D.E. Publicado em 25/09/2020 |
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EMENTA
1. A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, não depende de qualquer norma integrativa, bastando supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24, cuja retroatividade restou pacificada pelo STF, considerando que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial, não havendo que se falar em retroatividade in malam partem.
2. Inocorrência da prescrição retroativa. A pena aplicada na r. sentença em face do acusado foi de 03 (três) anos de reclusão (já descontado o acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição ocorrerá após o decurso de 08 (oito) anos entre os marcos interruptivos. Nesse contexto, não transcorreu lapso superior entre a data dos fatos (12.07.2007) e o recebimento da denúncia (25.10.2010), ou entre esta e a publicação da sentença (19.08.2013), tampouco entre este marco interruptivo e a presente data, subsistindo integralmente o direito estatal de punir.
3. De acordo com a exordial, nos anos-calendários de 1998 e 1999 (exercícios de 1999 e 2000, respectivamente), o acusado CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, em conluio com Edmo Dias Pinheiro, reduziu e suprimiu imposto de renda pessoa física ao prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, informando falsa operação de compra e venda de gado, mediante o uso de notas fiscais, objetivando deduzir o resultado da atividade rural no referido período. Os fatos foram apurados em fiscalização realizada pela Receita Federal, na qual se constatou que na DIRPF/1999 o réu informou que teve apenas rendimentos de atividade rural, cujo lucro foi de R$ 9.861,26. Na DIRPF/2000 ele declarou que sofreu prejuízo no exercício dessa atividade, correspondente a R$ 2.259,49. Para tal, o acusado apresentou notas fiscais de compra e venda de gado, emitidas por Edmo Dias Pinheiro em 1999. No curso da fiscalização e da instrução probatória não foram comprovadas referidas operações, restando configurada a conduta fraudulenta narrada na exordial no que tange ao ano-calendário de 1999 (exercício de 2000).
4. A fraude narrada na exordial de que o réu CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA também teria se utilizado no ano-calendário de 1998 de notas fiscais emitidas por Edmo Dias Pinheiro para fraudar o Fisco não restou comprovada, pois, em consulta aos autos, não se identificou a existência desses documentos já que as notas fiscais apresentadas fazem alusão ao ano de 1999. Neste segmento, tem-se que somente se verifica a comprovação da materialidade no que diz respeito à sonegação de imposto de renda pessoa física do ano-calendário de 1999, devendo o réu ser absolvido em relação à conduta que se refere ao ano-calendário de 1998 por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
5. O crédito tributário foi definitivamente constituído em 12.07.2007, restando cumpridos os requisitos da Súmula Vinculante n.º 24 do STF.
6. Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.
7. - Refutada a tese acerca da impossibilidade de lesão ao erário por força de penhora em sede de execução fiscal. É certo que o débito está sendo cobrado mediante a Execução Fiscal n.º 2007.61.07.011020-3, havendo notícia de que houve a Penhora de imóvel rural para garantia daquela ação. Note-se, todavia, que o fato de a Administração Pública possuir meios de cobrar o que lhe é devido não retira o caráter penal da conduta do réu, pois houve lesão ao Fisco.
8. As alterações decorrentes do artigo 6º da Lei n. 12.382/2011 (que deu nova redação ao artigo 83 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996), não se aplicam ao caso em concreto uma vez que não se comprovou o pagamento integral do débito apurado pela Receita Federal, condição exigida pela lei para que haja extinção da punibilidade. A penhora de bem valioso, que supostamente será capaz de quitar a dívida adquirida com o Fisco, configura mera expectativa e não gera, por si só, a extinção da obrigação tributária, menos ainda da punibilidade do réu.
9. A autoria não foi questionada e restou comprovada pelo conjunto probatório, sobretudo pela prova oral.
10. Nos crimes contra a ordem tributária, ao contrário do alegado pela Defesa, basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo se comprovar que houve intenção em sua conduta. Embora também não tenha sido questionado, o elemento anímico restou comprovado pela própria conduta fraudulenta do réu, o qual se valeu de notas fiscais de operação de compra e venda de gado simuladas para fazer deduções indevidas em sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2000 (ano-calendário 1999) e, assim, suprimir e reduzir tributo federal.
