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Diário Eletrônico

DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 132/2019 - São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2019

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I - INTERIOR SP E MS

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE


4A VARA DE CAMPO GRANDE


Decisão


 

DESAPROPRIAÇÃO IMÓVEL RURAL POR INTERESSE SOCIAL (91) Nº 5002288-57.2017.4.03.6000 / 4ª Vara Federal de Campo Grande


AUTORES: SINDICATO RURAL DE PORTO MURTINHO, SINDICATO RURAL DE BONITO, SINDICATO RURAL DE JARDIM-MS, SINDICATO RURAL DE MIRANDA, AGROPECUARIA LAUDEJA LTDA - ME, AGROPECUARIA RIO FORMOSO EIRELI - EPP, AGROPECUARIA MESTICA LTDA - EPP, AGROPECUARIA SERRADINHO LTDA - EPP, ADOLPHO MELLAO CECCHI, ALAIR RIBEIRO FERNANDES, BRUNO RUDOLFO LIEBERKNECHT, FERNANDO DE SOUZA COLAFERRO, JOSE RONALDO RIBEIRO BORGES, LEA BIANCHI CARDINAL BORGES, JOSE LUIZ PEREIRA NETO, JOSMAR DE SOUSA PEREIRA, LUIZ LEMOS DE SOUZA BRITO, REGINA CELI AUDAY BRITO


Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
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Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835
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Advogado do(a) AUTOR: ADRIANO MAGNO DE OLIVEIRA - MS11835


RÉUS: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVACAO DA BIODIVERSIDADE, UNIÃO FEDERAL

 

 


 

DECISÃO

 

SINDICATO RURAL DE PORTO MURTINHO, MS, SINDICATO RURAL DE BONITO, MS, SINDICATO RURAL DE JARDIM, MS, SINDICATO RURAL DE MIRANDA E BODOQUENA, MS, AGROPECUÁRIA LAUDEJÁ LTDA, AGROPECUÁRIA RIO FORMOSO – EIRELI, AGROPECUÁRIA MESTIÇA LTDA - EPP, AGROPECUÁRIA SERRADINHO LTDA - EPP, ADOLPHO MELLÃO CECCHI, ALAIR RIBEIRO FERNANDES, BRUNO RUDOLFO LIEBERKNECHT, FERNANDO DE SOUZA COLAFERRO, JOSÉ RONALDO RIBEIRO BORGES, LEA BIANCHI CARDINAL BORGES, JOSÉ LUIZ PEREIRA NETO, JOSMAR DE SOUZA PEREIRA, LUIZ LEMOS DE SOUZA BRITO e REGINA CELI AUDAY BRITO, ajuizaram a presente ação contra UNIÃO, INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS-(IBAMA) e INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE-(ICMBio).

Alegam que em 21 de setembro de 2000 o Governo Federal publicou um decreto que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, o que implicaria na desapropriação de uma área de 76.481 ha (setenta e seis mil, quatrocentos e oitenta e um hectares), situada nos municípios de Bonito, Bodoquena, Miranda e Porto Murtinho.

Dizem que após 17 anos, menos de 20% (vinte por cento) dos proprietários atingidos pelo mencionado decreto foram indenizados, de forma que a maioria das áreas ainda não foi transferida do patrimônio particular para o domínio público.

Relatam que o plano de manejo - criado fora do prazo estipulado - encontra-se na iminência de sofrer alterações, conforme reuniões realizadas pelo ICMBio (...) visando criar passeios turísticos das mais variadas espécies, em propriedades privadas, com a criação de diversas estruturas (receptivos, estradas, pontes etc...) sem que antes ocorra a desapropriação propriamente dita.

Dizem que a própria área a ser desapropriada, bem como a zona de amortecimento não foram delimitadas, o que vem causando sérios prejuízos aos proprietários, pois os órgãos fiscalizadores (polícia ambiental e o próprio ICMBio) por não saberem exatamente onde fica determinada área fazem aplicação indevida de multas e notificações, mesmo quando os proprietários possuem a devida autorização para tal.

Acrescentam que os proprietários rurais, inclusive aqueles que possuem área no entorno do parque (zona de amortecimento), são atingidos por dificuldades e entraves, enfrentando toda sorte de problemas para o regular exercício de atividades e direitos.

