Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/02/2011
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011514-46.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.011514-2/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : FERNANDO NETTO BOITEUX E ELYADIR FERREIRA BORGES
APELADO : DEVIR LIVRARIA LTDA
ADVOGADO : JOSE EDUARDO SILVERINO CAETANO e outro
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 26 VARA SÃO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00115144620094036100 26 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE ÁLBUNS ILUSTRADOS E CROMOS ADESIVOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, "D" DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICABILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. PRECEDENTES.
1. A imunidade prevista no art. 150, VI, alínea "d", da Constituição Federal prestigia diversos valores, tais como a liberdade de comunicação e de manifestação do pensamento; a expressão da atividade intelectual, artística e científica; o acesso e difusão da cultura e da educação; dentre outros.
2. Conquanto a imunidade tributária constitua exceção à regra jurídica de tributação, não parece razoável atribuir-lhe interpretação exclusivamente léxica, em detrimento das demais regras de hermenêutica e do "espírito da lei" exprimido no comando constitucional.
3. É bem verdade que, segundo as regras de hermenêutica, o direito excepcional deve ser interpretado literalmente. Todavia, interpretar restritivamente o art. 150, VI, "d" da Constituição, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional.
4. Em alguns casos, a melhor opção é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade da norma de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando, assim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo constituinte.
5. Os livros, jornais e periódicos são veículos de difusão de informação, cultura e educação, independentemente do suporte que ostentem ou da matéria prima utilizada na sua confecção e, como tal, fazem jus à imunidade postulada.
6. In casu, verifica-se que os álbuns e cards importados pela autora difundem e complementam os livros de literatura "Magic The Gathering" e demais livros desse segmento, já que apresentam personagens e outros elementos retirados dessas histórias de ficção e aventura. Assim, é cabível atribuir elastério interpretativo ao disposto no art. 150, inc. VI, alínea "d" da Constituição Federal, de modo a estender a benesse nele contemplada a figurinhas para colecionar e aos respectivos álbuns que compõem a coleção trazida aos autos.
7. Apelação e remessa oficial improvidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de janeiro de 2011.
Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


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RELATÓRIO

Trata-se de apelação e remessa oficial em ação de rito ordinário, ajuizada com o objetivo de proceder ao desembaraço aduaneiro, referente à importação de livros e "cards", também conhecidos como figurinhas ou estampas colecionáveis, sem o recolhimento do Imposto de Importação.
Alega que a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, alínea "d", da Constituição Federal, não deve ser interpretada literalmente, pois o livro deve ser considerado em função de seu conteúdo, devendo, portanto, abarcar outras formas de transmissão da cultura, como os materiais anteriormente citados, já que as figurinhas em questão complementam o livro que acompanham.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido inicial, condenando a ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).
Opostos embargos de declaração, os mesmos foram rejeitados.
Apelou a União Federal, pleiteando a reforma da r. sentença.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.

Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011514-46.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.011514-2/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
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VOTO

A apelação não merece prosperar.
O cerne da questão cinge-se à possibilidade de extensão da imunidade prevista no art. 150, inc. VI, alínea "d", da Constituição da República, aos "cards" ou figurinhas colecionáveis com ilustrações da literatura Magic, que não só acompanham o respectivo álbum ilustrado, mas dizem respeito a personagens de obras literárias desse segmento (fls. 220/260).
O dispositivo constitucional em apreço assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

As imunidades tributárias consistem em normas constitucionais que limitam a competência dos entes tributantes, traduzindo-se em verdadeiras hipóteses de não-incidência com relação a determinadas situações, pessoas ou coisas.
Na hipótese dos autos, a imunidade assume a roupagem do tipo objetiva, pois atribui a benesse a determinados bens, considerados relevantes pelo legislador constituinte.
Tal preceito prestigia diversos valores, tais como a liberdade de comunicação e de manifestação do pensamento; a expressão da atividade intelectual, artística e científica; o acesso e difusão da cultura e da educação; dentre outros.
Releva, nesta sede, perquirir qual é a intelecção da expressão livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
É bem verdade que, segundo as regras de hermenêutica, o direito excepcional deve ser interpretado literalmente.
Todavia, não se pode olvidar que a sociedade não é estanque, pelo contrário, é dinâmica. Esse dinamismo engendra a constante evolução das relações jurídicas, o que obriga o Direito a se amoldar às novas situações que vão surgindo, a fim de cumprir o seu papel.
Conquanto a imunidade tributária constitua exceção à regra jurídica de tributação, não nos parece razoável atribuir-lhe interpretação exclusivamente léxica, em detrimento das demais regras de hermenêutica e do "espírito da lei" exprimido no comando constitucional.
Por oportuno, impende traçar um escorço sobre a evolução constitucional da imunidade em comento.
O Código Tributário Nacional, elaborado na vigência da Emenda Constitucional n.º 18 (1965), considera imune o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros (art. 9º, inc. IV, letra "d"). No mesmo sentido, andou a Constituição de 1946 (art. 31, alínea "c"). Mas, a Constituição de 1967, tanto em sua redação original como na decorrente da Emenda n.º 1, de 1969, ampliou a regra, passando a considerar imune o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado a sua impressão (art. 19, inc. III, alínea "d"), o que restou mantido pela atual Constituição (art. 150, inc. VI, alínea "d").
Revela-se, portanto, inconteste a intenção do constituinte de tornar imunes os gêneros "livro, jornal e periódicos", e não apenas o papel destinado à sua impressão.
Hodiernamente, o vocábulo "livro" não se restringe à convencional coleção de folhas de papel, cortadas, dobradas e unidas em cadernos, como se depreende da acepção encontrada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa como 2.1 livro (acp. 2) em qualquer suporte (ex., papiro, disquete etc) (1ª ed., Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, p. 1.774).
Interpretar restritivamente o art. 150, VI, "d" da Constituição Federal, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional.
In casu, a melhor opção ao intérprete é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade da norma, de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando, assim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo constituinte.
Os livros, jornais e periódicos são veículos de difusão de informação, cultura e educação, independentemente do suporte que ostentem ou da matéria prima utilizada na sua confecção e, como tal, fazem jus à imunidade postulada.
No caso em apreço, verifica-se que os álbuns e cards importados pela autora difundem e complementam os livros de literatura "Magic The Gathering" e demais livros desse segmento, já que apresentam personagens e outros elementos retirados dessas histórias de ficção e aventura, conforme se verifica dos documentos juntados aos autos.
Nesse passo, valendo-me das já apontadas técnicas de hermenêutica, entendo cabível atribuir elastério interpretativo ao disposto no art. 150, inc. VI, alínea "d" da Constituição Federal, de modo a estender a benesse nele contemplada a figurinhas para colecionar e aos respectivos álbuns que compõem a coleção trazida aos autos.
Isso porque o que torna os aludidos produtos imunes são os fins a que se destinam, sendo irrelevante a sua forma. Tal entendimento foi externado por Roque Antônio Carrazza, em parecer sobre a importação de Bíblias em Fitas: sua Imunidade: Exegese do art. 150, VI, d, da Constituição Federal:

