D.E. Publicado em 09/06/2011 |
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EMENTA
PENAL - QUADRILHA - ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL - RECEPTAÇÃO CONSUMADA E TENTADA - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO - OCULTAÇÃO DE ESTRANGEIROS CLANDESTINOS EM SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS - ARTIGO 125, INCISO XII, DA LEI 6.815/80 - ARTIGO 297 DO CÓDIGO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - FALSIFICAÇÃO - FORNECIMENTO DE FOTO PARA A OBTENÇÃO DE DOCUMENTO FALSO - CO-AUTORIA - RECURSO DE KAI KIU DESPROVIDO - RECURSO DE DAVID YOU SAN WANG PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA FINS DE REDUÇÃO DAS PENAS COMINADAS EM PRIMEIRO GRAU - INADMISSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DA PENA-BASE FUNDAMENTADA SOMENTE NOS MAUS ANTECEDENTES DO RÉU - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em negar provimento ao recurso de KAI KIU e dar parcial provimento ao recurso interposto pelo co-réu DAVID YOU SAN WANG, para o fim de reduzir as reprimendas a ele impostas, para 01 (um) ano de detenção, como incurso no artigo 125, XII, da Lei 6.815/80; para 01 (um) ano de reclusão e mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal, para cada um dos delitos dos artigos 180 e 280 ambos do Código Penal. E, por fim, também dar parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para condenar KAI KIU, também como incurso nas penas do artigo 298, § 1º, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal; para condenar a co-ré LIN QIAO ZHEN como incursa no artigo 297 do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, com a substituição da pena corporal por 02 (duas) penas restritivas de direitos, tal como acima explicitado; para condenar DAVID YOU SAN WANG, também como incurso nas penas do artigo 180, "caput" c.c. artigo 14, inciso II do Código Penal, a cumprir a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, e ao pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, sendo que as penas somadas, em concurso material, resultam em, para KAI KIU: 01 (um) ano de detenção, 04 (quatro) anos de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para LIN QIAO ZHEN: 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para: DAVID YOU SAN WANG 01 (um) ano de detenção, 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 34 (trinta e quatro) dias-multa, ficando mantida, quanto ao mais, a decisão de primeiro grau.
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls.1366/1392), bem como, pelos réus KAI KIU (fls.1418/1423) e DAVID YOU SAN WANG (fls.1594/1608), contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 4a Vara Criminal de São Paulo/SP, que julgou parcialmente procedente a denúncia que:
1. absolveu ZHAO MEI HUA, NANA ZOU, LIN QIAO ZHEN e DAVID YOU SAN WANG, das acusações da prática do delito previsto no artigo 304 cc. o art. 297 do Código Penal;
2. absolveu KAI KIU da prática do delito previsto no art. 289 do Código Penal;
3. absolveu DAVID YOU SAN WANG da prática do delito previsto no art. 180, caput, cc. o art. 14, II, ambos do Código Penal;
4. condenou KAI KIU a cumprir a pena de 01 ano de detenção e expulsão do país, pela prática do delito previsto no art. 125, XII da Lei 6815/80 e 01 ano de reclusão pela prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal, em concurso material, em regime aberto. A pena corporal foi substituída por penas restritivas de direitos;
5. e, por fim, condenou DAVID YOU SAN WANG a cumprir as penas de 02 anos de detenção pela prática do delito previsto no art. 125, XII da Lei 6.815/80; 02 anos e 06 meses de reclusão, mais o pagamento de 185 dias-multa pela prática do delito previsto no art. 180 do Código Penal, e, ainda, 02 anos de reclusão pela prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal, todos em concurso material, totalizando as penas de 04 anos e 06 meses de reclusão mais 185 dias-multa, e 02 anos de detenção, em regime semi-aberto, nos termos do art. 33 e § 3º do Código Penal.
Consta da denúncia e de seu posterior aditamento de fls. 13/19, que procedeu a correções e inclusões de dados secundários na denúncia de fls. 02/12, que:
A denúncia foi recebida em 19.07.2004 (fl. 247) e os réus KAI KIU, ZHOU NA NA, ZHAO MEI, LIN QIAQ ZHEN, ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena" e DAVID YOU SAN WANG, foram interrogados às fls.359/361, 362/364, 365/366, 468/469, 470/472 e fl.631, respectivamente, apresentando defesas prévias (fls.403, 478, 509, 515, 537/538).
O MM. Juiz determinou a separação e o desmembramento do processo, nos termos do artigo 80 do CPP, para que fossem processados em autos apartados os feitos relacionados aos réus soltos (ZHAO YAN WANG, GAO HUA,LIQIN LIU, CHEN JIN HUA, DOONG CHI MING e ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena"), permanecendo no pólo passivo da presente ação penal apenas os co-réus que se encontravam presos em face de prisão preventiva decretada contra eles, visando a celeridade processual, em razão do recolhimento provisório dos réus ao cárcere no aguardo de julgamento (fls. 512, 522 e 783). Desse modo, permaneceram no pólo passivo da presente ação penal apenas os seguintes réus: KAI KIU, DAVID YOU SAN WANG, LIN QIAO ZHEN, ZHAO MEI HUA E NANA ZOU.
Foram ouvidas as testemunhas de acusação (fls. 752/775) e as de defesa (fls. 913/920 e 1018/1019).
Superada a fase do art. 499 do Código de Processo Penal, na qual o MPF requereu a expedição de ofícios junto às 1ª e 4ª Varas Federais Criminais de Guarulhos a fim de que viessem aos autos cópias das principais peças do processo, constantes dos autos que tramitavam perante aquelas Varas Criminais, com a finalidade de demonstrar que o co-réu DAVID YOU SAN WANG, encontrava-se envolvido em outros fatos graves e semelhantes aos tratados nos presentes autos (fls.1022/1024), o que foi deferido pelo MM. Juiz (fl.1025). Nada foi requerido pelas defesas dos réus.
Em alegações finais, a acusação pugnou pela condenação dos réus, nos termos da denúncia (fls.1229/1239), enquanto as defesas se bateram pela absolvição (fls.1244/1245, 1251/1261, 1262/1283 e 1288/1290).
A sentença de parcial procedência da denúncia foi prolatada a fls. 1332/1352, tendo sido publicada em 31.07.2007 (fl.1.353).
A Justiça Pública, inconformada, apelou da r. sentença, quanto as absolvições dos réus ZHAO MEI HUA, NANA ZHOU, LIN QIAO ZHEN, e KAI KIU, todos absolvidos com fulcro legal no art. 386, VI, do CPP.
Sustenta o MPF em suas razões de apelo (fls.1366/1392), que:
a)- Há elementos suficientes de materialidade e indícios de autoria delitiva aptos a embasar um édito condenatório em relação as apeladas ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU.
b)- A materialidade delitiva quanto a apresentação de documento falso pode ser observada pelo nome falso e pela sua efetiva utilização por parte das apeladas. Comprova-se a materialidade delitiva pelo Relatório de Missão Policial de fls.57/58 dos autos, do qual consta que as rés, ora apeladas, ao serem abordados por policiais que realizavam mandado de busca e apreensão no apartamento onde elas se encontravam, apresentaram-se por meio de alvará de soltura, sendo verificado que, na realidade, guardavam no apartamento diligenciado seus passaportes chineses com nomes totalmente distintos.
c)- A autoria delitiva, principalmente no que tange ao dolo das apeladas supracitadas, pode ser vislumbrada pelas circunstâncias por meio das quais operou-se o flagrante, devidamente expostas no depoimento prestado pelo policial Mauro Sabatino às fls. 754/756 dos autos. É de se ressaltar que a farsa somente foi descoberta por meio da atuação policial no cumprimento do mandado de busca e apreensão, logrando-se localizar o passaporte chinês verdadeiro pertencente as rés, ora apeladas. Certa, é portanto, a vontade livre e consciente das apeladas em utilizar documento falso, fazendo-se passar por outra pessoa, pois, repita-se, a verdadeira versão dos fatos não restou revelada por uma atitude voluntária das apeladas, mas antes, pela atuação policial ao localizar o passaporte chinês verdadeiro, como consta do Relatório de Missão Policial de fls.57/58 dos autos.
