Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/09/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013844-20.2016.4.03.6181/SP
2016.61.81.013844-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LEE MEN TAK
ADVOGADO : SP040878 CARLOS ALBERTO DA PENHA STELLA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : LEE KWOK KWEN
: RENATO LI
: ANDRE MAN LI
: MARCELO MAN LI
: MARCIO SOUZA CHAVES
: EDSON APARECIDO REFULIA
: LEE LAP FAI
: WAI YI
: VIRGINIA YOUNG
No. ORIG. : 00138442020164036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO DO CARÁTER ILÍCITO DOS FATOS E DE AUTODETERMINAÇÃO ATESTADA EM LAUDO MÉDICO. CRIME DE QUADRILHA. CRIME DE CONCUSSÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME DE QUADRILHA. AGRAVANTE DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA G, DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DA FRAÇÃO. CRIME DE CONCUSSÃO. VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE DO AGENTE. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. CONCURSO MATERIAL. DETRAÇÃO. REGIME SEMIABERTO. INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELO DA DEFESA A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.
1. Cuida-se de apelação criminal interposta pela defesa de LEE MEN TAK contra decisão que julgou procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso nas sanções dos artigos 288 e 316 do Código Penal, à pena total de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa, com valor unitário estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime.
2. Aduz a defesa a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento da realização de nova perícia para aferição da saúde mental e capacidade de autodeterminação do réu à época dos fatos. A questão central a ser dirimida através do laudo pericial consiste em examinar se, ao tempo do crime, o apelante era capaz de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento. No incidente de insanidade mental instaurado foi produzido laudo pericial, no qual se registrou que "não há elementos que indiquem abolição ou prejuízo da capacidade de entendimento e autodeterminação do examinando, no momento da ação ilícita da qual é acusado", além de afirmar textualmente que o réu, no período compreendido entre 22 de maio e 17 de setembro de 2009 "não apresentava prejuízo de sua capacidade de entendimento e determinação e era capaz de compreender o caráter ilícito dos fatos". Não restou demonstrada pela defesa nenhuma irregularidade a macular as conclusões da perícia e ensejar o refazimento desta.
3. As interceptações telefônicas revelam o prévio ajuste e concertação dos denunciados, com ânimo de permanência e o fim específico de praticar as condutas de descaminho, no mínimo durante o período compreendido entre 22/05/2009 e 17/09/2009, comprovando à saciedade as alegações formuladas pela acusação na peça exordial. Assim, mantenho a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos.
4. A interceptação telefônica registrou conversa na qual o réu exigiu vantagem patrimonial de comerciante para excluir seu estabelecimento de uma operação policial.
5. O crime de concussão tem natureza formal, que prescinde do efetivo recebimento da vantagem para sua consumação ou do encaminhamento desta para finalidades ímprobas, bastando, como ocorreu no caso, a exigência da vantagem indevida pelo funcionário público.
6. É igualmente prescindível que a vítima conhecesse quais as funções exercidas pelo réu no Ministério Público do Estado de São Paulo, sendo suficiente que ela soubesse que ele trabalhava em um órgão público de persecução e tinha proximidade com policiais, e tivesse receio de sofrer operação policial, com apreensão de bens e fechamento de sua loja.
7. O objetivo de obter vantagem indevida é claro, de modo que todas as circunstâncias fáticas evidenciam o dolo da concussão. De rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu pela prática do delito do artigo 316 do Código Penal. Passo à dosimetria.
8. Dosimetria do crime do artigo 288 do CP. Valoração negativa das circunstâncias do crime. O fato de ter havido cooptação de um funcionário público que prestava à quadrilha informações relevantes acerca da atuação do Ministério Público e de órgãos policiais na repressão à atividade ilícita desenvolvida justifica a exasperação da pena, inclusive em razão do prejuízo causado à credibilidade da instituição que o servidor integrava. Além disso, o fato de a quadrilha apresentar grande dimensão, com movimentação de altas quantias, também se refere às circunstâncias do crime, justificando a exasperação da pena. Destacam-se a organização, o poder econômico, e o grau de coordenação do grupo criminoso, integrado por 09 (nove) indivíduos.
9. Valoração negativa das consequências do delito, uma vez que os valores de tributos iludidos pela quadrilha superam o ordinário em crimes dessa natureza.
10. Valoração negativa da culpabilidade, em razão de o acusado ter inserido o corréu LI KWOK KWEN dentro da sede do MPSP e o apresentado ao Promotor de Justiça que dirigia o Centro de Apoio Operacional à Execução à época dos fatos. Pena exasperada para 2 (dois) anos de reclusão.
11. Na segunda fase da dosimetria, mantenho o reconhecimento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, da lei penal. Entretanto, no que diz respeito à fração da exasperação da pena, entendo que a redução para a fração de 1/6 (um sexto) se revela adequada aos fatos em análise, resultando na pena intermediária de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, que se torna definitiva, ausentes causas de aumento ou diminuição.
12. Dosimetria do crime do artigo 316 do Código Penal. Valoração negativa da personalidade do réu. Laudo pericial que apontou no periciando alguns aspectos da personalidade histérica, como afetividade superficial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções, sugestionabilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta de consideração para com o outro, desejo permanente de ser apreciado e de constituir-se no objeto de atenção e tendência a se sentir facilmente ferido.
13. Afastada a valoração negativa das circunstâncias e consequências do crime. O delito de concussão foi inserido no título dos crimes contra a Administração Pública. O sujeito passivo do crime em comento é, primariamente o Estado, e o bem jurídico tutelado é a moralidade e a probidade administrativa. Assim, entendo que o risco à credibilidade da instituição é inerente ao tipo penal, e não desborda o ordinário em crimes análogos, pelo que não pode ser utilizado como fundamento para valorar negativamente as consequências do crime. A insistência do réu ao exigir os valores indevidos do comerciante é inerente ao tipo sob análise, não se prestando à exasperação da pena. Pena definitivamente estabelecida no patamar de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e em 13 (treze) dias-multa.
14. Em conformidade com o artigo 69 do Código Penal, obtém-se a pena definitiva de 5 (cinco) anos de reclusão, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa.
15. Tendo em vista o novo quantum da pena, deve ser estabelecido o regime inicial semiaberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.
16. A detração prevista no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal não altera o patamar abstratamente previsto pelo legislador ordinário para a fixação do regime prisional, conforme intervalos previstos nas alíneas do § 3º do artigo 33 do Código Penal.
17. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na medida em que a pena definitiva supera quatro anos de reclusão e, portanto, não preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal.
18. Recurso defensivo a que se dá parcial provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa, para reduzir a fração da agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal, na dosimetria do crime do artigo 288 do Código Penal, e para afastar a valoração negativa das circunstâncias e consequências na dosimetria do crime do artigo 316 do Código Penal, fixando a pena definitiva em 5 (cinco) anos de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, tendo o Des. Fed. Fausto De Sanctis acompanhado o e. Relator com ressalva do seu entendimento acerca do critério de fixação da pena de multa.



São Paulo, 10 de setembro de 2020.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013844-20.2016.4.03.6181/SP
2016.61.81.013844-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LEE MEN TAK
ADVOGADO : SP040878 CARLOS ALBERTO DA PENHA STELLA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : LEE KWOK KWEN
: RENATO LI
: ANDRE MAN LI
: MARCELO MAN LI
: MARCIO SOUZA CHAVES
: EDSON APARECIDO REFULIA
: LEE LAP FAI
: WAI YI
: VIRGINIA YOUNG
No. ORIG. : 00138442020164036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de LEE MEN TAK em face da sentença proferida às fls. 3108/3120vº, que o condenou como incurso nas sanções dos artigos 288 e 316, ambos do Código Penal, em concurso material.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia nos autos nº 0010296-31.2009.4.03.6181 (fls. 743/753), com as seguintes imputações:

a) LEE KWOK KWEN como incurso nas sanções dos artigos 334, §1º, alíneas "c" e "d", e 288, c.c. artigo 69, todos do Código Penal;

b) LEE MEN TAK como incurso nas sanções dos artigos 288 e 316, ambos do Código Penal, na forma do artigo 69 do Código Penal;

c) RENATO LI, ANDRÉ MAN LI, MARCELO LI, MARCIO SOUZA CHAVES, EDSON APARECIDO REFULIA, WAY YI e VIRGÍNIA YOUNG como incursos nas sanções do artigo 288 do Código Penal;

d) LEE LAP FAI como incurso nas sanções do artigo 334, §1º, alíneas "c" e "d", do Código Penal.

Narra a peça acusatória:

"(...)

I - DA QUADRILHA OU BANDO

Os denunciados LEE KWOK KWEN; RENATO LI; ANDRÉ MAN LI; MARCELO LI; MARCIO SOUZA CHAVES; EDSON APARECIDO REFULIA; LEE MEN TAK; WAY YI e VIRGÍNIA YOUNG associaram-se de maneira estável e permanente para a prática reiterada de descaminho, como adiante se narrará, no período compreendido entre 22.05.2009 (fl. 648 do PCD que deu origem à presente ação) e 17.09.2009 (data da eclosão da Operação Wéi Jin) consoante transcrições de interceptações telefônicas de fls. 17/91 (...).

