Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5009338-58.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

REQUERENTE: VALTER GOUVEIA FRANCO

Advogado do(a) REQUERENTE: VALDIR VICENTE BARTOLI - SP44330

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 


 

  

 

REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5009338-58.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

REQUERENTE: VALTER GOUVEIA FRANCO

Advogado do(a) REQUERENTE: VALDIR VICENTE BARTOLI - SP44330

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de revisão criminal ajuizada por VALTER GOUVEIA FRANCO, com fundamento no art. 621, I e II, do Código de Processo Penal, com pedido de liminar, visando à suspensão da execução da pena que lhe fora imposta nos autos da ação penal nº 0018297-05.2010.4.03.6105, que tramitou na 9ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP.

O requerente narra que foi condenado, pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n.º 8.137/90, à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime aberto, além do pagamento da multa de 35 (trinta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo, esclarecendo que a pena corporal foi substituída por penas restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade (fls. 736/748 dos autos de origem – ID 2705487). Interposta apelação pela acusação e pela defesa, foi negado provimento aos recursos (fls. 819/830 dos autos de origem – ID 2705487). Na sequência, foram opostos embargos de declaração, que foram rejeitados (fls. 846/850v) e, após, foi interposto recurso especial, não admitido por este Tribunal (fls. 894/896 dos autos de origem – ID 2705487), ensejando a interposição de agravo de instrumento (fls. 897/904 dos autos de origem – ID 2705487), que não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (ID 2705487), com trânsito em julgado em 13.11.2017 (ID 2705487).

Segundo o requerente, os fatos e informações que lastrearam a denúncia vieram ao conhecimento do Ministério Público Federal em Campinas, por meio de apuração realizada pela Justiça Federal do Paraná a partir da conta “Beacon Hill” do banco JP Morgan Chase Manhattan, tendo os dados sido encaminhados para a Delegacia da Receita Federal em Jundiaí. Tais informações, decorrentes da quebra de sigilo bancário e fiscal, foram requisitadas pela Procuradoria da República independentemente de ordem judicial, sendo instaurados, na sequência, inquéritos policiais, dentre os quais, aquele que deu origem a ação penal objeto desta revisão.

Prossegue afirmando que, apesar de ter suscitado a ilicitude da prova ao juízo e também neste Tribunal, a alegação não foi acolhida, ressaltando, por meio desta revisão, a violação ao disposto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal e art. 157 do Código de Processo Penal.

Com isso, pede a concessão de medida liminar para que seja suspensa a execução da pena imposta e, ao final, a procedência do pedido de revisão, com a sua absolvição.

Indeferido o pedido de liminar (ID 3559282), foi pedida a sua reconsideração (ID 3615806) e, na sequência, foi aberta vista dos autos à Procuradoria Regional da República, que se manifestou pelo não conhecimento da revisão e no mérito, pela sua improcedência (ID 3728577).

É o relatório.

À revisão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5009338-58.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

REQUERENTE: VALTER GOUVEIA FRANCO

Advogado do(a) REQUERENTE: VALDIR VICENTE BARTOLI - SP44330

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): A revisão criminal é ação de natureza constitutiva que tem por escopo rescindir coisa julgada em matéria criminal, nas estritas hipóteses elencadas no art. 621 do Código de Processo Penal, quais sejam: (i) sentença condenatória contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; (ii) sentença condenatória fundamentada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; (iii) descoberta de novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena, após a sentença.

Inicialmente, a despeito do quanto sustentado pelo Ministério Público Federal (MPF) (ID 3728576), conheço da revisão criminal. A subsunção ou não da situação dos autos às hipóteses previstas no art. 621 do Código de Processo Penal não representa condição preliminar para o conhecimento da revisão, mas sim seu mérito. Sobre isso, esta Seção já firmou posicionamento, como se nota na ementa abaixo transcrita:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPCENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE REVISÃO CRIMINAL INTEGRALMENTE CONHECIDO. (...)

1- Revisão criminal que se conhece integralmente, a despeito do pedido formulado pela Procuradoria Regional da República em seu parecer. Ainda que o cabimento do pedido de revisão criminal se dê apenas nas hipóteses taxativamente elencadas no artigo 621, incisos I, II, e III, do Código de Processo Penal, a efetiva ocorrência de cada uma dessas hipóteses implica, necessariamente, o exame do mérito do pedido revisional. Precedentes.

