Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/07/2011
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000136-77.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000136-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CARLOS RUBEN SANCHEZ GARCETE
ADVOGADO : JOAO MANOEL ARMOA e outro
CODINOME : CARLOS RUBENS SANCHEZ GARCETE
APELADO : Justica Publica
REU ABSOLVIDO : JOANA IZABEL CARDOSO
No. ORIG. : 00001367720014036002 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 9.613/98. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS: CRIME ANTECEDENTE. OCULTAÇÃO DA NATUREZA, DA ORIGEM, DA PROPRIEDADE DE BEM PROVENIENTE, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DO TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES OU DROGAS AFINS. UTILIZAÇÃO DE TERCEIRA PESSOA. PRELIMINARES. NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS CONDENAÇÃO E DOSIMETRIA DA PENA MANTIDAS. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. A pena-base de 04 (quatro) anos de reclusão tem o lapso prescricional fixado em 08 (oito) anos, consoante o disposto no artigo 109, inciso IV, do Código Penal.Verifica-se que não decorreram mais de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (30 de novembro de 2000) e a do recebimento da denúncia (30 de março de 2006), tampouco entre esta e a data da publicação da sentença condenatória ( 11 de junho de 2010).
2. Consoante o disposto no artigo 571, inciso II, do Código de Processo Penal, as nulidades decorrentes da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, deverão ser argüidas em alegações finais. Não alegadas no momento oportuno, restam convalidadas.
3. Citação do réu por edital que não se encontra eivada de nulidade, uma vez que o acusado se encontra foragido há anos, quando se evadiu de estabelecimento prisional no qual cumpria pena de reclusão em regime semi-aberto.
4. O Juízo de 1º grau determinou a citação do denunciado por edital, por ocasião do recebimento da denúncia, porquanto já havia notícia de que o réu, com suposta residência no Paraguai, encontrava-se - como ainda se encontra- foragido, em local incerto e não sabido, não se aplicando, ao caso, o disposto no artigo 368 do Código de Processo Penal.
5. Não se admite a aplicação do artigo 366, do Código de Processo Penal, aos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens.
6. A juntada de procuração consubstancia comparecimento espontâneo do réu de forma a suprir a falta ou eventual nulidade da citação por edital. Precedente.
7. Preliminares rejeitadas.
8. Comprovadas a materialidade e autoria do crime
9. Idôneo o depoimento do policial, porque coerente e não desmentido pelo restante da prova, sendo suficiente para embasar um decreto condenatório. A condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita, inocorrendo qualquer das hipóteses contempladas nos artigos 207 e 208 do Código de Processo Penal.
10. A sentença condenatória não se amparou, unicamente, nas declarações da autoridade policial e do informante. Ao revés, considerou o depoimento indiciário do acusado, as declarações da corré e toda a prova testemunhal e documental coligida aos autos.
11. O decisum não se encontra alicerçado em "deduções" acerca da participação do acusado na empreitada criminosa descrita na denúncia, tampouco na sentença proferida pelo Juízo de Direito da Comarca de Naviraí/MS que condenara o informante como alega a defesa, já que o conjunto probatório é farto ao demonstrar que o denunciado cometera o crime narrado na peça acusatória e, amparada na prova produzida, a sentença recorrida foi proferida.
12. Em decorrência da autonomia que o crime de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores possui com o delito antecedente, não se exige a instauração de ação penal pelo cometimento do delito anterior para que possa subsistir o delito de "lavagem" de dinheiro, bastando, para tanto, a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente, conforme o teor do §1º do artigo 2º da Lei nº 9.613/98.
13. Havendo indícios mais do que suficientes de que os recursos auferidos pelo acusado, inclusive aqueles utilizados para a aquisição do veículo apreendido são oriundos do lucro auferido no tráfico de entorpecentes, bem assim que o apelante ocultou a origem, a natureza e a propriedade do referido automóvel, configurada a prática do crime de lavagem de dinheiro, descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/98.Condenação mantida.
14. A pena-base foi acertadamente fixada acima do mínimo legal. O denunciado, de nacionalidade paraguaia, usava documentos falsos e foi condenado definitivamente à pena de 03 (três) anos de reclusão pelo cometimento do crime definido no artigo 304 do Código Penal, tendo se evadido ao passar para o regime semi-aberto e não retornando.
15. A ousadia do apelante em se apresentar perante a autoridade policial fazendo uso de documento brasileiro espúrio não somente revela menoscabo com as autoridades policiais brasileiras e conduta social altamente reprovável, como também atesta culpabilidade intensa, já que daquele documento fizera uso para assegurar a consumação do delito que se lhe imputa.O denunciado também responde a ação penal pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo;
16. Mantida a decretação da perda do automóvel apreendido que configura bem proveniente do crime antecedente, nos termos dos artigos 7º, inciso I, da Lei nº 9.613/98 e 91, inciso II, "b", do Código Penal.
17. As circunstâncias judiciais desfavoráveis - culpabilidade intensa, antecedentes, conduta social reprovável e deletéria para a sociedade obstam a substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, na forma do artigo 44, inciso III, do Código Penal, bem como o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime inicial semi-aberto, conforme o disposto no artigo 33,§3º, do Código Penal.
18. O julgamento da apelação torna prejudicado o pleito de o acusado apelar em liberdade, até porque sequer se encontra preso.
19. Apelação a que se nega provimento.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares invocadas, negar provimento à apelação e julgar prejudicado o pedido de o acusado apelar em liberdade, ante o julgamento do recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de junho de 2011.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000136-77.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000136-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CARLOS RUBEN SANCHEZ GARCETE
ADVOGADO : JOAO MANOEL ARMOA e outro
CODINOME : CARLOS RUBENS SANCHEZ GARCETE
APELADO : Justica Publica
REU ABSOLVIDO : JOANA IZABEL CARDOSO
No. ORIG. : 00001367720014036002 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta por Carlos Ruben Sanchez Garcete contra sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/98.

