![]() DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 218/2013 - São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 2013
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOPUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 1ª Turma
Acórdão 10295/2013 HABEAS CORPUS Nº 0025590-03.2013.4.03.0000/SP
EMENTA HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. IMPORTAÇÃO. SEMENTES DE MACONHA. MATÉRIA-PRIMA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. No que tange à tipicidade ou não da importação de sementes de maconha como crime de tráfico de drogas, é necessário distinguir "preparação de drogas" da "produção de drogas". 2. A semente de maconha presta-se à produção da maconha, mas não à preparação dela, pois a semente, em si, não apresenta o princípio ativo tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição e não tem qualidades químicas que, mediante adição, mistura, preparação ou transformação química, possam resultar em drogas ilícitas. 3. O verbo preparar tem o sentido de "aprontar (algo) para que possa ser utilizado"; "cuidar para que (algo) aconteça como planejado"; "compor (algo) a partir de elementos ou ingredientes"; "criar um estado de coisas propício a (que algo ocorra)", entre outras acepções, conforme Minidicionário de Caldas Aulete. Já o verbo produzir significa "fazer nascer de si"; "fabricar"; "causar"; "provocar", etc. (ibidem). 4. Comparando esses verbos, verifica-se que: a) a semente de maconha não pode ser "composta" com outros elementos, substâncias ou ingredientes para, a partir dela, criar uma substância entorpecente; e b) as condutas de "aprontar" a semente de maconha, "cuidar" dela ou "criar um estado de coisas propício" a que ela germine importam a que a semente seja "semeada" ou "cultivada". Só assim, ela "produzirá" a maconha, ao dela "fazer nascer" a planta que dará origem à droga. 5. A semente de maconha não poderá ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação da maconha, a que se refere o inciso I, do § 1º do art. 33, da Lei n. 11.343/06. 6. Para que se configure o crime de tráfico de drogas previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/06, é preciso que a substância por si só tenha potencialidade para a produção de efeitos entorpecentes e/ou psicotrópicos e possa causar dependência física ou psíquica, o que não ocorre com as sementes da planta Cannabis sativa Linneu. 7. A semente de maconha poderá ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à produção da maconha. Não há, porém, qualquer referência à produção de drogas nesse inciso. Logo, não se pode equiparar a "preparação" à "produção" em face do princípio da legalidade estrita que norteia a interpretação do Direito Penal. Caso fosse a intenção do legislador, haveria referência expressa à "produção" e não apenas à "preparação" de drogas, no inciso em questão. 8. Já à luz do inciso II do § 1º do art. 33 da Lei de Drogas, a importação (e a consequente posse) da semente de maconha é meramente ato preparatório, portanto, impunível, das condutas aí previstas. 9. A semente de maconha, quando semeada ou cultivada, dá origem à planta que se constitui em matéria-prima para a preparação da droga denominada "maconha". A importação e posse da semente de maconha, até que, ao menos, se inicie a execução dessas condutas, não poderá ser considerada fato típico caracterizador do crime do art. 33 da Lei n. 11.343/06, nos termos do art. 14, II, do CP. 10. Só quando o agente inicia a semeadura ou o cultivo da planta de maconha, utilizando-se da semente dessa planta que importou, parece configurar-se, em tese, o crime equiparado ao tráfico previsto no § 1º, II, do art. 33 da Lei n. 11.343/06. 11. Importante ressaltar a distinção que a lei faz em relação à matéria-prima que sirva para a preparação de drogas e às plantas que se constituem em matéria-prima para a preparação de drogas. Nesse passo, é de se observar que, no inciso I do § 1º do art. 33, fala-se em "matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas", enquanto, no inciso II, "plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas". 12. Razoável interpretar a primeira referência a "matéria-prima", contida no inciso I, como a que cuida da hipótese em que a matéria-prima não decorreu de plantas, enquanto a segunda, contida no inciso II, como a que decorreu de plantas. Essa distinção parece excluir a semente de maconha do âmbito de incidência do inciso I e incluí-la no do inciso II, pois ela é que dá origem a planta que se constitui em matéria-prima para a preparação da substância entorpecente conhecida como "maconha". 