d)- Requer, portanto, neste ponto, a reforma da r. sentença absolutória para condenar as rés ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU pela prática do delito previsto no artigo 304, c.c. o art. 299, ambos do Código Penal repressivo.
e)- Insurge-se a acusação, também, contra a absolvição do co-réu KAI KIU no que tange ao crime de moeda falsa (art. 289,§1º do CP). Alega que estão devidamente comprovadas a materialidade e autoria delitivas.
f)- Como já asseverado em sede de alegações finais, durante buscas efetuadas na residência do sobrinho do ora apelado, foram apreendidas em seu poder cédulas que totalizavam o montante de $400,00 (quatrocentos dólares americanos) falsos, conforme comprovado por laudo pericial de fls.384/387 dos autos, restando provada a materialidade delitiva.
g)- A autoria delitiva também restou cabalmente comprovada, conforme depoimento testemunhal do agente da Polícia Federal Mauro Sabatino, que esclareceu que as cédulas foram apreendidas dentro de uma mala, junto com o passaporte de KAI KIU (fl.754). Esta circunstância evidencia que o apelado guardava maliciosamente as notas espúrias, pois, se não fosse o caso, não as manteria em um livro no interior da mala. Ademais, para dirimir, qualquer dúvida, houve a confissão do próprio acusado em seu interrogatório judicial de fls. 359/361, onde confessou que guardava conscientemente a moeda falsa.
h)- Insurge-se o MPF, também, contra a absolvição da co-ré LIN QIAQ ZHEN quanto ao delito previsto no artigo 304, cc. o art. 297, ambos do CP. A materialidade delitiva do crime de uso de documento falso resta devidamente demonstrada nos autos, já que ao ser abordada pelos agentes da Polícia Federal, a ora apelada, identificou-se com "Yan Tak Pauu", exibindo, para tanto, passaporte britânico produto de roubo, e adulterado com a sua fotografia.
i)- A autoria delitiva, também, restou demonstrada pelas circunstâncias da abordagem e, notadamente, pelo fato de que o passaporte em questão encontrava-se adulterado com a foto da ré. Insta salientar, que mesmo não sendo possível comprovar que a apelada LIN QIAQ ZHEN tenha adulterado, com suas próprias mãos, o documento, conclui-se que contribuiu eficazmente para a contrafação, na medida em que forneceu sua fotografia para ser aposta no passaporte. E como se não bastasse a contribuição para a falsificação, embora a apelada tenha afirmado que o passaporte estava guardado no interior de uma gaveta, o depoimento testemunhal prestado pelo policial indica que a acusada exibiu o falso passaporte aos agentes da Polícia Federal, no momento da diligência de busca e apreensão realizada na residência da família do co-denunciado KAI KIU, restando evidente o dolo em sua conduta. Deve a ré, ora apelada, ser também condenada pela prática do delito previsto no art. 304, cc. o art. 297 do CP (uso de documento falso).
j)- Por fim, o MPF insurge-se, também, contra a absolvição do co-réu DAVID YOU SAN WANG, no que tange a prática do delito previsto no art. 180, caput, cc. o art. 14, II, ambos do Código Penal repressivo.
k)- É certo, que DAVID tentou receber, sem lograr êxito por circunstâncias alheias à sua vontade, documentos falsos, ciente de sua inautenticidade, visando a obtenção de vantagem econômica mediante a entrega a estrangeiros interessados na utilização destes passaportes espúrios para viagens ao exterior.
l)- Além do mais, de acordo com as circunstâncias da apreensão dos passaportes falsos no Brasil, verifica-se que era conduta habitual a recepção e negociação de tais passaportes pelo ora apelado, participando ativamente das ações da quadrilha, tendo plena consciência da falsidade dos documentos, tanto que os recebia em nome de terceiros.
m)- DAVID recebia regularmente, em sua casa, correspondência, como ele próprio admite. E pelas informações existentes nos autos, observa-se que DAVID recebia, por intermédio de tais correspondências, passaportes falsificados, tanto que o mesmo acabou sendo condenado pelo MM. Juiz singular pela prática dos delitos de receptação consumada e formação de quadrilha - sentença de fls.1332/1352.
n)- Portanto, diante das informações constantes nos autos, levados em conta, quando da prolação da sentença, é crível, supor que DAVID, enquanto integrante de quadrilha organizada que tinha por finalidade difundir onerosamente passaportes falsos, dentre outros fins ilícitos, tivesse conhecimento acerca da remessa de tais documentos dos EUA para o Brasil, sendo certo que somente não os recebeu, em virtude de circunstâncias alheias à sua vontade, devendo ser reformada a sentença absolutória, neste ponto específico, para também condenar o apelado nas penas do art. 180 CP, em sua forma tentada.
Houve oferecimento de razões de apelação por parte do réu KAI KIU (fls. 1418/1423), em que propugna pela reforma da sentença condenatória, requerendo a absolvição quanto aos crimes previstos nos artigos 125, XII, da Lei 6815/80 e art. 288 do Código Penal, alegando, em apertada síntese, os seguintes fundamentos:
a)- Como já dito em sede de alegações finais, é comum, entre pessoas de poucas posses, não só estrangeiros como nacionais, a divisão de despesas de moradia e alimentação, quando necessário. O fato de que outros chineses foram encontrados na residência do apelante, não demonstra, por si só, a existência de crime de ocultação de clandestinos.
b)- Não há de se falar também que o apelante tinha consciência de que seus patrícios estavam em situação irregular no país, até porque, não é da sua competência exigir tais documentos.
c)- Ainda, extrai-se dos autos, que não existe prova alguma de que o apelante tinha conhecimento de que os co-réus, encontrados em sua residência, estavam no aguardo do recebimento de passaportes falsos. Portanto, há de se concluir, que o apelante não cometeu nenhum crime, devendo ser absolvido pela suposta prática de crime de ocultação de estrangeiros.
d)- Requer, a defesa, também, a absolvição no que tange a prática do delito previsto no art. 288 do CP (formação de quadrilha ou bando). Inicialmente, há de se observar que não existe nos autos nenhuma prova cabal que configure a participação do apelante na associação delitiva.
e)- Não há provas, também, capazes de corroborar que o apelante KAI KIU tinha conhecimento de que os demais co-réus, que ocupavam o imóvel, no momento da abordagem policial, eram ou não clandestinos, por não ser de sua competência, pedir documentos a alguém, tendo agido de boa-fé.
f)- Ademais, as testemunhas de acusação atestaram que encontraram malas no apartamento do apelante, contudo, dizer que estavam hospedados até a chegada de supostos passaportes falsos já passa ao âmbito da suposição, não caracterizando crime de ocultação de estrangeiros e nem tampouco a existência de desígnios de tarefas a serem cumpridas.
g)- Inexiste liame entre o apelante e David, Helena, Wang Keng, sendo que quanto a este último, nunca ouvira falar, não restando provado nos autos qualquer vínculo associativo entre eles. Davi, em seu depoimento, disse apenas que conhecia KAI KIU, ora apelante, e em todas as outras respostas, disse que prestava favores à Helena.
h)- São requisitos do crime de quadrilha ou bando: estabilidade, permanência e existência de no mínimo quatro pessoas. Deve haver animo associativo prévio, agindo os participantes de modo coeso, numa conjugação de esforços, unindo suas condutas, embora haja divisão de tarefas.
KAI KIU ofertou suas contra-razões ao apelo ministerial às fls.1425/1429, bem como o MPF ofertou suas contra-razões ao apelo da defesa do réu KAI KIU, às fls. 1446/1457.
Em contra-razões ao apelo ministerial, as defesas dos co-réus DAVID YOU SAN WANG (fls. 1473/1479), NANA ZHOU (fls.1481/1483), LIN QIAO ZHEN e ZHAO MEI HUA (fls. 1546/1548), pugnaram pela manutenção da decisão absolutória, ora atacada.
Por sua vez, a defesa do co-réu DAVID YOU SAN WONG ofertou suas razões de apelação (fls.1594/1608) contra a decisão que o condenou pela prática dos delitos previstos nos artigos 288, caput, 180, em sua forma consumada, ambos do Código Penal e art. 125, inc. XII, da Lei 6368/76.
