento de que inexiste "lastro probatório mínimo que coloque o APELANTE na cena dos crimes de lesão corporal leve e coação no curso do processo trabalhista" e que o réu e seu irmão "foram recepcionados por EVERTON e EVARISTO com uma pá nas mãos, defenderam-se de um possível golpe" e que "após o empurra-empurra, sem realizar ameaça ou coação, deixaram o local";

ii) o afastamento da condenação à reparação dos danos, tendo em vista que não há na denúncia pedido expresso nesse sentido.


Dos fatos


Consta da denúncia (fls. 30/31) e seu aditamento (fls. 85) que "no dia 16.05.2015, por volta das 12:30 horas, na Rua Antonio Casamáximo, 100, Jardim São José II, na cidade de Igaraçu do Tietê, comarca de Barra Bonita, o acusado JAIME CALIENTE, consciente e voluntariamente, usou de grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio, contra a vítima EVERTON ROSA DO NASCIMENTO, a qual funcionava como reclamante na ação trabalhista nº 0010652-40.2015.5.15.0024. Conforme se extrai da prova oral e documental produzida, no dia dos fatos, o acusado, após agredir a vítima, ameaçou-a de causar-lhe mal injusto e grave, com o fim de que ela retirasse a ação trabalhista que movi contra ele na Justiça do Trabalho de Jaú, dizendo que se ela prosseguisse com a referida ação 'ela iria ver".


Da materialidade e da autoria


A materialidade delitiva restou comprovada a partir do boletim de ocorrência (fls. 04/05), termo de declarações da vítima (fls. 09) e laudos periciais (fls. 13/14 e 17/18).


A autoria também está demonstrada pelos depoimentos colhidos na fase policial (fls. 09/10), ratificados pelo interrogatório do apelante em sede judicial, depoimento da vítima e da testemunha de acusação (mídia acostada a fls. 133), também realizados em juízo. Vejamos.


Do corpo do Boletim de ocorrência, extrai-se o seguinte trecho (fls. 05): "Presente no Plantão Policial a vítima noticiando que hoje estava trabalhando de pedreiro no local dos fatos, sendo que apareceu o autor e lhe ameaçou de morte, bem como apoderou-se de uma pá de pedreiro e lhe agrediu atingindo braço direito, conforme laudo médico; que tal agressão ocorreu devido ao fato da vítima ter ingressado com uma ação trabalhista contra o autor, tendo em vista trabalhou quatro anos para ele sem ser registrado (...)".


Na fase policial, Everton Rosa do Nascimento, no dia 30/09/2015, declarou (fls. 09):


"Que no dia 16/05/2015, por volta das 12:30H estava trabalhando de pedreiro na casa de Célio, quando apareceu a pessoa de Jaime Caliente, o qual é seu ex-patrão, sendo que este lhe agrediu com uma pá de pedreiro, atingindo o braço direito, bem como lhe ameaçou de morte, dizendo que se o declarante continuasse com a ação trabalhista que estava movendo contra ele iria matá-lo (...)".

Também na fase investigativa, Célio Ronaldo da Silva prestou depoimento (fls. 10), nos seguintes termos:


"Que estava em sua residência junto com Everton Rosa do Nascimento, quando chegou pelo local a pessoa de Jaime Caliente, com quem Everton já teve alguns desentendimentos; Que sem qualquer justificativa Jaime desferiu um golpe com uma pá contra Everton; Que o golpe acertaria a cabeça de Everton porém esse conseguiu colocar o braço na frente e se defender; Que após o golpe o depoente junto com outras pessoas conseguiram conter Jaime (...)".

Já em juízo, a vítima Everton Rosa do Nascimento (mídia acostada a fls. 133), afirmou que movia uma ação trabalhista contra o réu e, no dia dos fatos, ele e seu irmão lhe agrediram e tentaram intimidá-lo com ameaças com o objetivo de que retirasse o processo. Narrou que Jaime atingiu sua mão com uma pá, tendo conseguido se defender e fugir para chamar a Polícia. Disse que, após a agressão, o réu o ameaçou dizendo "se você não retirar a queixa eu vou pegar você, você vai ver". Ainda, afirmou que não ficou sem trabalhar em razão das lesões e que o réu pagou os valores acordados na ação trabalhista.


