Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026301-70.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: ABRIL RADIODIFUSAO S/A, SPRING TELEVISAO S.A., UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: EIDER AVELINO SILVA - SP256647, RENATO STEPHAN GRION - SP163326
Advogado do(a) APELADO: CARLOS DAVID ALBUQUERQUE BRAGA - SP132306-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026301-70.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: ABRIL RADIODIFUSAO S/A, SPRING TELEVISAO S.A., UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: EIDER AVELINO SILVA - SP256647, RENATO STEPHAN GRION - SP163326
Advogado do(a) APELADO: CARLOS DAVID ALBUQUERQUE BRAGA - SP132306-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Relatório disponibilizado no sistema GEDPRO, já juntado aos autos

 

 

 

 

 

 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026301-70.2015.4.03.6100/SP

  2015.61.00.026301-5/SP 

RELATORA : Desembargadora Federal MÔNICA NOBRE

APELANTE : Ministério Público Federal

ADVOGADO : SP121553 PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA MACHADO e outro(a)

APELADO(A) : ABRIL RADIODIFUSAO S/A

ADVOGADO : SP163326 RENATO STEPHAN GRION e outro(a)

 : SP331828 GUILHERME PICCARDI DE ANDRADE SILVA

 : SP407981 JULIA CASTORINO LOPES DA SILVA

APELADO(A) : SPRING TELEVISAO S/A

ADVOGADO : SP132306 CARLOS DAVID ALBUQUERQUE BRAGA e outro(a)

APELADO(A) : União Federal

PROCURADOR : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS

No. ORIG. : 00263017020154036100 6 Vr SAO PAULO/SP

VOTO-VISTA

Com a devida vênia, ouso divergir da eminente Relatora pelas razões que seguem.

Recorde-se que a concessão de serviço público consiste na transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco. Só existe concessão de serviço público quando se trata de serviço próprio do Estado, definido em lei.

O Poder Público transfere ao particular apenas a execução dos serviços, continuando a ser seu titular, assim como a concessão deve ser feita, em princípio, sempre por meio de licitação.

Os serviços públicos são res extra commercium e os particulares que os prestam não podem comercializar sua posição de delegatários, salvo previsão legal.

É bem verdade ser possível a transferência direta de outorga de concessão de radiodifusão nos termos da legislação pertinente, valendo destacar os arts. 89 e 90 do Decreto nº 52795/1963 e o art. 38, alínea "c" da Lei nº 4.117/1962.

No entanto, não é menos verdadeiro que a transferência da concessão exige, para a validade do ato, a prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo, senão vejamos do mesmo art. 38 da Lei nº 4.117/1962, a saber:

"Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas:

c) a transferência da concessão ou permissão de uma pessoa jurídica para outra depende, para sua validade, de prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo.

E nos termos do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, aprovado por meio do Decreto nº 52.795/1963, compete ao Presidente da República a decisão sobre os pedidos de transferência direta de concessão de serviços de radiodifusão de sons e imagens, que serão previamente instruídos pelo Ministério das Comunicações (art. 94, 4º).

Dessa forma, pela análise dos dispositivos supramencionados, não há impedimento legal à transferência da concessão para exploração de serviços de radiodifusão, desde que haja prévia anuência do órgão administrativo competente.

No caso em tela, a concessão para a execução do serviço de radiodifusão de sons e imagens, na localidade de São Paulo/SP, foi outorgada inicialmente à corré Abril por meio do Decreto nº 92.44 de 30.12.1985 (fl. 661), e renovada por meio do Decreto de 31.10.2002 e Decreto Legislativo nº 501/2004, pelo prazo de quinze anos (fls. 664/665 e 666).

Não constam dos autos informações relativas aos atos que concederam à Abril as autorizações para a execução do serviço de retransmissão de televisão (RTV).

Conforme manifestado pela Abril em sua contestação (fl. 570), em 18.12.2013, foi celebrado negócio jurídico com a corré Spring, para fins de transferência direta da concessão e das autorizações supramencionadas, inexistente a prévia anuência do órgão administrativo competente.