11. DOSIMETRIA: Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, a fonte propulsora da vontade criminosa. No caso em análise, conforme argumentado pela Defesa, os fundamentos utilizados na sentença como hábeis a exasperar a pena-base em razão dos motivos do crime confunde-se com a própria essência do delito de sonegação fiscal, que é obter vantagem em detrimento do erário, devendo ser excluída referida circunstância, por ser ínsita ao próprio tipo penal. Seria possível a revaloração de outras circunstâncias judiciais, conforme entendimento do STJ, sobretudo em razão do valor originário dos tributos (R$ 145.622,43), capaz de justificar a elevação da pena acima do mínimo legal em razão das consequências do delito. Todavia, pela análise dos documentos inseridos aos autos, notadamente do auto de infração, não é possível aferir o quantum que foi suprimido ou reduzido a título de imposto de renda pessoa física relativa à DIRF de 2000, considerando a absolvição do réu no que tange à competência de 1998, restando inviabilizada a avaliação precisa do julgador acerca do patamar de elevação da pena-base. Incumbiria à acusação tal detalhamento, mas não o fez. Nesse contexto, a pena-base deve ser reduzida para o mínimo legal, atendendo-se ao pleito defensivo.
12. Na segunda fase da dosimetria o r. Juízo a quo reconheceu a inexistência de circunstâncias agravantes e atenuantes.
13. Na terceira fase não foram sopesadas causas de diminuição, tendo a sentença considerado como causa de aumento de pena a continuidade delitiva. No entanto, o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. Note-se que a exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado. Sob esse espeque, resta fixada a pena privativa de liberdade em 02 (dois) anos de reclusão até a terceira fase.
14. No que tange ao concurso de crimes, em razão da absolvição do réu em relação ao ano-calendário 1998, não mais se verifica a prática delitiva continuada, devendo ser afastada a incidência do artigo 71 do Código Penal, tornando-se definitiva a pena acima imposta.
15. Reflexamente, a pena de multa deve ser reduzida para 10 (dez) dias-multa. À míngua de recurso acerca do tema e por estar em consonância com a situação financeira do réu, deve ser mantido o valor unitário do dia-multa estabelecido em três salários mínimos vigentes à época da sentença.
16. Mantido o regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
17. Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviço à comunidade ou ente público, pelo mesmo período da condenação, a ser escolhida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária cuja destinação também deverá ser definida pelo Juízo da Execução Penal.
18. No que tange à prestação pecuniária é necessária a especificação do seu valor por este Juízo diante da omissão da sentença. Nesse contexto, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Considerando o valor iludido e as condições socioeconômicas do réu, a prestação pecuniária deveria ser fixada em 20 (vinte) salários mínimos, no entanto, diante da omissão da sentença, deve ser estabelecida no mínimo legal (01 salário mínimo) vigente à época do último crime (exercício de 2000).
19. Apelação do réu parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à APELAÇÃO DO RÉU para ABSOLVÊ-LO da imputação pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990 no ano-calendário de 1998, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, mantendo sua condenação pela prática do aludido delito no que diz respeito ao ano-calendário de 1999, cuja pena privativa de liberdade deve ser reduzida para 02 (dois) anos de reclusão, bem como estabelecido o pagamento de 10 (dez) dias-multa, mantendo-se o valor unitário de três salários mínimos. Mantido o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. DE OFÍCIO, sanar omissão para especificar que a prestação pecuniária deve corresponder ao valor de 01 (um) salário mínimo vigente à época do crime (exercício de 2000), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo réu CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, nascido em 06.01.1960, em face da r. sentença acostada às fls. 473/479, proferida pelo Exmo. Juiz Federal Substituto Pedro Luis Piedade Novaes (1ª Vara Federal de Araçatuba/SP), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado em ação penal para ABSOLVER o acusado Edmo Dias Pinheiro, em razão da ausência de materialidade delitiva, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, e para CONDENAR o Apelante pela prática do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal, à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 58 (cinquenta e oito) dias-multa, no valor unitário de três salários mínimos vigentes na data da sentença. Houve substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos consubstanciadas em prestação de serviço à comunidade ou ente público, pelo mesmo período da condenação, a ser escolhida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária cuja destinação também deverá ser definida pelo Juízo da Execução Penal.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA e de Edmo Dias Pinheiro, como incursos nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, por duas vezes, na forma do artigo 69 do Código Penal (fls. 116/117v.).