O Ministério Público Federal denunciou Carlos Ruben Sanchez Garcete e Joana Izabel Cardoso pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 9.613/98, por terem ocultado e dissimulado a propriedade de bens obtidos com a renda advinda do tráfico internacional de entorpecentes.

Narra a denúncia, verbis:

" Infere-se do incluso inquérito policial que, no dia 30 de novembro de 2000, em um lava-jato localizado na linha internacional ( fronteira entre Brasil e Paraguai), na cidade de Coronel Sapucaia (MS), policiais federais apreenderam o veículo MitsubishiI/MMC Pajero GLS, placas AJN 9128, ano/modelo de fabricação 2000/2001.
No decorrer das investigações, averiguou-se que o veículo havia sido, supostamente, adquirido por R$ 113.000,00 ( cento e treze mil reais), na data de 08/11/2000 pela denunciada JOANA IZABEL CARDOSO, nos termos da nota fiscal de fl.09, emitida pela empresa VERA CRUZ AUTOMÓVEIS, e de cópia do certificado de registro de licenciamento de veículo ( fl.10).
Ocorre que JOANA IZABEL CARDOSO não era a verdadeira proprietária do bem, uma vez que ' emprestou' seu nome para que a pessoa conhecida como ADRIANO LOPES BORDON adquirisse o automóvel.
Aliás, sequer o endereço aposto no certificado de registro e licenciamento do veículo, em Maringá (PR), pertencia a JOANA ISABEL CARDOSO, residente em Coronel Sapucaia.
O proprietário de fato do bem, que se identificou como ADRIANO LOPES BORDON, apresentou-se à autoridade policial, munido de cédula de identidade (RG nº 001150392,SSP/MS) e prestou declarações reconhecendo que JOANA IZABEL apenas figurava no registro do veículo que, na verdade, não pertencia a ela.
Em nome de ADRIANO LOPES BORDON, qualificado como brasileiro, constatou-se, ainda, a existência de Cadastro de Pessoa Física (CPF nº 884823401-15, fl.149) e declaração de isento junto à Secretaria da Receita Federal, bem como a contratação do seguro do automóvel apreendido.
Entrementes os documentos apresentados à autoridade policial, verificou-se a ausência de registro de nascimento em nome de ADRIANO LOPES BORDON (fl.144), sendo os dados apostos na cédula de identidade pertencentes a outro assento de nascimento" ( fls.02/05).
A perícia papiloscópica, então, revelou que a pessoa inicialmente identificada como ADRIANO LOPES BORDON é, na verdade, o denunciado CARLOS RUBEM SAMCHEZ GARCETE, nacional paraguaio ( fls.142/147).
A partir dessas informações, o denunciado CARLOS RUBEM foi preso em flagrante, processado criminalmente e condenado pela infração ao art.304 do Código Penal (autos nº 2001.60.02.000511-0, fl.374).
Assim CARLOS RUBEM SANCHES GARCETE utilizou interposta pessoa para adquirir o veículo Pajero, na evidente tentativa de ocultar a real propriedade e a origem do bem.
A aquisição do automóvel não foi declarada às autoridades fazendárias. E mais, determinada a quebra do sigilo bancário do denunciado CARLOS RUBEM foi possível constatar que sua conta corrente no Banco do Brasil recebeu depósitos que totalizaram R$ 97.293,05 (noventa e sete mil, duzentos de noventa e três reais e cinco centavos)no ano de 1999, R$ 160.196,82 ( cento e sessenta mil, cento e noventa e seis reais e oitenta e dois centavos), no ano de 2000, e R$ 32.160,00 ( trinta e dois mil e cento e sessenta reais) em janeiro de 2001, consoante se vê, respectivamente, dos extratos bancários e demonstrativos anual e mensal acostados às fls.278/313 e no relatório de fls. 371/372.
Ressalte-se que o acusado CARLOS RUBEM era o proprietário da Serraria do Vila, instalado em Capitain Bado ( Paraguai), estabelecimento apontado por ADEMIR MACHADO PRIMO como o local em que foi realizado o carregamento do caminhão Mercedes Benz, placas ACG-5319/SC, na qual restou escondida a expressiva quantia de 2.429.200g ( duas toneladas, quatrocentos e vinte e nove quilos e duzentos gramas) de maconha.
ADEMIR MACHADO PRIMO foi flagrado, na data de 06/09/2000, na cidade de Eldorado (MS), conduzindo o referido caminhão, carregado de madeiras em que estava camuflada a substância entorpecente.
Logo, evidenciados estão os indícios da ligação do denunciado com a prática do tráfico ilícito de entorpecentes.
Com efeito, o denunciado CARLOS RUBEM, de forma livre e consciente, ocultou a natureza, a origem e a propriedade do bem ( o automóvel de expressivo valor) proveniente, direta ou indiretamente, do tráfico de substâncias entorpecentes ou drogas afins.
Já a denunciada JOANA IZABEL CARDOSO emprestou seu nome, permitindo que CARLOS RUBEM realizasse a ocultação".

