Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0040196-07.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: K. M. D. A.

Advogado do(a) APELADO: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0040196-07.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: K. M. D. A.

Advogado do(a) APELADO: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.

A sentença, prolatada em 31.07.2015, julgou procedente o pedido nos termos que seguem: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação para condenar a requerida a pagar ao autor as prestações referentes ao benefício assistencial, na importância de um salário mínimo mensal, a contar da data do indeferimento do pedido administrativo (23/01/2012, conforme fls. 36). As prestações vencidas deverão ser pagas de uma só vez, acrescidas de juros de mora e correção monetária. Deverá a ré inscrever o autor como beneficiário na forma da Lei n.º 8.742/93, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 17.44/95, e Lei n.º 10.741/2003, e pagará ainda honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data desta sentença, não incidindo sobre as vincendas, de acordo com a Súmula 111 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.”

Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite legal estabelecido.

Recorre adesivamente a parte autora pleiteando a majoração da verba honorária.

Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da remessa necessária e do recurso do INSS, restando prejudicada a apelação da parte autora.

É o relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0040196-07.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: K. M. D. A.

Advogado do(a) APELADO: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Inicialmente, considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.

Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (27.01.2012), seu valor e a data da sentença (31.07.2015), que o valor total da condenação não alcança a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.

Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos interpostos.

Nesse passo, verifico que a matéria impugnada pelas partes se limita ao reconhecimento da existência de hipossuficiência/miserabilidade e consectários legais, restando, portanto, incontroversa a condição de deficiente da parte autora, limitando-se o julgamento apenas às insurgências recursais.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base no conjunto probatório apresentado, tendo se convencido restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do benefício.

Confira-se:

“O autor, pelo que consta no estudo social de fis. 107/108, reside com seus pais, sendo a renda familiar proveniente do trabalho de seu genitor. O pai do requerente recebe R$ 700,00 mensais, valor que, atualmente, é insuficiente para suprir os gastos da família, que necessita do auxílio de terceiros, haja vista que além das despesas básicas, tem de arcar com os medicamentos utilizados no tratamento da deficiência do requerente. Embora o relatório social realizado tenha concluído que a renda per capita da residência do autor é superior ao limite para o benefício (¼ do salário mínimo), a assistente social complementou aduzindo que o requerente não possui meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família, uma vez que os gastos praticados por esta são altos devido à criança ser portadora de necessidades especiais. Portanto, caracterizada a miserabilidade do autor, e verificada a existência do outro requisito necessário, qual seja, sua incapacidade total e permanente, a concessão do benefício é de rigor.”

De fato, o estudo social (ID 87819165 – pag. 26/27), elaborado em 10.09.2014, revela que a parte autora vive com seus pais e em imóvel alugado, de alvenaria, com um quarto, sala, cozinha e banheiro em bom estado de conservação. A casa está guarnecida com móveis e eletrodomésticos contando com: geladeira, fogão, mesa, cadeiras, guarda-roupa, cama, sofá e televisão, em bom estado de conservação.

Informaram que a renda da casa advém do salário do pai do autor que aufere R$ 700,00/mês.

Relataram despesas com: aluguel (R$ 430,00), água (R$ 45,00), energia (R$ 60,00), gás (R$ 48,00), alimentação (R$ 500,00), farmácia (R$ 200,00), totalizando um gasto fixo mensal no valor de R$ 1.283,00, aduzindo que a renda familiar é insuficiente para suprir os gastos mensais, e a família necessita do auxílio de terceiros. Acrescentam que o autor recebe fraldas da Prefeitura.

Anoto que embora tenham declarado rendimento no valor de R$ 700,00, o extrato do sistema CNIS - ID 87819165/pág. 33/36 revela que no momento da realização da perícia social, o pai do autor mantinha vínculo de trabalho formal com salário de contribuição no valor de R$ 2.609,51. Em verdade verifica-se a existência de remuneração variável entre R$ 1.500,00 e 2.700,00, valores significativamente superiores às despesas informadas.

Observa-se ainda que, conforme informação constante no laudo médico pericial (ID 8781965 – pág. 07/25) o autor realiza tratamento na APAE onde recebe os cuidados médicos necessários com acesso à hidroginástica, fisioterapia, ecoterapia, nutricionista, neurologista, terapia ocupacional e fonoaudióloga.

Portanto, depreende-se do conjunto probatório que, apesar de não se negar a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas.

Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.

Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, e julgo prejudicado o recurso adesivo da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0040196-07.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: K. M. D. A.

Advogado do(a) APELADO: FABIO ROBERTO PIOZZI - SP167526-N

 

 

EMENTA

 

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

3. Benefício assistencial indevido.

4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

5. Apelação do INSS provida. Recurso adesivo da parte autora prejudicado.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS e julgar prejudicado o recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.