APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025362-38.2012.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: REGINA CELIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: DIMITRIUS GOMES DE SOUZA - SP415225-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025362-38.2012.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: REGINA CELIA DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: DIMITRIUS GOMES DE SOUZA - SP415225-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (relatora): Cuida-se de apelação interposta por Regina Célia da Silva contra sentença que julgou improcedente o pedido, porquanto não teria sido produzida nos autos prova documental suficiente a respaldar os testemunhos colhidos, os quais não são suficientes para, isoladamente, comprovar o exercício de atividade rural. A parte autora sustenta, em síntese, a suficiência da prova documental trazida aos autos, a qual teria sido devidamente corroborada pelas testemunhas ouvidas, o que evidenciaria o efetivo exercício de atividade rural pela parte autora. Assim, constatada em perícia a incapacidade total e permanente desde 2008, pugna pela concessão do benefício de aposentadoria por invalidez. Requer, por fim, a concessão da tutela de urgência. Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Regional. É o relatório. ms
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0025362-38.2012.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: REGINA CELIA DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: DIMITRIUS GOMES DE SOUZA - SP415225-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (relatora): DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A cobertura da contingência invalidez/incapacidade permanente é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II - Da Seguridade Social, no artigo 201, inciso I, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, in verbis: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)” Com efeito, a Reforma da Previdência de 2019 (EC nº 103/2019) modificou a denominação da invalidez para incapacidade permanente. A Lei nº 8.213, de 24/07/1991, que estabelece o Plano de Benefícios da Previdência Social (PBPS), disciplina em seus artigos 42, caput, e 59, caput, as condições à concessão de benefícios por incapacidade, in verbis: “Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.” “Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.” A aposentadoria por invalidez, nos termos do artigo 42 do PBPS, é o benefício destinado ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 dias consecutivos, por motivo de doença ou em razão de acidente de qualquer natureza (artigos 59 a 63 da Lei de Benefícios). Desse modo, o evento determinante para a concessão desses benefícios consiste na incapacidade para o trabalho. Na hipótese de incapacidade temporária, ainda que de forma total e permanente, será cabível a concessão de auxílio-doença, o qual posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (caso sobrevenha incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se for extinta a incapacidade temporária e o segurado permanecer com sequela permanente que enseje a redução da sua capacidade laboral) ou cessado (quando ocorrer a cura do segurado). São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência e a incapacidade laborativa. 1. O primeiro, consiste na qualidade de segurado, consoante o art. 15 da LBPS. É cediço que mantém a qualidade de segurado aquele que, ainda que esteja sem recolher as contribuições, preserve todos os seus direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, ao qual a doutrina denominou "período de graça", de acordo com o tipo de segurado e a sua situação, conforme dispõe o art. 15 da Lei de Benefícios, in verbis: “Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019) II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social. § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.” Releva observar que o § 1º do art. 15 da Lei nº 8.213/1991 prorroga o período de graça por 24 meses àqueles que contribuíram por mais de 120 meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Ademais, restando comprovado o desemprego do segurado, mediante registro perante o órgão próprio do Ministério de Trabalho ou da Previdência Social, os períodos do inciso II ou do § 1º do art. 15 da Lei de Benefícios serão acrescidos de mais 12 meses (art. 15, § 2°, da Lei n. 8.213/1991). É evidente que a situação de desemprego deve ser comprovada, pela inscrição perante o Ministério do Trabalho (artigo 15, § 2º, da Lei n. 8.213/1991), ou por qualquer outro meio probatório (v.g., prova documental, testemunhal, indiciária etc.). Importa esclarecer que, consoante o disposto no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c/c o art. 14 do Decreto nº 3.048/99 (que aprova o Regulamento da Previdência Social – RPS), com a redação dada pelo Decreto nº 4.032/2001, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo estabelecido no art. 30, inciso II, da Lei nº 8.212/1991 para recolhimento da contribuição, ensejando, por conseguinte, a caducidade do direito pretendido, exceto na