DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 8/2013 - São Paulo, sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOPUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 2ª Turma
Expediente Processual 20199/2012 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0033891-70.2012.4.03.0000/MS
DECISÃO Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal contra a r. decisão do MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Dourados/MS, reproduzida às fls. 15/17, que nos autos da ação de reintegração de posse proposta por Achilles Decian e outro em face da União Federal e outros, deferiu o pedido de liminar para determinar a reintegração de posse dos autores e a retirada dos indígenas do imóvel consistente em uma gleba de terras de 26,89 hectares, parte da Fazenda Curral de Arame, no município de Dourados/MS, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais). Alega o Ministério Público Federal que (a) a área ocupada pelos indígenas é parte integrante da Reserva Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul, conforme Decreto nº 401/17 do Presidente do Estado do Mato Grosso; (b) boa parte dos 3.600 hectares da Reserva Indígena de Dourados/MS foi transmitida aos particulares de maneira irregular; (c) há necessidade de perícia topográfica para delimitar de vez por todas a área indígena e; (d) o fato dos índios terem sido expulsos das suas terras não lhes retira a posse das áreas. Pugna pela atribuição de efeito suspensivo, a fim de que seja determinada a mantença dos índios na área em litígio. É o relatório. DECIDO. Nos autos do agravo nº 0032889-65.2012.4.03.0000, cuja decisão agravada é a mesma que originou a interposição do presente recurso, proferi a seguinte decisão: "(...) Os autores Achilles Decian e Leonita Segatto Decian propuseram ação possessória com o intuito de obter ordem liminar de desocupação de uma área de terras de 26,89 hectares, integrante da Fazenda Curral de Arame, no município de Dourados, Mato Grosso do Sul. A área em disputa foi ocupada por índios da Comunidade Ñu Vera no mês de junho de 2.011, os quais permanecem ali instalados até os dias de hoje. Os conflitos entre fazendeiros e silvícolas não são estranhos a esta Egrégia Corte. Aliás, lamentavelmente, são situações recorrentes que esta Relatora, em especial, tem se deparado e procurado decidir sempre com razoabilidade e com vistas a garantir a paz social e a segurança de todos os envolvidos. E neste caso não será diferente. Os índios ocuparam a área de 26,89 hectares e, para tanto, sustentam que as terras fazem parte da denominada Reserva Indígena de Dourados, cuja criação foi no ano de 1.917, por meio de Decreto nº 401, assinado pelo Presidente do Estado do Mato Grosso. A Reserva Indígena de Dourados conta originariamente com uma área total de 3.600 hectares que, ao longo dos anos, segundo alegações da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, foram retirados dos índios pela sobreposição de áreas particulares. Segundo levantamento da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, há um decréscimo de 126 hectares na área original da Reserva Indígena Dourados e, muito provavelmente, os 26,89 hectares ocupados pela Comunidade Ñu Vera na Fazenda Curral de Arame são parte integrante da área de 3.600 hectares originários. Os proprietários e autores da ação possessória, por sua vez, reivindicam a imediata desocupação da área pelos indígenas, e apresentam como prova de sua propriedade a matrícula nº 85.569 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Dourados/MS, onde se verifica que são legítimos proprietários da Fazenda Curral de Arame desde 15/07/89. Cada parte apresentou suas razões e suas provas acerca da posse da área de 26,89 hectares da Fazenda Curral de Arame. O deferimento do pedido de efeito suspensivo em sede de agravo de instrumento pressupõe a presença concomitante da fumaça do bom direito e do perigo da demora. E é a partir dessa premissa que passo a decidir. É fato que o Decreto nº 401, de 03 de Setembro de 1.917, do Presidente do Estado do Mato Grosso, criou a Reserva Indígena de Dourados, no atual Estado do Mato Grosso do Sul, com uma área de 3.600 hectares (fl. 24). Também é notório que no decorrer dos anos boa parte dessa área simplesmente desapareceu do domínio dos silvícolas, por questões que não cabem aqui serem discutidas, até porque não é esse o objetivo do presente recurso. Anoto que o processo de aviventação tem por finalidade exatamente a redefinição das áreas anteriormente demarcadas em favor dos índios, mas que de uma forma ou de outra lhes foram retiradas. No caso, o procedimento licitatório destinado à realização dos serviços de aviventação da área da Reserva Indígena de Dourados/MS já se encontra em fase de contratação. Fica aqui o registro de que o processo de aviventação não pressupõe - de forma definitiva - que determinadas áreas reservadas aos índios tenham sido usurpadas. Mas os indícios são fortes, por isso mesmo a determinação da aviventação. E é aí que se verifica a fumaça do bom direito. E esta fumaça se vê ainda mais acentuada pelo fato de que o registro mais antigo de propriedade particular