D.E. Publicado em 25/09/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação defensiva, tão somente para reduzir a penas-base, fixando a reprimenda definitiva em 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 06 (seis) dias-multa, confirmando-se, no mais, a r. sentença penal condenatória por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de recurso de Apelação interposto por JOSÉ UALISON FERREIRA DOS SANTOS, brasileiro, nascido em 25.12.1993, contra a r. sentença proferida pela Exma. Juíza Federal Substituta Bárbara de Lima Iseppi (7ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP) (fls. 158/170) que, julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na Ação Penal Pública Incondicionada, CONDENOU o réu à pena corporal de 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida no regime inicial ABERTO, operada a detração, bem como ao pagamento de 08 (oito) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito descrito no artigo 155, caput, c.c. o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos, consistente em frequentar programa educativo relativo ao efeito nocivo das drogas, assim como modos e maneira de se efetivar a desintoxicação e afastamento do uso.
Consta da r. denúncia, em síntese, que (fls. 46/48):
Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou JOSÉ UALISON FERREIRA DOS SANTOS como incurso nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso I, c.c. o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
A r. denúncia foi recebida em 10.10.2016 (fls. 50/52).
A r. sentença baixou em Secretaria em 11.01.2017 (fl. 171).
A Defensoria Pública da União apresentou razões de Apelação (fls. 184/189), pleiteando, em síntese: 1) o reconhecimento do estado de necessidade exculpante; 2) a redução da pena-base ao patamar mínimo legal e; 3) a aplicação de uma das penas restritivas de direitos previstas no artigo 43 do Código Penal.
Contrarrazões de Apelação pela acusação (fls. 191/198).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento da Apelação defensiva (fls. 200/206).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
DA IMPUTAÇÃO
Consta da r. denúncia, em síntese, que (fls. 46/48):
Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou JOSÉ UALISON FERREIRA DOS SANTOS como incurso nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso I, c.c. o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
Ressalte-se que não houve impugnação quanto à autoria e a materialidade do delito previsto no artigo 155, caput, c.c. o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, pelo que incontroversas. Não se verifica, tampouco, a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este E. Tribunal. De rigor, portanto, a manutenção da condenação do recorrente, aliás, como não poderia deixar de ocorrer, ante o enorme arcabouço fático-probatório constante destes autos em seu desfavor.
A propósito, cite-se, apenas a título ilustrativo, que o apelante foi flagrado enquanto tentava subtrair uma televisão pertencente à Caixa Econômica Federal, o que foi corroborado pelas testemunhas Eduardo da Cruz Fernandes e Anselmo do Nascimento Silva, ambos policiais militares responsáveis por sua prisão em flagrante, isto é, no exato momento em que ele deixava a agência bancária em posse da res furtiva. Em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o recorrente confirmou ter tentado subtrair a televisão, que seria trocada por substâncias entorpecentes destinadas ao seu próprio consumo.
O recurso de Apelação manejado pela parte devolveu ao conhecimento deste E. Tribunal Regional Federal apenas questões relativas ao reconhecimento do estado de necessidade e aos consectários da condenação.
DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE (ARTIGO 24, § 2º, CP)
O estado de necessidade pressupõe um perigo atual, ou seja, de ocorrência concomitante em relação à consumação do fato típico, o qual deixa de ser antijurídico tendo em vista a necessidade premente e imediata de salvar bem jurídico de maior relevância do que o sacrificado na execução do fato típico. A necessidade econômica e a premente necessidade de suprir o vício em drogas não preenchem este requisito. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". Trago o artigo 24 do CP:
A configuração do instituto do estado de necessidade ocorre quando o agente pratica o fato para salvar direito próprio ou alheio de perigo atual desde que não houvesse outro modo de evitá-lo. Por outro lado, a culpabilidade, um dos componentes da configuração do delito, é juízo de reprovação que recai sobre o autor do fato delituoso e se constitui de três elementos: i) imputabilidade, ii) potencial consciência da ilicitude e iii) exigibilidade de conduta diversa, de modo que a ausência de qualquer destes requisitos significa que o agente não é culpável e que, portanto, deve ser afastada a aplicação de pena.