Alega, em apertada síntese, que:
a)- Não há nos autos provas suficientes aptas a embasar um decreto condenatório, não existindo provas de que o réu, ora apelado cometeu crime de receptação e crime de bando ou quadrilha, invocando, no que tange a este crime (art. 288 do CP), as razões já expendidas em sede de alegações finais, que ficariam fazendo parte integrante do seu apelo.
b)- Subsidiariamente, insurge-se contra a dosimetria da pena aplicada pelo douto magistrado, devendo ser as penas cominadas reduzidas ao seu patamar mínimo legal.
Em contra-razões ao apelo do co-réu DAVID YOU SAN WANG, a acusação pugnou pela manutenção da decisão condenatória (fls. 1611/1616).
Nesta Corte Regional, o parecer ministerial foi pelo provimento parcial do recurso interposto pela acusação e pelo desprovimento dos recursos interpostos pelos réus (fls.1618/1637).
O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.
É O RELATÓRIO.
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VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:
Inicialmente, passo à análise do recurso interposto pelo apelante KAI KIU.
O recurso interposto não merece provimento.
Ao contrário do que sustenta a defesa, as provas apresentadas em relação a esse réu são robustas e aptas a prestar suporte ao decreto condenatório que lhe foi imposto, no que tange aos delitos previstos no artigo 125,XII, da Lei 6.815/80 e artigo 288 do Código Penal.
Com efeito, a autoria e a materialidade dos delitos restaram amplamente comprovadas através do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 21/33), dos Autos de Apreensão (fls. 35,36,37/38), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 39/40, 41/43, 44/45, 46), cópias de três passaportes japoneses falsos apreendidos (fls.71/75), das informações fornecidas pela embaixada norte-americana (fls. 76,78), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 09 (nove) passaportes do Reino Unido (fls. 375/377), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 02 (dois) passaportes da República da Bolívia e (02) dois passaportes da República da Malásia e 05 (cinco) vistos de entrada norte americanos (fls. 379/382), do comunicado emitido pelo Consulado Geral do México (fl. 415) do comunicado emitido pela Embaixada da Malásia (fl. 416), do comunicado emitido pelo Consulado dos Estados Unidos da América (fls. 418/420), do comunicado emitido pelo Consulado da Inglaterra (fls. 424/425), do comunicado emitido pelo Consulado da República da Bolívia (fl. 548), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 04 (quatro) vistos mexicanos, 02 (duas) Cédulas de Identidade da República da Bolívia e 01 (um) Documento de Autorização para Estrangeiro Dirigir Veículo Automotor no Brasil (fls.816/820), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 08 (oito) passaportes chineses (fls. 824/830), e pelos diversos depoimentos prestados nos autos, tanto na fase do inquérito quanto durante a instrução processual.
As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do ora apelante e demais acusados, aliadas aos depoimentos colhidos, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante.
No auto de prisão em flagrante delito, o apelante KAI KIU confessou que abrigava chineses em sua residência e recebia de cada um deles a quantia de dez dólares por dia para abrigá-los. Confira-se:
O que se infere dos autos é que, a partir da investigação iniciada nos Estados Unidos da América, em que foram apreendidos no Estado norte-americano do Alaska correspondências contendo documentos falsos tendo como destinatários estrangeiros residentes em nosso país (São Paulo/SP e Mogi das Cruzes/SP), tendo dado início a partir dessas informações do governo americano, diligências da Polícia Federal do Brasil que culminaram com a descoberta de uma quadrilha que agia no Brasil com o intuito de introduzir ilegalmente estrangeiros chineses em nosso território, fornecendo a eles hospedagem e abrigo, e, ainda, providenciando documentos falsos para "legalizar" a situação e permanência destes estrangeiros em nosso país, sendo esta quadrilha formada pelos réus: ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena"), responsável pela introdução ilegal de estrangeiros no território nacional; DAVID YOU SAN WANG, que era a pessoa responsável pelo transporte dos estrangeiros após desembarcarem ilegalmente no país através do aeroporto internacional de Guarulhos, KAI KIU, ora apelante, que era a pessoa responsável pela ocultação desses estrangeiros irregularmente introduzidos no Brasil, e por fim, DOONG CHI MING, que era a pessoa que auxiliava na receptação de documentos falsos enviados do exterior para a quadrilha aqui no Brasil.
E, em que pese ter negado, em Juízo (fls.1055/1057), as acusações que lhe são imputadas, o apelante admitiu que conhecia ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena") e DAVID YOU SAN WANG, integrantes da quadrilha, sendo que sua confissão na fase inquisitorial aliada aos depoimentos das testemunhas de acusação, tanto no auto de prisão em flagrante, quanto em Juízo, confirmam de forma precisa e harmônica o fato de que vários chineses em situação irregular no Brasil foram encontrados no apartamento de KAI KIU, que era a pessoa que os abrigava e os ajudava em nosso país, evidenciando-se a inquestionável responsabilidade penal do apelante.
É o que se observa, por exemplo, do testemunho de um dos chineses na fase inquisitorial, depoimento este colhido no calor dos acontecimentos, logo após a prisão efetuada pelos policiais federais, conforme consta no auto de prisão em flagrante delito. Confira-se:
Depoimento do conduzido ZHAO YAN WANG:
A corroborar tal testemunho, está o depoimento em Juízo, de Mauro Sabatino (fls. 754/756), Agente de Polícia Federal, in verbis:
O depoimento de Ronaldo Leite de Castilho (fls. 761/762), Agente de Polícia Federal, também é bastante esclarecedor , in verbis:
Ressalta-se que as próprias declarações do réu KAI KIU prestadas no auto de prisão em flagrante de fls.26/27, no calor dos acontecimentos, desmentem a versão da defesa do apelante de que os seus patrícios chineses estavam residindo em seu apartamento com a finalidade de dividir despesas de moradia e alimentação, sendo certo que foram encontrados no interior de seu apartamento vários chineses aos quais hospedava e alimentava mediante paga em dólar, além de encontrados e apreendidos inúmeros documentos falsos, destacando-se passaportes estrangeiros falsos que eram usados pelos chineses que ali abrigava.
Com efeito, de acordo com os elementos de prova constantes dos autos, não há nenhuma dúvida quanto a participação do ora apelante nos delitos de introdução ilegal de estrangeiros no país e formação de quadrilha, pelos quais foi condenado.
Assim, restou amplamente demonstrada a prática do delito previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei 6815/80 e no artigo 288 do Código Penal por parte do apelante, conforme consignado pelo magistrado "a quo" às fls. 1344/1347, in verbis:
Resta, portanto, claramente demonstrada a ligação entre o apelante e os demais co-réus (formação de quadrilha), bem como entre ele e os estrangeiros que se encontravam irregularmente no país, hospedados em sua casa situada a Rua Francisco Gonçalves (introdução irregular de estrangeiros).
Assim, concluo pelo não provimento do recurso interposto por KAI KIU.
Passo agora a análise do recurso de defesa interposto pelo co-réu DAVID YOU SAN WANG que visa a absolvição pela prática dos delitos de receptação e quadrilha ou bando (artigos 180 e 288, ambos do Código Penal repressivo).
Com efeito, os elementos de prova constantes dos autos levam à certeza da participação do apelante nos delitos descritos na inicial acusatória, e pelos quais foi condenado.
Inicialmente, no que se refere ao delito de receptação, não há nenhuma dúvida sobre a responsabilidade do apelante, como bem assinalado pelo Magistrado "a quo", in verbis:
Ora, o fato de terem sido encontrados diversos passaportes japoneses e da Malásia falsificados no apartamento do ora apelante na cidade de Mogi das Cruzes/SP, cuja falsidade foi atestada por laudo pericial, afasta qualquer dúvida sobre a autoria e a materialidade do delito. Além disso, o apelante David You San Wang declarou, perante a autoridade policial, que os envelopes que recebia em sua residência, assim como o que foi apreendido pela polícia norte-americana, tinham como destino real a residência de Zhong Xiao Lei, in verbis:
Em que pese ter o réu David, quando interrogado perante o Juízo (fls.631 e verso), modificado em parte suas declarações, em nenhum momento nega ter recebido envelopes para Zhong Xiao Lei (vulgo "Helena").
