REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5018043-45.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
REQUERENTE: JOSE ROBSON RODRIGUES DOS SANTOS
REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5018043-45.2018.4.03.0000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW REQUERENTE: JOSE ROBSON RODRIGUES DOS SANTOS REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de revisão criminal proposta por José Robson Rodrigues dos Santos, condenado a cumprir as penas de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial fechado, e 1.030 (mil e trinta) dias-multa, no mínimo valor unitário, por prática dos crimes previstos no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 e do art. 304 c. c. o art. 297 do Código Penal, em concurso material de crimes (CP, art. 69). A revisão criminal foi proposta de próprio punho pelo requerente, que solicitou a nomeação de defensor dativo para arrazoar seu pedido revisional (fl. 1, Id n. 3735921). A Defensoria Pública da União – DPU, intimada para assumir a defesa técnica do requerente (fl. 1, Id n. 3765466), apresentou as seguintes razões: a) o requerente assumiu a posse das drogas em razão de ameaças contra sua companheira; b) a companheira do requerente estava em companhia dele quando houve a apreensão das drogas, mas não foi indiciada por prática de crime, fato que “gera a estranheza necessária para, ao menos, gerar a nulidade do feito de origem ou determinar novas investigações” (cf. fl. 3, Id n. 4474473); c) impõe-se a absolvição do réu quanto ao crime de tráfico de drogas ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade do processado para a continuidade das investigações, expedindo-se alvará de soltura; d) no tocante ao crime de uso de documento falso, o fato não ocorreu por ato voluntário do requerente, mas em virtude de determinação das autoridades policiais; e) exige-se a apresentação voluntária e que o documento não esteja sujeito a conferência para a consumação do crime do art. 304 c. c. o art. 297 do Código Penal; f) tratando-se de conduta atípica, impõe-se a absolvição do requerente; g) ainda que não seja esse o entendimento a prevalecer, o uso do documento falso deu-se como exercício de autodefesa, pois o requerente estava foragido do sistema prisional, e “em casos como esse não é justo ou lícito exigir do agente que se identifique de modo a incriminá-lo” (cf. fl. 5, Id n. 4474473); h) no tocante à dosimetria, a decisão condenatória é contrária à prova dos autos, dado que uma única circunstância judicial negativa (quantidade de droga) ensejou exasperação desproporcional da sanção; i) ademais, a droga apreendida (maconha) é de lesividade “infinitamente inferior a qualquer outro tipo de droga” (cf. fl. 7, Id n. 4474473), não havendo falar em pena razoável ou proporcional, ainda que considerada a quantidade do entorpecente; j) o caso é de redução da pena-base; k) postula a concessão dos benefícios da justiça gratuita (Id n. 4474473). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pela improcedência da revisão criminal (Id n. 5047612). Encaminhem-se os autos ao Revisor, nos termos regimentais. É o relatório.
REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5018043-45.2018.4.03.0000 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW REQUERENTE: JOSE ROBSON RODRIGUES DOS SANTOS REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL V O T O Do pedido revisional. José Robson Rodrigues dos Santos foi sentenciado a cumprir penas de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, por prática do crime previsto no art. 304 c. c. o art. 297 do Código Penal, e de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 1.000 (mil) dias-multa, por prática do crime previsto no art. 33, caput, c. c. o art. 40, V, da Lei n. 11.343/06. Somadas, as penas totalizaram a condenação do requerente a 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial fechado, e 1.030 (mil e trinta) dias-multa, no mínimo valor unitário (fls. 171/176, Id n. 4474480). O requerente interpôs apelação argumentando, em síntese, a ausência de prova de autoria delitiva, pois teria confessado em razão de coação moral, e o estado de necessidade como causa excludente da ilicitude no tocante ao uso do documento falso. Insurgiu-se, ademais, com relação à dosimetria penal, postulando a redução da pena-base, a incidência da atenuante da confissão, a exclusão de uma causa de aumento (Lei n. 11.343/06, art. 40, V), a incidência de uma causa de diminuição (Lei n. 11.343/06, art. 33, § 4º), a desclassificação para o crime de porte de drogas para uso próprio e a fixação de regime inicial diverso do fechado, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (fls. 9/15, Id n. 4474481). Em 14.03.17, a 11ª Turma deste TRF da 3ª Região, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação para excluir a causa de