Como é bem de ver, ao contrário da reconhecida validade pelo magistrado na r. sentença, o negócio jurídico firmado entre as corrés ABRIL e SPRING padece de nulidade, visto que concretizado em desacordo com os termos do art. 38, 'c', da Lei n° 4.117/63 e do art. 90 do Decreto n° 52.795/63, eis que realizado sem a prévia autorização do Poder concedente.

Não se perca de vista que o Código Civil dispõe, em seu art. 166, inciso VIII, ser nulo todo negócio jurídico quando "a lei taxativamente a declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção". No caso dos autos, a validade do negócio jurídico (transferência) dependia, conforme mandamento legal, da prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo (art. 38, c, da Lei n° 4.117/63), o que, repita-se, não ocorreu.

De acordo com os documentos juntados, a MTV BRASIL veiculou notícias sobre o fim de suas transmissões no dia 31/09/2013 (fls. 90/91). Em 01/10/2013, a corré SPRING passou a veicular as transmissões de serviço de radiodifusão, (fls. 1120/1122, 1131/1132, 1158). Reitere-se, a efetiva transferência do serviço foi realizada sem a anuência prévia do Ministério das Comunicações, sendo, inclusive, anterior às autorizações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, que ocorreram em 20/01/2014 (fls. 26).

O conteúdo probatório carreado aos autos não deixa dúvidas de que a execução dos serviços de radiodifusão, e sua respectiva transferência, ocorreram em momento anterior à anuência do Poder concedente, implicando nulidade do negócio jurídico em apreço.

Inadmissível que a corré SPRING passasse a veicular sua programação em 01.10.2013, enquanto que o Decreto Presidencial concedendo a transmissão foi publicado apenas em 16.10.2016.

Sendo assim, não há como sequer se cogitar a possibilidade de subsistência do negócio jurídico praticado, vez que realizado em afronta a dispositivo legal. Ressalta-se, ainda, que malfadado negócio jurídico nulo não pode ser convalidado pela posterior autorização presidencial de que fora objeto, via decreto, e tampouco se convalesce pelo decurso do tempo, nos termos do art. 169 do Código Civil, impondo-se, pois, a decretação de nulidade pelo Poder Judiciário, como aqui pleiteada pelo Ministério Público, conforme art. 168 do mesmo Codex:

Art. 168- As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Nesse sentido, segundo Celso Antônio Bandeira de MelIo e Maria Sylvia Zanella di Pietro, o vício que macula atos e contratos administrativos decorrente da violação de normas constitucionais e infraconstitucionais - existente desde a origem ou surgido ao longo da existência dos atos e contratos - não pode ser objeto de convalidação. Logo, segundo estes autores, a consequência dos atos e contratos administrativos viciados por ilicitude é a sua extinção. Na mesma linha, o art. 55 da Lei nº 9.784/1999, a contrario sensu, preceitua que não são convalidáveis os vícios administrativos que acarretem lesão ao interesse público, como inquestionavelmente é o caso tratado nesta Ação Civil Pública. (Curso de Direito Administrativo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, pg.482 e Direito Administrativo, 26ª ed., São Paulo, Atlas, 2013, p.257)

Não se ignora aqui que o contrato firmado entre ABRIL RADIODIFUSÃO S/A e SPRING TELEVISÃO S/A previu a condição suspensiva (art. 125 do Código Civil) de anuência do Ministério das Comunicações, pois ficou claro, com ampla divulgação nos veículos de comunicação, que a emissora MTV (ABRIL RADIODIFUSÃO S/A) encerrara suas atividades; mas, em vez de providenciar a cessação de sua outorga à União, providenciou, ao arrepio da legislação respeitante, a alienação à SPRING TELEVISÃO S/A, que já passou, imediatamente, a utilizar-se do espectro de radiofrequência para transmissão de programação, como lhe aprouvesse.

O que houve, portanto, foi uma típica negociação já aperfeiçoada sujeita a uma cláusula resolutiva, ou seja, o negócio jurídico entre as partes já começou a produzir os efeitos e, somente se não houvesse anuência da União, é que provavelmente seria desfeito, servindo a estipulação da condição suspensiva como mera cláusula simulada, posto que não condizente com a realidade dos fatos.