Narra a exordial que nos anos-calendários de 1998 e 1999 (exercícios de 1999 e 2000, respectivamente), o acusado CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, em conluio com Edmo Dias Pinheiro, teria reduzido e suprimido imposto de renda pessoa física ao prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, informando falsa operação de compra e venda de gado, mediante o uso de notas fiscais, objetivando deduzir o resultado da atividade rural no referido período. Segundo apurado pela Receita Federal na DIRPF/1999 CASIMIRO teria informado que teve apenas rendimentos de atividade rural, cujo lucro foi de R$ 9.861,26 (nove mil, oitocentos e sessenta e um reais e vinte e seis centavos). Na DIRPF/2000 esse acusado teria declarado prejuízo no exercício dessa atividade, correspondente a R$ 2.259,49 (dois mil, duzentos e cinquenta e nove reais e quarenta e nove centavos). Em contato telefônico Edmo Dias Pinheiro teria esclarecido ao auditor fiscal que as notas fiscais apresentadas em seu nome pelo corréu CASIMIRO representavam uma venda e apenas tinham sido cedidas para que ele (CASIMIRO) transportasse seu próprio gado de uma propriedade para outra. Em consulta aos sistemas da Receita Federal, na base IRPF, o auditor teria verificado que Edmo não declarou a receita das sobreditas vendas e não localizou quaisquer indícios dos respectivos pagamentos em análise aos extratos bancários. Intimado acerca dos fatos CASIMIRO teria contrariado a versão de Edmo, alegando serem verdadeiras as transações de compra de bovinos, porém, não teria comprovado referidas operações. O crédito tributário consolidado e inscrito em dívida ativa foi de R$ 767.878,59 (setecentos e sessenta e sete mil, oitocentos e setenta e oito reais e cinquenta e nove centavos), conforme extrato acostado à fl. 111.
Nos termos do Ofício/SACAT n.º 291/2013, a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 12 de julho de 2007, tendo ocorrido a respectiva inscrição em dívida ativa (fl. 610).
A denúncia foi recebida em 25 de outubro de 2010 (fl. 118).
Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença publicada em 19 de agosto de 2013 (fl. 480).
Os Embargos de Declaração opostos pela Defesa às fls. 482/486, alegando omissão no que tange à prescrição, foram conhecidos e rejeitados à fl. 493 e v.
Inconformado, o réu CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA interpôs Apelação nos termos do artigo 600, §4º, do Código de Processo Penal (fls. 496/497). Em razões recursais, oferecidas nesta instância, a Defesa alega, preliminarmente, ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, sob o argumento de irretroatividade da Súmula Vinculante n.º 24 do STF. No mérito, requer a absolvição apresentando as seguintes teses: a) ausência de materialidade delitiva, sob o argumento de que nunca houve supressão ou redução do imposto, mas mero inadimplemento, o que ensejaria a absolvição nos termos do artigo 386, inciso III, do CPP; b) extinção da punibilidade em face da impossibilidade de lesão ao erário por força da penhora existente nos autos de execução fiscal, o que levaria à extinção da punibilidade do réu por equivalência ao pagamento do tributo, conforme previsto na legislação tributária nacional. Subsidiariamente, alega bis in idem na majoração da pena acima do mínimo legal pelo "motivo do crime", o qual se confundiria com o próprio elemento volitivo do delito (fls. 506/527).
As contrarrazões foram oferecidas pela acusação na Vara de origem às fls. 613/617v.
Nesta instância, o Parquet Federal ofereceu Parecer no qual opinou pelo desprovimento do recurso interposto pelo réu (fls. 622/626).
Às fls. 627/630, o acusado juntou cópia do Auto de Penhora, Depósito e Avaliação realizado em sede de Execução Fiscal. Dada ciência ao MPF, este se manifestou pelo prosseguimento do feito e manutenção da condenação de CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA (fl. 636 e v.).
Enquanto o feito aguardava julgamento nesta E. Corte, foi proferida liminar no Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n.º 1.055.941 e, considerando que a instauração do presente processo ocorreu com base no compartilhamento de informações bancárias e/ou fiscais diretamente do Fisco com o Ministério Público Federal, houve o reconhecimento de que esta Ação Penal se enquadra na hipótese de sobrestamento determinada naquela decisão proferida pela Suprema Corte (fl. 637).
Todavia, em 28.11.2019, foi concluído o julgamento do referido Recurso Extraordinário, oportunidade em que foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida, razão pela qual o feito e o prazo prescricional retomaram seu curso normal, conforme decisão à fl. 641 e v.