2. O denunciado LEE KWOK KWEN, conhecido como Paulo Li, é proprietário e professor de artes marciais de uma acadêmia (sic) de kung fung (sic) localizada no centro de São Paulo/SP. É personalidade conhecida da comunidade chinesa radicada nessa Capital, tendo diversos contatos com membros dessa comunidade.

3. Entretanto, embora seja um expoente da comunidade chinesa paulistana, investigação policial constante nos presentes autos apurou que LEE KWOK KWEN capitaneia um organização dedicada à internalização de equipamentos eletrônicos provenientes do exterior, mormente celulares e seus acessórios, via serviços de encomenda expressa (courier).

4. Há diversas transcrições de interceptações telefônicas em que fica nítida a proeminência de LEE KWOK KWEN na organização e funcionamento do esquema ilícito de importação montado. Passa instruções a seu filho, o denunciado RENATO, sobre mercadorias e dinheiro recebido (fls. 23/24), e informa RENATO sobre problemas que aconteceram depois de uma entrega (fls. 24/25), demonstrando estar ciente de todos os passos do esquema, bem como supervisioná-lo em todas as suas fases.

5. O denunciado utiliza sua academia e um escritório de negócios, ambos na região central de São Paulo, para recebimento e remessa das mercadorias descaminhadas, fazendo diversos contatos com outros membros da quadrilha, mormente RENATO e EDSON.

6. Nesse contexto, esclarecedor o interrogatório policial do denunciado LEE LAP FAI (fls. 334/336) em que esse admite adquirir celulares de LEE KWOK KWEN, celulares esses oriundos da China.

B - Internalização e controle das mercadorias

7. Pelo apurado nos autos, as mercadorias vinham da China pela empresa EMS (Express Mail Service), uma empresa de courier. Os códigos alfanuméricos dessas remessas eram passadas (sic) a LEE KWOK KWEN pelas denunciadas WAY YI (Glória) e VIRGÍNIA YOUNG (fls. 01/13 do apenso 10), que, dessa forma, auxiliavam LEE KWOK KWEN no controle da importação das mercadorias.

8. Após a confirmação das importações, os códigos alfanuméricos da EMS eram repassados ao denunciado MARCIO SOUZA CHAVES que controlava as chegadas das mercadorias e as entregava a LEE KWOK KWEN na academia ou no escritório que esse último mantinha no centro de São Paulo. No mais das vezes, as mercadorias eram recepcionadas pelo denunciado RENATO, filho de LEE KWOK KWEN.

9. A denunciada WAY YI (Glória) é proprietária da empresa Glória WY Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda., localizada na Praça da Liberdade, 80, cj. 71, nesta Capital. A denunciada VIRGÍNIA YOUNG trabalha nessa mesma empresa. As duas negaram envolvimento com importações ilícitas (fls. 417/419 e 429/431), mas os cruzamentos de dados do apenso IX e os documentos de fls. 01/13 do apenso X deixam patente a participação delas nos fatos.

10. MÁRCIO, por sua vez, exerceu o direito ao silêncio (fls. 300/301), mas os documentos encontrados na busca e apreensão realizada em seu escritório, analisados no apenso IX, aliados aos elementos trazidos aos autos pelas interceptações telefônicas autorizadas pelo Juízo, comprovam sua função no esquema criminoso, sem o qual o sucesso das atividades capitaneadas por LEE KWOK KWEN estaria comprometido.

C - "Gravação" de marcas nos celulares

11. Os celulares importados irregularmente eram peças "brutas", ou seja, não revestidas de marcas identificadoras dos produtos. Portanto, o próximo passo era providenciar a aposição de marcas nos celulares, pertencentes a empresas renomadas no mercado eletrônico, tornando-os atrativos aos adquirentes desses produtos.

12. Tais falsificações eram realizadas em solo nacional pelo denunciado EDSON APARECIDO REFULIA, proprietário da empresa AMR Brindes, que gravava nos celulares, mediante o processo de impressão conhecido como serigrafia (silk-screen) a marca de conhecidas empresas do setor como Nokia e Sony.

13. Há comprovação de que o denunciado LEE KWOK KWEN era quem determina (sic) tais gravações de marcas, consoante interceptação telefônica autorizada pelo Juízo (fls. 29/30).

14. A busca e apreensão autorizada judicialmente logrou encontrar, na AMR Brindes (fls. 279/280), as telas serigráficas utilizadas para "gravar" as marcas nos aparelhos, consoante demonstrado no apenso II, demonstrando o envolvimento de EDSON no esquema, apesar de negar gravar marcas em celulares para LEE KWOK KWEN quando ouvido em interrogatório policial (fls. 281/283), embora admitisse já ter realizado tais "gravações", no ano passado, para um certo "Lin".

D - Distribuição

15. "Gravados" os celulares com marcas aptas a atrair o interesse de possíveis adquirentes, esses eram distribuídos pelos filhos de LEE KWOK KWEN, quais sejam, os denunciados RENATO LI, ANDRÉ MAN LI e MARCELO MAN LI.

16. Esses denunciados eram importantes coadjuvanetes de LEE KWOK KWEN, e eram responsáveis pela organização do fluxo das mercadorias, cuidando para recebê-las, inclusive após as "gravações" realizadas por EDSON, e enviá-las a outros comerciantes, que cuidavam de vendê-las a clientes finais (...).

E - Proteção da quadrilha frente a atuação de órgãos de repressão e informações sobre atividades policiais

19. Destaca-se na quadrilha a figura do denunciado LEE MEN TAK, oficial de promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo.

20. Esse servidor público atuava junto ao Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEX) do Ministério Público do Estado de São Paulo, loclizado nesta Capital, cabendo-lhe a execução de ordens de serviço, investigções de caráter sigiloso e localização de pessoas.

21. Ocorre que, faltando aos seus deveres funcionais para com a Administração Pública, LEE MEN TAK gravitava em torno da quadrilha, prestando-se a fornecer informações de interesse do esquema de importação ilícita, notadamente sobre a atuação de órgãos policiais na repressão à atividade primordial da quadrilha, ou seja, o descaminho.

(...)

27. Todas as ações de LEE MEN TAK convergem para o fornecimento de informações a respeito de atividades policiais com potencial de atingir o esquema de importação ilícita, colocando-se à disposição dos membros da quadrilha e de comerciantes da região central da Capital para "resolver" assuntos relacionados a investigações e outras necessidades desses comerciantes como, por exemplo, a escolta de mercadorias (...).

II - DESCAMINHO

28. O descaminho praticado pela quadrilha pôde ser comprovado em razão das apreensões ocorridas em diversos endereços após a eclosão da denominada Operação Wéi Jin.

29. As apreensões mais significativas ocorreram em dois endereços do comerciante LEE LAP FAI (já referido acima) na data de 17 de setembro de 2009, onde foram apreendidos 4.165 (quatro mil, cento e sessenta e cinco) celulares consoante fls. 330/331 e 833 (oitocentos e trinta e três) celulares consoante fls. 408/409.

30. LEE LAP FAI foi interrogado em sede policial (fls. 334/336) e admitiu que adquiria os celulares de LEE KWOK KWEN, sendo a entrega dos celulares realizada por ANDRÉ e RENATO. As aquisições eram da ordem de duzentos e trezentos celulares por semana, mas havia um grande estoque em sua residência para as vendas do final de ano.

31. Tais fatos conduzem à imputação de descaminho a LEE LAP FAI, que tinha os celulares consigo e portanto os mantinha em depósito, e a LEE KWOK KWEN, que os vendera ao primeiro em data anterior ao dia 17.09.2009.

III - CONCUSSÃO

32. Além de seu envolvimento com a quadrilha, LEE MEN TAK realizou, em 14.08.2009, uma chamada telefônica a um comerciante de São Paulo e, dizendo que haveria uma operação policial no estabelecimento deste, exige

vantagem patrimonial (mil reais) para "tirar" o estabelecimento dessa referida operação (fls. 86/90), já que o levantamento dos alvos da operação era realizado por ele (LEE MEN TAK).

33. Observa-se que LEE MEN TAK, a pretexto de ajudar o comerciante, identificado como Xu Damião, proprietário do stand TA 36, localizado na Rua 25 de Março, 1081 (documentos em anexo), exige desse último a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais), sendo que essa quantia seria dividida por quatro funcionários responsáveis pelo levantamento.

34. Nessa conversa telefônica, o comerciante mostra uma certa resistência á exigência, argumentando que não tem dinheiro, e LEE alega que no DEIC um "acerto" desses é mais caro e, ao final, afirma que o "acerto" deveria ser naquele momento porque, em cima da hora (ou seja, no momento da operação), não havia como "resolver" o assunto.

35. Tais fatos configuram exigência de vantagem indevida por servidor público, amoldando-se ao tipo penal delineado no artigo 316 do Código Penal (...)".

A denúncia ministerial foi recebida em 28 de outubro de 2009, e foi determinado o desmembramento daqueles autos em relação aos indiciados Isac Dias Brito, Yun Ying Guo (Fernando), Rodrigo Adauto Pereira, Chen Xinyum (Luana) e Huang Bing (fls. 764/767).