Ainda a corroborar a responsabilidade penal pelo delito de receptação por parte do ora apelante, encontra-se o depoimento em Juízo da testemunha de acusação, Mauro Sabatino (fls. 754/756), Agente de Polícia Federal, in verbis:
Do mesmo modo, bastante esclarecedor é o depoimento da outra testemunha de acusação, em Juízo, Alcides Andreoni Júnior, também agente da Polícia Federal, que informou às fls.758/759 dos autos, in verbis:
"(...)O depoente compôs a equipe responsável pela diligência em Mogi das Cruzes na casa do co-réu DAVID. Na casa de DAVID foram encontrados passaportes japoneses e da Malásia tendo DAVID dito ao depoente que guardava estes passaportes a pedido de HELENA. Disse, também, que costumava receber em seu endereço passaportes que posteriormente seriam entregues a HELENA. Para este serviço receberia de HELENA algum valor em dinheiro, contudo não se recorda quanto.(...)Foram apreendidos passaportes e alguns outros documentos, tais como contas, na casa de DAVID.(...)Não se recorda de ter o co-réu DAVID dito que conhecia as pessoas cujos passaportes foram apreendidos em sua casa." (destaquei).
Assim, não restam dúvidas de que o apelante a pedido de Zhong Xiao Lei ou Helena adquiriu material produto de crime, ou seja, passaportes falsificados que lhe eram enviados pelos Correios ao seu endereço, com a plena ciência da sua natureza espúria, em diversas oportunidades, sendo que esses documentos espúrios, enviados para o seu endereço, eram posteriormente repassados por ele à Helena, verdadeira destinatária das correspondências, que, por sua vez, os entregava, mediante paga, aos estrangeiros interessados em imigrar ilegalmente.
E, do mesmo modo, restou amplamente demonstrada a prática do delito previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei 6815/80 por parte do ora apelante. Senão vejamos.
Viu-se, pelos diversos depoimentos prestados bem como pelas condições em que se deram as prisões, que os documentos falsos apreendidos na residência de DAVID, e que eram repassados para ZHONG XIAO LEI, se destinavam aos estrangeiros que se encontravam hospedados na Rua Francisco Gonçalves.
Cumpre transcrever as afirmações do policial federal Mauro Sabatino (fls. 755), quando relatou as evidências que permitiram estabelecer a ligação entre os locais onde foram efetuadas as prisões, in verbis:
Resta, portanto, claramente demonstrada a ligação existente entre DAVID, ora apelante, HELENA e os estrangeiros que se encontravam irregularmente no país, hospedados na casa situada a Rua Francisco Gonçalves.
Realce-se, ainda, as afirmações do próprio apelante DAVID YOU SAN, oferecidas perante a autoridade policial, quando confessa que recebia dinheiro de HELENA para buscar ou levar alguns chineses que desembarcavam ou embarcavam no aeroporto internacional de Guarulhos/SP, cooperando com Zhong Xiao Lei ou Helena para o trânsito dos estrangeiros irregulares mantidos no país, in verbis:
Tais declarações guardam harmonia com o conjunto probatório coligido nos autos, o que as reveste de credibilidade, conduzindo à certeza sobre a conduta delituosa de introdução irregular de estrangeiros no país praticadas pelo réu, ora apelante, DAVID, sob a supervisão e comando de Zhong Xiao Lei, que era quem coordenava e dava as ordens aos seus cúmplices.
Cumpre salientar que a condição irregular dos estrangeiros restou plenamente caracterizada, em especial quanto a ZHAO YAN WANG ou ZHAO YEN WANG ou ZHAO MEI HUA, preso na residência de Kai Kiu, juntamente com outros 08 (oito) estrangeiros (fls. 39/40), tendo ele afirmado, tanto em sede policial (fls. 29/30), como perante o Juízo (fls. 723/724), que não estava de posse de seu passaporte chinês, e que se utilizava de um passaporte japonês falsificado para justificar a sua permanência em território nacional.
Ainda consta o depoimento do chinês CHEN JIN HUA, também na condição de estrangeiro irregular no Brasil, que esclareceu em seu interrogatório prestado em Juízo, às fls. 721/722, que:
Portanto, restaram amplamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito descrito no inciso XII, do artigo 125, da Lei 6.815/80, no que se refere ao ora apelante.
É certo, ainda, que as atividades ilícitas do apelante eram exercidas por meio de uma quadrilha organizada, que se destinava a receber imigrantes ilegais em nosso país e lhes facilitar a sua permanência no território brasileiro, ou a sua entrada ilegal em outros países, como bem consignado na sentença de fls.1332/1352, in verbis:
Assim, restou demonstrado que DAVID, como já se se afirmou acima, era o responsável pela receptação dos documentos falsos e teve participação ativa no crime de facilitação e ocultação de estrangeiro ilegal no país.
Ressalta-se que DAVID menciona já ter recebido correspondências destinadas a ZHONG por diversas outras vezes (fl.32), o que denota o caráter estável da associação e reforça a atuação de coordenação e comando de ZHONG no grupo.
Desse modo, restou configurado o crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do CP) imputado a DAVID YOU SANG WANG, uma vez que ele efetivamente associou-se a outras três pessoas (ZHONG XIAO LEI ou "HELENA", KAI KIU e WANG KENG) de forma profissional e estável para o fim de cometer os crimes de ocultar estrangeiros clandestinos e irregulares no Brasil, inclusive com a prática de falsidade de documentos pelo desconhecido (Wang Keng), e receptação desses documentos falsos por este réu, ora apelante.
Com efeito, não há dúvidas de que DAVID agia dentro de uma associação estável com a atuação de, no mínimo, mais três pessoas participantes, até porque restou claro que os estrangeiros eram aliciados na China, onde seguramente agiam outros componentes da quadrilha.
Ressalte-se, ainda, o fato de que, além dos componentes da quadrilha, que vivem no Brasil e já citados na r. sentença a configurar o delito, as pessoas que remetiam as correspondências, que, como visto, eram recebidas regularmente no Brasil, evidentemente também integram a quadrilha, e mesmo que não se logre a sua identificação, tal fato não impede a configuração do crime descrito no artigo 288, do Código Penal, como já restou decidido pelo Pretório Excelso, in verbis:
A participação nos crimes, de maneira estável, de estrangeiros que vivem no exterior exsurge do fato de terem sido interceptados, pela polícia norte americana, dois passaportes com as fotos de dois cidadãos chineses que já se encontravam na residência de Kai Kiu, conforme afirmado pelo policial Marco Sabatino (fls. 755).
Ora, ou as fotos foram remetidas a Hong Kong (origem dos envelopes enviados à residência de David Hong Feng - fl. 77) pela própria quadrilha, ou já haviam sido deixadas lá pelas pessoas que desejavam obter passaportes falsos, e os estariam aguardando aqui no Brasil, sob os auspícios dos demais integrantes residentes em São Paulo.
De todo modo, a existência de uma coordenação organizada entre os componentes da quadrilha residentes em São Paulo e no exterior é fato induvidoso, pois restou claramente comprovada nos autos.
Outrossim, pelas correspondências interceptadas pelo governo norte americano, pode-se observar a participação de DAVID YOU SAN WANG e KAI KIU, que estavam incumbidos de receber os documentos falsificados e os encaminhavam para ZHONG XIAO LEI ou "HELENA", líder do grupo, além de fornecer-lhes moradia. Do mesmo modo, cumpria a estes homens executar o serviço de transporte e de intérprete para as pessoas que estavam sendo mantidas irregularmente em nosso país, ou introduzidas em países estrangeiros, também de forma irregular.
Também resta patente a participação de WANG KENG, pessoa que não foi localizada pela polícia, mas é figura constante nos depoimentos trazidos aos autos, como pessoa que auxiliava diretamente a líder do grupo ZHONG XIAO LEI, e que supostamente seria seu companheiro.
Há, portanto, numerosas provas que atestam a existência da quadrilha, formada por mais de três componentes, e a ativa participação do ora apelante DAVID em suas atividades criminosas.
A aguerrida defesa do apelante DAVID requer, por fim, alternativamente, em caso de confirmação da condenação, no que diz respeito à aplicação das penas pela prática dos delitos previstos nos artigos 125, inc. XII da Lei 6.815/80, 180, caput e 288, ambos do Código Penal, que seja a pena reduzida ao seu mínimo legal.