13. Assim, não se prepara a "maconha" tendo por base a semente dela, mas sim a partir da planta que dela se originou. 14. Registre-se que muitos órgãos do Ministério Público Federal, ou seja, os próprios procuradores da República que oficiam perante as varas federais criminais de São Paulo, têm sustentado a atipicidade da conduta de importar sementes de maconha e têm requerido o arquivamento do inquérito policial ou da peça de informação instaurado a respeito. 15. Ainda que equiparasse a preparação de drogas à sua produção, a quantidade da semente apreendida, ou seja, 28 (vinte e oito), denota que a intenção do agente era plantio para consumo pessoal e não para o tráfico. Tal conduta, teoricamente subsumível no art. 28, § 1º, da Lei n. 11.343/06, na forma tentada (CP, art. 14, II), apresenta-se impunível, já que o preceito secundário, isto é, as penas do art. 28 da Lei n. 11.343/06, na prática, não comportam combinação com o art. 14, parágrafo único, do Código Penal. 16. Cumpre registrar que a importação de semente de maconha poderá subsumir-se no crime de contrabando, ou seja, no crime de importação de mercadoria proibida (art. 334, caput, do Código Penal), já que não se permite a importação de semente de maconha sem prévia autorização do órgão competente, de modo que não houve, nem haverá, liberação geral de tal conduta como fato penalmente atípico, a ponto de incentivar pessoas desavisadas a acharem que a importação de semente de maconha não é crime, portanto, livre. Muito pelo contrário. A importação de semente de maconha sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar é, sim, crime, ressalvando-se que não se trata de crime de tráfico de drogas, mas sim de contrabando. 17. Eventual punição do agente pelo contrabando deverá levar em conta duas ordens de considerações. A primeira diz respeito à quantidade da semente de maconha importada ilegalmente, e a segunda, às condições pessoais do infrator. 18. Quanto à quantidade da semente, há que se indagar do cabimento ou não do princípio da insignificância ou da bagatela. Tal princípio é um corolário do princípio da intervenção mínima que informa o Direito Penal contemporâneo (o qual deriva, por sua vez, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana), segundo o qual só se justifica a intervenção desse ramo do direito como último instrumento de controle social ("ultima ratio"), devendo o Estado, sempre que há instrumentos menos gravosos para assegurar a paz social, prioritariamente recorrer a eles, evitando-se o emprego da pena criminal, que atinge mais intensamente a liberdade individual, que é um dos bens mais preciosos do ser humano. Daí falar-se em caráter subsidiário do Direito Penal, pelo que o Direito Penal deve atuar tão-somente em face de fatos que causem grave lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos por ele tutelados. 19. Nesse diapasão, se ínfima a quantidade de semente importada, aplicável, ao menos em tese, o princípio da insignificância, ficando a critério do prudente arbítrio do juiz em cada caso concreto, pois o fato, embora formalmente típico, pode não sê-lo sob o ponto de vista da tipicidade material. 20. Quanto às condições pessoais do infrator, é necessário verificar se ele já importou as sementes de maconha, qual a finalidade por ele visada por essa conduta, qual o seu meio de vida, se a intenção dele é a de semeá-las e plantá-las, com vistas à colheita da planta para consumo pessoal ou para o tráfico, se há indício de habitualidade etc., pois, dependendo da resposta a essas indagações, a solução variará, deixando ser aplicável o princípio da insignificância, ainda que ínfima a quantidade da semente ilegalmente importada. 21. Na situação dos autos, a conduta narrada na inicial acusatória não se subsume ao tipo descrito no artigo 33, parágrafo 1°, inciso I, da Lei n° 11.343/2006, haja vista que a semente importada pelo paciente não constitui matéria-prima destinada à preparação de drogas. 22. Agravo regimental prejudicado. Ordem concedida para trancar a ação penal, em razão da atipicidade da conduta imputada ao paciente.
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar prejudicado o agravo regimental e conceder a ordem para trancar a ação penal n° 0012284-82.2012.403.6181, que tramita perante a 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, em razão da atipicidade da conduta imputada ao paciente Fábio Yussei Ivanaga, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 12 de novembro de 2013.
TORU YAMAMOTO
Desembargador Federal Relator |