Ainda em juízo, a testemunha Célio Ronaldo da Silva (mídia acostada a fls. 133) afirmou que no dia dos fatos, a vítima trabalhava como pedreiro na calçada de sua casa. Que compareceu ao local dos fatos juntamente com sua namorada para entregar material de construção para Everton, momento em que Jaime apareceu e, sem qualquer explicação, começou a golpear a vítima com uma pá. Após a agressão física, Jaime teria dito que Everton estava movendo uma ação trabalhista contra ele e, por fim, disse que presenciou uma ameaça de Jaime contra Everton.


Portanto, as provas demonstram que Jaime Caliente efetivamente coagiu a vítima, seu ex-empregado Everton Rosa do Nascimento, ao atingi-lo com uma pá de pedreiro e ameaçá-lo, caso não retirasse o processo trabalhista.


Em seu depoimento em juízo (mídias acostadas a fls. 133 e 212), Jaime Caliente negou os fatos. Afirmou que Everton movia um processo trabalhista contra ele e, na ocasião dos fatos, passou pela rua onde estava a vítima e seu cunhado e sua intenção era fazer um acerto sobre as verbas trabalhistas devidas a Everton. No entanto, teria sido surpreendido pelo cunhado da vítima que o atacou pelas costas com uma pá. Narrou que seu irmão segurou Everton e que se defendeu empurrando a vítima. Negou, assim, que tenha golpeado a vítima com uma pá e não soube explicar como teria sido causada a lesão na mão da vítima. Que posteriormente à data dos fatos, fez um acordo com a vítima na ação trabalhista.


Varderlei Rogério Caliente, irmão do réu, ouvido como informante (mídia acostada a fls. 212), afirmou que quando retornava da casa de seu irmão mais novo, passou com o réu em frente de uma calçada onde a vítima trabalhava e foram xingados por ele. Disse que pararam o carro e foram conversar com ele, no entanto, a vítima e seu cunhado vieram para cima deles com uma pá de pedreiro na mão para agredi-los. Afirmou que Jaime não agrediu a vítima e que não houve conversa sobre processo trabalhista, não tendo existido ameaça por parte de Jaime.


No entanto, o laudo pericial de fls. 17/18 confirmou a existência de "duas cicatrizes de ferimento corto-contusos em região medial do punho direito, mediando aproximadamente a maior 2,5 cm e a menor 0,5 cm", que causaram a perda da flexão do quinto dedo da mão direita da vítima.


Como bem observado no parecer do Ministério Público Federal (fls. 290/294):


"Os ferimentos corto-contusos na região medial do punho direito de Everton Rosa do Nascimento são característicos de lesões de defesa, de forma a evidenciar que a vítima se protegeu do golpe proferido por JAIME CALIENTE, o que confere verossimilhança nos depoimentos acima explorados.
Por outro lado, tais elementos probatórios evidenciam a inverossimilhança na versão apresentada em juízo por JAIME CALIENTE e Vanderlei Rogério Caliente, ouvido como informante em razão do parentesco com o réu (mídia de fls. 212), no sentido de que foram ofendidos e agredidos, primeiro, por Evaristo, cunhado da vítima, com a pá de pedreiro, de forma que o réu não teria praticado a violência contra Everton Rosa do Nascimento".

Ressalte-se que, ademais, a defesa do réu não explicou como o ferimento na mão da vítima teria ocorrido, tendo a perícia constatado tratar-se de lesão compatível com defesa. Em relação à versão apresentada pelo réu acerca de um suposto ataque da vítima, não se comprovou a existência de qualquer lesão no réu. A versão, portanto, contraria toda a prova carreada aos autos.


O dolo do acusado também foi comprovado na instrução criminal.


No crime de coação no curso do processo, o dolo consiste na vontade livre e consciente de usar violência ou grave ameaça, além da intenção de prejudicar o curso do processo, no interesse próprio ou alheio.


No caso concreto, restaram claros a intenção de agredir a integridade física da vítima e o interesse do acusado em interferir na marcha processual por meio de intimação da vítima, seu ex-empregado, que lhe movia reclamação trabalhista, através de grave ameaça. O fato da ação em questão não ter sido retirada e, posteriormente, vítima e acusado terem feito acordo em relação às verbas trabalhistas em atraso, não desqualifica a configuração do crime.