No que diz respeito ao quantum das penas que foram impingidas ao apelante, entendo que a decisão do Juízo "a quo" merece reparos.
Com efeito, as penas foram fixadas um pouco acima do mínimo legal, tendo o MM. Juiz "a quo" fundamentado a dosimetria que adotou nos seguintes termos (fls.1348/1350), in verbis:
Na primeira da fase da dosimetria da pena, o MM. Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, ao fundamento de que os diversos apontamentos penais por crime de estelionato constantes das folhas de antecedentes em nome do apelante configurariam maus antecedentes.
Todavia, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes exige-se a confirmação da condenação por seu trânsito em julgado.
Neste sentido os seguintes julgados do STJ:
Ora, viu-se que o Juiz prolator da sentença, claramente, fundamentou o aumento das penas-bases dos crimes de introdução ilegal de estrangeiros, receptação e formação de quadrilha no fato do réu ser portador de maus antecedentes. E o fato de o réu estar respondendo a outros inquéritos e/ou processos criminais não implica na possibilidade de majoração da pena-base, sob pena de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Assim sendo, passo a redimensionar a pena-base aplicada em primeiro grau.
Atendendo às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que o réu DAVID YOU SAN WANG é primário e, apesar de possuir antecedentes criminais, inclusive condenação criminal ainda não transitada em julgado, como consignado, não se pode levar em conta para exasperação da pena-base, já que a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes, exige-se a confirmação da condenação e seu trânsito em julgado. É certo que este réu agiu com culpabilidade exacerbada, como se verá adiante. Todavia, o Juiz "a quo", em relação aos delitos pelos quais o condenou, não a levou em conta. Assim, para não haver "reformatio in pejus", entendo que não se pode considerar tal circunstância quanto a esses crimes. Desse modo, fixo a pena-base em 1 (um) ano de detenção pela prática do delito previsto no artigo 125,XII da Lei 6815/80. Pela prática do delito previsto no art. 180 do Código Penal, fixo a pena-base em 01(um) ano de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. Pela prática do delito previsto no artigo 288 do Código Penal fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, ambos arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
Também, não estão presentes agravantes ou atenuantes ou causas de aumento ou diminuição das penas. Portanto, torno definitiva a pena de 01 ano de detenção por infringência ao artigo 125, XII da Lei 6.815/80, mantendo a parte da sentença que alude ao não cabimento da pena de expulsão prevista no mesmo artigo, pelo fato do réu ter se naturalizado brasileiro em data bem anterior aos fatos narrados na peça acusatória. Torno definitivas, também, as penas de 01 ano de reclusão para cada um dos delitos, por infringência aos artigos 180 e 280, ambos do Código Penal, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa para cada um dos crimes, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, em concurso material.
Por ter havido modificação na pena imposta em primeiro grau, o fenômeno prescricional será analisado ao final, após apreciação do recurso da acusação, que visa a condenação do co-réu DAVID, também às penas do artigo 180 do Código Penal, em sua forma tentada, além do artigo 304 c.c. artigo 297 do Código Penal.
Passo agora a análise do recurso interposto pelo MPF, que visa a condenação dos réus ZHAO MEI HUA, NANA ZHOU, LIN QIAQ ZHEN, KAI KIU e DAVID YOU SAN WANG.
E quanto ao recurso do Ministério Público Federal, verifico que merece parcial provimento.
Inicialmente analiso o recurso ministerial em face da absolvição de Zhao Mei Hua, Nana Zhou e Lin Qiaq Zhen, no que tange ao uso de documento falso.
E começo destacando o seguinte trecho da r. sentença, no tocante à absolvição dos réus Lin Qiao Zhen, Zhao Mei Hua e Nana Zhou:
Com efeito, não há, nos autos, prova segura de que as rés ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU se utilizaram de documento falsificado.
Em que pese não restar dúvidas quanto a materialidade delitiva, havendo comprovação da falsidade ideológica dos alvarás de soltura apreendidos em poder das rés, conforme demonstra Relatório de Missão Policial de fls. 57/58, não há prova segura e indubitável de que as rés Zhao Mei Hua e Nana Zhou utilizaram o documento falso para se identificarem perante os agentes da Polícia Federal, uma vez que os depoimentos dos policiais federais MAURO SABATINO (fls.754/756) e RONALDO LEITE DE CASTILHO (fls.761/762) encontram-se controversos e imprecisos no que tange à maneira como as rés, ora apeladas, foram abordadas e se identificaram perante os policiais no momento do flagrante no interior do apartamento em que se encontravam.
Inicialmente, confira-se o interrogatório da apelada ZHOU NA NA, constante de fls. 362/364, em que admite que entregou o alvará de soltura ao policial no momento de sua abordagem, porém, não espontaneamente, mas sim a pedido dele, sendo que, no entanto, identificou-se com o seu nome verdadeiro, ou seja, Zhou Na Na, e não com o nome constante do falso alvará de soltura. Destaco os seguintes trechos de seu interrogatório perante a autoridade judiciária:
Já a co-apelada ZHAO MEI HUA, em seu interrogatório prestado em Juízo (fls.365/366), afirmou que a co-apelada Zhou Na Na efetivamente entregou seu alvará de soltura aos policiais, mas que ela, ao contrário, não utilizou o alvará de soltura para se identificar, tendo sido encontrado pelos policiais no meio de seus objetos pessoais:
A acusação quanto ao crime de uso de documento falso em relação às rés Zhao Mei Hua e Zhou Na Na, baseia-se no depoimento de uma única testemunha, o agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino, que em Juízo, às fls. 754/757, afirmou que:
No entanto tal versão se acha insulada nos autos, pois destoa do depoimento prestado pelo seu colega de trabalho, que, juntamente com ele, participou ativamente da diligência policial, realizada no apartamento pertencente a família de Kai Kiu, localizado na rua Francisco Gonçalves, onde se encontravam hospedadas as chinesas, ora apeladas, acompanhada de vários outros patrícios. Confira-se o depoimento, do também agente da Polícia Federal, Ronaldo Leite de Castilho, em Juízo, às fls. 761/763, dos autos, in verbis:
E como bem colocado pelo douto Juiz, no bojo de sua sentença, a fl. 1340:
Vê-se, pois, que, ainda pesa a favor das rés, ora apeladas, a acentuada diferença entre a língua falada por elas e a nossa, o que pode ter dificultado a abordagem dos policiais no trabalho de identificação e a compreensão das apeladas no momento em que exibiram os alvarás de solturas com nomes divergentes do constante em seus passaportes apreendidos, fato é que o depoimento prestado pelo policial federal Mauro Sabatino, em que relata que, no momento em que foram abordadas e se identificaram a ele, na qualidade de agente policial, as apeladas exibiram alvarás de soltura com nomes divergentes dos que constavam em seus passaportes (uso de documento falso), na verdade, não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório nos autos, não havendo prova segura e extreme de dúvidas quanto ao uso de documento falso.
Não há, portanto, como alcançar o nível de certeza necessário para o decreto condenatório, uma vez que a única prova de que as apeladas utilizaram documentos falsos para identificar-se perante os policiais, seria o depoimento do policial que efetuou suas prisões em flagrante (Mauro Sabatino), mas que foi contrariado pelo outro policial também presente no momento do flagrante (Ronaldo Leite).
Cumpre ao magistrado analisar, de forma imparcial, todos os elementos de prova constantes dos autos e, in casu, não há um conjunto probatório coeso e isento de contradições que permita decretar a condenação de Zhao Mei Hua e Zou Na Na, pelo delito de uso de documento falso, devendo ser mantida a absolvição de ambas.
Já no que tange a co-apelada LIN QIAO ZHEN, discordo da r. decisão absolutória, devendo, portanto, a sentença de primeiro grau ser reformada, pois entendo que ela deve ser condenada pela prática do delito descrito no artigo 297, do Código Penal, uma vez que, se de fato não chegou a utilizar, participou, efetivamente, da falsificação do documento apreendido, e esta imputação está descrita na denúncia.
A materialidade delitiva restou comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão dos passaportes falsificados de fls.39/40, pelo Relatório de Missão Policial de fls.57/58, onde ficou consignado que: "(...)Resta informar que no apto. 112 da Rua Francisco Gonçalves de Andrade Machado, 120, locado por Lin Kuei, pudemos também encontrar os seguintes estrangeiros: (...)d)- Qiaozhen Lin que portava seu passaporte chinês e também um britânico com o nome de Yan Tak Paau."