Defendem que a declaração de utilidade pública apenas indica a desapropriação, ou seja, não há a transferência da propriedade para a Administração, que é própria da fase executória, de forma que a unidade de conservação só é criada depois da aquisição da propriedade pela União, o que até o momento não ocorreu.

Formulam os seguintes pedidos:

 

b) Seja deferida tutela provisória para que as Requeridas e suas subordinadas, bem como os órgãos de fiscalização ambiental (federal e estadual), de imediato, se abstenham de deixar apreciar projetos de manejo para a exploração das áreas abrangidas pelo decreto que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, haja vista a patente caducidade do decreto;


c) ainda, com o propósito de viabilizar o cumprimento urgência da tutela em liça, requer-se a suspensão da implementação de qualquer passeio turístico nas áreas dos autores, bem como a suspensão da implantação de qualquer tipo de estrutura (receptivos, estradas, pontes etc...), nas áreas dos autores e associados abrangidos pelo parque.

(...)

Outrossim, pelos motivos aduzidos acima, requer se digne Vossa Excelência, ao final da instrução desta lide, julgar procedente o pedido da presente ação, para o fim de declarar a caducidade do decreto que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, com a consequente nulidade de todos os seus atos ulteriores em relação ao proprietários da áreas atingidas pelo mencionado decreto que ainda não foram desapropriadas, em especial no tocante aos autores e associados dos sindicatos, cuja lista segue em anexo.

Juntaram documentos.

Posterguei a análise do pedido de antecipação da tutela para depois da manifestação dos réus.

O IBAMA manifestou-se e também apresentou contestação (ID 4759231 e 5337514).  Impugnou o valor da causa, defendendo sua correção, de ofício e por arbitramento, eis que verificado que o valor atribuído não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelos autores. Arguiu sua ilegitimidade, pois, com a criação do ICMBio, a administração dos Parques Nacionais passou a ser atribuição desta autarquia. Também alegou que os sindicatos não possuem legitimidade ativa, pois, em se tratando de direitos disponíveis e identificáveis, pertencentes aos proprietários nominalmente identificados na petição inicial, evidente que não mais socorre às pessoas jurídicas supra mencionadas, fazerem a defesa coletivizada de seus associados, pelo que é necessária autorização expressa dos interessados, na defesa desses interesses. Juntou documentos.

No mérito, ratificou os argumentos do ICMBio que, por sua vez (ID 4759465 e  5337759), reiterou as mesmas questões quanto ao valor da causa e ilegitimidade dos sindicatos.  Arguiu a prescrição nos termos do Decreto 20.910/1932, que determina que todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, tem prescrição quinquenal a partir da data do fato originário; no caso, o Decreto supra citado, de setembro/2000, acrescentando não se tratar de ação de cunho indenizatório decorrente de desapropriação indireta, de modo que resta afastada a incidência da prescrição vintenária. Discorreu sobre a legalidade e constitucionalidade do Decreto que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena e a importância deste na preservação de ecossistemas naturais. Aponta as razões pelas quais não se pode juridicamente declarar a caducidade do retromencionado decreto instituidor da unidade de conservação, a saber: (a)a parcela territorial pendente de regularização de títulos não é suficientemente representativa para a decretação de caducidade de toda a unidade; (b)há somente algumas parcelas de grandes propriedades rurais incluídas na área da UC; (c)nenhuma das quais encontra-se abrangida totalmente pela unidade de conservação, de modo a incluir o domicílio dos proprietários; (d)a Constituição não permite a desafetação de uma unidade de conservação senão mediante a edição de lei formal específica (art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988); (e)inexiste inércia na execução do decreto declarador de utilidade pública da UC, e apenas restrições de ordem operacional e financeira têm impedido a finalização do processo de regularização fundiária. Sustenta que o decreto expropriatório de imóvel em unidade de conservação, de domínio público, não é suscetível a prazo de caducidade. Juntou documentos.

A União também se manifestou e contestou (ID 4837242 e 5367960) e arguiu não ter havido caducidade do Decreto, pois a extinção deste exige expressa previsão legal.

Réplica pelo ID 8655640.

Designei a audiência de que trata o termo de ID 9033198, quando colhi o depoimento do Chefe do Parque Nacional Serra da Bodoquena, SANDRO ROBERTO DA SILVA. Foram juntadas as Notas Técnicas apresentadas pelo depoente (ID 9037066).

As partes e o MPF apresentaram manifestação pelos IDs 9289558 (autores), 9604675/9604678 (ICMBio) e 10371518 (MPF).