aumento de pena prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/06 e aplicar a atenuante da confissão espontânea quanto ao crime de uso de documento falso, e, de ofício, aplicou essa atenuante também com relação ao crime de tráfico de drogas (fls. 84 e 86/94, Id n. 4474481). O trânsito em julgado da condenação deu-se em 11.04.17 (fl. 100, Id n. 4474481). O requerente postula a desconstituição da condenação, com fundamento no art. 626 do Código de Processo Penal, ao argumento de que há dúvida razoável acerca da autoria do crime de tráfico de drogas (que ensejaria, inclusive, o reconhecimento de nulidade de todo o processado e instauração de inquérito policial) e que é atípica a conduta de uso de documento falso diante das circunstâncias do caso (uso não espontâneo, por indivíduo foragido do sistema prisional, de documento de identidade sujeito a verificação). Aduz, ademais, que a fundamentação da dosimetria penal é contrária à evidência dos autos. Passo ao exame do mérito do pedido revisional. Tráfico de drogas. Autoria. No tocante à negativa de autoria do crime de tráfico de drogas, não houve comprovação satisfatória de que se tenha concretizado alguma das hipóteses do art. 621 do Código de Processo Penal, não bastando, nesse sentido, a alegação de que a falta de indiciamento da companheira do requerente, que o acompanhava na data dos fatos, seria circunstância que “gera estranheza” (cf. fl. 3, Id n. 4474473). O acórdão impugnado, ademais, assim apreciou a alegação de obtenção da confissão mediante coação moral: A defesa postula a absolvição do apelante, pois a autoria não teria sido provada nos autos. Verifico, contudo, que a autoria está demonstrada pela certeza visual do crime, proporcionada pela prisão em flagrante do apelante (Auto de Prisão em Flagrante - fls. 02/08), corroborada por sua confissão e pela prova oral produzida em contraditório durante a instrução processual. O réu alega ter sido coagido a confessar para que a sua companheira fosse liberada. Contudo, tal versão dos fatos apresentada em juízo é inverossímil. Em seu interrogatório judicial (fls. 223), o denunciado afirmou que, ao ser confrontado pela autoridade policial, negou que fosse o dono da substância entorpecente. Declarou, ainda, que tal autoridade não o obrigou a assumir o fato, mas que teria assinado o interrogatório policial sem ler o seu conteúdo. Desse modo, a narrativa do acusado não se mostra coesa e crível, pois pressupõe um conluio entre a autoridade policial e os policiais responsáveis pelo flagrante, com o único intuito de incriminá-lo. Além do mais, os depoimentos das testemunhas foram precisos ao descrever o nervosismo do réu ao ser abordado. A testemunha Helio Saburi Yuki relatou, ainda, que a distância entre o acusado e a droga era de apenas 2 fileiras (fls. 224), o que permitira ao réu distanciamento necessário para tentar se eximir do crime. Portanto, o pedido de absolvição em relação ao crime previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não merece ser acolhido, tendo em vista que o conjunto probatório e as circunstâncias fáticas demonstram satisfatoriamente a autoria delitiva. (fls. 86/87, Id n. 4474481) Não houve, portanto, demonstração satisfatória da contrariedade da condenação ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos (CPP, art. 621, I), de sua fundamentação em prova falsa (CPP, art. 621, II) ou da obtenção de novas provas de inocência do requerente (CPP, art. 621, III). Uso de documento falso. Determinação de policial. Tipificação. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o crime de uso de documento falso se tipifica com a apresentação do documento, sendo irrelevante que a exibição ocorra por exigência policial ou espontaneamente (STJ, HC n. 169068, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.12.15; STJ, REsp n. 8196, Rel. Min. Carlos Thibau, j. 04.06.91). Autodefesa. Foragido. Inadmissibilidade. O uso de documento falso ou a falsa identidade pelo foragido ensejam, conforme as circunstâncias, o crime respectivo, não lhe favorecendo a alegação de exercício de autodefesa (STJ, AgRg no REsp 1563495, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j.; 19.04.16; AgRg no REsp 1304046, Rel. Min. Felix Fischer, j. 02.02.16; HC n. 193319, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 01.10.15). Do caso dos autos. O requerente aduz a atipicidade da conduta de uso de documento de identidade falso por determinação da autoridade policial. O acórdão impugnado assim manteve a condenação do requerente por prática desse crime: Quanto a esse delito, a defesa pleiteia a absolvição do acusado, pois este teria agido em estado de necessidade. Todavia, o exame dos autos revela que os requisitos do art. 24 do Código Penal não estão presentes para que seja reconhecido o estado de necessidade. O denunciado alega ter cometido o