D.E. Publicado em 30/09/2020 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, DAR PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia e determinar ao juízo a quo que dê prosseguimento ao feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencido o Desembargador Federal José Lunardelli que negava provimento ao recurso em sentido estrito.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NINO OLIVEIRA TOLDO:10068 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE2005286DE313 |
Data e Hora: | 20/09/2020 14:45:13 |
|
|
|
|
|
VOTO-VISTA
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI.
Registro, de início, que o relatório pertinente ao feito em exame consta das fls. 139 e verso, e a ele me reporto para fins descritivos.
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da decisão da 4ª Vara Federal de Guarulhos/SP que, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia que imputa ao acusado MAME CHEIKH FAYE a prática do crime tipificado no art. 304, c.c. o art. 297, ambos do Código Penal.
Narra a denúncia (fls. 70/71):
O juízo de origem rejeitou a denúncia (fls. 82/83v), sob dois fundamentos autônomos, quais sejam:
i) um de índole eminentemente processual (ilicitude da prova);
ii) outro de caráter material (violação ao caráter fragmentário do Direito Penal, diante da concessão de permanência ao recorrido pelo Conselho Nacional de Imigração).
Pedi vista dos autos para melhor analisar a ausência de justa causa para o início da ação penal, com fundamento no caráter fragmentário, subsidiário do Direito Penal.
A esse respeito, assim fundamentou o Juízo a quo, in verbis (fls. 59):
Compulsando os autos, verifica-se que o Ministério Público Federal, requereu judicialmente o arquivamento do inquérito policial em questão (fls. 58/60), deferido pelo Juízo a quo (fls. 62).
Após o arquivamento, houve informação do CONARE (fls. 64), no sentido de que "o pedido de reconhecimento da condição de refugiado do senhor MAME CHEIKH FAYE foi indeferido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), na 130ª Reunião Plenária Ordinária realizada em 29 de junho de 2018, eis que não restou demonstrada a existência de fundado temor de perseguição compatível com os critérios elegibilidade prevista no art. 1º, da Lei 9.474, de 22 de julho de 1997". Em seguida, o Ministério Público Federal requereu vista dos autos e, após, ofereceu denúncia (fls. 63/67).
Entretanto, conforme informado pela autoridade policial da DELEMIG/DREX/SR/PF/SP, o denunciado encontra-se classificado como residente no território nacional, tendo sido concedido visto ou permanência definitiva pelo Conselho (fls. 76/80).
Diante de tais fatos, faz-se necessário analisar a legislação que regula o ingresso do estrangeiro no território nacional e o pedido de refúgio, prevista na Lei n.º 9.474/1997, por oportuno ao caso dos autos:
A Lei n.º 9.474/97 confere especial atenção ao indivíduo qualificado como refugiado (art. 1º desta lei), ou seja, que sofre perseguição grave de qualquer tipo no seu País de origem, conferindo-lhe direito à expedição de cédula de identidade probatória desta especial condição, bem como carteira de trabalho e documento de viagem (art. 6º desta lei).
Por determinação do art. 8º da mencionada Lei n.º 9.474/97, o ingresso irregular do estrangeiro no território nacional não impede que ele faça o requerimento de refúgio às autoridades competentes, o que demonstra que, salvo raras exceções (arts. 7º, § 2º c.c art. 3º, III, desta mesma lei), sua entrada irregular (ilegal ou ilícita), em território nacional, não obsta que alcance a qualidade jurídica de refugiado.
Nestes termos, se a pessoa qualificada como "refugiado" pratica algum ato ilícito para conseguir efetivar sua entrada em território nacional, e tal ato ilícito se correlacionar diretamente a esta empreitada, o procedimento (cível, administrativo ou criminal) deve ser arquivado, com fundamento no § 1º, do art. 10 da lei em estudo, acima descrito.
Isso se dá porque, pela interpretação sistemática e teleológica da legislação, verifica-se que a vontade do legislador foi de conferir, de fato, um caráter especial ao refugiado, conferindo-lhe benesses para que possa reiniciar sua vida de modo digno em nosso país, depois de ter um passado sofrido em sua terra natal.
No caso específico dos autos, apesar de o pedido de reconhecimento da condição de refugiado do senhor MAME CHEIKH FAYE ter sido indeferido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), por não ter sido demonstrada a existência de fundado temor de perseguição compatível com os critérios elegibilidade prevista no art. 1º, da Lei 9.474, de 22 de julho de 1997, o recorrido encontra-se classificado como residente no território nacional, bem como lhe fora concedido visto ou permanência definitiva pelo Conselho (fls. 76/80).
Por tais razões, entendo deva ser mantida a decisão recorrida, que rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, por ausência de justa causa, considerando-se o caráter fragmentário do direito penal, haja vista não haver "sentido lógico (pré-jurídico) e jurídico no fato de órgão do Estado brasileiro permitir a permanência de estrangeiro que notoriamente ingressou de forma irregular no país e autorizar-se, em contrapartida e sucessivamente, uma persecução penal em seu desfavor, em decorrência do ingresso irregular com uso de documento falso".