hipótese do § 1º do art. 102 da Lei nº 8.213/91, isto é, quando restar comprovado que a impossibilidade econômica de continuar a contribuir foi decorrente da incapacidade laborativa. Frise-se que com o decurso do período de graça, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado apenas serão computadas para efeitos de carência após o recolhimento pelo segurado, a partir da nova filiação ao RGPS, conforme o caso, de, ao menos, 1/3 (um terço) do número de contribuições necessárias para o cumprimento da carência exigida para benefícios por incapacidade, ou seja, quatro contribuições (durante a vigência do art. 24, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91) ou metade deste número de contribuições (de acordo com o art. 27-A da Lei de Benefícios, incluído pela Lei nº 13.457/2017). 2. O segundo requisito diz respeito à carência de 12 (doze) contribuições mensais, consoante o disposto no art. 25 da Lei nº 8.213/1991, a saber: “Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26: I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;” No entanto, independe de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, assim como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das doenças elencadas no art. 151 da Lei de Benefícios, que dispõe: “Art. 151. Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)” 3. O terceiro requisito consiste na incapacidade para o trabalho de modo permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e na incapacidade temporária, por mais de 15 dias consecutivos (auxílio-doença). Anote-se que para a concessão de benefícios por incapacidade é preciso a demonstração de que, ao tempo da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto se a incapacidade sobrevier em decorrência de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. Estabelecem os artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, in verbis: “Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.” “Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)” Logo, a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao RGPS não configura óbice à concessão do benefício na hipótese em que a incapacidade decorrer de progressão ou agravamento da moléstia, ex vi do art. 42, § 2º, da Lei de Benefícios. Na hipótese de ser reconhecida a incapacidade somente parcial para o trabalho, o magistrado deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença. Ademais, pode conceder auxílio-acidente, nos moldes do artigo 86 da Lei nº 8.213/1991, se a incapacidade parcial decorre de acidente de trabalho ou de qualquer natureza, ou ainda, de doença profissional ou do trabalho (art. 20, incisos I e II, da Lei de Benefícios). A existência de incapacidade, total ou parcial, é reconhecida mediante realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, consoante o Código de Processo Civil. No entanto, o magistrado não está adstrito unicamente às conclusões periciais, podendo valer-se de outros elementos constantes dos autos para formar a sua convicção, tais como questões pessoais, sociais e profissionais. Confira-se alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que dizem respeito a esse tema: Súmula 47 da TNU: "Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez". Súmula 53 da TNU: "Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social". Súmula 77 da TNU: "O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual". O art. 43, §1º, da Lei nº 8.213/1991 preceitua que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social. Acrescente-se que em hipóteses específicas, quando demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa (grande invalidez), é possível, com supedâneo no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) ao valor da aposentadoria por invalidez. DA COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL A jurisprudência encontra-se pacificada segundo o verbete da súmula 149 do C. STJ, que estabelece: “A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”. (STJ, Terceira Seção, julgado em 07/12/1995, DJ 18/12/1995), sendo imprescindível, portanto, a comprovação da faina campestre mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal O precedente aplica-se também aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, por força do entendimento assentado pela E. Primeira Seção do C. STJ no REsp nº 1.321.493/PR, Relator Ministro Herman Benjamin (j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012), sob os auspícios dos recursos repetitivos. A comprovação da atividade rural, então, será realizada mediante verificação dos registros de segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), na forma dos artigos 38-A e 38-B da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, bem assim mediante a apresentação dos documentos indicados no rol exemplificativo do artigo 106 do mesmo diploma legal, com redação da Lei 13.846, de 2019, conforme o entendimento firmado pelo E. STJ no julgamento do RESP nº 1.081.919/PB, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 03.08.2009. Ademais, com fulcro na possibilidade de eficácia prospectiva e retrospectiva dos documentos, o reconhecimento de