(TRF3, Quarta Seção, RvC 987/MS, Proc. nº 0014436-85.2013.4.03.0000, v.u., Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 19.03.2015, DJe 27.03.2015; destaquei)

No mesmo sentido, mais julgados desta Seção: RvC 0008805-63.2013.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 16.04.2015, DJe 24.04.2015; RvC 0004069-56.2014.4.03.6114, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 19.02.2015, DJe 25.02.2015; RvC 0012560-95.2013.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 18.12.2014, DJe 30.01.2015; e RvC 0022750-83.2014.4.03.0000, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 18.12.2014, DJe 27.01.2015.

Dito isso, passo ao exame do pedido revisional.

Pretende o requerente o reconhecimento da ilicitude da prova que respalda a denúncia, a qual tem por origem a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.

Pois bem. A medida liminar foi indeferida nos seguintes termos:

(...)

Registro, inicialmente, que é possível a apreciação de pedido de liminar em revisão criminal, especialmente nos casos de manifesta ilegalidade, em atenção ao princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Todavia, não é essa a hipótese dos autos.

O requerente alega, basicamente, que teria sido condenado com base em prova obtida ilicitamente. No entanto, ao menos em análise provisória, não lhe socorre tal argumento.

Pois bem. O Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível, a partir do julgamento do RE nº 601.314/SP (Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, j. 24.02.2016, Repercussão Geral, DJe-198, DIVULG 15.09.2016 PUBLIC 16.09.2016), o compartilhamento dos dados obtidos pela Receita Federal do Brasil para fins de instrução processual penal. Além disso, o Plenário do Supremo, em sessão virtual, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional (RE 1.055.941 RG /SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.04.2018, DJe-083 DIVULG 27.04.2018 PUBLIC 30.04.2018 ).

Portanto, diante desse claro posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (CF, art. 102, caput), cumpre acatar tal jurisprudência, adequando a ela os casos apresentados a este Tribunal.

Observo, ademais, que já há precedente do Superior Tribunal de Justiça adotando essa jurisprudência: (HC 422.473/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.03.2018, DJe 27.03.2018).

Portanto, ausentes os pressupostos para a concessão da providência provisória pleiteada pelo requerente.

Posto isso, INDEFIRO o pedido de liminar.

Dê-se vista à Procuradoria Regional da República, para ciência desta decisão e oferecimento de parecer, nos termos do art. 625, § 5º, do Código de Processo Penal e do art. 225 do Regimento Interno deste Tribunal.

Cumpridas tais determinações, tornem os autos conclusos.

Providencie-se o necessário. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.

Conforme destacado, posteriormente ao julgamento do RE 601.314 (Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, j. 24.02.2016, Repercussão Geral, DJe-198, DIVULG 15.09.2016 PUBLIC 16.09.2016), que tratou, especificamente da quebra de sigilo bancário pela Receita Federal, para fins de constituição de crédito tributário, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível, por meio de vários julgados que o sucederam, o compartilhamento dos dados obtidos pela Receita Federal do Brasil para fins de instrução processual penal. Assim o fez inclusive por meio de decisões monocráticas. Veja-se:

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão que, confirmado em sede de embargos de declaração pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, está assim ementado:

"PENAL E PROCESSO PENAL. 'HABEAS CORPUS'. DENÚNCIA EMBASADA EM QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. Os dispositivos da LC nº 105/2001 versam sobre uma permissão concedida à Receita Federal do Brasil de acesso a documentos protegidos por sigilo bancário, no estrito âmbito do procedimento fiscal , sendo vedada sua utilização para fins penais.

2. A utilização de documentos acobertados por sigilo bancário para fins penais necessita, obrigatoriamente, de prévia autorização judicial (STJ, RHC 52.067/DF, Quinta Turma, 'v.u.', Rel. Ministro Jorge Mussi, j. 16.12.2014, DJe 03.02.2015).

3. Ausência de decisão judicial prévia autorizando a quebra do sigilo bancário dos pacientes, processados criminalmente com base na movimentação bancária a que teve acesso a Receita Federal.

