Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/06/2011
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004460-19.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.004460-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : KAI KIU
ADVOGADO : MARCELO LEE HAN SHENG e outro
APELANTE : DAVID YOU SAN WANG
ADVOGADO : PAULO ROBERTO DA SILVA PASSOS e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : ZHAO MEI HUA
ADVOGADO : BEATRIZ ELISABETH CUNHA (Int.Pessoal)
CODINOME : WU HUI MEU
: NG WAI MEI
: MEI HUA ZHAO
APELADO : ZHOU LA LA
ADVOGADO : ANA CAROLINA ALVARES DOS SANTOS
CODINOME : NANA ZOU
: LAW LAI CHING
: ZHOU NANA
APELADO : LIN QIAO ZHEN
ADVOGADO : BEATRIZ ELISABETH CUNHA (Int.Pessoal)
CODINOME : HONGFA SUN
: YAN TAK PAAU
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : LIN PO MEI
CODINOME : CHEN JYN HUA
EXCLUIDO : DOONG CHI MING
: ZHONG XIAO LEI
: HUA GAO
CODINOME : GAO HUA
EXCLUIDO : LIQIN LIU
: ZHAO YAN WANG
CODINOME : KISU YOKUSU

EMENTA

PENAL - QUADRILHA - ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL - RECEPTAÇÃO CONSUMADA E TENTADA - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO - OCULTAÇÃO DE ESTRANGEIROS CLANDESTINOS EM SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS - ARTIGO 125, INCISO XII, DA LEI 6.815/80 - ARTIGO 297 DO CÓDIGO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - FALSIFICAÇÃO - FORNECIMENTO DE FOTO PARA A OBTENÇÃO DE DOCUMENTO FALSO - CO-AUTORIA - RECURSO DE KAI KIU DESPROVIDO - RECURSO DE DAVID YOU SAN WANG PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA FINS DE REDUÇÃO DAS PENAS COMINADAS EM PRIMEIRO GRAU - INADMISSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DA PENA-BASE FUNDAMENTADA SOMENTE NOS MAUS ANTECEDENTES DO RÉU - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. No que concerne ao recurso do acusado KAI KIU, observo que a autoria e a materialidade dos delitos pelos quais foi condenado em primeiro grau restaram amplamente comprovadas através do Auto de Prisão em Flagrante (fls.21/33), dos Autos de Apreensão (fls.35,36,37/38), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls.39/40,41/43,44/45,46), cópias de três passaportes japoneses falsos apreendidos (fls.71/75), das informações fornecidas pela embaixada norte-americana (fls.76,78), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 09 (nove) passaportes do Reino Unido (fls.375/377), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 02 (dois) passaportes da República da Bolívia e (02) dois passaportes da República da Malásia e 05 (cinco) vistos de entrada norte americanos (fls. 379/382), do Comunicado emitido pelo Consulado Geral do México (fl. 415) do Comunicado emitido pela Embaixada da Malásia (fl. 416), do Comunicado emitido pelo Consulado dos Estados Unidos da América (fls.418/420), do Comunicado emitido pelo Consulado da Inglaterra (fls.424/425), do Comunicado emitido pelo Consulado da República da Bolívia (fl. 548), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 04 (quatro) vistos mexicanos, 02 (duas) Cédulas de Identidade da República da Bolívia e 01 (um) Documento de Autorização para Estrangeiro Dirigir Veículo Automotor no Brasil (fls.816/820), , do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 08 (oito) passaportes chineses (fls.824/830), e pelos diversos depoimentos prestados nos autos, tanto na fase do inquérito quanto durante a instrução processual.
2. As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do ora apelante e demais acusados, aliadas aos depoimentos colhidos, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante. No auto de prisão em flagrante delito, o apelante KAI KIU confessou que abrigava chineses em sua residência e recebia de cada um deles a quantia de dez dólares por dia para abrigá-los.