São os fins a que se destinam os livros e equivalentes e, não, sua forma que os tornam imunes a impostos. Livros, na acepção da alínea d, do inc. VI, do art. 150, da CF, são veículos do pensamento, vale dizer, os que se prestam a difundir idéias, informações, conhecimentos etc. Pouco importam o suporte material de tais veículos (papel, celulóide, plástico etc.) ou a forma de transmissão (caracteres alfabéticos, signos Braille, impulsos magnéticos etc.)
(Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 26, 1997, p. 139)

Cito precedentes jurisprudenciais desta Colenda 6ª Turma, consoante se infere dos julgados abaixo transcritos:

REMESSA OFICIAL EM MANDADO DE SEGURANÇA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - ART. 150, VI, "D" DA CF/88 - PAPEL AUTO-ADESIVO DESTINADO À IMPRESSÃO DE LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS. 1- O conceito de livro tratado como imune de tributação pela norma constitucional deve ser amplo, pois não se subsume a uma simples reunião de folhas, constituindo o meio pelo qual transmitem-se informações através da escrita ou de ilustrações, com a finalidade de difusão do conhecimento adquirido e da livre manifestação do pensamento. 2- A jurisprudência de nossos tribunais vem consolidando esse entendimento, sendo acolhidos sob o manto da imunidade tributária os livros em formato CD ROM, CD áudio, DVD, fitas e vídeos cassetes, e até mesmo o papel destinado à impressão de listas telefônicas, o álbum de figurinhas, dentre outros. 3- Comprovado documentalmente nos autos que o papel auto-adesivo fabricado pela impetrante destina-se efetivamente à impressão de livros, jornais e periódicos, devendo ser assegurada à impetrante a imunidade prevista na alínea "d" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, uma vez que atingido o sentido da norma imunizante, qual seja, o desenvolvimento da educação e da cultura. 4- Precedentes jurisprudenciais do STF e desta Corte: RE nº 221239/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 06/08/2004, pp 00061; AMS nº 90.03.000556-7/SP, Turma Suplementar da Segunda Seção, Rel. Juiz Convocado Roberto Jeuken, DJU 19/04/2007, pág. 504. 5- Apelação e remessa oficial tida por interposta desprovidas.
(TRF da 3ª Região, 6ª Turma, AMS nº 200261050061481, Des. Fed. Lazarano Neto, v.u., j. 05/02/2009)
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO DE LIVROS ILUSTRADOS E CROMOS ADESIVOS - CLASSIFICAÇÃO FISCAL - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - ARTIGO 150, VI, "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Classificação fiscal da mercadoria importada a permitir desembaraçá-la sem a necessidade de recolher os tributos aduaneiros. 2. Por proporcionar o acesso à educação, à informação e à cultura, os livros são imunes por disposição expressa do art. 150, VI, 'd' da Constituição Federal, que não diferencia a qualidade do livro e não estabelece condição ou restrição ao seu gozo. 3. Interpretação extensiva do art. 150, VI, alínea "d", da Constituição Federal, para assegurar a imunidade tributária do imposto de importação referente aos cromos adesivos, acessórios ao livro. 4. O livro complementa-se com a fixação dos cromos, na precisa dicção do artigo 59 do CC. Indiscutivelmente, a não afixação dos cromos compromete a mensagem transmitida pelo livro, frustrando sua finalidade, aplicando-se ao bem acessório o mesmo regime jurídico conferido ao principal.
(TRF da 3ª Região, 6ª Turma, AMS nº 97030038271, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, v.u, j. 24/03/2004)

No mesmo sentido, sendo relator p/ acórdão Des. Fed. Mairan Maia, AC nº 97030002730, julgada em 18/08/2004.
Não há que se falar, de outro lado, em aplicação de analogia para ampliar as hipóteses de imunidade, mas tão-somente da adoção de regras universalmente aceitas de hermenêutica, a fim de alcançar o verdadeiro sentido da norma constitucional.
Em face de todo o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.
É como voto.

Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


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Data e Hora: 27/01/2011 18:42:43