4. Ordem concedida para trancar a ação penal de origem."

A parte ora recorrente, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal "a quo" teria transgredido os preceitos inscritos no art. 5º, X e XII, da Constituição da República.

Cabe registrar, desde logo, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada por meio eletrônico, apreciando o RE 1.055.941-RG/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, reconheceu existente a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada, que coincide, em todos os seus aspectos, com a mesma controvérsia jurídica ora versada na presente causa.

O tema objeto do recurso extraordinário representativo de mencionada controvérsia jurídica, passível de reproduzir-se em múltiplos feitos, refere-se à "Possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscal izar, sem autorização prévia do Poder Judiciário" (Tema nº 990).

Isso significa que se impõe, quanto ao Tema nº 990/RG, nos termos do art. 328 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 21/2007, a devolução dos presentes autos ao Tribunal de origem.

Publique-se.

Brasília, 17 de maio de 2018.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator (RE 1.128.225/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 17.05.2018, DJe-099 DIVULG 21.05.2018 PUBLIC 22.05.2018; destaquei)

 

Decisão. Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. IMPOSSIBILIDADE DE COMPARTILHAMENTO COM A ESFERA PENAL. PROVA ILÍCITA. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. EMBARGOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Conforme precedentes do C. STJ e da Quarta Seção deste Regional, a quebra do sigilo bancário para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição Federal, está sujeita à prévia autorização judicial.

2. Hipótese em que a prova da materialidade encontra-se em procedimento administrativo no bojo do qual a Receita Federal, com fundamento no art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, obteve dados acobertados por sigilo mediante requisição direta às instituições bancárias, sem prévia autorização judicial.

3. Reconhecida a ilicitude do compartilhamento de dados obtidos pela Receita Federal com o Ministério Público Federal, para fins penais, e estando a materialidade delitiva demonstrada exclusivamente com base em tais elementos (ou em provas deles derivadas), tem-se que a ação penal padece de nulidade desde o início.

4. O reconhecimento da ilegalidade da prova não autoriza a absolvição do réu, pois não há verdadeiro pronunciamento sobre o mérito da ação e, em última análise, sobre a responsabilidade penal do acusado.

5. Nos limites da divergência estabelecida no julgamento submetido a reexame por força dos embargos infringentes opostos, o órgão julgador do recurso interposto com fundamento no parágrafo único do art. 609 do Código de Processo Penal tem liberdade para acolher integralmente ou em menor extensão o voto vencido, inexistindo vinculação necessária ao dispositivo desse último.

6. Embargos conhecidos e parcialmente providos.

No recurso extraordinário, alegam-se, com amparo no art. 102, III, alínea "a", da Constituição Federal, violações aos seguintes dispositivos constitucionais: art. 5º, X e XII, e art. 145.

O apelo foi admitido na origem.

É o relatório. Decido.

O apelo merece conhecimento.

Ao examinar o Tema 225 da repercussão geral, assim decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCAL IZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01.

1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo.

2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.

3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo.

4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal .

5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional.

6. Fixação de tese em relação ao item "a" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal ".

7. Fixação de tese em relação ao item "b" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN".

8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 601.314, Relator Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe 16/9/2016)

No caso, o acórdão recorrido consignou que a quebra do sigilo bancário para investigação criminal depende de avaliação e motivação judicial, nos termos dos arts. 5º, XII, e 93, IX, ambos da CF/88.

Entretanto, há reiteradas decisões desta Corte afirmando que deve ser estendida a compreensão fixada no julgamento do RE 601.314 à esfera criminal. Confiram-se, por amostragem, o ARE 841.344-AgR (Relator Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe 15/2/2017) e as seguintes decisões monocráticas, ambas com trânsito em julgado: ARE 987.248-AgR (Relator Min. Roberto Barroso, Dje 17/3/2017) e ARE 953.058 (Relator Min. Gilmar Mendes, Dje 30/5/2016).

Por esses motivos, merece acolhida a presente irresignação.

Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, DOU PROVIMENTO ao recurso extraordinário para que, afastada a tese da indispensabilidade de autorização judicial motivada para utilização de dados bancários em processo criminal, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região proceda a novo julgamento da apelação criminal.

Publique-se. Brasília, 3 de abril de 2018.