Às fls. 1227/1229, o Ministério Público Federal apresentou proposta de suspensão condicional do processo em relação aos acusados Renato Li, André Man Li, Marcelo Man Li, Márcio Souza Chaves, Way Yi e Virgínia Young, e manifestou-se pela impossibilidade de formulação de proposta de suspensão condicional do processo em relação aos acusados Lee Kwok Kwen e Lee Men Tak. Foi determinado o desmembramento do feito com relação a estes denunciados na decisão de fls. 1279/1281, com o regular processamento do feito quanto aos réus LEE KWOK KUEN e LEE MEN TAK.

Posteriormente, foi determinado o desmembramento do feito em relação a LEE MEN TAK (fl. 2912), em razão da instauração de incidente de sanidade mental (fls. 2887/2892). O incidente de insanidade mental concluiu pela imputabilidade penal do apelante.

Regularmente processado o feito, sobreveio a sentença de fls. 3108/3120vº, publicada em 13 de junho de 2019 (fl. 3121), que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar LEE MEN TAK como incurso nas penas dos artigos 288 e 316, ambos do Código Penal, em concurso material, à reprimenda total de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa, com valor unitário estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime.

O juiz sentenciante, por fim, condenou o réu ao pagamento das custas processuais, bem como à perda do cargo público, nos termos do artigo 92, inciso I, do Código Penal, e concedeu-lhe o direito de apelar em liberdade.

Inconformada, recorre a defesa do réu (fls. 3127/3149). Requer a determinação de realização de novo exame de sanidade mental do réu, no Departamento de Psiquiatria Forense da USP. Postula também a absolvição quanto ao crime do artigo 288 do Código Penal. Subsidiariamente, caso sejam mantidas as condenações, pleiteia a fixação da pena dos crimes de quadrilha e de concussão no mínimo legal. Por fim, requer seja descontado da condenação o tempo que o réu permaneceu preso.

Contrarrazões do Ministério Público às fls. 3159/3171.

Parecer da Procuradoria Regional da República, fls. 3182/3189vº, para que seja negado provimento ao apelo defensivo.

É o relatório.

À revisão.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 11DE1812176AF96B
Data e Hora: 10/08/2020 16:25:15



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013844-20.2016.4.03.6181/SP
2016.61.81.013844-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LEE MEN TAK
ADVOGADO : SP040878 CARLOS ALBERTO DA PENHA STELLA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CO-REU : LEE KWOK KWEN
: RENATO LI
: ANDRE MAN LI
: MARCELO MAN LI
: MARCIO SOUZA CHAVES
: EDSON APARECIDO REFULIA
: LEE LAP FAI
: WAI YI
: VIRGINIA YOUNG
No. ORIG. : 00138442020164036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:



Cuida-se de apelação criminal interposta pela defesa de LEE MEN TAK contra decisão que julgou procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso nas sanções dos artigos 288 e 316 do Código Penal, à pena total de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa, com valor unitário estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime.


1. Da preliminar de cerceamento de defesa


Aduz a defesa a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento da realização de nova perícia para aferição da saúde mental e capacidade de autodeterminação do réu à época dos fatos.

Dispõe o artigo 26 do Código Penal:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

De acordo com o art. 149 do Código de Processo Penal, o incidente de insanidade mental tem lugar quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, a fim de ele ser submetido a exame médico-legal.

A questão central a ser dirimida através do laudo pericial consiste em examinar se, ao tempo do crime, o apelante era capaz de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento.

A defesa suscitou, em primeiro grau, a tese de inimputabilidade do acusado, o que motivou a instauração de incidente de insanidade mental (fl. 2797), autuado sob o nº 0015859-30.2014.403.6181, e a suspensão do processo principal em 07/07/2015 (fls. 2887/2888), bem como do prazo prescricional em 17/05/2015 (fl. 2892).

A defesa alega em suas razões de apelação que o paciente é portador de doença psiquiátrica crônica. Questiona não terem sido elencados pela perita os artigos do Código Penal que foram infringidos, bem como o fato de não ter constado no laudo o relato do periciando sobre o crime de que é acusado. Sustenta que o laudo é "absolutamente contraditório entre suas premissas e conclusões".

No incidente de insanidade mental instaurado, foi produzido laudo pericial, no qual se registrou o quanto segue (fls. 89/93):

"(...) O periciando apresenta traços de transtorno de personalidade histriônica, pela CID 10 F60.4.

A personalidade, lato senso, significa a maneira como a pessoa vive, é vista, notada e seu modo de estabelecer relações consigo próprio e com os outros.

Os transtornos da personalidade representam um desvio dessa maneira do indivíduo ser no mundo. Alguns destes estados e tipos de comportamento aparecem precocemente durante o desenvolvimento individual sob a influência conjunta de fatores constitucionais e sociais, enquanto outros são adquiridos mais tardiamente durante a vida.

No caso do periciando observamos alguns aspectos da personalidade histérica, que seriam: afetividade superficial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções, sugestionabilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta de consideração para com o outro, desejo permanente de ser apreciado e de constituir-se no objeto de atenção e tendência a se sentir facilmente ferido.

Contudo, esses aspectos não lhe retiram a capacidade de entendimento ou de autodeterminação.

Com relação ao ato ilícito, pelo qual está sendo acusado, é necessário avaliar se havia, ao tempo da ação, discernimento sobre a ilicitude do fato e/ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A capacidade de entendimento pode ser observada por uma série de funções cognitivas e intelectuais, dentre elas a inteligência, a atenção, a orientação, noções de que o ato cometido traria repercussões graves a si e aos que estão ao seu redor e da possibilidade de punição.

A capacidade de determinação engloba a presença de intenção e animus, o estado de volição e a deliberação. Exige ainda funções como planejamento (representação psíquica do ato), organização, coerência entre os elementos componentes do ato e sua percepção por parte do agente.

O periciando tem todas as funções psíquicas preservadas, que são necessárias para a aquisição de conhecimento, formação de ideias, capacidade de unir essas ideias e julgá-las. Logo, o periciando é capaz de discernir o certo do errado, decidir, opinar, escolher se comportar de outra maneira, planejar e medir as consequências dos seus atos.

Dessa forma, a despeito de sintomas psíquicos que inclusive já ensejaram internação psiquiátrica, não há elementos que indiquem abolição ou prejuízo da capacidade de entendimento e autodeterminação do examinando, no momento da ação ilícita da qual é acusado.

Nos autos do incidente, o magistrado a quo indeferiu o pedido de realização de novo exame psiquiátrico, nos termos da fundamentação que transcrevo:

"Por primeiro, saliente-se que os dados acrescidos pela defesa para justificar a confecção de outro laudo pericial, em nada alterariam as conclusões apresentadas pelas experts, quando da confecção do laudo de integridade mental.

Observa-se, nesse passo, que o laudo de fls. 89/93 responde a todos os quesitos apresentados pelas partes, de maneira clara e objetiva, concluindo, ao final, pela imputabilidade do examinado LEE MEN TAK, ainda que portador de traços de transtorno de personalidade histriônica (CID 10 F 60.4), uma vez constatado que, ao tempo do crime (período compreendido entre 22 de maio de 2009 a 17 de setembro de 2009), estava fora de crise e tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (CP, art. 26).

Ao contrário, conclui o laudo pericial que o examinado possuía, ao tempo do delito a ele imputado, todas as funções psíquicas preservadas, que são necessárias para a aquisição de conhecimento, formação de ideias, capacidade de unir essas ideias e julgá-las.

Logo, o periciando é capaz de discernir o certo do errado, decidir, opinar, escolher se comportar de outra maneira, planejar e medir as consequências de seus atos.

Desta forma, a despeito da presença de sintomas psíquicos que inclusive já ensejaram internação psiquiátrica, não há elementos que indiquem abolição ou prejuízo da capacidade de entendimento e autodeterminação do examinando, no momento da ação ilícita da qual é acusado.

Ante o exposto, com lastro no laudo pericial de fls. 89/93, RECONHEÇO que o acusado LEE MEN TAK era mentalmente capaz quando da prática dos fatos tratados na ação penal n.º 0013844-20.2016.403.6181, determinando o seu prosseguimento".

A Décima Primeira Turma deste Tribunal negou provimento à apelação interposta pela defesa naqueles autos, mantendo a sentença recorrida.

O laudo acima transcrito aborda os transtornos psíquicos dos quais o ora apelante seria portador, tratando da "personalidade histriônica", "personalidade histérica", além de terem sido observados determinados aspectos como "afetividade superficial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções, sugestionabilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta de consideração para com o outro, desejo permanente de ser apreciado e de constituir-se no objeto de atenção e tendência a se sentir facilmente ferido".

Observo, porém, que tais elementos não são suficientes a concluir que ao tempo da ação o réu seria incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Nesse sentido, o laudo é inequívoco ao expor que "não há elementos que indiquem abolição ou prejuízo da capacidade de entendimento e autodeterminação do examinando, no momento da ação ilícita da qual é acusado", além de afirmar textualmente que o réu, no período compreendido entre 22 de maio e 17 de setembro de 2009 "não apresentava prejuízo de sua capacidade de entendimento e determinação e era capaz de compreender o caráter ilícito dos fatos".

Veja-se, também, que, dos depoimentos prestados à comissão processante do Ministério Público do Estado de São Paulo, embora se mencionem problemas psiquiátricos relacionados ao ora apelante, não há qualquer indicação de que estivesse em estado psíquico que gerasse incompreensão acerca do caráter ilícito de seus atos.