Afinal, o Código Civil considera como condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto (art. 121), para depois fixar que subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa (art. 125). Assim, se de condição suspensiva efetivamente se tratasse, a corré SPRING TELEVISÃO S/A não poderia começar a operar, de plano, como de fato ocorreu, o serviço público de radiodifusão.

Evidentemente, a transferência travada entre as corrés ABRIL e SPRING configurou negócio jurídico já aperfeiçoado ab initio, com pagamento e recebimento do preço e efetiva transferência da exploração do serviço público de radiodifusão da ABRIL, para a SPRING, não se fazendo crível, pela situação posta nos autos, a existência da cláusula condicional válida, apta a tornar futura a transferência do direito em apreço.

E, em face de tal transmissão ilegal da condição de concessionária de serviço público, caberia ao Poder Concedente decretar a caducidade da concessão e, consequentemente, a extinção do contrato pelo Poder Público, através de ato unilateral, por descumprimento de obrigações contratuais pelo concessionário. Contudo, omitiu-se a União de tal mister.

Com efeito, verifica-se pela análise dos documentos juntados (fls.134/530) que, em nenhum momento, o procedimento de verificação da regularidade da transferência, em trâmite no Ministério das Comunicações, aferiu a execução efetiva dos serviços de radiodifusão em momento prévio à autorização do Governo Federal. Ateve-se, única e exclusivamente, à análise de documentos comprobatórios exigidos por seus regulamentos, distantes da realidade fática que impunha a violação contumaz do art. 90 do Decreto nº 52.795/63, omitindo-se para a inegável constatação de que a concessão de serviço de radiodifusão era exercida sem sua prévia autorização, ensejando a caducidade do contrato com a ABRIL.

Vê-se que, o Poder Concedente, mesmo em face da conduta, pelo concessionário, a justificar a consequente decretação de caducidade da concessão, fez publicar no Diário Oficial da União em 21.10.2016, o Decreto do Presidente da República transferindo a concessão outorgada à ABRIL Radiodifusão para o Grupo SPRING. Ora, em vez de punir o concessionário que ilegalmente transferiu o serviço a ele concedido, o Poder Concedente editou ato normativo a fim de ratificar a ilegalidade já em curso.

Como citado acima, é inviável, à luz do ordenamento jurídico pátrio, a convalidação de negócio jurídico nulo, nos termos do art. 169 do Código de Processo Civil, o que faz pairar sobre o referido decreto (ato administrativo normativo) a pecha de ilegalidade.

E não é demasiado falar na existência de vício em relação à finalidade, consistente no fato de que o Decreto Presidencial prestou-se, na verdade, a chancelar negócio jurídico reconhecidamente nulo, no interesse exclusivo das partes envolvidas no negócio, desprotegendo o interesse público de que o serviço concedido fosse executado conforme os preceitos legais que regem o contrato de concessão, configurando-se, dessa forma, vício insanável, segundo o art. 2°, parágrafo único, alínea e da Lei nº 4.717/65, igualmente a ensejar a nulidade do Decreto.

Destarte, importa reconhecer que, na operação objeto desta Ação Civil Pública, houve, em verdade, o enriquecimento ilícito das Rés correspondente ao valor de R$ 290 milhões auferido pela ABRIL com a comercialização proibida de coisa extra commercium e à renda obtida ilegalmente pela SPRING com a prestação indevida dos serviços de radiodifusão.

Ademais, comprovado também o desvio de finalidade da concessão ora questionada, provocado pela transferência da outorga entre ABRIL e SPRING, em afronta explícita ao princípio da moralidade, na medida em que ele constitui verdadeiro superprincípio informador dos demais (ou um princípio dos princípios), certo que não se pode reduzi-lo a mero integrante do princípio da legalidade. Isso proporciona, por exemplo, o combate de ato administrativo formalmente válido, porém destituído do necessário elemento moral. A moralidade administrativa tem relevo singular e é o mais importante desses princípios, porquanto é pressuposto informativo dos demais (legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação), muito embora devam coexistir no ato administrativo. Exsurge a moralidade administrativa como precedente lógico de toda a conduta administrativa, vinculada ou discricionária derivando também às atividades legislativas e jurisdicionais, consistente no assentamento de que: o Estado define o desempenho da função administrativa segundo uma ordem ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de seus fins, sendo como elementos a honestidade, a boa-fé, e a lealdade e visando a uma administração. Assim, no atuar, o agente público deve medir atenção ao elemento moral de sua conduta e aos fins colimados, porque a moralidade afina-se conceito de interesse público não por vontade da norma constitucional, mas por constituir pressuposto intrínseco de validade do ato administrativo.