Ministro Alexandre de Moraes

Relator (RE 1.046.698/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 03.04.2018, DJe-065 DIVULG 05.04.2018 PUBLIC 06.04.2018; destaquei)

Portanto, diante desse claro posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (CF, art. 102, caput), cumpre acatar tal jurisprudência. Observo, ademais, que há precedente do Superior Tribunal de Justiça adotando essa jurisprudência:

HABEAS CORPUS. TRÂMITE CONCOMITANTE COM RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO DO WRIT. ESTÁGIO PROCESSUAL MAIS AVANÇADO. LIMINAR DEFERIDA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DA PROVA EMBASADORA DA DENÚNCIA. COMPARTILHAMENTO DOS DADOS BANCÁRIOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL COM O MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. Embora tenha chegado ao Superior Tribunal de Justiça o RHC n. 93.868, interposto pelos ora pacientes contra o mesmo acórdão atacado neste habeas corpus, o recurso, meio adequado para impugnar o julgado do Tribunal Regional Federal, estava em estágio processual menos avançado que o writ, o qual foi processado com medida liminar deferida.

2. É imperiosa a necessidade de alinhamento da jurisprudência dos tribunais nacionais a fim de preservar a segurança jurídica, bem como afastar a excessiva litigiosidade na sociedade e a morosidade da Justiça.

3. O entendimento de que é incabível o uso da chamada prova emprestada do procedimento fiscal em processo penal, tendo em vista que a obtenção da prova (a quebra do sigilo bancário) não conta com autorização judicial contraria a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal de que é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento administrativo fiscal , para fins de instrução processual penal.

4. No caso, não há falar em ilicitude das provas que embasam a denúncia contra os pacientes, porquanto, assim como o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, também o é ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, se constate fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Precedentes do STF).

5. Ordem denegada. Liminar cassada.

(HC 422.473/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.03.2018, DJe 27.03.2018)

Importante destacar também que, mesmo anteriormente aos julgados supramencionados, não havia vedação ao compartilhamento de provas, embora ainda houvesse alguma controvérsia na jurisprudência, fato que impede o reconhecimento da ilicitude da prova.

Por fim, a despeito dessa discussão, este Tribunal, ao apreciar os recursos de apelação interpostos, afastou a alegação nulidade da prova, concluindo que os dados bancários do apelante foram obtidos de forma lícita, diante da quebra do sigilo bancário pelo juízo de Curitiba, não havendo qualquer ilegalidade na remessa dos autos de infração ao Parquet. A propósito transcrevo o trecho correspondente do voto:

(...)

2.2. Da ilicitude das provas. A defesa alega que o processo lastreia-se em prova eivada de ilicitude, na medida em que derivadas de dados bancários obtidos pelo Ministério Público Federal, por ofício particular, sem prévia autorização judicial.

Contudo, a tese não merece prosperar.

In casu, os dados bancários do apelante foram obtidos de forma lícita, mediante a quebra de sigilo bancário decretada pelo Juízo de Curitiba, não havendo qualquer ilegalidade na remessa dos autos de infração ao Parquet.

Consoante o descrito na denúncia, os indícios de crime nos presentes autos tiveram início com o desmembramento do inquérito-mãe nº 1026/03, em que se identificaram diversas contas mantidas, em Londrina/PR, por laranjas de doleiros, por meio das quais se remetia dinheiro ao exterior. Quando as autoridades brasileiras tomaram ciência deste fato, iniciaram a persecução penal, em procedimento que restou denominado "Operação Farol da Colina", nela adotando como medida preliminar, as quebras judiciais de sigilo bancário e, posteriormente, amplo compartilhamento de dados com a Receita Federal e COAF, conforme decisão de fl. 81, proferida na 2ª Vara da Justiça Federal de Curitiba/PR, nos autos 2004.7000008267-9. Importante mencionar, ainda, que nesta decisão a Justiça Federal autoriza que o Ministério Público Federal a compartilhar com a Receita Federal os dados que já estavam à sua disposição.

Dessa forma, nota-se que os dados já estavam à disposição do Parquet antes de serem remetidos à Receita Federal.