Destarte, foram respondidos de maneira clara e objetiva todos os quesitos e questões concernentes à imputabilidade do ora apelante ao tempo dos fatos no que diz respeito à presente ação penal, não restou demonstrada pela defesa nenhuma irregularidade a macular as conclusões da perícia e ensejar o refazimento desta.

A defesa do recorrente não trouxe aos autos provas aptas a gerar, ao menos, dúvida efetiva a respeito da imputabilidade do acusado, uma vez que não revelam a possibilidade de o réu padecer de alguma enfermidade que lhe retirasse a capacidade, ainda que parcial, de compreender o caráter ilícito de suas ações e de comportar-se conforme o Direito.


2. DO MÉRITO


2.1. Do crime do artigo 288 do Código Penal


O Ministério Público Federal denunciou LI KWOK KUEN, RENATO LI, ANDRÉ MAN LI, MARCELO LI, MÁRCIO SOUZA CHAVES, EDSON APARECIDO REFULIA, LEE MEN TAK, WAY YI e VIRGÍNIA YOUNG pela associação, de maneira estável a permanente, para a prática reiterada de descaminho, no período compreendido entre 22/05/2009 e 17/09/2009.

Os fatos descritos na denúncia foram demonstrados pela prova colhida nos autos, da qual se extrai a atuação de grupo criminoso estável e organizado, liderado por LI KWOK KUEN, com o intuito de introduzir irregularmente, distribuir e comercializar, clandestinamente, em território nacional, expressiva quantidade de equipamentos eletrônicos (essencialmente celulares e seus acessórios) provenientes da China.

A inicial acusatória narra que a quadrilha contava com o auxílio de WAY LI, VIRGÍNIA YOUNG, MARCIO SOUZA CHAVES e RENATO LI para a internalização e controle das mercadorias. EDSON APARECIDO REFULIA atuava na gravação de marcas identificadoras dos produtos, enquanto RENATO LI, ANDRÉ MAN LI e MARCELO MAN LI, filhos de LI KWOK KUEN, distribuíam os produtos aos comerciantes de São Paulo.

O acusado LEE MEN TAK, por sua vez, oficial de promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo, forneceria informações a respeito de atividades policiais com potencial de atingir o esquema de importação ilícita do grupo, colocando-se à disposição dos membros da quadrilha e de comerciantes da região central da Capital para "resolver" assuntos relacionados à investigação e outras necessidades desses comerciantes, como a escolta de mercadorias, por exemplo.

O delito previsto no artigo 288 do Código Penal possui natureza formal e autônoma, e, na redação vigente à época dos fatos, consumava-se pela associação, com ânimo estável ou permanente, de mais de três pessoas, reunidas por uma convergência de vontades visando a prática de delitos, independentemente da efetiva realização dos crimes visados.

Com efeito, os denunciados compunham núcleo estável e permanente de associação caracterizadora do crime de quadrilha, tal como definido pela redação original do artigo 288 do Código Penal.

A materialidade e autoria delitiva restaram demonstradas pelas interceptações telefônicas realizadas no bojo da Operação Trovão, PCD nº 0011923-07.2008.4.03.6181, corroboradas pelas provas documental e testemunhal.

Os monitoramentos telefônicos revelam a estrutura e encadeamento dos atos da quadrilha, demonstrando que não se trata de atos amadores, desprovidos de organização e planejamento, tampouco de mero concurso de pessoas.

LI KWOK KUEN, também conhecido como PAULO LI, utilizou sua academia de artes marciais e um escritório de negócios, ambos localizados na região central de São Paulo, para receber e remeter as mercadorias descaminhadas. Conforme apurado nos autos, os itens vinham da China pela empresa de courier EMS (Express Mail Service).

WAY YI (Glória), proprietária da empresa Glória WY Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda, e VIRGÍNIA YOUNG, sua funcionária, auxiliavam LI KWOK KUEN no controle da importação das mercadorias, informando-o acerca dos códigos alfanuméricos das remessas (fls. 01/13 do apenso 10). Estes eram repassados a MARCIO SOUZA CHAVES, que controlava as chegadas das mercadorias e as entregava ao apelante na academia ou no escritório deste. Rodrigo de Campos Costa, Delegado de Polícia Federal que presidiu as investigações, explicou em seu depoimento que MÁRCIO era a pessoa encarregada de recepcionar os celulares nos Correios, tendo sido encontrados, em sua residência, códigos de rastreamento que correspondiam àqueles do monitoramento telemático feito com autorização judicial (mídia de fl. 1722).

De fato, o Auto de Apreensão de fls. 295/296, lavrado após busca e apreensão cumprida em imóvel da propriedade de MÁRCIO, registra que foram encontrados diversos documentos com a inscrição "relação de encomendas", com diversas numerações, na qual consta peso, unidades, número do lote, "Tracking Number" do produto, além de diversas guias de exportação, e 45 (quarenta e cinco) documentos com a inscrição "Correios", do tipo "Aviso e chegada".

Em algumas ocasiões, as mercadorias foram recepcionadas por RENATO, filho de LI KWOK KUEN. Nos diálogos interceptados, constata-se que este transmitia a RENATO instruções sobre mercadorias e pagamentos recebidos (fls. 23/24, 43/44), e o informava sobre problemas relativos a encomendas (fls. 19, 24/25). RENATO e ANDRÉ conversaram sobre produtos que o pai queria que fossem devolvidos (fl. 18).

Os celulares importados irregularmente não possuíam inscrições de marcas, e a falsificação de marcas de empresas conhecidas no setor, tais como Nokia e Sony, era realizada por EDSON APARECIDO REFULIA, proprietário da empresa AMR Brindes, mediante o processo de impressão conhecido como serigrafia (silk screen), sob determinação de LI KWOK KUEN, conforme se extrai dos diálogos de fls. 29/30, 42/43 e 232/235 dos autos principais. Destaque-se também os diálogos de fls. 1344/1345, 1347, 1351/1352, 1602/1603 do PCD.

A busca e apreensão autorizada judicialmente permitiu a localização de três telas serigráficas utilizadas para inscrever as marcas "Nokia" e "Sony" nos aparelhos telefônicos na AMR Brindes, que, conforme mencionado acima, era de propriedade de EDSON (fls. 279/280 do apenso II).

RENATO LI, ANDRÉ MAN LI e MARCELO MAN LI, filhos de LI KWOK KUEN, recebiam e distribuíam os celulares gravados a outros comerciantes, que os vendiam aos consumidores finais. Um destes comerciantes era LEE LAP FAI, que admitiu a aquisição de celulares de LI KWOK KUEN, seu primo, em seu interrogatório policial (fls. 334/336).

Deveras, LEE LAP FAI, interrogado pela autoridade policial, afirmou ser proprietário do box nº 40 da Galeria Pajé, especializado no comércio de celulares oriundos da China. Admitiu ter pleno conhecimento de que as mercadorias que vende em sua loja são produto de descaminho, pois não são pagos os tributos devidos, e tampouco há emissão de notas fiscais. Declarou vender aparelhos celulares falsificados, os quais adquire de PAULO LI, seu primo e fornecedor. Assumiu comprar cerca de 200 (duzentos) a 300 (trezentos) celulares por semana, esclarecendo que pagava aproximadamente R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) por cada item. Apontou que a entrega dos celulares comumente é feita pelos filhos de PAULO LI, ANDRÉ E RENATO, em sua residência. Disse que normalmente mantém contato telefônico com RENATO, a fim de saber como e quando serão as entregas dos celulares. Respondeu que os mais de 4.000 (quatro mil) celulares apreendidos em sua residência estavam estocados para o final do ano, época em que as vendas costumam ser maiores. Disse que desconhece o modo como PAULO LI internaliza os celulares em território nacional. Afirmou que paga PAULO LI pelos celulares adquiridos semanalmente, em espécie, em torno de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), sendo RENATO o responsável pelo recebimento dos valores (fls. 334/336).

No procedimento investigativo constam ligações com frequência praticamente diária de LEE LAP FAI para os filhos de LI KWOK KUEN, especialmente RENATO, nas quais o comerciante questiona se já chegou mais mercadoria, evidenciando que LI KWOK KUEN era seu fornecedor (fls. 850, 851/852, 854, 857/858, 1001, 1008/1009, 1011, 1013, 1014, 1030/1031, 1042/1043 do PCD).

Em conversa mantida entre LI KWOK KUEN e seu filho ANDRÉ, aquele menciona que precisa encaminhar noventa e sete Iphones para LEE LAP FAI (fl. 30). Em outro diálogo, LI KWOK KUEN questiona se RENATO recebeu o pagamento de FAI (fl. 1839 do PCD).

Os comerciantes HUANG BIN e CHEN XINYUN confirmaram a aquisição de produtos eletrônicos de LI KWOK KUEN, por intermédio do filho RENATO LI (fls. 389/391 e 362/365).

Deveras, extrai-se do depoimento de HUANG BIN que este veio para o Brasil em janeiro de 2009, quando começou a trabalhar com mercadorias eletrônicas. Declarou que, em junho de 2009, conheceu PAULO LI, de quem passou a comprar aparelhos GPS, cartões de memória e pen drives. Apontou que as mercadorias que compra de PAULO LI são importadas da China, e, ao que sabe, chegam por correio. RENATO LI ligava quando as mercadorias chegavam, agendando a entrega, além de receber o pagamento em espécie, em dólares.