A postura das empresas rés pessoas jurídicas de direito privado, que negociaram livremente, sem prévia autorização do Poder concedente e, ademais, de forma ilegítima e afrontosa à Constituição Federal, mais especificamente a postulados nela erigidos, como o da legalidade e da moralidade, obviamente causa danos extrapatrimoniais coletivos e merecer a reparação por quem a eles deu causa.

Valendo realçar que a transação absolutamente ilegal foi realizada pelo montante de RS 290.000.000,00 (duzentos e noventa milhões de reais), tal como consta no documento (página 47, do Doc. 03 - DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS em 31 de Dezembro de 2013 e Relatório dos Auditores Independentes), e que a incidência de dano extrapatrimonial ou moral coletivo tem fundamento no art. 50, V, da Constituição Federal, bem como no art. 186, do Código Civil e, ainda, no art. 1°, incisos II e IV, da Lei n° 7.347185, importa reconhecer que a conduta das rés gera direito a esta modalidade de indenização, senão vejamos dos seguintes precedentes jurisprudenciais:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL AÇÃO CIVIL COLETIVA. INTERRUPÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENEIGIA ELÉTRICA. OFENSA AO ART 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL COLETIVQ DEVER DE INDENIZAR. 1. Cuida-se de Recursos Especiais que debatem, no essencial, a legitimação para agir do Ministério Público na hipótese de interesse individual homogêneo e a caracterização de danos patrimoniais e morais coletivos, decorrentes de frequentes interrupções no fornecimento de energia no Município de Senador Firmino. Culminando em a falha de eletricidade nos dias 31 de maio. 10 e 2 de junho de 2002. Esse evento causou, entre outros prejuízos materiais e morais, perecimento de géneros alimentícios nos estabelecimentos comerciais e nas residências: danificação de equipamentos elétricos: suspensão do atendimento no hospital municipal: cancelamento de festa junina: risco de fisga dos presos da cadeia local: e sentimento de impotência diante de fornecedor que presta com exclusividade serviço considerado essencial. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracterizo ofensa ao art. 535 do CPC 3. O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes do STJ. 4. A apuração da responsabilidade da empresa fui definida com base na prova dos autos. Incide, in casu, o óbice da Súmula 7/STJ. 5. O dano moral coletivo atinge interesse patrimonial de classe especifica ou não de pessoas de pessoas, uma afronta ao sentimento geral dos titulares da relação jurídica-base. 6. O acórdão estabeleceu, à luz da prova dos autos que a interrupção no fornecimento de energia elétrica, em virtude da precária qualidade de prestação do serviço, tem o condão de afetar o patrimônio moral da comunidade. Fixado o cabimento do dano moral coletivo, a revisão da prova da sua efetivação no caso concreto e da quantificação esbarra na Súmula 7/STJ. 7. (...) (RESP 201001051042. HERMAN BEN.JAMW STJ - SEGUNDA TURMA. DJE 08/03/2012)

 

(...) 7. A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art. 5. Inciso V da Constituição Federal. Não havendo restrição da violação à esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação tem levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. 8. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. 9. Há vários julgados desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento da condenação por danos morais coletivos em sede de ação civil pública. Precedentes: EDcI no AgRg no REsp 144084 7/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MAROUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014, REsp 1269494/MG, Rei. Ministra ELIANA ALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013;REsp 136 7923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 2 7/08/2013, DJe 06/09/2013; REsp 119 7654/MG, Rei. Ministro HERMAN BENJAMIN. SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011. Die 08/03/2012. (...)