tempo de serviço rural vai além do período relativo ao início de prova material, quando for corroborado por prova testemunhal. Esse entendimento foi consolidado pelo C. STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014, segundo a sistemática dos repetitivos, viabilizando, assim, a extensão da eficácia dos documentos, pois, conforme consta da ementa, “não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo o período de carência estabelecido pelo artigo 143 da Lei 8.213/1991, desde que a prova testemunhal amplie a sua eficácia probatória”. Anote-se que a declaração de sindicato de trabalhadores rurais foi submetida a três disciplinas distintas. Inicialmente, por força do disposto pelo artigo 106 do PBPS, exigia-se a homologação do Ministério Público. A partir da edição da Lei nº 9.063, em 14/06/1995, passou a ser necessária a homologação do INSS. A partir de 18/01/2019, com a edição da Medida Provisória nº 871/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 2019, não pode ser aceita a referida declaração para fins de comprovação da atividade rural. DO CASO CONCRETO Consoante se depreende do laudo pericial, a parte autora, com 50 (cinquenta) anos na data da perícia, realizada em 14/04/2010, seria portadora de Doença isquêmica secundária e obstrução das artérias coronárias, além de Depressão, estando, desde 2008 (data em que se deu o episódio de isquemia do miocárdio), total e permanentemente incapacitada para o exercício de quaisquer atividades laborativas (ID 90298698 - Págs. 120/127). Neste aspecto, conclui o expert: DISCUSSÃO: A pericianda é efetivamente portadora das lesões descritas que comprometem sua capacidade laborativa. CONCLUSÃO: A pericianda é portadora de incapacidade laborativa TOTAL e PERMNENTE. Quanto ao exercício do labor rural, traz a parte autora, à guisa de início de prova material, os seguintes documentos: (i) conta de consumo de energia elétrica, com vencimento em 22/02/2008, em nome de seu companheiro, Miguel Nonato da Rocha, com endereço no Assentamento Estrela da Ilha, Lote 200, (ii) declaração, datada de 01/02/2015, firmada por ambos os conviventes de que vivem maritalmente há cerca de 14 (catorze) anos, em que seu companheiro se qualifica como agricultor, e (iii) ficha de identificação médica, em que Miguel Nonato da Rocha consta como seu companheiro (ID 90298698 - Págs. 34/35 e 64). Inicialmente, cumpre salientar que os depoimentos das testemunhas colhidos em audiência realizada em 03/12/2015 foram consonantes em demonstrar que a parte autora, de fato, convive em regime de união estável com Miguel Nonato da Rocha (ID 90300564 - Págs. 14/15). Neste sentido, afirma a testemunha Ivone Balbino Garcia: “Conheço a autora há aproximadamente 18 anos. Quando a conheci, morava na minha rua. Acredito que faz aproximadamente 8 anos que a autora mudou-se para o assentamento. Sei que no assentamento a autora em conjunto com sua família, cria gado porcos, galinha e mexe com horta. Sei que a autora vive em união estável com o Miguel Nonato. Acho que a união estável tem aproximadamente 26 anos. Sei que o casal tem uma filha em comum de 18 anos de idade”. Por sua vez, a testemunha Edna da Costa Morais refere: “Conhece a autora há mais 10 anos. Quando a conheci sei que ela morava com o Miguel há mais de 10 anos. Sei que ela reside, e na época também residia, no Assentamento Estrela da Ilha. No local ela cultivava mandioca, criava vacas leiteiras, porcos, etc. No local não há funcionários, somente havendo força de trabalho da própria família. A autora não trabalha mais porque teve problemas cardíacos. Sei que a autora vive em união estável há muito tempo. Inclusive quando a conheci ela já vivia com o Miguel. Sei que o casal tem uma filha em comum de aproximadamente 17 anos de idade”. Sob tal perspectiva, demonstrada a existência de união estável, a qualificação profissional do companheiro é extensível à autora, para efeitos de início de prova material a ser corroborado por testemunhas, conforme entendimento pacificado nos tribunais (STJ, Resp nº 175.822/SP, Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ 26/10/1998). Desta feita, afere-se que a prova documental acima referida foi devidamente corroborada pela prova testemunhal, sendo possível aferir que a parte autora possuía a qualidade de segurada especial quando do início da incapacidade, fixada em perícia em meados de 2008. Com efeito, em audiência realizada em 19/05/2011, as testemunhas prestaram depoimentos coerentes no sentido de que a parte autora se dedicou à agricultura familiar no âmbito do Assentamento Estrela da Ilha, local em que possui residência, desde cerca de 1994, tendo se afastado de sua atividade em decorrência de doença manifestada em meados de 2008, o que corrobora, da mesma forma, o laudo médico decorrente de exame realizado nestes autos (ID 90298698 - Págs. 146/147). Neste sentido, Ivone Balabino Garcia afirma: “Conheço a autora daqui da Ilha Solteira, há dezesseis anos. Afirmo que a autora trabalha em seu sítio, no assentamento Estrela da Ilha. A autora cultivava milho, feijão, mandioca, e outras coisas da roça. Tudo em regime de econômica