A denúncia foi recebida, em 30 de março de 2006 (fl.472).

Ao término da instrução criminal, foi proferida sentença (fls.761/767) que absolveu a denunciada Joana Izabel Cardoso com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal e condenou Carlos Ruben Sanchez Garcete à pena de 04 ( quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 150 ( cento e cinqüenta) dias-multa, no valor individual de R$ 45,00 ( quarenta e cinco reais), totalizando R$ 6.750,00 ( seis mil, setecentos e cinqüenta reais), com atualização a partir da data da sentença pela prática do crime definido no artigo 1º, I, da Lei nº 9.613/98.

Tendo em vista que o acusado encontra-se foragido por conta da condenação imposta noutro processo (nº 2001.6002.000511-0, fls.434/435), expediu-se mandado de prisão.

Com fundamento no artigo 7º da Lei nº 9.613/98 foi decretada a perda, em favor da União, do veículo Mitsubishi, Pajero, ano 2000/2001, diesel, RENAVAM 746404573, placas AJM-9128/PR registrado em nome da corré.

A defesa apelou ( fl.782) e com base na faculdade contida no artigo 600,§4º, do Código de Processo Penal, as razões recursais foram apresentadas nesta Corte (fls.824/880, com documentos de fls.881/887), alegando, em preliminar:

a) reconhecimento da prescrição retroativa;

b) nulidade processual em virtude da citação por edital ao invés da expedição de carta rogatória para o interrogatório do acusado.

No mérito, aduz ausência de provas para a condenação. Relativamente à dosimetria, afirma ser excessiva a pena aplicada, bem assim o cabimento do regime inicial semi-aberto para o cumprimento da sanção corporal, a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e o reconhecimento do direito de o acusado apelar em liberdade.

Contrarrazões e parecer do Ministério Público Federal (fls.889/895) em prol de ser desprovido o recurso.

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 29/04/2011 16:16:46



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000136-77.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000136-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CARLOS RUBEN SANCHEZ GARCETE
ADVOGADO : JOAO MANOEL ARMOA e outro
CODINOME : CARLOS RUBENS SANCHEZ GARCETE
APELADO : Justica Publica
REU ABSOLVIDO : JOANA IZABEL CARDOSO
No. ORIG. : 00001367720014036002 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

1. Das preliminares.

1.1. Da prescrição. A pena-base de 04 (quatro) anos de reclusão tem o lapso prescricional fixado em 08 ( oito) anos, consoante o disposto no artigo 109, inciso IV, do Código Penal.