 

Decido.


De acordo com o art. 8º, III, da Constituição Federal, ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas, independentemente de autorização expressa dos associados.

Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DOS BENEFÍCIOS. SINDICATO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DOS ASSOCIADOS. FUNÇÃO DE PRESTAR ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA AOS SEUS SINDICALIZADOS. DEVER DE DEMONSTRAR A NECESSIDADE DA AJG. NÃO COMPROVADA PERANTE O TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL (SÚMULA 07 DESTE STJ). ISENÇÃO DE CUSTAS DO SINDICATO. INCIDÊNCIA DAS LEIS NºS. 8.078/90 E 7.347/85. INAPLICÁVEIS AO CASO. DIRECIONADAS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO. VALOR DA CAUSA. DETERMINADA A EMEDA DE OFÍCIO. ARTS. 258, 259 E 260 DO CPC. FIXADO CONFORME O BENEFÍCIO ECONÔMICO PRETENDIDO ATRAVÉS DA TUTELA JURISDICIONAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA 

1. Os sindicatos ostentam legitimatio ad causam extraordinária, na qualidade de substitutos processuais (art. 6º, do CPC) para a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria que representa, como dispõe o art. 8º, III, da CF.

2. A Lei n.° 7.788/89 estabelece em seu art. 8º que as entidades sindicais poderão atuar como substitutas processuais da categoria que representam por isso que, assente a autorização legal, revela-se desnecessária a autorização expressa do titular do direito subjetivo.

3. Os sindicatos têm legitimidade para propor a liquidação e a execução de sentença proferida em ação condenatória na qual atuaram como substitutos processuais, caso não promovidas pelos interessados, hipótese em que as referidas entidades atuam em regime de representação processual. Precedentes: AgRg no REsp 763.889/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09.10.2007, DJ 26.10.2007 p. 346; REsp 701.588/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.06.2007, DJ 06.08.2007 p. 475, REPDJ 27.11.2007 p. 291; REsp 478.990/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.06.2006, DJ 04.08.2006 p. 297; REsp 710.388/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2005, DJ 20.02.2006 p. 222; AgRg nos EREsp 497.600/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 01.02.2007, DJ 16.04.2007 p. 151; REsp n.º 253.607/AL, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha ao Martins, DJ de 09/09/2002; MS nº 4.256/DF, Corte Especial, Rel Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 01/12/1997).

(...) 

(RESP 876812, proc. 200601779402, Relator Ministro LUIZ FUX, DJE: 01/12/2008).

 

 

Assim, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa dos Sindicatos autores.

 

Ressalte-se, porém, que a vontade dos substituídos se sobrepõe a dos Sindicatos. Assim, não custa observar que a presente decisão não tem o condão de proibir a negociação direta entre os proprietários de glebas no perímetro aludido no Decreto que criou o Parque e o poder público. Tampouco anula os atos de disposição ocorridos em data anterior.

 

Logo, esta decisão só beneficia os proprietários que figuram no polo ativo desta ação e aqueles representados dos sindicatos autores que se mostrarem interessados na declaração de caducidade do Decreto expropriatório.

 

Afasto a preliminar de ilegitimidade arguida pelo IBAMA. De acordo com o art. 4º do Decreto de 21 de setembro de 2000, que criou o Parque, as terras e benfeitorias localizadas dentro dos limites descritos no art. 2º deste Decreto, ressalvadas as da União, ficam declaradas de utilidade pública, para fins de desapropriação, pelo IBAMA, nos termos do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, alterado pela Lei nº 2.786, de 21 de maio de 1956.

Assim, até a criação do ICMBio, em 21 de setembro de 2000, a desapropriação das áreas era de responsabilidade do IBAMA, de forma que deverá ele ser mantido no polo passivo da ação. Registre-se que a União também deverá permanecer, pois foi ela quem editou o decreto objeto do pedido de declaração de caducidade.

 Pois bem. 

De acordo com o artigo 10 do Decreto-lei n 3.365/41, a desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente dentre de 5 (cinco) anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. Neste caso, somente decorrido 1 (um) ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração.

Não há que se falar em prescrição quinquenal, uma vez que os autores pretendem a declaração de caducidade em relação às áreas que não chegaram a ser desapropriadas no prazo previsto no Decreto-lei 3.365/41. Logo, perdurando o direito de propriedade, não teve início o prazo para prescrição.