No mais, conclui-se que a defesa não comprovou suas alegações, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal. Além disso, a prova pericial e a prova oral foram uníssonas no sentido de que o réu ofendeu a integridade física da vítima e usou de grave ameaça a fim de favorecer interesse próprio em processo trabalhista, estando reunidos os elementos caracterizadores dos crimes previstos nos artigos 129 e 344, ambos do Código Penal.


Por tais razões, deve ser mantida a sentença condenatória.


Da dosimetria da pena


Inexistem questionamentos quanto à dosimetria penal (tratando-se, apenas, de recurso defensivo quanto a aspectos da materialidade, autoria e afastamento da condenação à obrigação de reparar o dano). O juízo a quo fixou as penas nos seguintes termos (fls. 236/236v):


"Considerado o concurso material entre os delitos previstos nos artigos 129, caput, e 344, ambos do Código Penal, observando-se que o primeiro delito prevê pena de detenção, de 03 (três) meses a 01 (um) ano, ao passo que o segundo delito prevê pena de reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência, passo à fixação das penas, observando os critérios legais.
Fixadas essas premissas, observo que, na primeira fase da aplicação da pena, de acordo com os artigos 68 e 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do réu JAIME CALIENTE pode ser considerada normal para os tipos em questão.
Conforme folhas de antecedentes e certidões criminais acostadas aos autos inexistem provas de maus antecedentes. Assinale-se, por relevante, que o exame ora empreendido desconsidera inquéritos policiais e ações penais em curso, reconhecidamente inidôneos a lastrear a cognição judicial (Súmula nº 444, do Superior Tribunal de Justiça).
Não existem elementos nos autos aptos a aferir a conduta social e a personalidade do acusado de modo negativo.
Também não há circunstâncias dos crimes que fundamentem aumento de pena.
Fixo, portanto, a pena-base do delito de coação no curso do processo em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa e, quanto ao crime de lesão corporal, fixo a sua pena-base em detenção de 03 (três) meses.
Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, mantenho a pena intermediária no patamar acima referido.
Na mesma toada, no caso da terceira fase de fixação da pena, sem causas de diminuição e aumento.
Assim, torno definitiva a pena do delito de coação no curso do processo em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa e, quanto ao delito de lesão corporal, em 03 (três) meses de detenção.
Devido à situação econômica e pessoal do réu (salário de R$1.600,00; sem outras fontes de renda nem bens consideráveis), fixo o valor unitário do dia-multa em 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo vigente na data do fato, nos termos do art. 49 do Código Penal, atualizado monetariamente até a data do efetivo pagamento.
O regime inicial de cumprimento das penas privativas de liberdade é o aberto, de acordo com o artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.
Cabível, na espécie, a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, uma vez que a penas privativa de liberdade aplicada nesta ação é inferior a 04 (quatro anos) e o art. 44, inciso III, do Estatuto Repressivo somente autoriza a substituição quando "a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que essa substituição seja suficiente".
Assim sendo, observado o disposto pelo art. 44, parágrafo segundo, segunda parte, e na forma do art. 45 e art. 46, todos do CP, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade aplicada por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade, mediante realização de tarefas gratuitas a serem desenvolvidas, pelo prazo a ser estipulado em audiência admonitórias, junto a uma das entidades enumeradas no parágrafo segundo do citado artigo, em local a ser designado pelo juízo da execução, devendo ser cumprida à razão de umas hora de tarefa por dia de condenação, que será distribuída e fiscalizada, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho dos condenados; a prestação pecuniária, no pagamento em dinheiro à entidade público ou privada com destinação social, a ser indicada pelo juízo da execução, no valor de R$3.000,00 (três mil reais)."

Observo que as penas-base foram acertadamente fixadas no mínimo legal, nos termos do art. 59 do Código Penal. Da mesma forma, ausentes atenuantes e agravantes, e causas de diminuição e de aumento, as penas foram corretamente fixadas em 01 (um) ano de reclusão, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo, pelo cometimento do crime descrito no artigo 344 do Código Penal, e 03 (três) meses de detenção pela prática do crime descrito no artigo 129 do Código Penal, em regime inicial aberto.