É certo que, em tese, a existência de graves dificuldades financeiras e do vício em entorpecentes poderia levar à conclusão de que era inexigível conduta diversa nas circunstâncias em que o acusado se encontrava. Contudo, para que se justifique a exclusão da culpabilidade, tais dificuldades devem ser intensas, devem extrapolar a mera situação de penúria. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva".
Válida, nesse passo, a menção à lição de Aníbal Bruno:
Além disso, quanto ao ônus da prova, consoante preconiza o art. 156, 1ª parte, do Código de Processo Penal, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, de modo que, se a realidade adversa não for suficientemente demonstrada por quem a alega, não haverá fundamento para se afastar a reprovabilidade da conduta.
Este egrégio TRF-3 já pacificou sua jurisprudência no sentido de que meras alegações de dificuldades econômicas e financeiras não caracterizam o estado de necessidade para fins penais:
NO CASO CONCRETO, a defesa alegou, em suas razões de Apelação, que o réu praticou a conduta delituosa devido a situação de miserabilidade e vício em entorpecentes que se encontrava. Ocorre que não houve a demonstração de tal circunstância, não sendo colacionado aos autos elementos concretos que embasem seu testemunho, não bastando para tanto meras alegações da defesa.
A privação financeira ou o uso habitual de drogas, por si só, não se mostra fator hábil a excluir a tipicidade da conduta ou caracterizar inexigibilidade de conduta diversa, sendo imperiosa a comprovação de que o acusado estava em condição de invencível penúria ou alguma outra situação extrema que não pudesse ser superada de maneira lícita, o que não se verificou.
Pelo exposto, resta demonstrado que o réu, de forma livre, voluntária e consciente, praticou o crime de furto tentado, vez que suas condutas amoldam-se, como supra destacado, ao tipo descrito no art. 155, caput, c.c. o art. 14, II, ambos do Código Penal.
DOSIMETRIA DAS PENAS
Deve o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao réu, respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.
Primeira Fase
O juízo monocrático fixou a pena-base relacionada ao delito de furto tentado acima do mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 12 (doze) dias-multa, por entender que a culpabilidade do réu é acentuada, nos seguintes termos: ademais, conforme os registros de fls. 155/157, entre os anos de 2015 e 2016, o réu foi preso em flagrante, pelo cometimento do crime de furto, mais de cinco vezes, fato ressaltado por ambos os Juízos nas decisões de fls. 73/74 e 113/114, o que demonstra uma culpabilidade mais acentuada. Conforme é cediço, a referida circunstância judicial está ligada à intensidade do dolo ou grau de culpa do agente, tendo em vista a existência de um plus de censurabilidade e reprovação social da conduta praticada, que poderia ser evitada. A frieza do agente e a premeditação, por exemplo, são características a serem examinadas nessa oportunidade. O fato de o réu se utilizar do furto como "modo de vida" ou modo mais fácil para obter dinheiro e manter o seu vício demonstra maior reprovabilidade. Conforme bem ressaltou o Ministério Público Federal em seus memoriais, o próprio acusado afirmou que apesar de residir há seis anos em São Paulo já retornou ao seu Estado Natal (Alagoas) por algumas vezes, ou seja, quando teve vontade, conseguiu obter dinheiro para viajar, tendo preferido retornar a São Paulo para viver na rua e usar drogas. Assim, a presente circunstância deve ser valorada em seu desfavor.
A defesa insurge-se pleiteando a fixação da pena-base no patamar mínimo legal. Assiste-lhe razão.
A lei confere ao julgador certo grau de discricionariedade na análise das circunstâncias judiciais, sendo assim, o que deve ser avaliado é se a fundamentação exposta é proporcional e autoriza a fixação da pena-base no patamar escolhido. No caso dos autos, entendo que a pena merece retoque.
É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, inquéritos e processos penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da pena-base, sob pena de malferimento ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. A propósito, esta é a orientação trazida pelo enunciado na Súmula 444 do STJ Corte: é vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base.
Assim, utilizar outras prisões em flagrante do réu, sem prova de sua condenação, para afirmar que ele fazia do furto o seu meio de vida e, consequentemente, exasperar-se a pena-base, vai de encontro à orientação dos Tribunais Superiores.
Não fosse o suficiente, entendo que a "premeditação" e a "frieza" para realizar a subtração de uma televisão que estava no interior de uma agência bancária, trancada a chaves, são inerentes ao dolo exigido para configurar o delito de furto, motivo pelo qual não se admite que tal circunstância seja valorada para exasperar a pena-base.