3. O que se infere dos autos é que a partir da investigação iniciada nos Estados Unidos da América, em que foram apreendidos no Estado norte-americano do Alaska, correspondências contendo documentos falsos tendo como destinatários estrangeiros residentes em nosso país (São Paulo/SP e Mogi das Cruzes/SP), tendo dado início a partir destas informações do governo americano, diligências da Polícia Federal do Brasil que culminou com a descoberta de uma quadrilha que agia no Brasil com o intuito de introduzir ilegalmente estrangeiros chineses em nosso território, fornecendo a eles hospedagem e abrigo, e ainda, providenciando documentos falsos para "legalizar" a situação e permanência destes estrangeiros em nosso país, sendo esta quadrilha formada pelos réus: ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena"), responsável pela introdução ilegal de estrangeiros no território nacional; DAVID YOU SAN WANG, que era a pessoa responsável pelo transporte dos estrangeiros após desembarcarem ilegalmente no país através do aeroporto internacional de Guarulhos, KAI KIU, ora apelante, que era a pessoa responsável pela ocultação destes estrangeiros irregularmente introduzidos no Brasil, e por fim, DOONG CHI MING, que era a pessoa que auxiliava na receptação de documentos falsos enviados do exterior para a quadrilha aqui no Brasil.
4. E em que pese ter negado, em Juízo (fls.1055/1057), as acusações que lhe são imputadas, o apelante admitiu que conhecia ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena") e DAVID YOU SAN WANG, integrantes da quadrilha, sendo que, sua confissão na fase inquisitorial aliado aos depoimentos das testemunhas de acusação, tanto no auto de prisão em flagrante, quanto em Juízo, confirmam de forma precisa e harmônica, o fato de que vários chineses em situação irregular no Brasil, foram encontrados no apartamento de KAI KIU, que era a pessoa que os abrigava e os ajudava em nosso país, evidenciando-se a inquestionável responsabilidade penal do apelante.
5. Ressalta-se que as próprias declarações do réu KAI KIU prestadas no auto de prisão em flagrante de fls.26/27, no calor dos acontecimentos, desmentem a versão da defesa do apelante de que os seus patrícios chineses estavam residindo em seu apartamento com a finalidade de dividir despesas de moradia e alimentação. Sendo certo que foram encontrados no interior de seu apartamento vários chineses aos quais hospedava e alimentava mediante paga em dólar, além de encontrados e apreendidos inúmeros documentos falsos, destacando-se passaportes estrangeiros falsos que eram usados pelos chineses que ali abrigava.
6. Com efeito, os elementos de prova constantes dos autos não deixam nenhuma eiva dúvida quanto a participação do ora apelante nos delitos de introdução ilegal de estrangeiros no país e formação de quadrilha, pelos quais foi condenado.
7. Resta, portanto, claramente demonstrada a ligação entre o apelante e os demais co-réus (formação de quadrilha), bem como entre ele e os estrangeiros que se encontravam irregularmente no país, hospedados em sua casa situada a Rua Francisco Gonçalves (introdução irregular de estrangeiros).
8. Também é certa a participação do apelante DAVID YOU SANG WANG quanto ao delito de receptação consumada.
9. Ora, o fato de terem sido encontrados diversos passaportes japoneses e da Malásia falsificados no apartamento do ora apelante na cidade de Mogi das Cruzes/SP, cuja falsidade foi atestada por laudo pericial, afasta qualquer dúvida sobre a autoria e a materialidade do delito e, ainda, o ora apelante David You San Wang declarou, perante a autoridade policial, que os envelopes que recebia em sua residência, assim como o que foi apreendido pela polícia norte-americana, tinham como destino real a residência de Zhong Xiao Lei.
10. Em que pese ter o réu David, quando interrogado perante o Juízo (fls.631 e verso), modificado em parte suas declarações, em nenhum momento nega ter recebido envelopes para Zhong Xiao Lei(vulgo "Helena"). Ainda a corroborar a responsabilidade penal pelo delito de receptação por parte do ora apelante, encontra-se o depoimento em Juízo das testemunhas de acusação, Mauro Sabatino (fls. 754/756) e Alcides Andreoni Júnior (fls.758/759), ambos agentes da Polícia Federal.
11. Nesses termos, não restam dúvidas de que o apelante a pedido de Zhong Xiao Lei ou "Helena" adquiriu material produto de crime, ou seja, passaportes falsificados que lhe eram enviados pelos correios ao seu endereço, com a plena ciência da sua natureza espúria, em diversas oportunidades, sendo que estes documentos espúrios enviados para o seu endereço, eram posteriormente repassados por ele à Helena, verdadeira destinatária das correspondências, que por sua vez, os entregava, mediante paga, aos estrangeiros interessados em imigrar ilegalmente.