A autoria delitiva também restou demonstrada, pois, ao ser abordada pelos agentes federais quando da realização da diligência no apartamento supramencionada, onde estava hospedada com os demais patrícios, a co-apelada Lin Qiao Zhen identificou-se com o nome de "Yan Tak Paau", exibindo para tanto, um passaporte britânico verdadeiro, em nome do titular acima mencionado, porém, adulterado com sua fotografia, conforme informações do Consulado Britânico em Hong Kong, que informou que o passaporte e o nome de seu portador -"Yan Tak Paau", conferem com os dados constantes em seus arquivos no computador, esclarecendo que este passaporte exibido pela ré, ora co-apelada, foi um dos passaportes que foram roubados durante o envio pelo correio aos seus titulares (fls.424/425).
A apelada Lin Qiao Zhen tenta se exculpar da acusação de uso de documento falso, alegando em seu interrogatório, perante o Juízo (fls.468/469), que levou o passaporte falso para casa e o guardou em uma gaveta, sendo ele posteriormente achado pelos policiais, não tendo em nenhum momento exibido o passaporte aos policiais, e que nunca tentou viajar para o exterior usando esse passaporte falso. É certo, no entanto, que adquiriu o passaporte falso para utilizá-lo, não sendo crível que, tendo pago pelo passaporte que sabia ser falso, conforme ela mesma confessou, iria simplesmente adquiri-lo para deixar guardado indefinidamente em uma gaveta. Por outro lado, se de fato não tivesse utilizado o passaporte britânico roubado e comprado por ela, a sua participação na falsificação do passaporte restou demonstrada, uma vez que se o documento não foi adulterado de seu próprio punho, forneceu sua foto a outrem para que fosse usada na feitura do documento espúrio, evidenciando-se a sua inquestionável responsabilidade penal.
Com efeito, Lin Qiao admitiu em seu interrogatório (fls. 468/469) que:
E, concordo com o douto Juiz, quando afirma no bojo de sua decisão que:
De fato a principal testemunha de acusação, Mauro Sabatino, agente da Polícia Federal, quando de seu depoimento em Juízo (fl.754/756), também não especifica se a co-apelada Lin Qiao, no momento da diligência policial realizada no apartamento pertencente a família de Kai Kiu, exibiu aos policias o falso passaporte, tendo em vista, que no momento da abordagem policial, estavam presentes no interior do apartamento vários patrícios da co-apelada, cerca de 20 chineses, não podendo condená-la por uso de documento falso baseado apenas no depoimento testemunhal prestado por Mauro Sabatino que "indica" que a acusada apresentou aos policias, no momento da abordagem, o documento falso.
E, do mesmo modo como ocorreu com as apeladas Zhao Mei Hua e Zhou Na Na, está a socorrer a apelada Lin Qiao, a versão contraditória do colega de equipe de Mauro Sabatino, o também policial federal Ronaldo Leite, testemunha que integrou o auto de flagrante, e que em Juízo (fls.761/762) veio afirmar que:
Todavia, como já dito acima, restou demonstrada a participação dessa acusada na falsificação do passaporte britânico em nome de "Yan Tak Pauu", uma vez que ela forneceu sua foto para que o documento originariamente verdadeiro lhe fosse posteriormente entregue com a adulteração, auxiliando em sua confecção, como constou na denúncia (fl.07).
Com efeito, do mesmo modo que a co-apelada Lin Qiao, seus patrícios Gao Hua (fls.725/726) e Liu Liqin (fls.727/728), admitiram em seus interrogatórios que entregaram fotos à Wang Keng, que foram usadas para a feitura dos documentos falsos apreendidos. Confira-se, in verbis:
Interrogatório de GAO HUA:
Interrogatório de LIU LIQIN:
Tais declarações devem ser analisadas em conjunto com os seguintes fatos comprovados nos autos: a ora co-apelada Lin Qiao, juntamente com Gao Hua e Liu Liqin foram presos na residência de Kai Kiu, juntamente com vários estrangeiros que se encontravam sob os cuidados da quadrilha especializada em manter estrangeiros ilegalmente no Brasil e em providenciar documentação falsa para a sua entrada ou permanência em outros países; e ainda: foram apreendidos pela polícia americana dois passaportes japoneses com suas fotos, além de outros dois passaportes britânicos, também já com suas fotos afixadas, apreendidos pela polícia brasileira na residência de Zhong Xiao Lei.
Não restam dúvidas, portanto, que a co-apelada LIN QIAO, juntamente com GAO HUA e LIQIN LIU forneceram suas fotos com o fim de obter passaportes falsos de outras nacionalidades com o objetivo final de ingressar, muito provavelmente, em território norte americano.
E é de se ressaltar que, ao fornecer a fotografia para a confecção do documento falso, como restou descrito na denúncia, a co-apelada praticou o delito descrito no artigo 297, do Código Penal, em co-autoria, como já restou decidido pelos nossos Tribunais, "in verbis":
Deverá, portanto, a sentença de primeiro grau ser reformada para que seja decretada a condenação da co-apelada LIN QIAO ZHEN, pelo delito descrito no artigo 297, do Código Penal.
No tocante ao crime de moeda falsa praticado por KAI KIU, verifico que neste ponto, também merece provimento o recurso da acusação.
Inicialmente, transcrevo o trecho da sentença que absolveu o ora apelado KAI KIU, no que toca ao crime de moeda falsa. A decisão absolutória foi vazada sob os seguintes fundamentos:
Observo que a materialidade do delito restou seguramente comprovada, por meio de laudo documentoscópico de fls. 384/387, que concluiu pela falsidade das quatro cédulas de $100 dólares apreendidas em poder de Kai Kiu, e que a contrafação era de boa qualidade, com qualidade suficiente para serem confundidas com cédulas autênticas, tendo, portanto, aptidão para enganar número indeterminado de pessoas.
A autoria, por sua vez, também é certa, não havendo dúvidas, pelas provas coligidas, que as quatro cédulas falsas foram encontradas na posse do apelado, durante cumprimento do mandado de busca e apreensão em seu apartamento. Com efeito, o próprio apelado admitiu, tanto quando ouvido na fase extrajudicial (fl. 27), como em seu interrogatório judicial (fl. 1056), que as quatro cédulas de cem dólares, encontradas em seus pertences, realmente eram suas, não negando nem mesmo a ciência da sua falsidade. A confissão do apelado restou confirmada pela prova testemunhal (fls. 754/756) e documental (auto de exibição e apreensão - fls. 139/40 e laudo documentoscópico - 384/387).
Perante a douta autoridade policial, no auto de prisão em flagrante delito, o ora apelado confessou que:
A confissão fornecida na fase inquisitorial foi corroborada pelo ora apelado em seu interrogatório judicial, ao qual transcrevo, in verbis:
Já a testemunha de acusação, o agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino, esclareceu que:
Assim, a análise dos interrogatórios coligidos tanto na fase inquisitiva como judicial, acima transcritos, não deixa dúvidas de que o apelado não só guardava as cédulas falsas de dólares, mas também tinha plena consciência da inautenticidade das notas, agindo com o dolo reclamado pelo tipo penal estampado no art. 289, § 1º do Código Penal.
A versão fornecida pelo apelado, em seu interrogatório judicial (fls. 1055/1057), para justificar a posse das cédulas de cem dólares - de que as obteve quando um amigo trocou em sua loja com sua mulher pelo câmbio do dia e que, após perceber que as notas eram falsas, avisou seu amigo, que só conhece pelo sobrenome DONG, tendo ele se comprometido em trocá-las, asseverando, porém, que já não via DONG há algum tempo, tendo guardado as notas falsas por anos e já havia até mesmo desistido de ver restituído o valor dado ao amigo - encontra-se absolutamente isolada no quadro probatório, não produzindo o apelado prova alguma de que efetivamente tenha negociado com tal amigo e recebido, em troca, as cédulas de cem dólares pela cotação do dia, nem mesmo tendo declinado o nome do suposto amigo que teria lhe repassado as notas falsas, ou ao menos descrito as suas características físicas para que pudesse ser identificado, não se afigurando plausível a sua versão para justificar a posse do dinheiro espúrio.