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Do crime previsto no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990 e da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Em sede de Apelação, a Defesa alega, preliminarmente, ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, sob o argumento de irretroatividade da Súmula Vinculante n.º 24 do STF.
Referida tese não merece acolhida.
O Apelante foi denunciado e condenado em primeiro grau pela prática do art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, in verbis:
A supressão do tributo ocorre pelo não pagamento e a redução se dá quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude. As condutas constantes dos incisos em aludido artigo têm, pois, o escopo de estabelecer os modos pelos quais o resultado (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório) será alcançado.
Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n.º 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material.
Para que este delito reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta com eficácia de ofensa ao bem jurídico, com prejuízo patrimonial ao erário público.
É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n.º 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005).
No que tange à alegação da defesa de que referida Súmula Vinculante somente se aplicaria aos crimes cometidos após sua vigência, vale destacar que o tema também já foi decidido pelos tribunais superiores e, inclusive, pela Suprema Corte, a qual se posicionou no sentido de que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial, não havendo que se falar em retroatividade in malam partem:
Neste segmento, identificada a prática nos autos de crime material contra ordem tributária, o termo inicial do prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal se inicia quando da constituição definitiva do crédito tributário, ocasião, aliás, em que efetivamente consumado o delito e a partir do qual se mostra preenchida a condição objetiva de punibilidade consagrada pelo C. Supremo Tribunal Federal quando da edição de sua Súmula Vinculante nº 24 - a propósito:
Nesse diapasão, nota-se que a constituição definitiva do crédito tributário debatido ao longo deste feito ocorreu em 12 de julho de 2007 (fl. 610), data esta que, a teor do posicionamento anteriormente exposto, deve figurar como termo inicial da contagem da prescrição da pretensão punitiva.
A ausência de recurso da acusação torna impossível o agravamento da reprimenda imposta, devendo o prazo prescricional ser regulado pela pena aplicada pelo juiz singular, nos termos do artigo 110, § 1º, do Código Penal, e, nos termos do artigo 119 do Código Penal, a aferição da prescrição levará em conta a pena aplicada pela perpetração do delito sem a incidência do aumento de pena decorrente do concurso de crimes ("No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente"), regramento este acolhido pela jurisprudência que se formou acerca do tema no âmbito do C. Supremo Tribunal Federal, a redundar na edição da Súmula 497 ("Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação").
No caso em tela, como os fatos imputados são anteriores ao advento da Lei n.º 12.234, de 15 de maio de 2010 (constituição do crédito tributário em 12.07.2007 - fl. 610), o regime jurídico aplicável em sede de prescrição da pretensão punitiva abarca o instituto da prescrição retroativa, então prevista no § 2º do artigo 110 do Código Penal, segundo o qual esta poderia ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. Importante ser dito que tal disposição somente teria incidência quando tivesse sobrevindo trânsito em julgado da sentença penal condenatória para a acusação, ou depois de improvido o seu recurso (nos termos da redação original do §1º do art. 110 do Código Penal).
Estabelecidas tais premissas, observa-se que a pena aplicada na r. sentença em face do acusado foi de 03 (três) anos de reclusão (já descontado o acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição ocorrerá após o decurso de 08 (oito) anos entre os marcos interruptivos.
Nesse contexto, não transcorreu lapso superior entre a data dos fatos (12.07.2007 - fl. 610) e o recebimento da denúncia (25.10.2010 - fl. 118), ou entre esta e a publicação da sentença (19.08.2013 - fl. 480), tampouco entre este marco interruptivo e a presente data, subsistindo integralmente o direito de punir.
Assim, presente a pretensão punitiva estatal, refuta-se o argumento recursal acerca da prescrição.
Da Materialidade, Autoria e Elemento Subjetivo
Em sede de Apelação, a Defesa sustenta ausência de materialidade delitiva, alegando inocorrência dos verbos suprimir e reduzir, o que ensejaria a absolvição do réu nos termos do artigo 386, inciso III, do CPP (não constituir o fato infração penal), bem como em face da impossibilidade de lesão ao erário por força da penhora existente nos autos da execução fiscal, o que levaria à extinção da punibilidade do acusado por equivalência ao pagamento do tributo, conforme estaria previsto na legislação tributária nacional.