12.E, do mesmo modo, restou amplamente demonstrada a prática do delito previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei 6815/80, por parte do ora apelante.
13. Vê-se, pois, que, pelos diversos depoimentos prestados bem como pelas condições em que se deram as prisões, se pode concluir que os documentos falsos apreendidos na residência de DAVID e que eram repassados para ZHONG XIAO LEI se destinavam aos estrangeiros que se encontravam hospedados na Rua Francisco Gonçalves.
14. Resta, portanto, claramente demonstrada a ligação entre DAVID, ora apelante, HELENA e os estrangeiros que se encontravam irregularmente no país, hospedados na casa situada a Rua Francisco Gonçalves.
15. Realce-se, ainda, as afirmações do próprio apelante DAVID YOU SAN, oferecidas perante a autoridade policial (fl.32), quando confessa que recebia dinheiro de HELENA para buscar ou levar alguns chineses que desembarcavam ou embarcavam no aeroporto internacional de Guarulhos/SP, cooperando com Zhong Xiao Lei ou "Helena" para o trânsito dos estrangeiros irregulares mantidos no país.
16. Tais declarações guardam harmonia com o conjunto probatório coligido nos autos, o que as reveste de credibilidade, conduzindo à certeza sobre a conduta delituosa de introdução irregular de estrangeiros no país praticadas pelo réu, ora apelante, DAVID, sob a supervisão e comando de Zhong Xiao Lei que era quem coordenava e dava as ordens.
17. Cumpre salientar que a condição irregular dos estrangeiros restou plenamente caracterizada, em especial quanto à ZHAO YAN WANG ou ZHAO YEN WANG ou ZHAO MEI HUA, preso na residência de Kai Kiu, juntamente com outros 08 (oito) estrangeiros (fls. 39/40), tendo ele afirmado, tanto em sede policial (fls. 29/30), como perante o Juízo (fls. 723/724), que não estava de posse de seu passaporte chinês, e que se utilizava de um passaporte japonês falsificado para justificar a sua permanência em território nacional.
18. Ainda consta o depoimento do chinês CHEN JIN HUA, também na condição de estrangeiro irregular no Brasil, que esclareceu em seu interrogatório prestado em Juízo, às fls. 721/722, que a pessoa por ele responsável era um chinês chamado David e que ainda estava hospedado em sua residência (na casa de David).
19. É certo, ainda, que as atividades ilícitas do apelante eram exercidas por meio de uma quadrilha organizada, que se destinava a receber imigrantes ilegais em nosso país e lhes facilitar a sua permanência no território brasileiro, ou a sua entrada ilegal em outros países, como restou bem consignado na r. sentença de fls.1332/1352.
20. Assim restou demonstrado que DAVID, como já se se afirmou acima era o responsável pela receptação dos documentos falsos e teve participação ativa no crime de facilitação e ocultação de estrangeiro ilegal no país.
21. Ressalta-se que DAVID menciona já ter recebido correspondências destinadas à ZHONG diversas outras vezes (fl.32), o que denota o caráter estável da associação e reforça a atuação de coordenação e comando de ZHONG no grupo.
22. Desse modo, configurado o crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do CP) imputado a DAVID YOU SANG WANG uma vez que ele efetivamente associou-se a outras três pessoas (ZHONG XIAO LEI ou "HELENA", KAI KIU e WANG KENG) de forma profissional e estável para o fim de cometer o crime de ocultar estrangeiros clandestinos e irregulares no Brasil, inclusive com a prática de falsidade de documentos pelo desconhecido (Wang Keng) e receptação destes documentos falsos por este réu, ora apelante.
23. Com efeito, não há dúvidas de que DAVID agia dentro de uma associação estável com a atuação de, no mínimo, mais três pessoas participantes, até porque restou claro que os estrangeiros eram aliciados na China, onde seguramente agiam outros componentes da quadrilha.