Além disso, o ofício mencionado pela defesa, o qual se atribui como sendo o elemento causador da ilicitude das provas, não configura quebra de sigilo fiscal de forma irregular. Valho-me da transcrição do ofício citado:

"É de conhecimento deste órgão que diversos procedimentos administrativos-fiscais foram instaurados perante a Receita Federal, derivados do apurado pela operação "Farol da Colina", realizada há alguns anos a partir da conta "Beacon Hill", no Banco J.P. Morgan Chase, em Manhathan, Nova Iorque. Através dessa operação, identificaram-se milhares de contribuintes brasileiros que se beneficiaram de transações clandestinas de remessas de dinheiro ao exterior.

Levando-se em conta que, mediante interpretação do art. 44, incisos I e II da Lei 9.430/1996, as unidades da Secretaria da Receita Federal deixam de encaminhar representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, quando o lançamento de ofício se dá com base apenas no inc. I (no caso de falta de pagamento ou recolhimento de tributos ou contribuições, ou pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória; os nos casos de falta de declaração ou nos casos de declaração inexata), e, considerando-se que, mesmo nessas hipóteses, é possível se constatar a ocorrência de crime contra a ordem tributária, com o objetivo de evitar que eventuais delitos não cheguem ao conhecimento deste órgão, requisito que V. As. Encaminhe a esta Procuradoria da República cópias dos procedimentos fiscais decorrentes do caso "Beacon Hill" para os quais não foi formulada a respectiva representação fiscal para fins penais..." (fl.723)

Nesse diapasão, merece destaque a argumentação trazida pela Ilustre Procurador Regional da República. Confira-se:

" (...) Ora, se os dados estavam à disposição do Parquet federal antes de serem remetidos à Receita Federal e se esta só teve acesso através daquele, atuando devidamente autorizado pelo Poder Judiciário, não faz sendo antepor qualquer óbice pertinente ao sigilo bancário, que já tinha sido judicialmente levantado.

Deve-se observar, ademais, que os dados foram remetidos à Receita a juízo do Ministério Público e da Polícia Federal, a fim de que o órgão tributário analisasse os inúmeros casos e constituísse os créditos tributários relacionados às condutas criminosas, remetendo os resultados às Procuradorias da República competentes para processá-los. O ofício encaminhado pelo Parquet, determinado que este resultado fosse encaminhado independente do juízo administrativo a respeito da ocorrência do delito, tinha como objetivo sanar o descompasso entre a compreensão administrativa e ministerial a respeito da ocorrência do delito. Saliente-se que aqui não se tratava de remessa de dados fiscais para instruir procedimento investigatório em curso referente a fatos diversos, mas da determinação de que a Receita Federal cumprisse a sua obrigação legal de comunicar os ilícitos penais tributários, apurados a partir de dados remetidos pelo próprio Ministério Público Federal." (fl. 805)

Desta feita, rejeito a preliminar, posto que não há qualquer nulidade relativa à prova.

Diante desse quadro, não há qualquer vício a autorizar a revisão pleiteada.

Posto isso, rejeito a preliminar e JULGO IMPROCEDENTE a revisão criminal.

 É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

REVISÃO CRIMINAL. PRELIMINAR REJEITADA. ILICITUDE DA PROVA. PEDIDO IMPROCEDENTE.

1. A revisão criminal é ação de natureza constitutiva que tem por escopo rescindir coisa julgada em matéria criminal, nas estritas hipóteses elencadas no art. 621 do Código de Processo Penal, não funcionando como apelação, para reexame das provas ou como manifestação de inconformismo quanto à condenação.

2. A subsunção ou não da situação dos autos às hipóteses previstas no art. 621 do Código de Processo Penal não representa condição preliminar para o conhecimento da revisão, mas sim seu mérito. Preliminar do Ministério Público Federal afastada. Precedentes.

3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não há ilegalidade no compartilhamento dos dados obtidos pela Receita Federal do Brasil para fins de instrução processual penal.

4. A despeito da discussão acerca da legalidade do compartilhamento de provas pela Receita Federal, este Tribunal, ao julgar os recursos de apelação interpostos, afastou a alegação nulidade da prova, concluindo que os dados bancários do apelante foram obtidos de forma lícita, diante da quebra do sigilo bancário pelo Juízo de Curitiba, não havendo qualquer ilegalidade na remessa dos autos de infração ao Parquet.

5. Preliminar afastada. Revisão julgada improcedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Seção, por unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar e julgar improcedente a Revisão Criminal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.