doméstica. Tem três anos que a autora ficou muito doente e deixou de trabalhar. A autora tem um problema grave no coração e não pode trabalhar. A autora não tem nenhuma renda e precisa da aposentadoria para sobreviver com dignidade”. No mesmo sentido, a testemunha Antônia Paulino da Silva aduz: “Conheço da autora daqui de Ilha Solteira, desde 1994. Afirmo que a autora é trabalhadora rural, em seu lote no Assentamento Estrela da Ilha, onde cultiva milho, feijão, mandioca, tudo para sobrevivência. Faz três anos que a autora sofreu um enfartou e deixou de trabalhar em seu lote. A autora tem uma filha, que ainda mora com ela. A autora precisa muito da aposentadoria para sobreviver porque não tem outra fonte de renda e não pode mais trabalhar por causa da doença que lhe acomete”. Assim, desincumbiu-se a parte autora de demonstrar que, além de possuir a qualidade de segurada especial, cumpriu o período de carência no momento em que constatado o início da incapacidade, em 2008, razão por que se afigura devido o benefício de aposentadoria por invalidez. Data de início do benefício (DIB) É cediço que a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que a data de início do benefício (DIB) deve ser fixada na data do requerimento administrativo, e apenas na ausência deste, a partir da citação do INSS. Com efeito, consoante estabelecido pelo C. Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.369.165/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 626), “a citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação administrativa”. Posteriormente, houve a edição da Súmula 576 do STJ, com a seguinte redação: “ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida”. Impendente salientar que, no caso dos autos, tendo a demanda sido proposta em 19/10/2009, contestada em 18/02/2010, não se afigura imprescindível a formulação de pedido administrativo prévio, na forma expendida pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE nº 631.240, com repercussão geral reconhecida, porquanto caracterizado o interesse de agir, nos seguintes termos (ID 90298698 – Págs. 2 e 88/106): RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir. (STF - RE 631240, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220. DIVULG 07-11-2014. PUBLIC 10-11-2014 RTJ VOL-00234-01 PP-00220) Assim, à míngua de requerimento administrativo concernente ao benefício ora pretendido (aposentadoria por invalidez), constando dos autos somente pedido administrativo de concessão de auxílio-doença, de rigor a fixação da DIB na data da citação. Consectários legais Aplica-se aos débitos previdenciários a súmula 148 do C.STJ: "Os débitos relativos a benefício previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei nº 6.899/81, devem ser corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal”. (Terceira Seção, j. 07/12/1995) Da mesma forma, incide a súmula 8 deste E. Tribunal: “Em se tratando de matéria previdenciária, incide a correção monetária a partir do vencimento de cada prestação do benefício, procedendo-se à atualização em consonância com os índices legalmente estabelecidos, tendo em vista o período compreendido entre o mês em que deveria ter sido pago, e o mês do referido pagamento". a) Juros de mora A incidência de juros de mora deve observar a norma do artigo 240 do CPC de 2015, correspondente ao artigo 219 do CPC de 1973, de modo que são devidos a partir da citação, à ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02; após, à razão de 1% ao mês, por força do art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança, conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905). b) Correção monetária Para fins de correção monetária aplicam-se os índices na forma da Lei n. 6.899, de 08/04/1981 e da legislação superveniente, conforme preconizado pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, consoante os citados precedentes do C. STF no julgamento do RE nº 870.947 (Tema 810), bem como do C. STJ no julgamento do Recurso Especial. Desta feita, de rigor o parcial provimento da apelação do INSS apenas para adequar os critérios de juros e de correção monetária, nos termos da fundamentação. c) Honorários advocatícios Em razão da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC/2015. Os honorários advocatícios, conforme a Súmula 111 do C. STJ, incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; porém, tendo em vista que a pretensão do requerente apenas foi deferida nesta sede recursal, a condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da presente decisão. Por fim, tratando-se de prestação de natureza alimentar, presentes os pressupostos do art. 300 c/c art. 497 do CPC/2015, concedo a antecipação da tutela pleiteada, determinando ao INSS a imediata implantação do benefício no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de aplicação de multa diária. Comunique-se. Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte segurada, nos termos da fundamentação. É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de benefício rural por incapacidade laboral, condenando-a ao pagamento de verba honorária, observada a gratuidade de justiça.