24. Ressalte-se, ainda, o fato de que, além dos componentes da quadrilha, que vivem no Brasil e já citados na r. sentença a configurar o delito, as pessoas que remetiam as correspondências, que, como visto, eram recebidas regularmente no Brasil, evidentemente também integram a quadrilha, e mesmo que não se logre a sua identificação, tal fato não impede a configuração do crime descrito no artigo 288, do Código Penal, como já restou decidido pelo Pretório Excelso. Precedente.
25. A participação nos crimes, de maneira estável, de estrangeiros que vivem no exterior exsurge do fato de terem sido interceptados, pela polícia norte americana, dois passaportes com as fotos de dois cidadãos chineses que já se encontravam na residência de Kai Kiu, conforme afirmado pelo policial Marco Sabatino (fls. 755).
26. Ora, ou as fotos foram remetidas a Hong Kong (origem dos envelopes enviados à residência de David Hong Feng - fl. 77) pela própria quadrilha, ou já haviam sido deixadas lá pelas pessoas que desejavam obter passaportes falsos, e os estariam aguardando aqui no Brasil, sob os auspícios dos demais integrantes residentes em São Paulo. De todo modo, a existência de uma coordenação organizada entre os componentes da quadrilha residentes em São Paulo e no exterior é fato induvidoso e restou claramente comprovada nos autos.
27. Outrossim, pelas correspondências interceptadas pelo governo norte americano, pode-se observar a participação de DAVID YOU SAN WANG e KAI KIU, que estavam incumbidos de receber os documentos falsificados e os encaminhavam para ZHONG XIAO LEI ou "HELENA", líder do grupo, além de fornecer-lhes moradia. Do mesmo modo, cumpria a estes homens executar o serviço de transporte e de intérprete para as pessoas que estavam sendo mantidas irregularmente em nosso país, ou introduzidas em países estrangeiros, também de forma irregular.
28. Também resta patente a participação de WANG KENG, pessoa que não foi localizada pela polícia, mas é figura constante nos depoimentos trazidos aos autos, como pessoa que auxiliava diretamente a líder do grupo ZHONG XIAO LEI, e que supostamente seria seu companheiro.
29. Há, portanto, numerosas provas que atestam a existência da quadrilha, formada por mais de três componentes, e a ativa participação do ora apelante DAVID em suas atividades criminosas.
30. A aguerrida defesa do apelante DAVID requer, por fim, alternativamente, em caso de confirmação da condenação, no que diz respeito à aplicação das penas pela prática dos delitos previstos nos artigos 125, inc. XII da Lei 6.815/80, 180, caput e 288, ambos do Código Penal, que seja a pena reduzida ao seu patamar mínimo legal.
31. No que diz respeito ao quantum das penas que foram impingidas ao apelante, entendo que a decisão do Juízo "a quo" merece reparos.
32. Na primeira da fase da dosimetria da pena, o MM. Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, ao fundamento único de que os diversos apontamentos penais por crime de estelionato constantes das folhas de antecedentes em nome do apelante configurariam maus antecedentes. Todavia, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes exige-se a confirmação da condenação por seu trânsito em julgado. Precedentes do E. STJ.
33. Nesta esteira, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando no sentido de que inquéritos instaurados e processos criminais em andamento, absolvição por insuficiência de provas, prescrições abstratas, retroativas e intercorrentes não podem ser considerados como maus antecedentes, porque violaria a presunção de inocência que vige em nosso sistema processual penal.
34. Assim sendo, passo a redimensionar a pena-base aplicada em primeiro grau. Assim, atendendo às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que o réu DAVID YOU SAN WANG é primário e as demais circunstâncias judiciais, conforme decisão proferida em primeiro grau, o favorecem, não se podendo levar em conta sua culpabilidade, que entendo ter se evidenciado exacerbada, porque haveria "reformatio in pejus". Desse modo, fixo a pena-base em 01 (um) ano de detenção pela prática do delito previsto no artigo 125, XII da Lei 6815/80. Pela prática do delito previsto no art. 180 do Código Penal fixo a pena-base em 01(um) ano de reclusão e o pagamento de 10 (dez) dias-multa. Pela prática do delito previsto no artigo 288 do Código Penal fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, ambos arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
35. Também, não está presente qualquer causa de aumento ou diminuição da pena. Portanto, torno definitiva a pena de 01 ano de detenção por infringência ao artigo 125, XII da Lei 6.815/80, mantendo a parte da sentença em que torna incabível a pena de expulsão prevista no mesmo artigo, pelo fato do réu ter se naturalizado brasileiro em data bem anterior aos fatos narrados na peça acusatória. Torno definitiva também, as penas de 01 ano de reclusão, para cada um dos crimes dos artigos 180 e 280, ambos do Código Penal, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa para cada um dos crimes, arbitrados no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, em concurso material.