Anota-se, por oportuno, que o simples fato de o réu dedicar-se ao consumo de álcool e drogas não é motivo suficiente para justificar a conclusão desfavorável acerca da sua culpa, como já decidiu reiteradamente o E. Superior Tribunal de Justiça: HC 155.230/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJE 19.10.2011; HC 165.437/SP, Rel. min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 09.03.2011.
Deste modo, afastada a avaliação negativa de sua culpabilidade, fixa-se a pena-base do recorrente no patamar mínimo legal de 01 (um) ano de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa.
Segunda Fase
Na segunda fase, a magistrada sentenciante reconheceu a agravante genérica da reincidência (art. 61, I, CP), uma vez que o réu foi condenado nos autos nº 0106321-84.2015.8.26.0050 (fls. 172/176), com trânsito em julgado em 20.06.2016 (fl. 237, v.). Além disso, reconheceu-se a atenuante genérica da confissão espontânea, já que o increpado admitiu a prática delitiva.
Os dois institutos foram corretamente compensados, nos termos do REsp nº 1.341.370/MT, julgado em 10/04/2013, pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que pacificou o entendimento no sentido da inexistência de preponderância, sendo possível a compensação das duas circunstâncias. Confira-se:
Assim, considerando a nova dosimetria da pena feita neste v. Acórdão, mantenho a pena-base em 01 (um) ano de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa.
Terceira Fase
Na terceira fase, embora não se tenha insurgência das partes, anota-se que foi corretamente reconhecida a tentativa (art. 14, inciso II, do Código Penal), já que o réu foi preso em flagrante saindo da agência bancária em posse do televisor que visava subtrair. Adotando-se o patamar de 1/3 (um terço) estabelecido na r. sentença, fixo a pena total e definitiva em 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 06 (seis) dias-multa.
REGIME INICIAL
Embora o réu seja reincidente em crime doloso, a magistrada sentenciante estabeleceu o regime ABERTO como forma inicial do resgate prisional, já que considerou a detração entre a data da prisão em flagrante delito (29.08.2016) e a data da prolação da r. sentença (11.01.2017), o que se mantém, porque não há recurso da acusação.
DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA
A magistrada sentenciante substituiu a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em "frequentar pelo tempo restante da pena, programa educativo relativo ao efeito nocivo das drogas, assim como modos e maneiras de se efetivar a desintoxicação e afastamento do uso", utilizando-se como fundamento legal o artigo 28 da Lei de Drogas. A Defensoria Pública da União, entretanto, recorre para que seja estabelecida como pena substitutiva uma daquelas previstas no artigo 43 do Código Penal.
Inicialmente, verifica-se que não seria o caso de substituir-se a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por ausência de permissivo legal (art. 44, III, CP), já que o réu é reincidente em delito doloso. Entretanto, à míngua de recuso da acusação e para evitar-se a denominada reformatio in pejus, mantém-se a substituição da reprimenda corporal estabelecida pelo decisium monocrático.
Malgrado os esforços defensivos, a medida adotada pela magistrada mostra-se mais adequada ao caso concreto, eis que, das informações de sua vida pregressa (fl. 15) e do interrogatório judicial (fls. 169/170), o réu informou que é usuário de Crack e cometeu este e outros delitos para sustentar o seu vício. Inclusive, indagado pelo r. juízo monocrático, o apelante manifestou vontade de curar-se do vício que lhe acomete e seguir uma nova vida.
A medida restritiva imposta pela magistrada atende, portanto, ao princípio da individualização da pena, na justa medida em que se amolda às exatas necessidades do réu para alcançar sua ressocialização e, consequentemente, deixar de praticar os crimes de furto.
Em adição, como bem ressaltou a douta Procuradoria Regional da República citando precedente do Supremo Tribunal Federal, ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamento do gênero (HC 110.078/SC, 2ª T., Rel. Ayres Britto, 29.11.2011, v.u.).
Portanto, mantém-se a medida restritiva aplicada pela magistrada sentenciante.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação defensiva, tão somente para reduzir a pena-base, fixando a reprimenda definitiva em 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 06 (seis) dias-multa, confirmando-se, no mais, a r. sentença penal condenatória por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 11/09/2020 15:40:26 |