A eminente Relatora deu provimento à apelação para determinar a concessão de aposentadoria rural por incapacidade permanente à parte autora, desde a data da citação, com os consectários legais.
Não obstante os judiciosos fundamentos expostos no r. voto, ouso divergir pelos seguintes fundamentos.
Conheço da apelação, em razão da satisfação de seus requisitos.
No mérito, discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada (...).”
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).
São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.
Noutro passo, para os trabalhadores rurais segurados especiais, a legislação prevê o pagamento de alguns benefícios não contributivos no valor de um salário mínimo (artigo 39, I, da Lei n. 8.213/1991).
Depois da edição da Lei n. 8.213/1991, a situação do rurícola modificou-se, pois passou a integrar sistema único, com os mesmos direitos e obrigações dos trabalhadores urbanos, tornando-se segurado obrigatório da Previdência Social.
Desde o advento da CF/1988, não mais há distinção entre trabalhadores urbanos e rurais (artigos 5º, caput, e 7º, da CF/1988), cujos critérios de concessão e cálculo de benefícios previdenciários regem-se pelas mesmas regras.
Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ)e nesta Corte: STJ/ 5ª Turma, Processo 200100465498, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 22/10/2001; STJ/5ª Turma, Processo 200200203194, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 28/4/2003; TRF-3ª Região/ 9ª Turma, Processo 20050399001950-7, rel. juíza Marisa Santos, DJ 10/10/2005; TRF-3ª Região/ 8ª Turma, Processo 200403990027081, rel. juiz Newton de Lucca, DJ 11/7/2007; TRF-3ª Região/ 10ª Turma, Processo 200503990450310, rel. juíza Annamaria Pimentel, DJ 30/5/2007.
No caso dos autos, a perícia médica judicial, realizada em 14/4/2010, constatou a incapacidade laboral total e permanente da autora (nascida em 1959), em razão de doença isquêmica secundária e obstrução das artérias coronárias, além de Depressão (iniciada em 1998).
O perito fixou a data de início da incapacidade laboral (DII) em 2008, data do episódio de isquemia do miocárdio.
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial. Contudo, os demais elementos de prova apresentados não autorizam convicção em sentido diverso, inclusive no tocante à DII.
Resta verificar, entretanto, os demais requisitos necessários à concessão do benefício.
Na petição inicial, a autora alega ter exercido atividades rurais sem registro em carteira de trabalho, em regime de economia familiar, até o advento da incapacidade laboral.
Como início de prova material do alegado trabalho rural como segurada especial, a autora apresentou:
Ocorre que, conquanto a autora alegue ser trabalhadora rural, não há um único documento em nome próprio que indique o exercício desse labor. Pelo contrário, a autora possui registro de vínculo trabalhista urbano em sua CTPS, como professora, no período de 3/1989 a 6/1991.
Ela também está qualificada como professora no relatório médico da Prefeitura Municipal de Ilha Solteira, datado de 3/7/2008 (Id. 90298698 - p. 38).
Além disso, na própria declaração, datada de 2005, firmada pela autora e por Miguel Nonato da Rocha de que vivem maritalmente, enquanto ele está qualificado como agricultor, ela está qualificada como “do lar”.
Ademais, em todas as fichas de atendimentos e consultas médicas colacionadas aos autos, o endereço da autora indicado é a Rua 45, n. 144, no bairro Jardim Aeroporto, na Cidade de Ilha Solteira/SP.