No caso, constata-se que o decreto que declarou como de utilidade pública as terras destinadas à criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena foi publicado em 22 de setembro de 2000, a partir de quando começou a correr o lapso temporal de cinco anos para conclusão da desapropriação. Contudo, decorridos 18 anos, nem todos os substituídos e autores tiveram suas propriedades desapropriadas. Com efeito, segundo declarou o representante dos réus em audiência, menos de 20% da área foi desapropriada. 

Em suma, o Decreto caducou quanto às glebas não expropriadas

Sublinho que as normas do artigo 225, 1º, III, da Constituição Federal e art. 22, 7º, da Lei nº 9.985/2000, não autorizam a interpretação levada a efeito pelos réus, secundada pelo MPF. O equívoco está em considerar que a Unidade de Conservação é criada e sacramentada simplesmente com o Decreto.

Nessa linha de entendimento, não acompanho a jurisprudência lembrada pelo MPF, segundo a qual tendo a unidade de conservação sido criada por decreto executivo e sendo válido o ato de criação segundo a legislação vigente na época, temos atos jurídico perfeito consolidado ... nem a caducidade da declaração de utilidade pública prevista no artigo 10 do Decreto-lei 3.365/41 nem a demora do Poder Público em desapropriar todas as áreas que integram a unidade do conservação implicam extinção da unidade de conservação...(TRF4, EINF 5006083-61.2011.404.700, 2ª Seção, Relator p/ Acórdão Cândido Alfredo Silva Leal Junior, 15.04.2014). No mesmo sentido TRF2  AC 0047688-75.2012.4.02.5101, Rel. Alcides Martins).

Ora, o art. 5º, XXII, da CF garante o direito de propriedade. O mesmo art. 5º também estabelece que a desapropriação dar-se-á por necessidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização. 

Ademais, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º XXXV). E segundo o art. 5º, LIV, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal .

Por conseguinte, considerando que antes do decreto as áreas onde outrora a União pretendia instalar o Parque tinham e continuam tendo donos, lógico que os respectivos proprietários têm direito a serem previamente indenizados, se persistir tal intento preservacionista. Simples Decreto Presidencial não tem o poder de transformar área particular em Parque Nacional.

Concorda-se com a afirmação de que a alteração ou supressão da Unidade de Conservação somente é permitida através de Lei (art. 215, 1º, III, da CF). Desde, no entanto, que incidente sobre área pública, aí incluída aquelas já de propriedade do Estado e as desapropriadas previamente. Há que se compreender que a Unidade de Conservação só é efetivamente criada depois da aquisição da propriedade pela União. Aliás, o 1º, do art. 11, da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, em vigor à época do Decreto de 21 de setembro de 2000, é expresso ao recomendar a desapropriação prévia, tanto que este Decreto que "criou" o Parque Nacional sob discussão, estabeleceu que as terras e as benfeitorias localizadas dentro dos limites do art. 2º ficam declaradas de utilizadas pública para fins de desapropriação (art. 4º).

Salta aos olhos o engano daqueles que asseveraram que os autores pretendem extinguir o Parque Nacional da Bodoquena. O que pretende a parte autora é a declaração da caducidade de um Decreto. E não há se falar em extinção do Parque: só se acaba com o que existe e para que o Parque exista, nas dimensões declinadas no Decreto, é necessário que a União, atenta e obediente ao que diz a Carta, pague previamente os proprietários atingidos.

O art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/41, aplica-se ao caso sim, mesmo porque - repita-se - o § 1º, do art. 11, da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, diz que as áreas particulares incluídas nos limites das Unidades de Conservação serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei e conforme, no caso, determinou o Decreto.

Cito precedentes do Superior Tribunal de Justiça:


PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 40 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL. DECRETO FEDERAL EDITADO EM 1972. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA NUNCA CONSUMADA. CADUCIDADE DO DECRETO ORIGINAL. PERMANÊNCIA DA ÁREA SOB PROPRIEDADE DO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE. TIPICIDADE AFASTADA QUANTO AO DELITO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Discute-se se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra - Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355, de 3/4/72 -, narrado na peça acusatória, configura o delito descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/98, com competência da Justiça Federal, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público.

(...)

3. Na hipótese, no entanto, o Decreto Federal foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, "criadas no papel", acabam não se transformando em realidade concreta.