A não comprovação da origem das cédulas falsas enfraquece a tese de inocência do acusado, conforme vem decidindo o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Diante desse contexto, não deve ser prestigiada a conclusão do Juízo de primeiro grau, no sentido de que o co-réu, ora apelado efetivamente não agiu com o dolo exigido pelo tipo penal estampada no art. 289, § 1º do Código Penal.
Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de KAI KIU nas penas previstas no artigo 289, § 1º do Código Penal.
Cumpre, por fim, analisar a apelação do Ministério Público Federal em relação a DAVID YOU SAN WANG.
Foram interceptadas em Miami, pela polícia norte-americana (fls. 37/38, 50/51 e 76), correspondências oriundas da China e de Hong Kong, com destino à Av. Maestro João Batista Julião, 280, Bairro Vila Oliveira - Mogi das Cruzes, tendo como destinatário "Mr. DAVI HONG FENG", e havia 2 pacotes com o mesmo nome e endereço do destinatário e o número de telefone (11) 9609-1888. No interior do primeiro envelope foram encontrados 04 (quatro) passaportes japoneses de números TF4389057, em nome de KOTARO NISHIHARA, TF8720218, em nome de MIN DONG, TE5881558, em nome de MIN DONG, TF3806472, em nome de CHISIU DAVID CHAN; 02 passaportes britânicos de números 613045524, em nome de TSZ CHING LAU, e 613049165, em nome de HO YIN LAU. O segundo envelope continha, em seu interior, 05 vistos americanos sendo: 20030354720152, em nome de HO YIN LAU, 2003.0354.720.102, em nome de YAN ZHENG SHI, 2003.0354.720.101, em nome de XIU YU BIAN, 2003.0354.720.176, em nome de MU XIAN CHEN e 2003.0354.720.153, em nome de TSZ CHING LAU, todos falsificados, conforme laudos de fls. 379/382 821/830.
A ligação entre DAVID YOU SAN WANG e a co-ré ZHONG XIAO LEI (líder da quadrilha especializada em falsificar documentos, tais como passaportes e vistos de entrada, e fornecê-los para estrangeiros que desejam permanecer no Brasil de forma irregular, ou possibilitar a sua entrada em outros países) foi constatada quando os policiais, cumprindo mandado de busca e apreensão na residência do ora apelado, encontraram passaportes da Malásia e do Japão em seu poder, e tendo indagado o réu a respeito de tais documentos ele respondeu que os recebeu e guardava em nome de "HELENA" (fls.57/58 - Relatório de Missão Policial e fl. 59 - Informação).
Portanto, o próprio apelado confirmou que recebia com frequência correspondências que na realidade pertenciam à "Helena", cujo conteúdo eram passaportes falsificados, restando provado nos autos que o apelado era o destinatário das correspondências contendo os documentos inautênticos apreendidos pelas autoridades norte-americanas, bem como restou claro que ele tinha plena consciência do conteúdo ilícito dos mesmos.
Esclarecedor foi o depoimento do agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino (fls.754/756), prestado em sede judicial, que participou da diligência de busca e apreensão realizada nos diversos locais informados pelas autoridades dos EUA, para onde seriam enviadas as correspondências contendo documentos falsos e que foram interceptados e apreendidos pela polícia norte-americana:
Também a evidenciar a inquestionável responsabilidade do réu, ora apelado, pelo crime de receptação em sua forma tentada, encontra-se o depoimento em Juízo da testemunha de acusação, Alcides Andreoni Júnior (fls.758/760), que fez parte da equipe que cumpriu mandado de busca e apreensão realizada em Mogi das Cruzes, na residência do ora apelado, afirmando naquela oportunidade que:
Assim, ficou comprovado que as correspondências interceptadas pelo governo norte americano tinham como um dos destinatários a residência de David You San Wang em Mogi das Cruzes/SP, pessoa que, da mesma forma que outros membros da quadrilha, estava incumbido de receber os documentos falsificados e os encaminhava para a co-ré, "Helena", destinatária final, que após receber os passaportes e vistos provenientes do exterior, os juntava e os entregava, mediante paga, aos estrangeiros interessados em imigrar ilegalmente, tendo sido encontrados pelos policiais federais na residência do ora apelado, aqui no Brasil, diversos passaportes falsos, e as correspondências contendo passaportes falsificados, que foram interceptadas pela polícia norte-americana, já haviam sido remetidas via correio ao seu destinatário, ou seja, ao réu, ora apelado DAVID, só não se concretizando o recebimento da malfadada encomenda com conteúdo ilícito por circunstâncias alheias à vontade do agente.
É certo que o apelado, em momento algum, admitiu a responsabilidade pelo delito, seja em sede policial, seja perante a autoridade judicial. Todavia, há evidências nos autos de seu envolvimento com a co-ré Zhong Xiao Lei, pelo fato de residir no endereço constante das correspondências apreendidas.
Vê-se, pois, que, após um exame mais apurado das provas produzidas nos autos, não persiste qualquer dúvida de que o apelado era o verdadeiro destinatário dos documentos espúrios interceptados pela polícia norte-americana, e este dado é suficiente para ligar David You Sang às atividades criminosas descritas na inicial, o que inviabiliza a absolvição do apelado.
Como bem assinalado pela Ilustre Procuradora Regional da República, em suas razões de apelo às fls. 1385/1387, in verbis:
Vê-se, pois, que, após análise das provas produzidas nos autos, não persiste qualquer dúvida sobre o verdadeiro destinatário da correspondência apreendida, assim como da participação de DAVID na quadrilha que fornecia documentação falsa para os estrangeiros ilegais mantidos no Brasil, motivo pelo qual deverá ser reformada a decisão de primeiro grau, decretando-se a sua condenação por crime de receptação em sua forma tentada, como acima já se aludiu.
Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de DAVID YOU SAN WANG nas penas previstas nos artigos 180, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal.
No que diz respeito ao delito previsto no artigo 304, c.c. artigo 297 do Código Penal, pelo qual o réu DAVID acabou sendo absolvido, é de se acolher o parecer ministerial, no sentido de se manter a absolvição, como segue: " Entretanto, ao requerer, o Ministério Público Federal, nos pedidos de apelação (fls. 1391/1392) a condenação de David como incurso também no artigo 304 c/c 297 do Código Penal, deve ter se equivocado, vez que, em alegações finais o órgão ministerial já havia reconhecido a ausência de provas pata tanto, decidindo neste sentido o d. Magistrado "a quo". (fl. 1631)
Assim, levando em conta que o recurso ministerial foi parcialmente provido em relação aos apelados KAI KIU, LIN QIAO ZHEN e DAVID YOU SAN WANG, cumpre realizar a dosimetria das penas a serem impostas a esses réus.
E, inicialmente, passo a dosar a pena do apelado KAI KIU, que foi ora condenado como incurso no artigo 289, § 1º do Código Penal.
Atenta às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que o apelado não possui antecedentes criminais a justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Também, a personalidade do agente, sua conduta social e as circunstâncias do cometimento do crime estão a lhe favorecer. Desse modo, fixo em 3 (três) anos de reclusão em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
Também, não estão presentes agravantes ou atenuantes ou qualquer causa de aumento ou diminuição da pena. Portanto, torno definitiva a pena de 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Levando em conta que este réu também foi condenado por outros delitos, em primeiro grau, e suas penas corporais foram reduzidas neste julgado para 01 ano de detenção e 01 ano de reclusão, entendo que o regime inicial de cumprimento da pena corporal deverá ser o semi-aberto, a teor do artigo 33, parágrafo 2ª, alínea "b" do Código Penal. Não é possível a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, vez que sua somatória supera quatro anos (artigo 44 do Código Penal).
Passo a realizar a dosimetria da pena quanto à apelada LIN QIAO ZHEN, pela condenação quanto ao disposto no artigo 297 do Código Penal.
