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Diário Eletrônico

DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 110/2014 - São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2014

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO


PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF


Subsecretaria da 5ª Turma


Acórdão 11330/2014


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004680-04.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.004680-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : SP234726 LUIZ FERNANDO ROBERTO e outro
: SP277777 EMANUEL FONSECA LIMA
: SP259303 TIAGO ANTONIO PAULOSSO ANIBAL
: SP300926 VINICIUS WANDERLEY
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MATHEUS BARALDI MAGNANI
APELADO(A) : Defensoria Publica da Uniao
PROCURADOR : SP261220B THIAGO ALVES DE OLIVEIRA
PARTE RE' : DEPARTAMENTO DE INVESTIGACAO SOBRE NARCOTICOS - DENARC
No. ORIG. : 00046800420084036119 2 Vr GUARULHOS/SP
EMENTA
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO PENAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA DPU VISANDO QUE TODA E QUALQUER SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE E PESSOAS NACIONAIS OU ESTRANGEIRAS PRESAS EM FLAGRANTE NO INTERIOR, EXTERIOR OU IMEDIAÇÕES DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS/SP SEJAM APRESENTADAS À AUTORIDADE POLICIAL DA DPF DO REFERIDO AERÓDROMO, COM EXCLUSÃO DA ATUAÇÃO DOS AGENTES DO DENARC DA POLÍCIA CIVIL PAULISTA. AFASTADAS AS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DA DPU. MÉRITO: SENTENÇA REFORMADA; PEDIDOS INICIAIS IMPROCEDENTES; TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1- No caso em análise, verifica-se que a discussão, apesar de se referir à abrangência da atuação policial (ligadas à esfera estadual e federal), não se enquadra na descrição legal de conflito entre a União e Estado, tampouco possui potencialidade lesiva capaz de gerar instabilidade no pacto federativo, ou mesmo interferir institucionalmente na administração a ponto de afetar as relações políticas entre União e Estado, de modo que não é caso de aplicação do art. 102, I, "f", da Constituição Federal, não sendo competente a Corte Suprema para apreciar esta ação civil pública. Firmada a competência da Justiça Federal de Primeiro Grau.
2- Inegável a competência da Defensoria Pública da União para para propor ação em defesa de interesses difusos, ou mesmo homogêneos individuais, o que se aplica ao caso.
3- O primeiro fato que milita contra a pretensão veiculada pela Defensoria Pública da União na hipótese dos autos diz respeito à circunstância de que nem sempre é claro o limite que separa o tráfico nacional, de competência da autoridade policial civil, do tráfico internacional, de competência da Polícia Federal, o que impede, em casos tais, seja criada, aprioristicamente, uma regra para delimitar ou condicionar a atuação dessas duas forças policiais diante da dinâmica dos fatos de toda e qualquer investigação policial.
4- É de meridiana clareza que o local dos fatos - no caso, o Aeroporto Internacional de Guarulhos e seus arredores -, não é o melhor critério para divisar a atuação da Polícia Civil e da Polícia Federal, mesmo porque, a toda evidência, nem todo tráfico cometido no Aeroporto Internacional de Guarulhos e seus arredores será internacional, sabido que, no referido aeródromo, também operam voos regionais e interestaduais.
5- Nos termos do item 25.17 da Portaria n.º 941/2010-DG/DPF, de 25.02.2010, a circunscrição da delegacia de Polícia Federal situada no mencionado aeródromo é restrita ao complexo aeroportuário e, ademais, a condição de autoridade aeroportuária não atribui à Polícia Federal a exclusividade do múnus de investigar a prática de infrações penais ocorridas no interior do complexo aeroportuário de Guarulhos, haja vista que, ao dispor sobre as atribuições da aludida força policial, em momento algum a CF/88 conferiu-lhe o monopólio ou mesmo a exclusividade das funções de polícia investigativa.
6- A consumação de um crime num aeroporto não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Em sendo assim, a prevalecer o entendimento da decisão recorrida, estar-se-á criando, por via transversa e contra legem, uma nova atribuição da Polícia Federal, qual seja, a de iniciar a persecução penal de crimes de competência da Justiça Estadual ocorridos nos aeroportos.