Nos termos da exordial, nos anos-calendários de 1998 e 1999 (exercícios de 1999 e 2000, respectivamente), o acusado CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, em conluio com Edmo Dias Pinheiro, reduziu e suprimiu imposto de renda pessoa física ao prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, informando falsa operação de compra e venda de gado, mediante o uso de notas fiscais, objetivando deduzir o resultado da atividade rural no referido período.
Os fatos foram apurados em fiscalização realizada pela Receita Federal, na qual se constatou que na DIRPF/1999 o réu informou que teve apenas rendimentos de atividade rural, cujo lucro foi de R$ 9.861,26. Na DIRPF/2000 ele declarou que sofreu prejuízo no exercício dessa atividade, correspondente a R$ 2.259,49. Para tal, o acusado apresentou notas fiscais de compra e venda de gado, emitidas por Edmo Dias Pinheiro, tendo o auditor fiscal consignado no Termo de Constatação Fiscal (MOTIVO 08 - fl. 28 do Apenso) que "verificou-se que o contribuinte acima efetuou lançamento de despesas de várias compras de gado conforme notas fiscais (cópias simples com exceção daquela de nº 0764549, datada de 02/09/1999, que corresponde à 2ª via fisco da UF do Destino), todas emitidas pelo Sr. Edmo Dias Pinheiro, CPF nº 002.512.831-00 e com inscrição estadual GO 11043976-7 e que tem destinário o Sr. Cassimiro J. A. Vilela e abaixo discriminadas."
A soma das notas fiscais correspondeu a R$ 124.070,00 (cento e vinte e quatro mil e setenta reais) e se referiram ao total de 750 cabeças de gado, assim especificadas:
- NF n.º 652366: emitida em 24.08.1999 no valor de R$ 25.500,00 referente a 170 cabeças;
- NF n.º 764549: emitida em 02.09.1999 no valor de R$ 24.000,00 referente a 120 cabeças;
- NF n.º 764879: emitida em 08.09.1999 no valor de R$ 18.860,00 referente a 115 cabeças;
- NF n.º 766153: emitida em 27.09.1999 no valor de R$ 17.990,00 referente a 115 cabeças;
- NF n.º 896564: emitida em 11.11.1999 no valor de R$ 18.860,00 referente a 115 cabeças;
- NF n.º 896718: emitida em 17.11.1999 no valor de R$ 18.860,00 referente a 115 cabeças.
O auditor fiscal entrou em contato telefônico com este último indivíduo (Edmo Dias Pinheiro), o qual lhe informou que as notas fiscais apresentadas em seu nome pelo Apelante representavam uma venda de gado, mas esta operação não ocorreu na prática e os documentos foram cedidos apenas para que o réu pudesse transportar seu próprio gado de uma propriedade para outra. Essa versão foi corroborada pelo fato de que Edmo Dias Pinheiro deixou de declarar a receita das vendas simuladas naquelas notas fiscais, situação constatada pelo auditor fiscal ao consultar os sistemas da Receita Federal na base IRPF.
A fiscalização consultou os extratos bancários de CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA e não identificou os aludidos débitos que corresponderiam aos pagamentos da compra de gado. Ouvido na Receita Federal, o réu negou que as notas fiscais teriam sido cedidas "gentilmente" por Edmo Dias Pinheiro e afirmou que as transações de compra de bovinos eram verdadeiras, porém, não comprovou o pagamento dessas operações de nenhuma forma, alegando, ao final, que a quitação fora realizada em dinheiro.
Assim, não tendo sido comprovadas as operações que deram origem às notas fiscais emitidas em 1999 por Edmo Dias Pinheiro e utilizadas por CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA para justificar as informações prestadas à Receita Federal na DIRPF de 2000, resta configurada a conduta fraudulenta narrada na exordial no que tange ao ano-calendário de 1999.
Conforme acima mencionado, a peça acusatória traz notícia de que no ano-calendário de 1998 também teria havido a emissão de notas fiscais por Edmo Dias Pinheiro e a prestação de declarações falsas amparadas nessas notas fiscais pelo réu CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, com o objetivo de fraudar o fisco. Todavia, em consulta aos autos, não se identificou a existência desses documentos já que as notas fiscais apresentadas fazem alusão ao ano de 1999.