Lin Qiao não possui antecedentes criminais e as demais circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal estão a lhe favorecer, motivo pelo qual a pena base deverá ser fixada em seu mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, por não haver nos autos, prova a respeito de sua capacidade econômica. Ausentes outras circunstâncias modificativas, torno tais penas definitivas. Presentes os pressupostos previstos no artigo 44, incisos I e III do Código Penal, substituo a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade em igual prazo, a ser especificada pelo Juízo das Execuções Criminais, além da doação de duas cestas básicas ao mês, pelo mesmo prazo, que reverterá à instituição beneficente indicada pelo Juízo das Execuções Criminais.
E, por fim, passo a realizar a dosimetria da pena quanto ao apelado DAVID YOU SAN WANG, pela condenação quanto ao disposto no artigo 180, caput, combinado com o artigo 14, II, ambos do Código Penal repressivo.
Para o delito previsto no artigo 180, do Código Penal, atenta as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, observo que DAVID, apesar de ser tecnicamente primário, possui maus antecedentes, mas, conforme consignado acima, na apreciação do recurso de defesa do mesmo réu, ora apelado, não se pode levá-los em conta para exasperação da pena-base, já que a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes, exige-se a confirmação da condenação e seu trânsito em julgado. Por outro lado, aqui é possível examinar as outras circunstâncias judiciais, considerando que se trata de recurso da acusação. E anoto que a culpabilidade desse acusado restou demonstrada acima da normalidade. É que esse réu, assim como os co-réus Doong Chi Ming e Zhong Xiao Lei (ambos processados e condenados no processo que foi desmembrado - autos nº 2004.61.81.03967-4), recebia documentos falsos por meio de correspondências vindas do exterior e auxiliava Zhong Xiao Lei ou "Helena", que era quem chefiava a quadrilha, na obtenção dos documentos espúrios, oferecendo o seu endereço como destinatário das correspondências com passaportes falsos enviados do exterior por seus cúmplices estrangeiros, tendo papel importante na organização criminosa internacional, que se mostrou sofisticada, tendo em vista a forma como esses documentos lhe eram endereçados do exterior, para serem por ele entregues a ré Zhong Xiao Lei (Helena). Demonstrou, com isso, ter personalidade voltada para a prática de delitos, com a facilidade de dominar os idiomas português e chinês (inclusive, naturalizou-se brasileiro), sendo de grande valia a sua cooperação na organização criminosa, principalmente para os agentes estrangeiros que desconheciam o idioma português. As consequências dos delitos que praticou são extensas (participação na receptação dos documentos espúrios em sua forma consumada e tentada, formação de quadrilha e introdução ilegal de estrangeiros), tendo em vista o grande número de pessoas e documentos falsos envolvidos, a demonstrar o grande prejuízo causado à fé pública e à sociedade em geral, quando aderiu a organização criminosa liderada pela co-ré Zhong Xiao Lei, visando propiciar a entrada e a permanência de estrangeiros em situação irregular no território brasileiro.
Diante desses argumentos, fixo a pena base para o delito previsto no artigo 180 do Código Penal um pouco acima do mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão além de 21 (vinte e um) dias-multa, a qual diminuo em 1/3 (um terço), a teor do artigo 14, inciso II do Código, do que resulta em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Não havendo outras causas de aumento ou diminuição das penas, torno-as definitivas.
Levando em conta que este réu também foi condenado por outros delitos, em primeiro grau, e suas penas corporais foram reduzidas neste julgado para 01 ano de detenção e 02 anos de reclusão, entendo que o regime inicial de cumprimento da pena corporal deverá ser o semi-aberto, a teor do artigo 33, parágrafo 2ª, alínea "b" do Código Penal. Não é possível a conversão da pena corporal por restritivas de direitos, vez que sua somatória supera quatro anos (artigo 44 do Código Penal).
Cumpre consignar que a Polícia Federal deverá ser notificada, para que sejam tomadas as devidas providências no que se refere a expulsão de KAI KIU, após o cumprimento da pena em território brasileiro.
Por fim, diante das novas penas ora cominadas aos acusados, resta a análise do fenômeno prescricional.
E, levando em conta a pena em concreto, ora fixada, no que tange ao crime de moeda falsa (artigo 298, § 1º, do Código Penal) em relação ao apelado KAI KIU, verifico que a pena fixada, de 03 (três) anos, prescreve em 08 (oito) anos, a teor do artigo 109, inciso IV do Código Penal. Note-se que a decisão de condenação interrompeu o lapso prescricional também para o réu KAI KIU, devendo incidir o contido no artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal. Assim, não ocorreu a prescrição, porque não restou ultrapassado o prazo de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (07/06/2004 - auto de prisão em flagrante delito de fls. 21/34) e a data do recebimento da denúncia (19/7/2004), bem como desta última data até a publicação da sentença (31/7/2007), permanecendo intacto o direito de punir do Estado.
No que tange ao crime de falsificação de documento (artigo 304, c.c. 297 do Código Penal) a co-ré, ora apelada, LIN QIAO ZHEN foi agora condenada a pena de 02 (dois) anos de reclusão, que prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou superado entre a data dos fatos (7/6/2004) e a do recebimento da denúncia (19/7/2004 - fl.247), e nem mesmo desta data até a publicação da sentença que condenou os réus KAI KIU e DAVID (31/7/2007) até porque, nos delitos conexos que sejam objeto do mesmo processo, a interrupção da prescrição relativa a qualquer deles estende-se aos demais (artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal).
E, por fim, no que tange aos crimes de introdução ilegal de estrangeiros (artigo 125, XII da Lei 6.815/80), receptação consumada (artigo 180 do CP), formação de quadrilha ou bando (artigo 280 do CP) e receptação tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), pelos quais foi condenado o co-réu DAVID YOU SANG WANG, verifico que, por conta de seu apelo, foram diminuídas as penas que lhe foram cominadas por infringência aos artigos 125, XII da Lei 6.815/80 e artigos 180 e 280, ambos do CP, como acima consignado, restando todas essas penas fixadas em 01 (um) ano de detenção (para o delito previsto na Lei 6.815/80), e 01 (um) ano de reclusão para cada um dos demais, sendo que todos prescrevem em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado entre a data dos fatos (7/06/2004 - auto de prisão em flagrante delito de fls.21/34) e a data do recebimento da denúncia (19/07/2004), bem como desta última data até a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353).
Já, no que tange ao crime de receptação em sua modalidade tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), o co-réu DAVID veio a ser agora condenado a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, pena essa que também prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado como exposto acima, mesmo levando-se em conta a absolvição em primeiro grau relativa a este crime, que normalmente não interromperia o lapso prescricional. Acontece que a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353) imposta ao co-réu KAI KIU deve ser compreendida como marco de interrupção da prescrição em relação também ao ora apelado DAVID, como determina o artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal, já que este se associou àquele e aos demais réus, formando uma organização criminosa, sob a liderança de Zhong Xiao Lei ou "Helena" para o cometimento do crime de receptação e demais crimes conexos que são objeto deste mesmo processo, havendo um liame entre os diversos crimes cometidos - formação de quadrilha ou bando, falsificação e uso de documentos falsos, receptação e introdução ilegal de estrangeiros no país - inteligência do legislador pátrio.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de KAI KIU e dou parcial provimento ao recurso interposto pelo co-réu DAVID YOU SAN WANG, para o fim de reduzir as reprimendas a ele impostas, para 01 (um) ano de detenção, como incurso no artigo 125, XII, da Lei 6.815/80; para 01 (um) ano de reclusão e mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal, para cada um dos delitos dos artigos 180 e 280 ambos do Código Penal.
Por fim, também dou parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para condenar KAI KIU, também como incurso nas penas do artigo 298, § 1º, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal; para condenar a co-ré LIN QIAO ZHEN como incursa no artigo 297 do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, com a substituição da pena corporal por 02 (duas) penas restritivas de direitos, tal como acima explicitado; para condenar DAVID YOU SAN WANG, também como incurso nas penas do artigo 180, "caput" c.c. artigo 14, inciso II do Código Penal, a cumprir a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, e ao pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, sendo que as penas somadas, em concurso material, resultam em, para KAI KIU: 01 (um) ano de detenção, 04 (quatro) anos de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para LIN QIAO ZHEN: 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para: DAVID YOU SAN WANG 01 (um) ano de detenção, 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 34 (trinta e quatro) dias-multa, ficando mantida, quanto ao mais, a decisão de primeiro grau.
É COMO VOTO.
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