Em caso similar, ou seja, no Recurso Em Sentido Estrito n.º 0006745-88.2016.4.03.6119/SP ( número antigo 2016.61.19.006745-4/SP) , autos que se encontram com Recurso de Embargos Infringentes pendente de julgamento (com a diferença de que, naqueles autos, o próprio recorrido pedira o arquivamento do pedido de refúgio, por já ter conseguido o visto ou permanência definitiva para permanecer no país) apresentei voto vista no mesmo sentido.
Aliás, cumpre descrever o parecer da Procuradoria Regional da República (naqueles autos, ou seja, 2016.61.19.006745-4/SP), por ser pertinente, in verbis:
(...)
Nestes termos, se o recorrido se encontra residente no país, com a concessão de permanência definitiva pelo Conselho, entendo que a mens legis é a mesma, devendo ser mantida a rejeição da denúncia, diante da inexistência de justa causa para a deflagração da ação penal.
Diante do exposto, NEGO provimento ao Recurso em Sentido Estrito, interposto pelo Ministério Público Federal.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE1812176AF96B |
Data e Hora: | 28/08/2020 20:02:05 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da decisão da 4ª Vara Federal de Guarulhos/SP que, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, rejeitou a denúncia que imputa ao acusado MAME CHEIKH FAYE a prática do crime tipificado no art. 304, c.c. o art. 297, ambos do Código Penal.
Narra a denúncia (fls. 70/71):
O juízo rejeitou a denúncia (fls. 82/83v), sob o fundamento de que a prova fora obtida de forma ilícita, pois MAME CHEIKH FAYE não foi advertido pelos policiais federais sobre o direito ao silêncio e de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ademais, foi concedida permanência no Brasil pelo Conselho Nacional de Imigração.
A decisão foi publicada em 17.07.2019 (fls. 86).
Em suas razões recursais (fls. 89/93), o MPF sustenta que o procedimento para requerimento de refúgio requer a apresentação de documentos e que o recorrido entregou espontaneamente o passaporte contrafeito. Alega, também, que o recorrido não estava na condição de investigado, logo, não se aplicam as garantias previstas no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Por fim, sustenta que o recorrido desistiu da solicitação de refúgio e que a concessão de visto de permanência no País não tem o condão de extinguir a punibilidade no caso.
Contrarrazões da DPU pela manutenção da decisão (fls. 123/126).
A decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (fls. 127).
A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso (fls. 132/133v).
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Ao compulsar os autos, verifico que MAME CHEIKH FAYE compareceu à sede da Polícia Federal de Caxias do Sul/RS, em 20.04.2015, para formular pedido de refúgio, apresentando um passaporte de Guiné Bissau (fls. 05).
Quando questionado a respeito da ausência de carimbo de entrada no Brasil no passaporte de Guiné Bissau, MAME CHEIKH espontaneamente informou que entrara no território nacional com outro passaporte, emitido pela República da Guiné Bissau, pelo qual pagara aproximadamente R$ 12.500,00 (doze mil quinhentos reais).
Tem razão o juízo de origem quanto à ilicitude das provas obtidas por meio das declarações do recorrido, tendo em vista que ele não foi advertido de seu direito ao silêncio e à não autoincriminação, tampouco foi assistido por advogado. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), por sua Segunda Turma, no HC nº 136.331, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, que "seja na condição de investigado ou de testemunha, o paciente tem direito ao silêncio, de comunicar-se com seu advogado e não produzir prova contra si mesmo, conforme lhe assegura o art. 5º, LXIII, da carta da República".
A despeito disso, observo que a Polícia Federal inevitavelmente realizaria a pesquisa no sistema de tráfego internacional para averiguar a razão da ausência de carimbo de entrada no passaporte emitido pelo Senegal, o que apontaria imediatamente o ingresso no Brasil com a utilização de passaporte de Guiné-Bissau.
Em outras palavras, ainda que MAME CHEIKH não tivesse prestado as declarações ou tivesse permanecido em silêncio perante a autoridade policial, a informação da divergência dos passaportes estava disponível no sistema da Polícia Federal e seria obtida por esse meio.
Portanto, trata-se da hipótese de prova produzida a partir de fonte independente, totalmente desvinculada daquela considerada ilícita (CPP, art. 157, § 1º e 2º). A propósito, veja-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
Do mesmo modo, a causa de arquivamento de processo criminal previsto pelo art. 10, § 1º, da Lei nº 9.474/97 está condicionada à concessão de refúgio ao indivíduo estrangeiro. Diante do indeferimento do pedido de reconhecimento da condição de refugiado, conforme informação do CONARE (Comitê Nacional para Refugiados) a fls. 64, não há que se falar em ausência de justa causa para a ação penal.
O fato de MAME CHEIKH ter assegurado a concessão de permanência junto ao Conselho Nacional de Imigração não é condição prejudicial de atipicidade da conduta, seja por ausência de previsão legal, seja porque o uso de documento falso para entrada no País ainda subsiste como delito de entrada irregular em território nacional e não se encontra superado pela concessão de permanência. O crime do art. 304, c.c. art. 297, ambos do Código Penal, teria se perfectibilizado preteritamente.
Assim, havendo prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, preenchendo a denúncia os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e não sendo o caso de incidência do art. 395 desse mesmo Código, a denúncia deve ser recebida.
Posto isso, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia e determinar ao juízo a quo que dê prosseguimento ao feito.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NINO OLIVEIRA TOLDO:10068 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE2005286DE313 |
Data e Hora: | 07/08/2020 17:56:04 |