No laudo pericial, realizado em 2010, a atividade profissional atual e pregressa da autora informada foi “do lar” (quesito n. 5).
Cabe destacar, ainda, que, em consulta psicológica realizada em 1º/6/2006, a própria autora referiu estar “desesperada, pois o marido fica o tempo todo no assentamento e ela se deprime muito”. (Id. 90298698 – p. 66), o que permite concluir que ela não trabalhava com o companheiro no assentamento.
Não bastasse, os depoimentos das testemunhas são insuficientes à comprovação dos fatos alegados, mormente no período de doze meses que antecedem a incapacidade laboral, já que afirmaram que a autora foi morar na zona rural somente em 2008.
Em audiência (19/5/2011), as testemunhas Ivone Balbino Garcia e Antonia Paulino da Silva limitaram-se a declarar que a autora se dedicou à agricultura familiar no âmbito do Assentamento Estrela da Ilha. Entretanto, não fizeram menção ao companheiro, tampouco, esclareceram como a conheceram, já que ambas moram na Cidade de Ilha Solteira, no bairro Jardim Aeroporto, e não na zona rural onde está localizado o referido assentamento.
Diante da necessidade de esclarecimentos, especialmente quanto ao estado civil da autora, a sentença foi anulada para produção de nova prova oral.
Na audiência do dia 3/12/2015, a testemunha Ivone Balbino Garcia foi novamente ouvida. Ela declarou conhecer a autora havia cerca de 18 anos, quando ambas moravam na mesma rua (Rua 45, no bairro Jardim Aeroporto, na cidade de Ilha Solteira). Afirmou que a autora vive em união estável com o companheiro Miguel havia cerca de 26 anos e que eles têm uma filha de 18 anos de idade. Acrescentou que o casal mora no Assentamento Estrela da Ilha desde 2008, onde criam gados, porcos, galinha e mexem com horta. Declarou, ainda, que a autora atualmente não está trabalhando.
A testemunha Edna da Costa Morais declarou conhecer a autora havia cerca de 10 anos e que ela morava com o companheiro Miguel havia mais de 10 anos. Acrescentou que eles residem no Assentamento Estrela da Ilha, onde cultivavam mandioca, criavam vacas leiteiras, porcos etc., sem a ajuda de funcionários. Disse que a autora não trabalha mais em razão de problemas cardíacos e que ela tem uma filha com o companheiro.
Assim, não há outros elementos de convicção, em nome da autora, capazes de estabelecer liame entre o ofício rural alegado e a forma de sua ocorrência, mormente nos doze meses que antecedem o início da incapacidade laboral, ou seja, em 2007, já que a autora somente teria se mudado para o assentamento em 2008.
Não se desconhece a dificuldade probatória dos segurados especiais, mas neste caso a fragilidade flagrante.
Em decorrência, joeirado no conjunto probatório dos autos, entendo não ter sido demonstrada a faina campesina pelo período de doze meses que antecedem a incapacidade laboral, ficando inviabilizada a procedência do pedido deduzido na inicial.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
Desembargadora Federal DALDICE SANTANA
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA TOTAL E PERMANENTE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. DEMONSTRAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO.
- Constituem requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (I) a qualidade de segurado; (II) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida; e (III) a incapacidade para o trabalho de modo permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária, por mais de 15 dias consecutivos (auxílio-doença), assim como a demonstração de que, ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), o segurado não apresentava a alegada doença ou lesão, salvo na hipótese de progressão ou agravamento destas.
- A jurisprudência encontra-se pacificada segundo o verbete da súmula 149 do C. STJ, que estabelece: “A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”. (STJ, Terceira Seção, julgado em 07/12/1995, DJ 18/12/1995), sendo imprescindível, portanto, a comprovação da faina campestre mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal.
- Consoante estabelecido pelo C. Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.369.165/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 626), “a citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação administrativa”.
- A prova testemunhal, por sua vez, produzida sob o crivo do contraditório, afigura-se consistente e coesa, suficiente, portanto, para corroborar os referidos documentos, tendo sido demonstrados, por ocasião da data de início da incapacidade, a qualidade de segurado e o cumprimento do período de carência aplicável.
- Apelação provida.