Em observância ao artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de R$3.000,00 (três mil reais).


Por fim, observo que não merece acolhimento o pleito da Procuradoria da República que, em seu parecer de fls. 290/294v, argumenta que, de ofício, deve ser afastada a lesão corporal leve como delito autônomo, reconhecendo-se o crime único do artigo 344 do Código Penal combinado, apenas para efeito de apenação, com o artigo 129, caput, do Código Penal.


Isso porque extrai-se dos autos que o apelante agrediu a vítima, ofendendo-lhe a integridade física, praticando o crime de lesão corporal e, em seguida, a ameaçou para que desistisse do processo trabalhista, praticando, assim, ambos os crimes. O depoimento da vítima na fase policial (fls. 09) bem elucida a questão: "estava trabalhando de pedreiro na casa de Célio, quando apareceu a pessoa de Jaime Caliente, o qual é seu ex-patrão, sendo que este lhe agrediu com uma pá de pedreiro, atingindo o braço direito, bem como lhe ameaçou de morte, dizendo que se o declarante continuasse com a ação trabalhista que estava movendo contra ele iria matá-lo (...)".


Observo, portanto, que o crime de lesão corporal foi cometido em momento anterior ao de coação no curso do processo, tratando-se de condutas autônomas, de forma que no caso concreto não há que se falar em absorção e reconhecimento de crime único, ainda que ambos os crimes tenham sido cometidos no mesmo contexto.


Assim, não havendo qualquer vício a ser corrigido de ofício, restam mantidas as penas fixadas.


Do afastamento da reparação dos danos


O artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal estabelece que o juiz fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.


A despeito das controvérsias acerca da aplicabilidade da novel redação do dispositivo aos fatos ocorridos antes da sua vigência, entendo que a Lei nº 11.719/2008, responsável pela alteração, é uma norma de natureza processual penal, ensejando aplicação imediata, por força do princípio do tempus regit actum.


Ademais, o dispositivo em testilha tão-somente determina a liquidação imediata da obrigação de indenizar o dano, dever este há muito disciplinado no artigo 91, inciso I, do Código Penal, não trazendo o dispositivo, qualquer inovação no tocante à existência da obrigação de reparar o dano causado. Nesse sentido:


"PROCESSUAL PENAL. INDENIZAÇÃO DO ART. 387, IV, DO CPP. APLICABILIDADE À AÇÃO PENAL EM CURSO QUANDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA FOR PROFERIDA EM DATA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 11.719/2008. 1. A regra estabelecida pelo art. 387, IV, do Código de Processo Penal, por ser de natureza processual, aplica-se a processos em curso. 2. Inexistindo nos autos elementos que permitam a fixação do valor, mesmo que mínimo, para reparação dos danos causados pela infração, o pedido de indenização civil não pode prosperar, sob pena de cerceamento de defesa. 3. Recurso especial conhecido, mas improvido." (STJ, 6ª Turma, RESP 201000100227, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJE DATA:20/06/2012 RT VOL.:00926 PG:00831 ..DTPB:.)

No entanto, a permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido ou do Ministério Público (RESP 201102649781, Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJE 09/10/2012; EDRESP 201102467107, Rel. Des. Conv. CAMPOS MARQUES DJE DATA:26/04/2013), nem de ser oportunizado o contraditório ao réu, sob pena de violação ao princípio da ampla defesa (STJ, 6ª Turma, AGRESP 1.383.261, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJE 14/11/2013).


Observo que, na presente hipótese, restou inviabilizado o exercício do contraditório. Por ocasião do oferecimento da denúncia já existia a previsão legal do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.719, de 20/06/2008. Todavia, não houve pedido do Ministério Público Federal na inicial (ou mesmo nas alegações finais) para a aferição desses valores e, consequentemente, manifestação da defesa no curso da ação penal acerca do tema.


Diante disso, dou provimento ao recurso defensivo nesse ponto e afasto a condenação a título de reparação dos danos.


Dispositivo


Ante o exposto, DOU parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa de JAIME CALIENTE apenas para afastar a condenação fixada a título de reparação dos danos pelo magistrado a quo.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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