Verifica-se que não transcorreram mais de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (30 de novembro de 2000) e a do recebimento da denúncia (30 de março de 2006), tampouco entre esta e a data da publicação da sentença condenatória ( 11 de junho de 2010).

1.2. Da nulidade da citação por edital. A defesa aponta nulidade processual em virtude da citação do réu por edital em vez de ter sido expedida de carta rogatória para o interrogatório do acusado.

Consoante o disposto no artigo 571, inciso II, do Código de Processo Penal, as nulidades decorrentes da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais deverão ser argüidas em alegações finais. Não alegadas no momento oportuno, restam convalidadas.

Ainda que se admita a análise da preliminar invocada, o certo é que não houve nulidade alguma na citação editalícia, uma vez que o acusado se encontra foragido há anos, desde 13 de junho de 2001, quando se evadiu de estabelecimento prisional no qual cumpria pena de reclusão em regime semi-aberto (fl.434).

Dos elementos de cognição extrai-se que o Juízo de 1º grau determinou a citação do denunciado por edital, por ocasião do recebimento da denúncia ( fl.472), porquanto já havia notícia de que o réu, com suposta residência no Paraguai, encontrava-se - como ainda se encontra- foragido, em local incerto e não sabido.

Inaplicável, ao caso, o artigo 368 do Código de Processo Penal, que dispõe:

"Art.368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento"

O denunciado encontrava-se em local desconhecido, não se sabendo do seu paradeiro, circunstância que obstara a expedição de carta rogatória.

Ressalto que o artigo 2º,§2º, da Lei nº 9.613/98 prescreve que não se aplica ao crime de lavagem de dinheiro o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal, razão pela qual o feito não foi suspenso após a citação do réu por edital.

De outra banda, como bem salientou a Procuradoria Regional da República, o denunciado constituiu seus defensores, em 19 de outubro de 2007 e a defesa ingressou no processo, em 22 de fevereiro de 2008, como se extrai de fls.640/641.

Destarte, a constituição de defensor por meio de mandato nos autos representa o comparecimento espontâneo do réu, o que supre a falta ou eventual nulidade da citação por edital.

Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal:


"EMENTA: AÇÃO PENAL. Processo. Citação por editais. Alegação de não terem sido esgotadas as providências para localização do réu. Irrelevância. Comparecimento espontâneo deste ao processo, mediante defensor constituído no ato do interrogatório. Exercício pleno dos poderes processuais da defesa. Ausência de prejuízo. Nulidade processual inexistente. Inexistência, outrossim, de vícios de ordem diversa. HC denegado. Também no processo penal, o comparecimento espontâneo e oportuno do réu, mediante defensor constituído, supre a falta ou a nulidade de citação realizada por editais".
(RHC 87699, Rel.Min.Cesar Peluso, DJe 25.06.2009,p.00366).

Preliminares rejeitadas. Passo ao exame do mérito recursal.

2. Da materialidade e autoria delitivas. Ao contrário do alegado, restou devidamente comprovado o crime antecedente de tráfico internacional de drogas, pelo notório envolvimento do apelante na prática reiterada de tráfico.

A prova coligida aos autos demonstra que os recursos utilizados pelo denunciado para a aquisição do veículo Mitisubishi Pajero são provenientes do crime de tráfico internacional de drogas. Os elementos de cognição trazidos à baila atestam que o denunciado Carlos Ruben Sanches Garcete era o verdadeiro proprietário daquele automóvel, registrado em nome de Joana Izabel Cardoso com a fim de ocultar seu proprietário e a origem ilícita dos valores utilizados para a sua aquisição.

Cumpre destacar que após a apreensão do veículo, especificamente em 23 de março de 2001, o denunciado compareceu na Delegacia de Polícia Federal fazendo-se passar por ADRIANO LOPES BORDON, dono do veículo apreendido, negando sua verdadeira identidade. Fê-lo após a apreensão do automóvel, ciente de que Joana Izabel Cardoso, que o conhecia pelo nome de ADRIANO prestaria depoimento à autoridade policial e o indicaria como dono do veículo apreendido. Para garantir a ocultação do citado bem e tornar lícito os recursos que utilizara para a sua compra, comparecera perante a autoridade policial fazendo-se passar por ADRIANO, cidadão brasileiro, dizendo ser o proprietário do automóvel Mitsubishi Pajero e que seu patrimônio decorre de herança deixada pelo seu pai ( fls.153/155).