crime, pois estava foragido de uma penitenciária e desejava rever a sua família, motivação que não enseja a aplicação da mencionada excludente. Assim, rejeito a alegação da defesa. (fl. 88, Id n. 4474481) Também quanto a esse fato não se verifica a ilegalidade da condenação ou sua contrariedade à prova dos autos, não se tratando, ademais, de conduta atípica, consoante acima explicitado. Pena-base. Revisão. Conformidade com a prova. Limites legais. Inadmissibilidade. O art. 59 do Código Penal institui as circunstâncias judiciais a serem consideradas para a determinação da pena-base. Ao juiz cabe concretizar a pena segundo aqueles critérios, que são significativamente abrangentes e permitem o exercício de uma certa prudência judicial na avaliação das circunstâncias do delito e dos aspectos subjetivos do acusado. Sendo assim, o redimensionamento da pena-base na revisão criminal deve ser admitido com alguma cautela, somente sendo admitido na hipótese de flagrante e injusta ilegalidade. Nesse sentido, colhe-se de voto da Eminente Des. Fed. Ramza Tartuce que conclui “pela inviabilidade do uso da revisão criminal para a modificação da dosimetria da pena acobertada pela coisa julgada, quando esta se mostra dentro dos limites legais e conforme a prova dos autos” (1ª Seção, RVCr 200803000229012, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 15.04.10). Assim, a mera circunstância de não ter sido observado o critério trifásico não enseja a fortiori a revisão da dosimetria (1ª Seção, RVCr n. 200503000692422, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, maioria, j. 15.04.10). Do caso dos autos. O requerente postula a redução da pena-base ao argumento de que sua fixação deu-se em contrariedade à prova dos autos e ofende o princípio da proporcionalidade. Nesse ponto, o acórdão está assim fundamentado: Do crime de tráfico de drogas Na primeira fase da dosimetria, o juízo a quo fixou a pena-base em 6 (seis) anos de reclusão, além de 600 (seiscentos) dias-multa, levando em consideração a quantidade e a natureza da droga apreendida, qual seja, 10,827 kg (dez quilos e oitocentos e vinte e sete gramas) de maconha. Considerando a jurisprudência das Turmas da Quarta Seção deste Tribunal Regional Federal para casos análogos, o montante fixado se mostra adequado, motivo pelo qual mantenho a pena-base no patamar estabelecido pelo juízo a quo. (fl. 88, Id n. 4474481) Considerando o disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/06, não se entrevê qualquer ilegalidade com relação à exasperação da pena inicial baseada na maior gravidade do fato (apreensão de 10,827kg de maconha). À míngua de flagrante e injusta ilegalidade quanto à prova de autoria delitiva, caracterização da tipicidade ou elaboração da dosimetria penal, regularmente fundamentadas, não procede o pedido de revisão. Justiça gratuita. Defiro o pedido da gratuidade da justiça pleiteada, salientando que, não obstante sua concessão, há de ser mantida a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência (CPC/15, art. 98, § 2º), ficando, no entanto, sobrestado o pagamento, enquanto perdurar a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, pelo prazo de 5 (cinco) anos, ocorrendo, após, a extinção da obrigação (CPC/15, art. 98, § 3º). Ante o exposto, CONHEÇO da revisão criminal e JULGO-A IMPROCEDENTE. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CONDENAÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA E ATIPICIDADE DE CONDUTA. ALEGAÇÃO DE DESPROPORCIONALIDADE DA DOSIMETRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU FLAGRANTE INJUSTIÇA. INOCORRÊNCIA DE ALGUMA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 621 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE.
1. À míngua de demonstração satisfatória da contrariedade da condenação ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos (CPP, art. 621, I), de sua fundamentação em prova falsa (CPP, 621, II) ou da obtenção de novas provas de inocência do requerente (CPP, art. 621, III), é de se rejeitar o pedido revisional.
2. O art. 59 do Código Penal institui as circunstâncias judiciais a serem consideradas para a determinação da pena-base. Ao juiz cabe concretizar a pena segundo aqueles critérios, que são significativamente abrangentes e permitem o exercício de uma certa prudência judicial na avaliação das circunstâncias do delito e dos aspectos subjetivos do acusado. Sendo assim, o redimensionamento da pena-base na revisão criminal deve ser admitido com alguma cautela, somente sendo admitido na hipótese de flagrante e injusta ilegalidade, não verificada na espécie.
3. Não demonstrada a flagrante e injusta ilegalidade na análise da autoria, caracterização da tipicidade dos fatos ou quanto à dosimetria penal, regularmente fundamentada, não procede o pedido de revisão.
4. Revisão criminal conhecida e julgada improcedente.