Observa-se na Representação Fiscal para Fins Penais e no Termo de Constatação e Verificação Fiscal (Fato 02 - fls. 29/34 do Apenso), que tanto em relação a 1998 quanto a 1999 a auditoria também analisou a movimentação bancária do Apelante e verificou o ingresso de recursos em suas contas correntes, sendo que vários deles foram relacionados por CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA como numerários recebidos de Edmo Dias Pinheiro como pagamento de compra de bovinos, objeto de contrato de parceira pecuária celebrado entre eles. Como referidas operações não restaram comprovadas no curso da fiscalização, aliado ao fato das notas fiscais de operações não comprovadas em 1999, foi lavrado o Auto de Infração referente à sonegação de Imposto de Renda Pessoa Física no valor originário total de R$ 145.622,43 (cento e quarenta e cinco mil, seiscentos e vinte e dois reais e quarenta e três centavos). O crédito tributário foi de R$ 403.387,82 (quatrocentos e três mil, trezentos e oitenta e sete reais e oitenta e dois centavos), conforme se verifica no Auto de Infração acostado à fl. 08 do Apenso.
No caso dos autos houve lançamento de ofício após regular procedimento administrativo fiscal e operou-se a constituição definitiva do crédito tributário em 12.07.2007 (fl. 610), procedendo-se, inclusive, à inscrição desse débito em dívida ativa.
Registre-se, porém, que esta segunda parte da Representação Fiscal (receitas bancárias de origem não comprovada nos anos-calendários de 1998 e 1999) não constou da denúncia, bem como que a acusação acerca da emissão de notas fiscais de operações de gados emitidas em 1998 não restou comprovada pelo conjunto probatório.
Neste segmento, tem-se que somente se verifica a comprovação da materialidade no que diz respeito à sonegação de imposto de renda pessoa física do ano-calendário de 1999, devendo o réu ser absolvido em relação à conduta que se refere ao ano-calendário de 1998 por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Como mencionado, verifica-se a comprovação da materialidade no que diz respeito à sonegação de imposto de renda pessoa física do ano-calendário de 1999.
Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos, não tendo sido referida prova refutada pela Defesa.
A tese defensiva acerca da impossibilidade de lesão ao erário por força de penhora em sede de execução fiscal igualmente não merece amparo.
É certo que o débito está sendo cobrado mediante a Execução Fiscal n.º 2007.61.07.011020-3 (fls. 66/68), havendo notícia de que houve a Penhora de imóvel rural para garantia daquela ação, conforme se verifica às fls. 627/630. Note-se, todavia, que o fato de a Administração Pública possuir meios de cobrar o que lhe é devido não retira o caráter penal da conduta do réu, pois houve lesão ao Fisco.
De outra senda, não se aplica ao caso dos autos a norma invocada pela Defesa (artigo 6º da Lei n. 12.382/2011), cuja redação é a seguinte:
No caso em análise não se comprovou o pagamento integral do débito apurado pela Receita Federal, condição exigida pela lei para que haja extinção da punibilidade. A penhora de bem valioso, que supostamente será capaz de quitar a dívida adquirida com o Fisco, configura mera expectativa e não gera, por si só, a extinção da obrigação tributária, menos ainda da punibilidade do réu.
Portanto, conforme se verifica de todo o exposto, resta evidenciada a conduta de suprimir e reduzir imposto de renda pessoa física, pois ao declarar informação falsa amparada em notas fiscais de operação simulada de compra e venda de gado no ano-calendário de 1999, o réu incorreu nas condutas descritas no tipo previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, restando comprovado o efetivo prejuízo ao erário.