(RESP 201301436789, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ SEGUNDA TURMA, DJE: 10/12/2014)

 

Por tudo isso, conclui-se que a operação objeto desta Ação Civil Pública ensejou (i) enriquecimento ilícito, correspondente à renda de R$ 290 milhões auferida pela ABRIL com a comercialização indeferida de coisa extra commercium, não antecedida da prévia anuência do Poder Concedente, e (ii) dano moral coletivo oriundo da comercialização privada de outorga de radiodifusão ao arrepio da legislação e da sua indevida convalidação, a posteriori, pelo Poder Concedente (União Federal).

Desse modo, impõe-se o acolhimento do pedido de declaração judicial da invalidação, caducidade e nulidade da concessão do serviço de radiodifusão outorgado à ré ABRlL RADIODIFUSÃO S/A, em razão da transferência inconstitucional/ilegal, objeto da outorga do referido serviço público à empresa SPRING TELEVISÃO S/A, consideradas a transmissão ilegal da concessão e a omissão da corré UNIÃO quanto às providências pertinentes, segundo o que dispõe os art. 27; art. 35, III; art. 38, § 10,11; Lei n°8.987/95.

Deverá a União Federal, por intermédio do Ministério das Comunicações, licitar novamente o serviço de radiodifusão originalmente outorgado à corre ABRIL RADIODIFUSÃO S/A, isso sem prejuízo da aplicação da penalidade prevista no arts. 6°, da Lei n° 12.846/2013.

 

Impõe-se, outrossim, a condenação das corrés, UNIÃO FEDERAL, ABRIL RADIODIFUSÃO S/A e SPRING TELEVISÃO S/A, ao pagamento de indenização por danos morais coletivo no valor correspondente a 10% (dez por cento) do valor do negócio, rateados entre elas, conforme o princípio da razoabilidade e proporcionalidade diante dos danos causados e da capacidade econômica das partes rés, a ser revertido ao fundo de recomposição dos interesses supraindividuais lesados, conforme previsão do artigo 13, da Lei nº 7347/85.

Há que se aplicar, quanto aos juros moratórios, os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião do julgado - especificamente, a Resolução 134/2010-CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, ou seja, naquilo que  interessa aos autos, devem incidir, a partir de dezembro de 2013, no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, correspondentes a 0,5% ao mês, caso a Taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5% ou, caso a SELIC ao ano seja igual ou inferior a 8,5%, 70% da Taxa SELIC, de maneira mensalizada, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012.

Do mesmo modo a correção monetária, a qual deve incidir a partir de dezembro de 2013, com a aplicação do IPCA-E/IBGE (em razão da extinção da UFIR como indexador, pela MP n. 1.973-67/2000, art. 29, §3º).

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. CONFIGURAÇÃO. PRESCRIÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PESSOA PORTADORA DA SÍNDROME DA TALIDOMIDA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS.

(...)

Quanto ao cálculo dos juros de mora e correção monetária, determinou-se que fosse realizado de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, o qual nada mais faz do que explicitar os índices aplicáveis de acordo com as normas vigentes no período, nos seguintes termos: correção monetária, a partir de janeiro de 2001, aplicável IPCA-E / IBGE (em razão da extinção da Ufir como indexador, pela MP n. 1.973-67/2000, art. 29, §3º), observado que o percentual a ser utilizado em janeiro de 2001 deverá ser o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15 / IBGE). Já a título de juros de mora: de jan/2003 a jun/2009 aplica-se a Selic (Art. 406 da Lei n.10.406/2002 - Código Civil); de jul/2009 a abr/2012, aplica-se a taxa de 0,5% ao mês (Art. 1º.-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991); e a partir de maio/2012 incide o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples (Art. 1º.-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012). Ressalte-se que nessa especificação de índices já está considerado o resultado das ADI Nº 4357 e 4425, bem como a respectiva modulação de seus efeitos pelo STF.

- Preliminares rejeitadas. Apelação da União e reexame necessário parcialmente providos.

(TRF3R, AC 2011.61.12.007558-0/SP, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, 4ª Turma, DJ 18.07.2018)

De sua parte, a questão da verba honorária sucumbencial deve ser examinada consoante o preceito contido no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, pois "na ação civil pública, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 17 pela Lei 8.078/90" (STJ, REsp 493823).

A novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, firmou o entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes. Assim, se não podem os legitimados ativos ser condenados aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderão de tal verba se beneficiar. A título ilustrativo, citem-se os seguintes julgados do STJ: REsp 1407860, REsp 1302105 e AgREsp 221459). Também sem custas à vista do entendimento do STJ: AgRg no REsp 1032635/MG.

Diante de todo o exposto, dou provimento ao presente recurso e à remessa oficial, tida por interposta, com a consequente reforma da r. decisão recorrida, a fim de que as Corrés União, ABRIL Radiodifusão S/A (ABRIL) e SPRING Televisão S/A (Grupo SPRING) sejam condenadas, nos termos acima consignados, quanto à declaração da invalidação, caducidade e nulidade da concessão do serviço de radiodifusão outorgado, na obrigação de licitar novamente o serviço supramencionado, e no pagamento de indenização por danos morais.

Deixo de condenar as rés no pagamento de honorários de sucumbência, conforme a fundamentação.

É o voto.

 


 

E M E N T A

 

 

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSFERÊNCIA DIRETA DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS. AUSÊNCIA DA PRÉVIA CONCORDÂNCIA DO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO COMPETENTE. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 166, VIII, DO CC. HONORÁRIOS SUCUMBÊNCIAIS. NÃO CABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA.

1. A concessão de serviço público consiste na transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco. Só existe concessão de serviço público quando se trata de serviço próprio do Estado, definido em lei.

2. É bem verdade ser possível a transferência direta de outorga de concessão de radiodifusão nos termos da legislação pertinente, valendo destacar os arts. 89 e 90 do Decreto nº 52795/1963 e o art. 38, alínea "c" da Lei nº 4.117/1962. No entanto, não é menos verdadeiro que a transferência da concessão exige, para a validade do ato, a prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo. E nos termos do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, aprovado por meio do Decreto nº 52.795/1963, compete ao Presidente da República a decisão sobre os pedidos de transferência direta de concessão de serviços de radiodifusão de sons e imagens, que serão previamente instruídos pelo Ministério das Comunicações (art. 94, 4º).

3. No caso em tela, a concessão para a execução do serviço de radiodifusão de sons e imagens, na localidade de São Paulo/SP, foi outorgada inicialmente à corré Abril por meio do Decreto nº 92.44 de 30.12.1985 (fl. 661), e renovada por meio do Decreto de 31.10.2002 e Decreto Legislativo nº 501/2004, pelo prazo de quinze anos (fls. 664/665 e 666). Conforme manifestado pela ABRIL em sua contestação, em 18.12.2013, foi celebrado negócio jurídico com a corré SPRING, para fins de transferência direta da concessão e das autorizações supramencionadas, inexistente a prévia anuência do órgão administrativo competente.

4. O negócio jurídico firmado entre as corrés ABRIL e SPRING padece de nulidade, visto que concretizado em desacordo com os termos do art. 38, 'c', da Lei n° 4.117/63 e do art. 90 do Decreto n° 52.795/63, eis que realizado sem a prévia autorização do Poder concedente.

5. O Código Civil dispõe, em seu art. 166, inciso VIII, ser nulo todo negócio jurídico quando "a lei taxativamente a declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção". No caso dos autos, a validade do negócio jurídico (transferência) dependia, conforme mandamento legal, da prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo (art. 38, c, da Lei n° 4.117/63), o que, repita-se, não ocorreu.

6. O conteúdo probatório carreado aos autos não deixa dúvidas de que a execução dos serviços de radiodifusão, e sua respectiva transferência, ocorreram em momento anterior à anuência do Poder concedente, implicando nulidade do negócio jurídico em apreço. Inadmissível que a corré SPRING passasse a veicular sua programação em 01.10.2013, enquanto que o Decreto Presidencial concedendo a transmissão foi publicado apenas em 16.10.2016.

7. Em face de tal transmissão ilegal da condição de concessionária de serviço público, caberia ao Poder Concedente decretar a caducidade da concessão e, consequentemente, a extinção do contrato pelo Poder Público, através de ato unilateral, por descumprimento de obrigações contratuais pelo concessionário. Contudo, omitiu-se a União de tal mister.