HUANG declarou que as encomendas eram feitas a RENATO, por telefone e, principalmente, por meio do MSN (Messenger). Os valores dependiam da quantidade e dos modelos adquiridos, variando entre mil e mil e quinhentos dólares. RENATO lhe dizia que, caso precisasse das notas fiscais das mercadorias, PAULO LI as conseguiria. Afirmou que acreditava que todas as importações realizadas através de PAULO fossem realizadas com notas fiscais, porém disse que apenas uma vez recebeu notas fiscais das mercadorias (fls. 389/391).

EDSON admitiu perante a autoridade policial que conhecia PAULO LI há cerca de quatro anos, tendo prestado serviços de silkagem de roupas utilizadas por PAULO em sua academia, bem como de brindes para campanhas políticas. Negou ter gravado inscrições em telefones celulares para o acusado, porém afirmou que naquele ano PAULO lhe apresentou a pessoa que encomendou tal serviço, chamada LIN. Este teria levado a EDSON, em três ocasiões, uma quantidade considerável de aparelhos de telefone celular (cerca de 150 aparelhos por vez) para que o interrogado gravasse inscrições de marca conhecida (Nokia) nos aparelhos. Entendeu que o serviço não era para PAULO, mas sim para LIN, e respondeu que a atividade principal de PAULO era a de administrador de academia de artes marciais (fls. 281/283).

Diversas mercadorias estrangeiras importadas irregularmente foram encontradas na busca e apreensão realizada na residência de LI KWOK KUEN, sendo que a quantidade apontava serem itens destinados a comercialização (Auto de Apreensão de fls. 206/213 e TGAF de fls. 1296/1300).

Conforme sintetizado pela acusação, "as transações realizadas pela quadrilha são atestadas por diversos trechos dos diálogos interceptados, muitas vezes utilizando-se de códigos, tais como "macarrão" e "ingrediente" (fls. 857/858, 1002, 1013, 1028, 1030/1031, 1042/1043 do PCD), "aluno" (fls. 850/851, 854, 1009, 1011 do PCD), "treino" (fl. 1009 do PCD), "quilos" (fls. 1336/1338, 1355/1356 do PCD), dentre outros, todos objetivando camuflar os objetos que eram efetivamente entregues, quais sejam, aparelhos eletrônicos, notadamente celulares e acessórios" (fl. 2472).

A denúncia aponta que LEE MEN TAK era oficial de promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo à época dos fatos, e atuava junto ao Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEX), cabendo-lhe, segundo a Portaria CPP/MP nº 037/2009, que instaurou processo administrativo disciplinar em face do acusado, realizar "atividades internas e externas consistentes no cumprimento de ordens de serviço, investigações de caráter sigiloso e localização de pessoas" (fls. 514/515).

O conjunto de conversas interceptadas e os relatórios da investigação realizada pela Polícia Federal permitem identificar que LEE MEN TAK, utilizando-se do conhecimento que possuía em função do cargo público que ocupava, e do cargo de policial civil de sua esposa, prestou-se a fornecer informações de interesse do esquema de importação ilícita, notadamente sobre a atuação de órgãos policiais na repressão à atividade primordial da quadrilha liderada por LI KWOK KUEN, ou seja, o descaminho, colocando-se à disposição dos membros da quadrilha e de comerciantes da região central da Capital para solucionar questões relacionadas às investigações e outras necessidades, como, por exemplo, a escolta de mercadorias.

Com efeito, os diálogos permitem constatar que LEE MEN TAK orientou os comerciantes sobre como proceder quando ocorreram operações policiais na região central de São Paulo, evitando a ação policial (fl. 91), consultou procedimentos em prol de LI KWOK KUEN e seus associados e repassou informações de investigações em andamento que diziam respeito aos interesses da quadrilha (fls. 76/79 e 82/85 dos autos principais, e fls. 1338/1339, 1608/1609, 2127/2128 e 2165 do PCD).

No diálogo de fls. 76/79, LEE MEN TAK aborda as providências que está adotando em relação a um procedimento investigativo dirigido a um amigo de LI KWOK KUEN, proprietário de um estabelecimento localizado Shopping Veneza, na Av. Paulista. LEE demonstra seu relacionamento com delegados e informa que um advogado irá acompanhar o inquérito, apontando que pretendem "segurar" o máximo possível para "não dar em nada". Na mesma oportunidade, telefona para LI KWOK KUEN de dentro da sede da Polícia Federal para pedir o CNPJ da empresa do amigo comerciante.

O acusado também prestou a LI KWOK KUEN informações sobre um procedimento que tramitava entre a polícia civil e o MPE/SP (fls. 834/835 dos autos nº 0011923-07.2008.403.6181).

A conversa travada em agosto de 2009 (fls. 82/85) revela que LEE pergunta se o amigo de LI KWOK KUEN já fechou a loja, uma vez que a Polícia Federal continua atrás dele, e esclarece a LI KWOK KUEN que a investigação trata da pessoa física, e não da empresa, e que o procedimento está com um "cara chato que dói". Em 18/08/2009, LI KWOK KUEN diz que seu amigo chinês chegou de viagem e quer ir na Polícia Federal, ao que LEE responde que ele não deve ir, porque isso iria "atiçar os caras". O réu informa que há um inquérito no DEIC, na Delegacia onde sua esposa trabalha, e que "dá para resolver" (fls. 2127/2128 do PCD). Em outro trecho, informa a interlocutor não identificado que este possui inquérito aberto na 4ª DIG (fl. 2165 do PCD).

Registrou-se também que em 26/06/2009 LEE MEN TAK avisou que "tem gente atrás do amigo" de LI KWOK KUEN, e que não seria a "Federal".

Em outro contato, ocorrido em julho de 2009, LI KWOK KUEN pede que LEE MEN TAK verifique questão relacionada a uma intimação na Delegacia (fls. 1608/1609 do PCD).

Além disso, depreende-se das conversas que o réu se prontificou a providenciar escolta para que FAI transportasse os produtos descaminhados em segurança. Nesse sentido, LEE MEN TAK manteve diálogos com o policial militar Raimundo Pinto de Sousa, nos quais solicita ao policial que faça "escolta" e "proteção" a LEE LAP FAI, principal comprador de LI KWOK KUEN, para que FAI transportasse os produtos descaminhados com segurança. Avisa também a FAI que "colocou duas viaturas para rodar" em auxílio ao comerciante, possivelmente para localizar pessoas que teriam roubado FAI (fls. 123/135 dos autos e fls. 1678/1681 do PCD).

Em diálogo com o mesmo comerciante, LEE MEN TAK diz passar-se pelo dono da loja para ajudá-lo, evitando investidas dos policiais. Posteriormente, ele solicita ao lojista uma "ajuda" financeira para colocar sua esposa no DEIC, mencionando que precisa de dinheiro para corromper alguém na estrutura da Polícia Civil. LEE diz para FAI que seria interessante para este caso ele conseguisse colocar a esposa na 4ª Delegacia, que cuida de "meios eletrônicos" (fl. 1404 do PCD).

Os diálogos também demonstraram que LEE MEN TAK recebeu de LI KWOK KUEN celulares como recompensa por sua atuação (fls. 991/992 e 1338/1339 do PCD).

Deveras, em 22/06/2009 LEE MEN TAK comunica LI KWOK KUEN que está com o comerciante FAI e diz que precisa de dois celulares. LI KWOK KUEN lhe diz para pegar apenas um, pois não tem dinheiro para pagar dois, mas LEE insiste, e diz "se vira, meu, se vira. É dois. É dois." (fl. 992 do PCD).

No dia 26/06/2009, poucos dias após obter os dois celulares, o acusado solicita a LI KWOK KUEN outro aparelho, igual ao de ROMEU, ao que LI responde que iria providenciá-lo em dez dias (fls. 1338/1339 do PCD).

Assim, os diálogos demonstram que LEE MEN TAK se utilizou do conhecimento que possuía em face do cargo público que ocupava, além do cargo de policial civil de sua esposa, para revelar informações sigilosas sobre a atuação dos órgãos de persecução penal, além de interceder em favor dos interesses de LI KWOK KUEN e seus associados, e de exigir deles vantagens indevidas. O réu era um contato importante da quadrilha para assuntos relativos a problemas legais ou policiais.

Na fase investigativa, LEE MEN TAK exerceu seu direito constitucional ao silêncio (fls. 269/270).

Interrogado em juízo, o acusado não negou o teor das conversas monitoradas, tampouco suas relações próximas com o corréu LI KWOK KUEN, pessoa muito influente na comunidade chinesa. Disse ter ido ao Departamento de Inquéritos Policiais para obter informações sobre um procedimento que havia contra LI KWOK KUEN, pois tinha interesse que ele lhe arrumasse "um carguinho". Disse que indicou a este o advogado Dr. Antonio Carlos, seu amigo pessoal. Admitiu ter recebido os celulares tratados pela denúncia, observando que eram para o seu pai. Relatou que LEE LAP FAI lhe telefonava com frequência para pedir proteção, pois sabia que sua esposa trabalhava no DEIC. Detalhou que o comerciante lhe telefonava quando policiais chegavam à sua loja, para saber do que se tratava. Afirmou ter dito que sua esposa, policial, também precisaria de ajuda, como forma de evitar que LEE LAP FAI voltasse a lhe telefonar. Declarou morar no mesmo prédio de XU DAMIÃO, e disse que este ia insistentemente até sua casa visando obter informações, pois sabia que sua esposa era policial. Também alega que tentou "afastá-lo", travando o diálogo monitorado, porém tudo consistiu em brincadeira. Questionado acerca das atividades desenvolvidas no CAEX, disse que era um "office-boy de luxo" porque apenas entregava documentos, e não participava de investigações (mídia de fl. 2226).