4. O art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará.

(...)

6. Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição).

7. Superada a caducidade do Decreto Federal há tempos, não há como limitar-se o direito de propriedade conferido constitucionalmente, sob pena de se atentar contra referida garantia constitucional, bem como contra o direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF.

8. Tipicidade do fato afastada no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98).

9. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 611.366/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 19/09/2017).

 

No mesmo sentido: EREsp 191.656/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 1ª Seção, j. 23.06.2010; AfInt no REsp 1781924 - AL, Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, j. 04/06/2019.  

Não importa para o deslinde da controvérsia o fato de a União já ter adquirido parte da área. Ora, o prazo máximo para essa aquisição era cinco anos, contados da data do Decreto de 22 de setembro de 2000, encerrando-se, pois, em 22 de setembro de 2005, o que demonstra muito pouco interesse da União em implantar totalmente a Unidade de Conservação referenciada.

Aliás, pelo depoimento prestado pelo chefe da unidade não haveria recursos financeiros e o mais provável seria a aquisição por meio de cotas de Reserva Legal, de forma que a regularização do Parque poderia demandar ainda décadas, com o que os proprietários não estão obrigados a concordar, por mais prestigiadas que sejam as normas de Direito Ambiental.

Em suma, não é de causar espanto o direito dos proprietários a usar, gozar e dispor dos seus imóveis rurais, de acordo com o que estabelece a Lei ordinária ambiental, ou seja, desconsiderando-se  tais imóveis como integrantes de um Parque Nacional.

O mesmo não ocorre, evidentemente, quanto à  parte da gleba que já foi adquirida, de forma que em relação a elas a União tem o direito de usar, gozar e dispor, ai compreendido o direito-dever de adotar as medidas necessárias à sua conservação, inclusive quanto à implantação de visitação e passeios turísticos.

Quanto ao pedido de suspensão da implantação de qualquer passeio turístico nas áreas dos autores ou de qualquer tipo de estrutura (receptivos, estradas, pontes etc), o servidor responsável pelo ICMBio informou que não haverá desenvolvimento de atividade turística em áreas não regularizadas e não há qualquer documento que demonstre o contrário. Mas não custa esclarecer que tais atividades não poderão ser desenvolvidas nos limites das propriedades que não chegaram a ser desapropriadas. 

Em suma vislumbro verossimilhança nas alegações dos autores, ao tempo em que o perigo está no indevido enquadramento das glebas não desapropriadas como integrante do Parque, o que, como é cediço, implica na inviabilidade ou na maior dificuldade da exploração das terras.   

No passo, convém lembrar que os réus apoiam a autuação feita por fiscal do IBAMA, embasado na premissa de que determinada espécie de soja não pode ser cultivada no local por estar nas cercanias do Parque.  

Diante do exposto, defiro parcialmente o pedido de antecipação da tutela para (1) reconhecer a caducidade do Decreto s/nº de 21 de setembro de 2000,  que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, no Estado de Mato Grosso do Sul, somente com relação às áreas não adquiridas pela União por desapropriação judicial ou amigável, compra, compensação ambiental ou outro meio permitido em lei, dos autores (pessoas físicas e/ou jurídicas) e dos substituídos pelos sindicatos autores; (2) determinar às partes rés que se abstenham de: 2.1) - indeferir projetos de manejo de exploração das propriedades das pessoas referidas no item 1, sob o pretexto de que se trata de área integrante do Parque Nacional da Serra de Bodoquena, o que equivale a dizer que as demais leis ambientais devem ser integralmente observadas; 2.2) - autuá-los sob o mesmo fundamento; (3) - esclarecer, por conseguinte, que as réus estão impedidas de adotarem providências para implementação de estrutura e/ou passeio turístico nas referidas áreas, sem permissão dos respectivos proprietários; (4) - como consequência do estabelecido no item 1 a zona de amortecimento considerada pelas rés, especialmente pelo IBAMA e Instituto Chico Mendes, deve ser deslocada, de forma a proteger somente as áreas já incluídas legalmente no Parque, ou seja, aquelas correspondente a 18,4% a que se referiu o representante do Instituto por ocasião de audiência. Igual deslocamento aplica-se à área circundante de que trata o art. 57-A, da Lei nº 9.985/2000.

Intimem-se. Dê-se ciência ao MPF.

Digam as partes se pretendem produzir outras provas, especificando-as, se for o caso.



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