36. Por ter havido modificação na pena imposta em primeiro grau, o fenômeno prescricional será analisado ao final, após apreciação do recurso da acusação que visa a condenação do co-réu DAVID, também às penas do artigo 180 do Código Penal em sua forma tentada.
37. E, quanto ao recurso do Ministério Público Federal que visa a condenação dos réus ZHAO MEI HUA, NANA ZHOU, LIN QIAQ ZHEN, KAI KIU e DAVID YOU SAN WANG verifico que merece parcial provimento.
38. Inicialmente analiso o recurso ministerial em face da absolvição de Zhao Mei Hua, Nana Zhou e Lin Qiaq Zhen, no que tange ao uso de documento falso.
39. Com efeito, não há, nos autos, prova segura de que as rés ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU se utilizaram de documento falsificado.
40. Em que pese não restar dúvidas quanto a materialidade delitiva, havendo comprovação da falsidade ideológica dos alvarás de soltura apreendidos em poder das rés, conforme demonstra Relatório de Missão Policial de fls. 57/58, porém, não há prova segura e indubitável de que as rés Zhao Mei Hua e Nana Zhou utilizaram o documento falso para se identificarem perante os agentes da Polícia Federal, uma vez que os depoimentos dos policiais federais MAURO SABATINO (fls.754/756) e RONALDO LEITE DE CASTILHO (fls.761/762) encontram-se controversos e imprecisos no que tange à maneira como as rés, ora apeladas, foram abordadas e se identificaram perante os policiais no momento do flagrante no interior do apartamento em que se encontravam.
41. Encontra-se nos autos o interrogatório da apelada ZHOU NA NA, constante de fls. 362/364, em que admite que entregou o alvará de soltura ao policial no momento de sua abordagem, porém, não espontaneamente, mas sim a pedido dele, sendo que, no entanto, identificou-se com o seu nome verdadeiro, ou seja, Zhou Na Na, e não com o nome constante do falso alvará de soltura.
42. Já a co-apelada ZHAO MEI HUA, em seu interrogatório prestado em Juízo (fls.365/366), afirmou que a co-apelada Zhou Na Na efetivamente entregou seu alvará de soltura aos policiais, mas que ela, ao contrário, não utilizou o alvará de soltura para se identificar, tendo sido encontrado pelos policiais no meio de seus objetos pessoais.
43. A acusação quanto ao crime de uso de documento falso em relação às rés Zhao Mei Hua e Zhou Na Na, baseia-se no depoimento de uma única testemunha de acusação, o agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino (depoimento em Juízo às fls. 754/757).No entanto tal versão se acha insulada nos autos, pois destoa do depoimento prestado pelo seu colega de trabalho, Ronaldo Leite de Castilho, prestado em Juízo (fls.761/763).
44. Vê-se, pois, que, ainda pesa a favor das rés, ora apeladas, a acentuada diferença entre a língua falada por elas e a nossa, o que pode ter dificultado a abordagem dos policiais no trabalho de identificação e a compreensão das apeladas no momento em que exibiram os alvarás de solturas com nomes divergentes do constante em seus passaportes apreendidos, fato é que o depoimento prestado pelo policial federal Mauro Sabatino em que relata que no momento em que foram abordadas e se identificaram a ele, na qualidade de agente policial, as apeladas exibiram alvarás de soltura com nomes divergentes ao que constava em seus passaportes (uso de documento falso), na verdade, não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório nos autos, não havendo prova segura e extreme de dúvidas quanto ao uso de documento falso.