O Promotor de Justiça José Reinaldo Guimarães Carneiro afirmou que o réu estava lotado no CAEX, e executava atos externos, fazendo intimações e entrega de documentos. Observou que o CAEX não faz investigação criminal, tratando-se de órgão de acompanhamento à execução. Disse que houve investigação interna pelo GAECO, na qual se apurou que o réu não teve acesso a informações privilegiadas no CAEX, tampouco no GAECO. Neste setor, a investigação é realizada por agentes próprios, e não por oficiais de promotoria. Ao tomar conhecimento da descrição de atribuições do cargo ocupado por LEE, a testemunha afirmou que o oficial poderia desempenhar atividade de investigação, desde que a pedido de um promotor de justiça, porém não soube de nenhum caso em que tenha ocorrido tal fato em relação ao réu. Sabe que o réu é casado com uma policial civil. Declarou que LEE era muito querido no MP. O acusado tinha um histórico de problemas médicos e de internação psiquiátrica. Não tinham o hábito de compartilhar com o réu informações de caráter sigiloso (mídia de fl. 1822).

Tatiana Viggiani Bicudo, Promotora de Justiça, relatou que o réu foi funcionário da Assessoria de Gestão de Informações da Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, setor que ela coordenou de 2005 a junho de 2006. Apontou que a função de LEE MEN TAK era localizar pessoas, em especial funcionários que estavam sendo processados administrativamente e testemunhas, porém afirmou que nesse setor ele não tinha acesso a nenhuma informação relevante e não trabalhava com processos criminais. Acrescentou que LEE MEN TAK antes estava lotado no Centro de Acompanhamento de Execuções, onde também localizava pessoas, buscava antecedentes criminais e trazia pessoas para prestar depoimentos. Disse que não se fazia investigação criminal no CAEX quando LEE estava lotado no setor. A Promotora disse que no setor não passavam processos criminais. Esclareceu que o grupo do MPE que faz operações com a Polícia Federal é o GAECO. Questionada acerca do fato de constar da portaria que instaurou o inquérito administrativo contra LEE MEN TAK que este realizava atividades internas e externas, consistentes no cumprimento de ordens de serviço, investigações de caráter sigiloso e localização de pessoas, a Promotora respondeu que no período em que ela esteve na AGI não era realizada investigação de caráter sigiloso (mídia de fl. 1822).

O Promotor de Justiça Fabio Bechara afirmou que o CAEX é um órgão de apoio do MPSP, que atua em três frentes, sendo a primeira de perícia, a segunda de localização de pessoas e consultas a sistemas conveniados - Infoseg, Jucesp, Receita Federal (em nível menor de dados), IRGD, Receita Estadual e Detran - e um setor de inteligência que realiza a gestão de informações. Relatou que LEE atuava na localização de testemunhas, vítimas e réus, em trabalho essencialmente externo, e não realizava atividades investigativas, nem tinha acesso a informações sensíveis, pois não fez parte do setor de inteligência. Questionado se LEE tinha senha para acessar processos da mesma forma que os promotores de justiça, o depoente não soube informar. Esclareceu que houve auditoria interna nos equipamentos utilizados por LEE para verificar os acessos que foram por ele realizados, porém desconhecia o resultado da pesquisa. Afirmou que exigia de todos os funcionários do CAEX uma proteção do conhecimento porque havia acesso a informações de processos que tramitavam em outra ponta do órgão, mas não havia diligências secretas no MPSP, que também não tinha atribuição de investigar descaminho. Relatou que o acusado não tinha qualquer controle sobre as operações do órgão. Salientou que o mau uso da senha do acusado poderia permitir um acompanhamento das operações, mas não a interferência nelas. Disse que o acusado não tinha como saber de operações com antecedência. Acrescentou que tinha um relacionamento cordial e próximo com LEE, sabendo que sua esposa era policial. Narrou ter sido apresentado a LI KWOK KUEN por LEE MEN TAK, em um Seminário Internacional de Tráfico de Seres Humanos (mídia de fl. 1822).

A testemunha Guaracy Mingardi disse ter conhecido LEE no MPSP, onde trabalhou até janeiro/2008. Afirmou que nesse período LEE não atuou em investigações criminais, sendo que na AGI havia agentes de promotoria que atuavam na análise de algumas informações restritas. LEE não ostentava sinais de riqueza e gostava de "contar vantagem", "contar história", "querer parecer mais do que é", razão pela qual não tinha acesso a certas informações. Conheceu a esposa de LEE e sabia que ela era policial e trabalhava no DEIC. Afirmou que as atividades de LEE não exigiam contato com a Polícia Federal. Acredita ter visto Paulo Li no Ministério da Justiça quando o depoente era o Secretário Geral. Disse que LEE tinha acesso ao Infocrim, ao Sistema de movimentação de dados do MP, ao Infoseg, ao Detran, ao IRGD, mas não tinha o poder de intervir em procedimentos de investigação. Afirmou que LEE conhecia alguns policiais "do baixo clero". Respondeu que, pelas funções que Lee exercia, ele não teria acesso a informações privilegiadas, porém, fora das funções, não sabia dizer (mídia de fl. 1822).

O depoimento da testemunha de acusação Rodrigo de Campos Costa, Delegado de Polícia Federal que presidiu as investigações, confirma todos os fatos descritos na denúncia, e descreve minuciosamente a atuação da quadrilha e as provas colhidas durante as investigações. A respeito de LEE, o Delegado narrou que o acusado parecia passar informações para PAULO LI e para PHAE sobre as investigações. Posteriormente, foi interceptado um diálogo em que ele dizia a um comerciante da Rua 25 de Março identificado como XU que a loja deste estava numa lista da Polícia Federal de busca de operação fazendária, e cobrava uma quantia do comerciante para que sua loja fosse excluída da ação policial. Não conseguiram identificar a respeito de qual processo LEE MEN TAK teria passado informações à quadrilha (mídia de fl. 1722).

A defesa do réu sustenta a não caracterização do crime de quadrilha, sob o argumento de que não teria sido demonstrado que o réu fazia serviço de caráter sigiloso dentro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Defende que o réu não era um contato importante na quadrilha, pois não tinha informações, e o que dizia aos demais membros era "criação de sua mente doentia". Os argumentos defensivos não merecem prosperar.

Perfilho do entendimento do magistrado a quo, no sentido de que o conjunto das provas produzidas demonstra que o acusado teve acesso a informações sensíveis em razão de seu cargo no Ministério Público do Estado de São Paulo, e do fato de sua esposa ser policial civil lotada no DEIC de São Paulo.

Em que pese algumas testemunhas tenham sustentado que o réu não tinha acesso a informações sigilosas, nem atuava em investigações e diligências policiais, o Promotor de Justiça Fábio Bechara salientou que o mau uso da senha do acusado poderia permitir um acompanhamento das operações.

Soma-se a isto que, em função de seu cargo, o acusado tinha acesso ao Infoseg, à Jucesp, às Receitas Federal e Estadual, ao IRGD, ao Detran e ao Sistema de Movimentação de autos do órgão, que registrava o ingresso de procedimentos vindos da polícia para o órgão ministerial e indicava a saída e respectiva distribuição.

Destaque-se, ainda, que o fato de o réu não ter como atribuição oficial a atividade investigativa não significa que não tenha se valido de sua posição e do acesso privilegiado que ostentava para obter informações e fornecê-las à quadrilha.

Assim, LEE MEN TAK tinha acesso a bancos de dados que lhe permitiam obter informações que repassava a LI KWOK KUEN e seus associados, conforme se verifica das transcrições das conversas contidas nos autos.

As declarações do réu LEE MEN TAK foram infirmadas pelas provas produzidas nos autos. Suas explicações não são suficientes para justificar o teor das conversas monitoradas pela Polícia Federal, e suas declarações apresentam contradições em relação ao restante do conjunto probatório.

Deste modo, entendo haver prova de que o apelante e os demais acusados se associaram de maneira estável e permanente para o fim de cometer crimes, e perfilho da conclusão do magistrado sentenciante, que transcrevo abaixo:

"[...] a proximidade do réu em relação aos procedimentos apuratórios, somada ao acesso a banco de dados restritos a órgãos de persecução penal, foram fundamentais para sua atuação perante a quadrilha e também para a prática do crime de concussão como trataremos mais adiante.