7- Muito embora decorra do art. 290, caput, do CPP a regra de que a autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante é aquele que exerce suas funções no local em que foi efetuada a prisão, certo é que a não observância das normas administrativas que disciplinam a divisão de atribuição entre as diversas autoridades policiais não acarreta o reconhecimento de qualquer nulidade, máxime quando, em casos envolvendo o tráfico de entorpecentes, a condução do preso à sede do DENARC é feita em prol da própria investigação policial, que não termina com a prisão do investigado, porquanto demanda outras diligências complementares e sujeitas a conhecimentos técnicos específicos (p. ex. confecção de laudo de constatação etc.).
8- Indubitavelmente, em hipóteses tais, não há cogitar-se de nulidade passível de comprometer o auto de prisão em flagrante ou qualquer ato do inquérito policial, não só porque as autoridades policiais não exercem jurisdição - sendo, pois, descabido falar-se em incompetência -, como também por força do art. 561, I, do CPP, que se refere exclusivamente à incompetência do juiz como causa de invalidade de ato irregularmente praticado. Nesse sentido, pacífica é a jurisprudência do STJ, consoante se verifica dos HCs 30236-RJ, 32.319-PI, 16.406-MS e 11022-RJ e dos RHCs 9956-PR e 8342-MG, que, a esse respeito, conta com o beneplácito da doutrina.
9- Deveras, numa região como aquela envolvendo a metrópole paulistana, em que o alto grau de conurbação torna praticamente indivisíveis os municípios, não há cogitar-se que a condução do agente até a delegacia responsável pelas investigações situada numa cidade circunvizinha ao local dos fatos constitui alguma afronta ao Código de Processo Penal.
10- Em verdade, porque não há garantia constitucional do "delegado natural", uma vez que a Constituição Federal não assegura o direito de ser investigado por determinada autoridade segundo regras rígidas de competência, a pretensão da Defensoria Pública da União levada a cabo nestes autos não se refere ao cumprimento desta ou daquela norma da Constituição Federal ou do Código de Processo Penal, ou deste ou daquele princípio da Administração Pública, mas visa implantar uma específica política de combate ao tráfico, que envolve a equalização de inúmeras variáveis, tais como a atuação da Polícia Federal e da Polícia Civil, o controle externo da atividade policial, qualidade de serviço público etc.
11- Assim, em virtude das múltiplas variáveis envolvidas, o caso concreto repudia a adoção de uma solução simplista, que priorize somente a legalidade ou os direitos dos investigados, e, por esta específica razão, demanda a análise de dados não trazidos aos autos, tais como a conveniência, oportunidade, riscos, benefícios, custos etc. da adoção da política de segurança pública proposta pela autora, bem como a participação de outros atores sociais além daqueles representados nos autos (União, Estado de São Paulo, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União), cuja presença seria essencial para legitimar eventual decisão favorável à pretensão vazada nestes autos.
12- Ausentes tais condições/elementos e não constatada flagrante ilegalidade a normas constitucionais, processuais ou a princípios regentes das atividades administrativas, a improcedência do pedido inicial é medida que se impõe.
13- Preliminares rejeitadas. Apelos da União, do Estado de São Paulo e do Ministério Público Federal providos para reformar a sentença recorrida e, por conseguinte, julgar improcedentes os pedidos veiculados na inicial, revogando a antecipação dos efeitos da tutela.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares de incompetência da Justiça Federal de Primeiro Grau e da ilegitimidade ad causam da Defensoria Pública da União e, por maioria, dar provimento às apelações da União, do Estado de São Paulo e do Ministério Público Federal para reformar a sentença recorrida e, por conseguinte, julgar improcedentes os pedidos veiculados na inicial, revogando a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 09 de junho de 2014.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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