Não contava, contudo, com o diligente trabalho desenvolvido pela Polícia Federal que descobrira sua real identidade. O laudo pericial acostado às fls.193/197 foi conclusivo no sentido de que as impressões digitais nos documentos de ADRIANO LOPES BORDON e CARLOS RUBEN SANCHEZ GARCETE pertencem a mesma pessoa:


"Trata-se de cópias de documentos de Carteira de Identidade Civil, expedida pelo Instituto de Identificação do Mato Grosso do Sul, registro Geral 001150392, expedida em 13/08/1987, em nome de ADRIANO LOPES BORDON, e cópia da Cédula de Identidade expedida pela República del Paraguay-Polícia de La Capital- Departamento de Identificaciones, nº 1815870, prontuário 1.939604, expedida em outubro de 1985, em nome de CARLOS RUBEM SANCHEZ GARCETE:
(...) I- A impressão digital aposta na Carteira de Identidade de RG.001150392 SSP/MS, em nome de ADRIANO LOPES BORDON, e a impressão digital aposta na Carteira de Identidade emitida pela República Del Paraguay nº 1,815870 em nome de CARLOS RUBEM SANCHEZ GARCETE, apresentam a mesma classificação datiloscópica e correspondência de pontos característicos do polegar direito do padrão de ADRIANO LOPES BORDON (...).
Concluem os signatários que, de acordo com o padrão apresentado, as impressões digitais das cópias das carteiras de identidade em exame, referente aos itens I e II comparadas com o material padrão do Item III, pertencem a mesma pessoa".

Ademais, a informação cartorária de fl.152 atesta que não existe assento de nascimento em nome de ADRIANO LOPES BORDON, tratando-se, na verdade, de falsa identidade utilizada pelo réu, cidadão paraguaio, com o fito de se passar por cidadão brasileiro.

O seguro do automóvel foi efetuado em nome de ADRIANO LOPES BORDON, como se depreende de fls.93 e 96/97, sendo inquestionável que o bem lhe pertencia. A aquisição do automóvel não foi declarada às autoridades fazendárias.

Por outro lado, as vultosas quantias depositadas na conta corrente do denunciado, sem qualquer lastro, a utilização de terceira pessoa para figurar como proprietário do veículo apreendido indicam que tais valores eram provenientes do crime de tráfico.

A expressiva movimentação de depósitos bancários na conta-corrente do acusado, desprovidos de explicação quanto à sua procedência lícita, apontam que apenas em 18 ( dezoito) meses, mais precisamente nos períodos de julho de 1999 a dezembro de 1999, de janeiro de 2000 a dezembro de 2000 e janeiro de 2001, foi depositada na conta corrente do réu a cifra de R$ 289.649,87 ( duzentos e oitenta e nove mil, seiscentos e quarenta e nove reais e oitenta e sete centavos) como se verifica de fls. 334/369.

Com o início das investigações no ano de 2001, observa-se que fora depositado valor menor comparado àqueles efetuados nos anos anteriores.

A defesa sequer demonstrou que o apelante exercia atividade lícita com o fito de comprovar a origem dos vultosos valores depositados na conta bancária do acusado, bem como daqueles utilizados para a compra do veículo Mitsubishi Pajero, placas AJN 9128, ano 2000/2001, adquirido mediante pagamento à vista, em novembro de 2000, pelo valor de R$ 113.000,00 ( cento e treze mil reais).

A corré Joana Izabel Cardoso, pessoa simples que exercia o trabalho de merendeira, moradora da cidade de Coronel Sapucaia, município fronteiriço com o Paraguai, na peça indiciária (fls.112) e em Juízo ( fls.502/503) disse que automóvel não lhe pertence. Afirmou que conhecia Adriano - que, na verdade, era Carlos Rubem Sanches Garcete - há 10 anos, bem assim que ele namorava sua filha menor há 01 (um) ano. Afirmou que Adriano lhe pediu emprestado o nome, uma vez que, devido a um envolvimento amoroso com outra mulher, que se dizia grávida dele, não queria comprar o carro em seu nome.

Segundo ela, Adriano tinha um posto de gasolina em Coronel Sapucaia e uma serraria, no Paraguai.