da área em litígio remonta apenas ao ano de 1.989, enquanto que o Decreto que delimitou a Reserva Indígena de Dourados é de 1.917. O perigo da demora também se faz presente. Não se justifica, evidentemente, a invasão indiscriminada de terras por parte dos índios. Aliás, é obrigação da Fundação Nacional do Índio - FUNAI orientar os silvícolas e zelar para que tais fatos não aconteçam. Mas, a partir do momento que os índios ficam frente a frente com a possibilidade de uma determinada área lhes pertencer, é muito difícil impedi-los de lá se estabelecerem. Reafirmo que cabe à Fundação Nacional do Índio - FUNAI fazer esse trabalho de esclarecimento junto às comunidades indígenas, a fim de evitar mais conflitos. Ao Poder Judiciário, neste momento, resta apenas solucionar o litígio. Com esteio no poder geral de cautela atribuído ao Magistrado, tenho que a solução mais adequada para o momento é determinar a mantença dos índios no espaço de 26,89 hectares, pelo menos até o fim dos trabalhos de aviventação. A comunidade encontra-se estabelecida na área há aproximadamente um ano e meio e a desocupação imediata - com possibilidade de reocupação futura - acarretará prejuízos talvez irreparáveis. O processo administrativo de aviventação tem prazo estipulado em edital e no respectivo contrato, o que deverá ser respeitado. A Administração Pública, por sua vez, deve ser eficiente, de maneira a não gerar maior tormenta para os envolvidos. Pelos cálculos estabelecidos, o processo de aviventação deve durar em torno de 120 dias, tempo este que tenho como razoável para que os índios sejam autorizados a permanecer na área de 26,89 hectares. Os índios devem ficar exatamente onde estão agrupados, com a ressalva de que não podem estender o espaço a eles reservado em nenhuma hipótese, nem mesmo em razão de plantação. Os índios não devem impedir a livre circulação de pessoas e bens, tampouco estender plantações, praticar a caça de animais na fazenda e, ainda, desmatar áreas verdes consistentes em Reserva Legal. Índios, fazendeiros e demais indivíduos que se fizerem presentes na região devem conviver de maneira harmônica. Não será tolerado nenhum tipo de comportamento que quebre a ordem e não contribua para a paz social, princípio que deve se fazer presente no Estado Democrático de Direito. A Fundação Nacional do Índio - FUNAI deve adotar todas as providências no sentido de intensificar os trabalhos e concluir o mais rápido possível o procedimento administrativo de aviventação das terras. Autorizo a Fundação Nacional do Índio - FUNAI e outros órgãos governamentais - especialmente a Agência de Saúde - a adentrar na área sub judice, a fim de prestar toda e qualquer assistência que se fizer necessária à população silvícola ali alojada. Ante o exposto, concedo o efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, para determinar a mantença dos silvícolas da Comunidade Indígena Guarani Ñu Vera Kaiowa exclusivamente no espaço atualmente por eles ocupado, delimitado em 26,89 hectares, pelo prazo de 120 dias a contar da intimação desta decisão, por se tratar de tempo suficiente para a conclusão dos trabalhos de aviventação das terras na região, com a ressalva de que tudo o que foi aqui estabelecido deve ser estritamente observado por todas as partes envolvidas. Ao Ministério Público Federal, recomendo estar atento ao desenrolar das atividades na região de maneira a diligenciar, quando necessário e com a maior brevidade possível, visando resguardar a ordem e a legalidade. Recomendo, ainda, que harmonize a defesa dos direitos e interesses das populações indígenas com a defesa dos direitos e interesses do restante da sociedade, cumprindo assim, de fato, o que dispõe o artigo 127 da Constituição Federal. Oficie-se ao Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça, Dr. José Eduardo Martins Cardozo, a quem está subordinada funcionalmente a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, anexando cópia da presente decisão, para que determine, se julgar cabíveis, outras providências. Oficie-se à Excelentíssima Senhora Presidenta da República, Dilma Vana Rousseff, anexando cópia da presente decisão, para fins de ciência da situação. Cumpra a Subsecretaria o disposto no artigo 527, V, do Código de Processo Civil. Dê-se ciência ao Ministério Público Federal. Cumpram-se, ainda, todas as formalidades de praxe. P.I." Adoto, por óbvio, os fundamentos acima como razões de decidir no presente recurso. Ante o exposto, concedo o efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, para determinar a mantença dos silvícolas da Comunidade Indígena Guarani Ñu Vera Kaiowa exclusivamente no espaço atualmente por eles ocupado, delimitado em 26,89 hectares, pelo prazo de 120 dias a contar da intimação desta decisão, por se tratar de tempo suficiente para a conclusão dos trabalhos de aviventação das terras na região, com a ressalva de que tudo o que foi aqui estabelecido deve ser estritamente observado por todas as partes envolvidas. Cumpra a Subsecretaria o disposto no artigo 527, V, do Código de Processo Civil. P.I.
São Paulo, 18 de dezembro de 2012.
Cecilia Mello
Desembargadora Federal Relatora |