Ora, o conjunto de provas amealhado nestes autos aponta indubitavelmente que LEE: a) tinha acesso a dados que outras pessoas externas aos órgãos de persecução penal não possuíam; b) que mantinha uma rede de informações e relacionamentos com policiais, destacando-se que sua esposa era policial civil lotada no DEIC de São Paulo, o que lhe garantia outra fonte de conhecimento sobre investigações; c) que boa parte de seu trabalho no MPSP era externo, o que facilitava sobremaneira seu trânsito pela cidade e o desenvolvimento de suas atividades paralelas com a quadrilha de Paulo Li; d) que chegou a apresentar o acusado Paulo Li ao Promotor de Justiça Fabio Bechara, na época o chefe do CAEX do Ministério Público do Estado de São Paulo, em um evento dentro das dependências do órgão ministerial, o que aponta a ousadia da quadrilha e a intenção de inserir seus integrantes no entorno do órgão de persecução penal; e) que efetivamente agiu no fornecimento de informações a respeito de atividades policiais para a quadrilha, conforme exaustivamente evidenciado pelas conversas interceptadas pela autoridade policial. Não há dúvidas, portanto, que LEE associou-se a outros indivíduos, dentre os quais LI KWOK KWEN, também conhecido como PAULO LI, para a prática de crimes, auxiliando o grupo criminoso ao avisar a respeito de fiscalizações em curso, acompanhar o andamento de investigações instauradas em desfavor da quadrilha, além de providenciar escolta para o comerciante FAI conseguir transportar com segurança as mercadorias contrabandeadas pela quadrilha, como se demonstrou".

A respeito do crime em comento, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci assevera: "associar-se significa reunir-se em sociedade, agregar-se ou unir-se. O objeto da conduta é a finalidade de cometimento de crimes. A associação distingue-se do mero concurso de pessoas pelo seu caráter de durabilidade e permanência, elementos indispensáveis para a caracterização do crime previsto neste tipo". (Código penal comentado, 14. ed. rev., atual e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2014).

No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"A configuração típica do crime de quadrilha deriva da conjunção dos seguintes elementos caracterizadores: a) concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas; b) finalidade específica dos agentes, voltada ao cometimento de delitos, e c) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa. Diferentemente do concurso de agentes, que exige, apenas, um ocasional e transitório encontro de vontades para a prática de determinado crime, a configuração do delito de quadrilha pressupõe a estabilidade ou permanência do vínculo associativo, com o fim de prática de delitos."

(HC 186197, 6ª Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJE: 17.06.13).

No caso concreto, as circunstâncias em que praticados os crimes de descaminho não deixam dúvidas quanto à associação de LEE KWOK KUEN, RENATO LI, ANDRÉ MAN LI, MARCELO MAN LI, MÁRCIO SOUZA CHAVES, EDSON APARECIDO REFULIA, LEE LAP FAI, LEE MEN TAK, WAY YI e VIRGÍNIA YOUNG, com ânimo de permanência e o fim específico de cometer diversos delitos daquela natureza.

As interceptações telefônicas revelam o prévio ajuste e concertação dos denunciados para a prática das condutas de descaminho, no mínimo durante o período compreendido entre 22/05/2009 e 17/09/2009, comprovando à saciedade as alegações formuladas pela acusação na peça exordial.

Os denunciados foram flagrados em conversas frequentes, das quais é possível extrair o "animus associativo", bem como as obrigações de cada um na estrutura da quadrilha, restando provada a existência de associação permanente e estável, especializada no descaminho de produtos oriundos da China.

Assim, a autoria delitiva do réu no crime do artigo 288 do Código Penal foi demonstrada pelos diálogos interceptados por meio do monitoramento telefônico, além da prova testemunhal colhida, pelo que mantenho a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos.


2.2. Do crime do artigo 316 do Código Penal


A denúncia também descreve a prática do crime de concussão por LEE MEN TAK, apontando que no dia 14/08/2009 ele exigiu vantagem patrimonial de R$ 1.000,00 (mil reais) do comerciante XU DAMIÃO para excluir seu estabelecimento de uma operação policial, cujos alvos seriam por ele, LEE MEN TAK, indicados. A quantia seria dividida por quatro funcionários responsáveis pelo levantamento.

A inicial acusatória descreve que o comerciante mostrou certa resistência à exigência, apontando que não tinha dinheiro, ao que LEE responde que no DEIC um "acerto" desses é mais caro e, ao final, afirma que o "acerto" deveria ser naquele momento, uma vez que mais próximo da operação não haveria meios de "resolver" o assunto.

A defesa sustenta que LEE não realizava trabalho de investigação, que as informações que fornecia eram criações de uma pessoa doente, e que não há prova de que o réu tenha recebido vantagem indevida.

Não assiste razão à defesa.

O quanto descrito na exordial pode ser verificado na transcrição do diálogo referido:

"LEE - Shu, você não entendeu, eu não trabalho com DIG, a gente trabalha com Federal. Shu, a gente trabalha com a Federal. Vai ter operação aí Shu.

Shu - Que dia? (...) Tem alguma data?

LEE - Assim que terminar o levantamento.(...)

LEE - Vai fechar tudo e pegar tudo. Por isso que eu tô perguntando para você. Você quer que a gente ajude aí, tem como ajudar.

LEE - Eu tô com a lista aqui, dá pra tirar o seu nome daqui.

Shu - É, mas agora, por enquanto eu tô sem nada, viu. Eu não tenho muito dinheiro aqui não.(...)

LEE - Shu, eu sou um dos chefes Shu. Eu posso te ajudar.

Shu - Você limpar. Se você excluindo esse número, aí é só tirar aquela foto fora.

LEE - É. Vou ter que tirar tudo.

LEE - Só que tem mais gente. Eu não to sozinho.(...)

Shu - Duzentos ele aceita?

LEE - Quanto?

Shu - Duzentos

LEE - Muito pouco Shu

Shu - Ah não, se for quinhentos eu não vou fazer. Eu tô com pouca mercadoria na loja. Não tem nada de guardado. É só vender...

LEE - Tá bom. É quatro pessoas

LEE - Se você mandar duzentos e cinquenta para cada um, dá.(...)

LEE - Você foi lá essa semana lá no DEIC, você sabe que lá sai bem mais caro.(...)

LEE - Você quer segurança, você dá o nome em três papelotes (ininteligível) que eu aviso para não mexer.(...)

LEE - Eu tô avisando com boa antecedência.(...)

LEE - Depois você não vai falar que eu não avisei. Depois não adianta ligar para mim, porque eu não vou poder fazer nada.(...)

LEE - Porque o negócio tá feio, viu. Eu nem sei se tem mais gente sua aqui. Tem seis páginas aqui."

A testemunha de acusação Xu Damião declarou ser comerciante, sendo que alugava um box na região central de São Paulo desde 2003. Relatou que ele e LEE moram no mesmo prédio, e afirmou desconhecer onde o acusado trabalha. O promotor informou durante a audiência que nos autos havia registro de uma ligação que LEE MEN TAK fez para o depoente em 14/08/09, na qual aquele solicitou deste certa quantia em dinheiro. O depoente disse não se lembrar do diálogo, e então a ligação foi reproduzida. Questionado acerca do motivo de o réu ter pedido aquele valor, a testemunha respondeu que só de vez em quando LEE MEN TAK lhe pedia dinheiro. Acrescentou que o réu divulgava quando "bate alguma coisa de fiscalização lá, alguma coisa, tomar um pouco de cuidado com guarda, um pouquinho, menos prejuízo". Declarou desconhecer como LEE MEN TAK sabia quando a fiscalização iria passar (mídia de fl. 1476).

Em seu interrogatório judicial, LEE MEN TAK declarou morar no mesmo prédio de XU DAMIÃO, e disse que este ia insistentemente até sua casa visando obter informações, pois sabia que sua esposa era policial. Também alega que tentou "afastá-lo", travando o diálogo monitorado, porém tudo consistiu em brincadeira (mídia de fl. 2226).

Conforme destacado pelo magistrado a quo, a simples leitura do diálogo travado entre XU DAMIÃO e LEE MEN TAK e a ausência de justificativa razoável para aquela conversa demonstram que o réu exigiu dinheiro do comerciante para evitar que sofresse fiscalização.

A testemunha de acusação Rodrigo de Campos Costa, Delegado de Polícia Federal que presidiu as investigações, declarou ter sido interceptado um diálogo em que ele dizia a um comerciante da Rua 25 de Março identificado como XU que a loja deste estava numa lista da Polícia Federal de busca de operação fazendária, e cobrava uma quantia do comerciante para que sua loja fosse excluída da ação policial. O Delegado acrescentou que havia conversas que evidenciavam o recebimento de celulares por parte de LEE em troca das informações prestadas para LI KWOK KUEN. O depoente mencionou ter sido registrada uma conversa entre LEE e LEE LAP FAI, em que o réu pediu dinheiro ao comerciante, informando que sua esposa era escrivã de polícia e poderia ajudá-lo. A testemunha declarou, por fim, que o fato de LEE ser servidor público e exigir valores em razão de sua função foi considerado suficiente para o pedido de prisão cautelar, eis que não havia a necessidade da prática do ato de ofício, bastando a exigência para a consumação do crime (mídia de fl. 1722).

Com efeito, o crime de concussão tem natureza formal, que prescinde do efetivo recebimento da vantagem para sua consumação ou do encaminhamento desta para finalidades ímprobas, bastando, como ocorreu no caso, a exigência da vantagem indevida pelo funcionário público.