Os depoimentos das testemunhas de defesa Sandra Aparecida da Silva (fl.625) e Jussara Portilho Araújo ( fl.627) comprovam o envolvimento da corre Joana com o apelante:

"(...) ouviu comentário sobre a apreensão do carro que estava no nome de Joana; parece que a filha de Joana teve relacionamento com a pessoa de Carlos Ruben e que este acabou pedindo para colocar o carro em nome de Joana Izabel Cardoso (...)" ( assertivas de Sandra Aparecida da Silva).
"(...) conhece Joana Cardoso assim como Carlos Ruben (...) soube através de comentários que Carlos Ruben pediu o nome emprestado de Joana para ficar como proprietária do carro (...) parece que a filha de Joana namorava Carlos Ruben" ( afirmações de Jussara Portilho Araújo).

O Delegado de Polícia Federal Severino Alexandre de Andrade Melo narrou como se deram os fatos. Relatou que a polícia investigava o envolvimento de uma pessoa denominada CARLOS RUBEN com o tráfico de entorpecentes. Disse que esta pessoa vendia madeiras de diversos tamanhos, o que possibilitava no momento do transporte que fosse acondicionada grande quantidade de maconha nos caminhões que as transportavam.

Asseverou que o dinheiro oriundo do tráfico era depositado na conta de um posto de propriedade de CARLOS que ficava na linha internacional, a qual era uma estrada de terra na fronteira entre Brasil e Paraguai. No dia dos fatos, segundo a testemunha, "(...) o depoente juntamente com outros policiais, dirigiu-se até o posto, sem se identificar como policial, mas lá não encontrou CARLOS (...) foi até o lava rápido situado nas proximidades e lá encontrou o carro (...) permaneceu por cerca de seis horas no local, mas não apareceu o proprietário do veículo que estava abandonado (...) foi feita a apreensão do carro, o qual foi levado para Naviraí (...) apurou-se que o carro havia sido faturado em nome de JOANA, a qual era companheira de CARLOS, tendo sido pago à vista e comprado de pessoa que não era representante da marca (...) apurou-se que CARLOS se utilizava de identidade brasileira falsa, muito embora fosse paraguaio (...) CARLOS foi preso depois da apreensão do veículo por uso de documento falso, tendo sido condenado, sendo que depois de solto não mais se apresentou à Justiça (...)".

Esclareceu, ainda, que ADEMIR MACHADO PRIMO foi preso em flagrante pela sua equipe transportando maconha, tendo apontado CARLOS como a pessoa que atuava 'como despachante' nas questões de transporte de madeira entre as fronteiras (fls.570/572).

O acusado, na polícia, fazendo-se passar por ADRIANO LOPES BORDON, confirmou ser o dono da "Serraria do Vila", sendo a única existente em Capitain Bado/Paraguai (fl.155).

As cópias reprográficas das declarações extrajudiciais prestadas por ADEMIR MACHADO PRIMO noutro inquérito policial atestam que fora preso em flagrante, em fevereiro de 2000, na cidade de Naviraí/MS, transportando aproximadamente duas toneladas e meia de maconha, entorpecente camuflado numa carga de madeira que saíra da serraria de propriedade do réu:

"(...) a carga de madeira apreendida nestes autos foi carregada na Serraria do Vila, em Capitain Bado, Paraguai, sendo que nesta ocasião não acompanhou o carregamento". (fl.385).

Ouvido em Juízo como informante, ADEMIR MACHADO PRIMO alegou não saber quem era o proprietário do local em que foi carregado o caminhão e que conheceu ADRIANO LOPES GORDON, cidadão paraguaio, na cadeia ( fl.613).

ADEMIR foi condenado Juízo de Direito da Comarca de Naviraí/MS pelo transporte de substância entorpecente (fls.735/739).

Aduz a defesa do denunciado, que a sentença se amparou tão-somente nas declarações do Delegado de Polícia Federal Severino Alexandre de Andrade Melo e de um informante, Ademir Machado Primo, ausente qualquer outro elemento de prova.

Inicialmente, anoto a idoneidade do depoimento do policial, porque coerente e não desmentido pelo restante da prova, sendo suficiente para embasar um decreto condenatório. A condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita, inocorrendo qualquer das hipóteses contempladas nos artigos 207 e 208 do Código de Processo Penal.