8. E não é demasiado falar na existência de vício em relação à finalidade, consistente no fato de que o Decreto Presidencial prestou-se, na verdade, a chancelar negócio jurídico reconhecidamente nulo, no interesse exclusivo das partes envolvidas no negócio, desprotegendo o interesse público de que o serviço concedido fosse executado conforme os preceitos legais que regem o contrato de concessão, configurando-se, dessa forma, vício insanável, segundo o art. 2°, parágrafo único, alínea e da Lei nº 4.717/65, igualmente a ensejar a nulidade do Decreto.

9. A postura das empresas rés pessoas jurídicas de direito privado, que negociaram livremente, sem prévia autorização do Poder concedente e, ademais, de forma ilegítima e afrontosa à Constituição Federal, mais especificamente a postulados nela erigidos, como o da legalidade e da moralidade, obviamente causa danos extrapatrimoniais coletivos e merecer a reparação por quem a eles deu causa.

10. Valendo realçar que a transação absolutamente ilegal foi realizada pelo montante de RS 290.000.000,00 (duzentos e noventa milhões de reais) e que a incidência de dano extrapatrimonial ou moral coletivo tem fundamento no art. 50, V, da Constituição Federal, bem como no art. 186, do Código Civil e, ainda, no art. 1°, incisos II e IV, da Lei n° 7.347185, importa reconhecer que a conduta das rés gera direito a esta modalidade de indenização, no valor correspondente a 10% (dez por cento) do valor do negócio, rateados entre elas, conforme o princípio da razoabilidade e proporcionalidade diante dos danos causados e da capacidade econômica das partes rés, a ser revertido ao fundo de recomposição dos interesses supraindividuais lesados, conforme previsão do artigo 13, da Lei nº 7347/85.

11. Há que se aplicar, quanto aos juros moratórios, os critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião do julgado - especificamente, a Resolução 134/2010-CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, ou seja, naquilo que interessa aos autos, devem incidir, a partir de dezembro de 2013, no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, correspondentes a 0,5% ao mês, caso a Taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5% ou, caso a SELIC ao ano seja igual ou inferior a 8,5%, 70% da Taxa SELIC, de maneira mensalizada, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012. Do mesmo modo a correção monetária, a qual deve incidir a partir de dezembro de 2013, com a aplicação do IPCA-E/IBGE (em razão da extinção da UFIR como indexador, pela MP n. 1.973-67/2000, art. 29, §3º).

12. Como os legitimados ativos não podem ser condenados aos honorários sucumbenciais em sede de ação civil pública, igualmente não poderão de tal verba se beneficiar.

13. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, providas.

 

 


  ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, na sequência do julgamento, após o voto-vista do Des. Fed. MARCELO SARAIVA no sentido de dar provimento ao presente recurso e à remessa oficial, tida por interposta, com a consequente reforma da r. decisão recorrida, a fim de que as Corrés União, ABRIL Radiodifusão S/A (ABRIL) e SPRING Televisão S/A (Grupo SPRING) sejam condenadas, na forma consignada, quanto à declaração da invalidação, caducidade e nulidade da concessão do serviço de radiodifusão outorgado, na obrigação de licitar novamente o serviço supramencionado, e no pagamento de indenização por danos morais, sem condenação das rés no pagamento de honorários de sucumbência, conforme a fundamentação, no que foi acompanhado pelos Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e DIVA MALERBI, bem como do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA, que acompanhou a Relatora, foi proferida a seguinte decisão: a Quarta Turma, por maioria, decidiu dar provimento ao presente recurso e à remessa oficial, tida por interposta, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA, com quem votaram os Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e DIVA MALERBI, vencidas as Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora) e MARLI FERREIRA, que negavam provimento à remessa oficial, tida por interposta, e ao recurso de apelação do MPF. Lavrará acórdão o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. A Des. Fed. MARLI FERREIRA votou nos termos do art. 942, §1º do CPC. A Des. Fed. DIVA MALERBI votou nos termos dos arts. 53 e 260, §1.º do RITRF3 , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.