Em juízo, CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA esclareceu em seu interrogatório que é pecuarista. Em relação aos fatos, aduziu que Edmo Dias Pinheiro é médico em Goiânia e são conhecidos há muitos anos. Edmo Dias Pinheiro precisava de pasto para seu gado, que estava em Goiânia, e o Apelante possui fazendas no Mato Grosso. Fizeram uma parceria, mas precisavam de uma inscrição estadual para a emissão da nota fiscal, tendo o Apelante lhe fornecido a sua para acelerar o transporte, pois o gado estava morrendo com a seca. Esse foi o início da parceria e depois passaram a negociar gado, tendo Edmo Dias Pinheiro comprado algumas cabeças que o interrogando possuía e fez os depósitos em sua conta. Continuou fornecendo sua inscrição estadual para Edmo Dias Pinheiro até ele obter a dele, cujo processo é bem demorado e burocrático. Em razão da parceria passaram a dividir os lucros. No ano dos fatos estava com o caixa meio baixo e o contador lhe orientou a descontar os valores do gado que foi abatido na parceria com Edmo Dias Pinheiro. Indagado pelo Ministério Público Federal, esclareceu que houve tanto a transferência do gado quanto a compra e venda dos bovinos, porém Edmo Dias Pinheiro era o comprador do gado de propriedade do réu, e não o vendedor. Informado de que as notas fiscais objeto da fiscalização retratam o inverso, o réu não soube esclarecer o que ocorreu. Sabe que quem emite a nota é o vendedor do gado e o comprador tem que enviar a nota para o seu contador, sendo esta operação contabilizada nas declarações do comprador ao Fisco. Afirmou que as notas fiscais foram emitidas apenas para agilizar o transporte, mas não houve a venda efetiva de Edmo Dias Pinheiro para ele. Não sabe dizer porque elas foram lançadas em seu imposto de renda como "despesas". Indagado sobre os valores lançados nas DIRPF de 1998 e 1999, inclusive tendo prejuízo neste último ano, informou que não se lembra como fez para sobreviver, mas a pecuária é a sua única fonte de sustento. Possui duas fazendas, uma foi dada pelo pai e a outra pelo sogro. Por fim, alegou que nunca quis lesar o Fisco. Informou que uma de suas fazendas foi penhorada para garantir a execução fiscal (mídia à fl. 376).
Edmo Dias Pinheiro, por sua vez, informou em seu interrogatório judicial que teve uma parceria com o réu CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, no qual comprou um gado e mandou para criar na fazenda dele a fim de dividirem os lucros. Soube que ele tomou algumas atitudes irregulares com a Receita Federal. Indagado pelo Ministério Público Federal, afirmou que nunca vendeu gado para o acusado. O gado que foi transferido de sua fazenda em Goiás para a dele, em Mato Grosso, era seu e não houve venda desses bovinos para ele. Não teve lucro porque CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA desviou animais, não foi honesto no negócio e até causou prejuízo para terceiros também. Nada sabe sobre a questão dele com o Fisco, não participou de nada. Informou que nunca teve problema com a Receita Federal e nenhum auto de infração foi lavrado em seu nome (mídia à fl. 426).
Como se vê, a operação de compra e venda de gados retratada nas notas fiscais emitidas em 1999 não ocorreu e, portanto, sua utilização na DIRPF do réu, como "despesas", foi irregular e causou efetivo prejuízo ao erário.
A versão do increpado acerca da influência do contador em seu comportamento também não foi comprovada.
Deri Lemos Maia (testigo da Defesa), esclareceu que é contador, possui escritório contábil, e o réu CASIMIRO é seu cliente há uns vinte anos. Nesse período sempre fez a contabilidade dele, pessoa física, como pecuarista, de acordo com a documentação que lhe era entregue. Em relação aos fatos, esclareceu que o documento fiscal apontado na fiscalização diz respeito à compra de bovino e como tal foi contabilizada. Tratava-se de venda de gado de Edmo para CASIMIRO, e não de parceria. Não tem conhecimento de contratos sobre essa operação de compra e venda, conhece apenas as notas fiscais. Não tem conhecimento sobre a parte do pagamento. Os valores recebidos pelo réu na atividade de pecuarista sempre foram contabilizados pelo depoente de acordo com as notas fiscais que eram entregues (mídia à fl. 271).
As demais testemunhas arroladas pela Defesa, Adilson Geraldo Suano (fls. 281/282) e Paulo Henrique Costa Almeida (mídia à fl. 301), não tem conhecimento acerca dos fatos tratados nestes autos e nada esclareceram.
Em relação à autoria, tem-se que a responsabilidade pelas informações prestadas nas declarações de imposto de renda pessoa física é do contribuinte, ou seja, do increpado, fato revelador do seu envolvimento direto com os fatos.
Por fim, em que pese não tenha sido questionado, vale consignar que o elemento anímico restou igualmente comprovado pela própria conduta do réu, o qual se valeu de notas fiscais de operação de compra e venda de gado simuladas para fazer deduções indevidas em sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2000 (ano-calendário 1999) e, assim, sonegar tributo federal.
Aliás, vale registrar que o tipo penal descrito no artigo 1º e seus incisos, da Lei n.º 8.137/1990, prescinde de um especial estado de ânimo dirigido à sonegação fiscal. Basta o dolo genérico à sua configuração, consistente na vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo por meio das condutas elencadas no dispositivo legal. Não importa o motivo pelo qual o agente foi levado à prática do crime, sendo suficiente que sua conduta se amolde ao comportamento descrito na norma.