Noutro vértice, a sentença condenatória não se amparou, unicamente, nas declarações da autoridade policial e do informante Ademir. Ao revés, considerou o depoimento indiciário do acusado, as declarações da corré e toda a prova testemunhal e documental coligida aos autos.

O decisum não se encontra alicerçado em "deduções" acerca da participação do acusado na empreitada criminosa descrita na denúncia, tampouco na sentença proferida pelo Juízo de Direito da Comarca de Naviraí/MS que condenara o informante ADEMIR como alega a defesa, já que o conjunto probatório é farto ao demonstrar que o denunciado cometera o crime narrado na peça acusatória e, amparada na prova produzida, a sentença recorrida foi proferida.

Saber os motivos pelos quais o apelante não foi denunciado na ação penal instaurada contra ADEMIR MACHADO PRIMO, porquanto seria do conhecimento da autoridade policial o liame entre o informante e o acusado é questão que não interfere tampouco rechaça os elementos de prova acerca da prática delitiva produzidos neste processo.

Em decorrência da autonomia que o crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores possui com o delito antecedente, não se exige a instauração de ação penal pelo cometimento do delito anterior para que possa subsistir o delito de "lavagem" de dinheiro, bastando, para tanto, a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente, conforme o teor do §1º do artigo 2º da Lei nº 9.613/98.

Na verdade, segundo as declarações do Delegado de Polícia Federal, a autoridade policial já estava investigando o envolvimento de CARLOS RUBEN SANCHEZ GARCETE com o tráfico de entorpecentes. A investigação se iniciara a partir da prisão de ADEMIR que apontara a "Serraria da Vila", estabelecimento de CARLOS RUBEN, como sendo o local em que foi realizado o carregamento do caminhão Mercedes Benz, no qual restaram ocultas duas toneladas, quatrocentos e vinte e nove quilos e duzentos gramas de maconha.

As razões pelas quais a autoridade policial não indiciara o apelante, ao tempo da prisão de ADEMIR podem ser várias - inquérito policial instaurado mediante prisão em flagrante delito, tempo diminuto para sua conclusão, diligências a serem encetadas que demandariam prazo razoável e outras tantas que se conjectura a respeito - não desvalidam o depoimento do Delegado de Polícia Federal como elemento probante do cometimento, pelo apelante, do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/98.

Portanto, havendo dados probatórios mais do que suficientes de que os recursos auferidos pelo acusado, inclusive aqueles utilizados para a aquisição do veículo Mitisubishi Pajero, são oriundos do lucro auferido no tráfico de entorpecentes, bem assim que o apelante ocultou a origem, a natureza e a propriedade do veículo apreendido resta configurada a prática do crime de lavagem de dinheiro, descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/98.

Condenação mantida.

3. Da dosimetria. A pena-base foi acertadamente fixada acima do mínimo legal. O denunciado, de nacionalidade paraguaia, usava documentos falsos em nome de Adriano Lopes Bordon, tendo sido condenado definitivamente à pena de 03 (três) anos de reclusão pelo cometimento do crime definido no artigo 304 do Código Penal: processo nº 2001.6002.000511-0, trânsito em julgado, 19 de junho de 2001 (fl.494). Evadiu-se ao passar para o regime semi-aberto, em 13 de junho de 2001 e não retornando (fl.435).

A ousadia do apelante em se apresentar perante a autoridade policial fazendo uso de documento brasileiro espúrio não somente revela menoscabo com as autoridades policiais brasileiras e conduta social altamente reprovável, como também atesta culpabilidade intensa, já que daquele documento fizera uso para assegurar a consumação do delito que se lhe imputa.

Mantenho, ainda, a decretação da perda do automóvel apreendido que configura bem proveniente do crime antecedente ao de "lavagem de dinheiro", ou ocultação de bens, direitos ou valores, ainda que oculto em nome de terceiro, nos termos dos artigos 7º,inciso I, da Lei nº 9.613/98 e 91, inciso II, "b", do Código Penal.

As circunstâncias judiciais desfavoráveis - culpabilidade intensa, antecedentes, conduta social reprovável e deletéria para a sociedade- obstam a substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, na forma do artigo 44, inciso III, do Código Penal, bem como o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime inicial semi-aberto, conforme o disposto no artigo 33,§3º, do Código Penal.

O julgamento da apelação torna prejudicado o pleito de o acusado apelar em liberdade, até porque sequer se encontra preso.


Com tais considerações, REJEITO as preliminares argüidas e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação.

É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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