45. Não há, portanto, como alcançar o nível de certeza necessário para o decreto condenatório, uma vez que a única prova de que as apeladas utilizaram documentos falsos para identificar-se perante os policiais, seria o depoimento do policial que efetuou suas prisões em flagrante (Mauro Sabatino), mas que foi contrariado pelo outro policial também presente no momento do flagrante (Ronaldo Leite).
46. Cumpre ao magistrado analisar, de forma imparcial, todos os elementos de prova constantes dos autos e, in casu, não há um conjunto probatório coeso e isento de contradições que permita decretar a condenação de Zhao Mei Hua e Zou Na Na, pelo delito de uso de documento falso, devendo ser mantida a absolvição de ambas.
47. Já no que tange a co-apelada LIN QIAO ZHEN, ouso discordar da r. decisão absolutória, devendo, portanto, a sentença de primeiro grau ser reformada, pois entendo que deve ser condenada pela prática do delito descrito no artigo 297, do Código Penal, uma vez que se de fato não chegou a utilizar, participou, efetivamente, da falsificação do documento apreendido.
48. A materialidade delitiva restou comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão de passaportes falsificados de fls.39/40, pelo Relatório de Missão Policial de fls.57/58.
49. A autoria delitiva também restou demonstrada, pois, ao ser abordada pelos agentes federais quando da realização da diligência no apartamento supramencionada onde estava hospedada com os demais patrícios, a co-apelada Lin Qiao Zhen identificou-se com nome de "Yan Tak Paau", exibindo para tanto, um passaporte britânico verdadeiro, em nome do titular acima mencionado, porém, adulterado com sua fotografia, conforme informações do Consulado Britânico em Hong Kong que informou que o passaporte e o nome de seu portador -"Yan Tak Paau", conferem com os dados constantes em seus arquivos no computador, esclarecendo que este passaporte exibido pela ré, ora co-apelada, foi um dos passaportes que foram roubados durante o envio pelo correio aos seus titulares(fls.424/425).
50. A apelada Lin Qiao Zhen tenta se exculpar da acusação de uso de documento falso, alegando em seu interrogatório perante o Juízo (fls.468/469), que levou o falso passaporte para casa e o guardou em uma gaveta, sendo posteriormente achado pelos policiais, não tendo em nenhum momento exibido o passaporte aos policiais, e que nunca tentou viajar para o exterior usando este passaporte falso. É certo, no entanto, que adquiriu o passaporte falso para utilizá-lo, não sendo crível que, tendo pago pelo passaporte que sabia ser falso, conforme ela mesma confessou, iria simplesmente adquiri-lo para deixar guardado indefinidamente em uma gaveta. Por outro lado, se de fato não tivesse utilizado o passaporte britânico roubado e comprado por ela, a sua participação na falsificação do passaporte restou demonstrada, uma vez que se o documento não foi adulterado de seu próprio punho, forneceu sua foto a outrem para que fosse usada na feitura do documento espúrio, evidenciando-se a sua inquestionável responsabilidade penal.
51. De fato a principal testemunha de acusação, Mauro Sabatino, agente da Polícia Federal, quando de seu depoimento em Juízo (fl.754/756) também não especifica se a co-apelada Lin Qiao, no momento da diligência policial realizada no apartamento pertencente a família de Kai Kiu, exibiu aos policias o falso passaporte, tendo em vista, que no momento da abordagem policial estavam presentes no interior do apartamento vários patrícios da co-apelada, cerca de 20 chineses, não podendo condená-la por uso de documento falso baseado apenas no depoimento testemunhal prestado por Mauro Sabatino que "indica" que a acusada apresentou aos policias, no momento da abordagem, o documento falso.
52. E do mesmo modo que as apeladas Zhao Mei Hua e Zhou Na Na, está a socorrer a co-apelada Lin Qiao, a versão contraditória do colega de equipe de Mauro Sabatino, o também policial federal Ronaldo Leite, testemunha que integrou o auto de prisão em flagrante, e também depôs em Juízo(fls.761/762).
53. Por outro lado, como já dito, restou demonstrada a participação na falsificação do passaporte britânico em nome de "Yan Tak Pauu", uma vez que a co-apelada forneceu sua foto para que o documento originariamente verdadeiro lhe fosse posteriormente entregue com a adulteração, auxiliando em sua confecção, como constou na denúncia (fl.07).