Nesse sentido:
Diante deste cenário, consolidada nos autos a materialidade delitiva, autoria e dolo, devendo ser mantida a condenação de CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990 no ano-calendário de 1999.
DA DOSIMETRIA DA PENA
O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.
Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.
Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.
Atento a estes elementos o sentenciante efetuou a dosimetria nos seguintes termos (fls. 477/479):
Em sede recursal a Defesa alega bis in idem na majoração da pena-base acima do mínimo legal pelo "motivo do crime", o qual se confundiria com o próprio elemento volitivo do delito.
Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, a fonte propulsora da vontade criminosa. No caso em análise, conforme argumentado pela Defesa, os fundamentos utilizados na sentença como hábeis a exasperar a pena-base em razão dos motivos do crime confunde-se com a própria essência do delito de sonegação fiscal, que é obter vantagem em detrimento do erário, devendo ser excluída referida circunstância, por ser ínsita ao próprio tipo penal.
Não obstante, seria possível a revaloração das circunstâncias judiciais conforme entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em precedente no qual autoriza, inclusive, que, diante do efeito devolutivo amplo da Apelação, instada a rever a individualização da pena, a Corte revalore negativamente novas circunstâncias, desde que a situação final do réu não seja agravada. In verbis:
Na hipótese dos autos, o valor originário dos tributos (R$ 145.622,43), seria capaz de justificar a elevação da pena acima do mínimo legal em razão das consequências do delito.
Todavia, pela análise dos documentos inseridos aos autos, notadamente do auto de infração, não é possível aferir o quantum que foi suprimido ou reduzido a título de imposto de renda pessoa física relativa ao DIRF de 2000, considerando a absolvição do réu no que tange à competência de 1998, restando inviabilizada a avaliação precisa do julgador acerca do patamar de elevação da pena-base.
Incumbiria à acusação tal detalhamento, mas não o fez.
Nesse contexto, a pena-base deve ser reduzida para o mínimo legal, atendendo-se ao pleito defensivo.
Na segunda fase da dosimetria o r. Juízo a quo reconheceu a inexistência de circunstâncias agravantes e atenuantes.
Na terceira fase não foram sopesadas causas de diminuição, tendo a sentença considerado como causa de aumento de pena a continuidade delitiva. No entanto, o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador.
Note-se que a exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado.
Sob esse espeque, resta fixada a pena privativa de liberdade em 02 (dois) anos de reclusão até a terceira fase.
No que tange ao concurso de crimes, em razão da absolvição do réu em relação ao ano-calendário 1998, não mais se verifica a prática delitiva continuada, devendo ser afastada a incidência do artigo 71 do Código Penal, tornando-se definitiva a pena acima imposta.
Reflexamente, a pena de multa deve ser reduzida para 10 (dez) dias-multa.
À míngua de recurso acerca do tema e por estar em consonância com a situação financeira do réu, deve ser mantido o valor unitário do dia-multa estabelecido em três salários mínimos vigentes à época da sentença.
Mantido o regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviço à comunidade ou ente público, pelo mesmo período da condenação, a ser escolhida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária cuja destinação também deverá ser definida pelo Juízo da Execução Penal.
No que tange à prestação pecuniária é necessária a especificação do seu valor por este Juízo diante da omissão da sentença.
Nesse contexto, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Considerando o valor iludido e as condições socioeconômicas do réu, a prestação pecuniária deveria ser fixada em 20 (vinte) salários mínimos, no entanto, diante da omissão da sentença, deve ser estabelecida no mínimo legal (01 salário mínimo) vigente à época do último crime (exercício de 2000).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à APELAÇÃO DO RÉU para ABSOLVÊ-LO da imputação pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990 no ano-calendário de 1998, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, mantendo sua condenação pela prática do aludido delito no que diz respeito ao ano-calendário de 1999, cuja pena privativa de liberdade deve ser reduzida para 02 (dois) anos de reclusão, bem como estabelecido o pagamento de 10 (dez) dias-multa, mantendo-se o valor unitário de três salários mínimos. Mantido o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena. DE OFÍCIO, sanar omissão para especificar que a prestação pecuniária deve corresponder ao valor de 01 (um) salário mínimo vigente à época do crime (exercício de 2000), tudo nos termos da fundamentação.
É o voto.
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