É igualmente prescindível que a vítima conhecesse quais as funções exercidas por LEE no Ministério Público do Estado de São Paulo, sendo suficiente que ela soubesse que o réu trabalhava em um órgão público de persecução e tinha proximidade com policiais, e tivesse receio de sofrer operação policial, com apreensão de bens e fechamento de sua loja.

O objetivo de obter vantagem indevida é claro, de modo que todas as circunstâncias fáticas evidenciam o dolo da concussão.

De rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu pela prática do delito do artigo 316 do Código Penal. Passo à dosimetria.


3. DA DOSIMETRIA


3.1. Do crime do artigo 288 do Código Penal


1ª fase


O magistrado a quo fixou a pena base em dois anos de reclusão, valorando negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime.

As circunstâncias do crime dizem respeito ao modus operandi empregado na prática do delito. São elementos que, embora não componham o crime, influenciam em sua gravidade, e no caso devem ser negativamente valoradas, uma vez que demonstram maior arrojo na empreitada criminosa.

Perfilho do entendimento do juiz sentenciante, no sentido de que a gravidade do crime do artigo 288 do Código Penal ganha relevância quando praticado por servidor público.

Com efeito, o fato de ter havido cooptação de um funcionário público que prestava à quadrilha informações relevantes acerca da atuação do Ministério Público e de órgãos policiais na repressão à atividade ilícita desenvolvida justifica a exasperação da pena, inclusive em razão do prejuízo causado à credibilidade da instituição que o servidor integrava.

Além disso, o fato de a quadrilha apresentar grande dimensão, com movimentação de altas quantias, também se refere às circunstâncias do crime, justificando a exasperação da pena.

O juiz sentenciante considerou também o número de integrantes da quadrilha e sua articulação. Deveras, destacam-se a organização, o poder econômico, e o grau de coordenação do grupo criminoso, integrado por 09 (nove) indivíduos, com funções de despachante, transportador, falsificador, acompanhante, intermediário, informante, dentre outras, voltada, especialmente, para o cometimento de delitos de descaminho de produtos eletrônicos.

No que tange os valores movimentados pela quadrilha, LEE LAP FAI, interrogado pela autoridade policial, declarou que pagava a LI KWOK KUEN semanalmente pelos celulares, em espécie, cerca de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

No caso em tela, o valor das mercadorias apreendidas perfaz o total de R$ 325.297,00 - consoante as informações que constam das Relações de Mercadoria anexas aos Autos de Infração e Guarda Fiscal. O valor dos tributos iludidos - considerando-se o Imposto de Importação (II) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - deve ser calculado em conformidade com o disposto no artigo 65 da Lei nº 10.833/2003 e no artigo 1º, II, da Instrução Normativa RFB nº 840/08, de modo que corresponde a 50% do valor das mercadorias apreendidas, perfazendo a quantia de R$ 162.648,50 (cento e sessenta e dois mil, seiscentos e quarenta e oito reais e cinquenta centavos).

Assim, as consequências do delito de fato se mostram desfavoráveis, permitindo a exasperação da pena-base, uma vez que os valores superam o ordinário em crimes dessa natureza.

Mantenho, ainda, a exasperação da pena em razão da culpabilidade do agente, uma vez que o acusado inseriu o corréu LI KWOK KWEN dentro da sede do MPSP e o apresentou ao Promotor de Justiça que dirigia o Centro de Apoio Operacional à Execução à época dos fatos, o que indica a necessidade de maior reprovabilidade de sua conduta criminosa.

Ante o exposto, mantenho a exasperação da pena para 2 (dois) anos de reclusão.


2ª fase 


Na segunda fase da dosimetria, mantenho o reconhecimento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, da lei penal, pois o réu agiu com violação de dever inerente ao cargo de oficial do Ministério Público do Estado de São Paulo que ocupava.

Entretanto, no que diz respeito à fração da exasperação da pena, entendo que a redução para a fração de 1/6 (um sexto) se revela adequada aos fatos em análise, em estrita observância ao princípio da razoabilidade, resultando na pena intermediária de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

Assim, reduzo a pena intermediária para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.


3ª fase


Ausentes causas de aumento ou diminuição, fixo a pena definitivamente em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.


3.2. Do crime do artigo 316 do Código Penal


1ª fase


A magistrada a quo fixou a pena base em cinco anos de reclusão, valorando negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime. A defesa requer a fixação da pena no mínimo legal.

No que tange a personalidade do réu, a juíza destacou a postura do réu durante o interrogatório judicial, bem como a audácia do acusado em apresentar Li Kwok Kuen, líder da quadrilha, a Fábio Bechara, Promotor de Justiça que dirigia o Centro de Apoio Operacional à Execução à época dos fatos, na sede o Ministério Público do Estado de São Paulo.

A personalidade do réu deve ser avaliada de acordo com as qualidades morais do agente, e deve estar assentada em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos.

A perita que examinou LEE MEN TAK no incidente de insanidade mental instaurado registrou que "Os transtornos da personalidade representam um desvio dessa maneira do indivíduo ser no mundo. No caso do periciando observamos alguns aspectos da personalidade histérica, que seriam: afetividade superficial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções, sugestionabilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta de consideração para com o outro, desejo permanente de ser apreciado e de constituir-se no objeto de atenção e tendência a se sentir facilmente ferido".

Portanto, extrai-se do laudo médico que há elementos para fundamentar um juízo negativo da personalidade do agente.

A juíza sentenciante também considerou que havia maior gravidade na prática criminosa, eis que o acusado era funcionário de órgão de persecução penal, de modo que sua atuação colocou em risco a credibilidade de toda a instituição, e que ele se aproveitou do trabalho externo que lhe incumbia para a prática delitiva.

O delito de concussão foi inserido no título dos crimes contra a Administração Pública. O sujeito passivo do crime em comento é, primariamente o Estado, responsável por qualquer órgão ou entidade de direito público, e, secundariamente, o particular lesado. Como o bem jurídico tutelado é a moralidade e a probidade administrativa, não haveria como ser outro o sujeito passivo imediato, ou seja, o próprio Estado, titular da regularidade dos atos administrativos, ainda que tenhamos outro sujeito passivo, que seria o particular lesado pelo ato criminoso praticado pelo agente público.

Assim, entendo que o risco à credibilidade da instituição é inerente ao tipo penal, e não desborda o ordinário em crimes análogos, pelo que não pode ser utilizado como fundamento para valorar negativamente as consequências do crime.

A magistrada também apontou que a leitura da conversa monitorada entre o acusado e o comerciante XU demonstrou insistência do réu ao exigir os valores indevidos, bem como habilidade e desembaraço do réu na prática delitiva, além de inserir informações para reforçar a ideia de que efetivamente tinha condições de aplicar as represálias temidas pela vítima.

Tais fatos, contudo, são inerentes ao tipo sob análise, não se prestando à exasperação da pena. Isto porque é ínsito ao tipo penal o dolo do agente de exigir, para si ou para outrem, em razão de sua função, vantagem indevida.

Neste tocante, destaco lição do doutrinador Guilherme de Souza Nucci acerca do crime em comento: "exigir significa ordenar ou demandar, havendo aspectos nitidamente impositivos e intimidativos na conduta, que não precisa ser, necessariamente, violenta. Não deixa de ser uma forma de extorsão, embora colocada em prática por funcionário público." (Código penal comentado, 17. ed. rev., atual e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2017).

Por essas razões, afasto a valoração negativa das circunstâncias e das consequências do crime, e mantenho a exasperação da pena com fundamento na análise da personalidade do réu, estabelecendo a pena no patamar de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e em 13 (treze) dias-multa.


2ª fase


Na segunda fase da dosimetria, o magistrado sentenciante não reconheceu a presença de agravantes ou atenuantes, pelo que resta mantida a pena no patamar estabelecido na primeira fase da dosimetria.


3ª fase


Ausentes causas de aumento ou diminuição da pena, fica a pena definitiva atribuída ao réu no total de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, com o pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor unitário correspondente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime, à míngua de elementos nos autos que indiquem a atual situação econômica do réu.


3.3. Do concurso material


Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe devem ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou dois crimes.

Assim, obtém-se a pena definitiva de 5 (cinco) anos de reclusão, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa.


3.4. Do regime e da detração


Tendo em vista o novo quantum da pena, deve ser estabelecido o regime inicial semiaberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

Aplicada a detração prevista no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, tem-se que o réu foi submetido a prisão cautelar entre 17/09/2009 e 30/07/2010, portanto, pelo período de 316 (trezentos e dezesseis) dias. Descontado esse período de prisão provisória da pena definitiva, o restante da pena a ser cumprido é superior a quatro anos. Assim, a subtração não é capaz de alterar o patamar abstratamente previsto pelo legislador ordinário para a fixação do regime prisional, conforme intervalos previstos nas alíneas do § 3º do artigo 33 do Código Penal.


3.5. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.


Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na medida em que a pena definitiva supera quatro anos de reclusão e, portanto, não preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal.


Por todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa, para reduzir a fração da agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal, na dosimetria do crime do artigo 288 do Código Penal, e para afastar a valoração negativa das circunstâncias e consequências na dosimetria do crime do artigo 316 do Código Penal, fixando a pena definitiva em 5 (cinco) anos de reclusão, e no pagamento de 13 (treze) dias-multa.


É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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