54. Com efeito, do mesmo modo que a co-apelada Lin Qiao, seus patrícios Gao Hua (fls.725/726) e Liu Liqin (fls.727/728), admitiram em seus interrogatórios que entregaram fotos à Wang Keng, que foram usadas para a feitura dos documentos apócrifos apreendidos.
55. Tais declarações devem ser analisadas em conjunto com os seguintes fatos comprovados nos autos: a ora co-apelada Lin Qiao, juntamente com Gao Hua e Liu Liqin foram presos na residência de Kai Kiu, juntamente com vários estrangeiros que se encontravam sob os cuidados da quadrilha especializada em manter estrangeiros ilegalmente no Brasil e em providenciar documentação falsa para a sua entrada ou permanência em outros países; e ainda: foram apreendidos pela polícia americana dois passaportes japoneses com suas fotos, além de outros dois passaportes britânicos, também já com suas fotos afixadas, apreendidos pela polícia brasileira na residência de Zhong Xiao Lei.
56. Não restam dúvidas, portanto, que a co-apelada LIN QIAO, juntamente com GAO HUA e LIQIN LIU forneceram suas fotos com o fim de obter passaportes falsos de outras nacionalidades com o objetivo final de ingressar, muito provavelmente, em território norte americano.
57. E é de se ressaltar que, ao fornecer a fotografia para a confecção do documento falso, a co-apelada praticou o delito descrito no artigo 297, do Código Penal, em co-autoria, como já restou decidido pelos nossos Tribunais. Precedentes.
58. Deverá, portanto, a sentença de primeiro grau ser reformada para que seja decretada a condenação da co-apelada LIN QIAO ZHEN, pelo delito descrito no artigo 297, do Código Penal.
59. No tocante ao crime de moeda falsa praticado por KAI KIU, verifico que neste ponto, também merece provimento o recurso da acusação.
60. Observo que a materialidade do delito restou seguramente comprovada, por meio de laudo documentoscópico de fls. 384/387 que concluiu pela falsidade das quatro cédulas de $100 dólares apreendidas em poder de Kai Kiu, e que a contrafação era de boa qualidade, com qualidade suficiente para ser confundido com cédulas autênticas, tendo, portanto, aptidão para enganar número indeterminado de pessoas.
61. A autoria, por sua vez, também é certa, não havendo dúvidas, pelas provas coligidas, que as quatro cédulas falsas foram encontradas na posse do apelado, durante cumprimento do mandado de busca e apreensão em seu apartamento. Com efeito, o próprio apelado admitiu, tanto quando ouvido na fase extrajudicial (fl. 27), como em seu interrogatório judicial (fl. 1056), que as quatro cédulas de cem dólares, encontrada em seus pertences, realmente eram suas, não negando nem mesmo a ciência da falsidade das mesmas. A confissão do apelado restou confirmada pela prova testemunhal (fls. 754/756) e documental (auto de exibição e apreensão - fls. 139/40 e laudo documentoscópico - 384/387).
62. Houve a confissão do ora apelado perante a douta autoridade policial, no auto de prisão em flagrante delito (fl.27). Confissão esta, corroborada pelo ora apelado em seu interrogatório judicial (fl.1056).
63. Assim da análise do interrogatório prestado tanto na fase inquisitiva como judicial, acima mencionados, não deixam dúvidas que o apelado não só guardava as cédulas falsas de dólares mas também tinha plena consciência da inautenticidade das notas, agindo com o dolo reclamado pelo tipo penal estampado no art. 289, § 1º do Código Penal.
64. A versão fornecida pelo apelado, em seu interrogatório judicial (fls. 1055/1057), para justificar a posse das cédulas de cem dólares - de que as obteve quando um amigo trocou em sua loja com sua mulher pelo câmbio do dia e que após perceber que as notas eram falsas avisou seu amigo, que só conhece pelo sobrenome DONG, tendo ele se comprometido em trocá-las, porém, já não via DONG há algum tempo, tendo guardado as notas falsas por anos e já havia até mesmo desistido de se ver restituído do valor dado ao amigo - encontra-se absolutamente insulada no quadro probatório, não produzindo o apelado prova alguma de que efetivamente tenha negociado com tal amigo e recebido, em troca, as cédulas de cem dólares pela cotação do dia, nem mesmo tendo declinado o nome do suposto amigo que teria lhe repassado as notas falsas, ou ao menos tendo descrito as suas características físicas para que pudesse ser identificado, não se afigurando plausível a sua versão para justificar a posse do dinheiro espúrio.
65. A não comprovação da origem das cédulas falsas enfraquece a tese de inocência do acusado, conforme vem decidindo o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Precedentes.
66. Diante deste contexto, deve ser desprestigiada a conclusão do d. Juízo de primeiro grau de que o co-réu, ora apelado efetivamente não agiu com o dolo exigido pelo tipo penal estampada no art. 289, § 1º do Código Penal. Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de KAI KIU nas penas previstas no artigo 289, § 1º do Código Penal.
67. Cumpre, por fim, analisar a apelação do Ministério Público Federal em relação à DAVID YOU SAN WANG.
68. Foi interceptada em Miami, pela polícia norte-americana (fls. 37/38, 50/51 e 76), correspondências oriundas da China e de Hong Kong , com destino à Av. Maestro João Batista Julião, 280, Bairro Vila Oliveira - Mogi das Cruzes, tendo como destinatário "Mr. DAVI HONG FENG" e, havia 2 pacotes com o mesmo nome e endereço do destinatário e o número de telefone (11) 9609-1888. No interior do primeiro envelope foram encontrados 04 (quatro) passaportes japoneses números TF4389057 em nome de KOTARO NISHIHARA, TF8720218 em nome de MIN DONG, TE5881558 em nome de MIN DONG, TF3806472 em nome de CHISIU DAVID CHAN; 02 passaportes britânicos Nº613045524 em nome de TSZ CHING LAU e613049165 em nome de HO YIN LAU, o segundo envelope contendo em seu interior 05 vistos americanos sendo: 20030354720152 em nome de HO YIN LAU, 2003.0354.720.102 em nome de YAN ZHENG SHI, 2003.0354.720.101 em nome de XIU YU BIAN, 2003.0354.720.176 em nome de MU XIAN CHEN e 2003.0354.720.153 em nome de TSZ CHING LAU, todos falsificados, conforme laudos de fls.379/382 e 821/830.
69. A ligação entre DAVID YOU SAN WANG e a co-ré ZHONG XIAO LEI (líder da quadrilha especializada em falsificar documentos, tais como passaportes e vistos de entrada, e fornecê-los para estrangeiros que desejam permanecer no Brasil de forma irregular, ou possibilitar a sua entrada em outros países) foi constatada quando os policiais cumprindo mandado de busca e apreensão na residência do ora apelado encontraram passaportes da Malásia e do Japão em seu poder, e inquirido a respeito de tais documentos ele respondeu que os recebeu e guardava em nome de "HELENA" (fls.57/58 - Relatório de Missão Policial e fl. 59 - Informação).
70. Portanto, o próprio apelado confirmou que recebia com frequência correspondências que na realidade pertenciam à "Helena", cujo conteúdo era passaportes falsificados, restando provado nos autos que o apelado era o destinatário das correspondências contendo documentos inautênticos apreendidos pelas autoridades norte-americanas, bem como, de que tinha plena consciência do conteúdo ilícito dos mesmos.
71. Esclarecedor o depoimento do agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino (fls.754/756), prestado em sede judicial, que participou da diligência de busca e apreensão realizada nos diversos locais informados pelas autoridades dos EUA onde seriam enviadas as correspondências contendo documentos falsos e que foram interceptados e apreendidos pela polícia norte-americana. Também a evidenciar a inquestionável responsabilidade do réu, ora apelado, pelo crime de receptação em sua forma tentada, encontra-se o depoimento em Juízo da testemunha de acusação, Alcides Andreoni Júnior (fls.758/760), que fez parte da equipe que cumpriu mandado de busca e apreensão realizada em Mogi das Cruzes, na residência do ora apelado.
72. Assim ficou comprovado que as correspondências interceptadas pelo governo norte americano tinham como um dos destinatários a residência de David You San Wang em Mogi das Cruzes/SP, que da mesma forma que outros membros da quadrilha, estava incumbido de receber os documentos falsificados e os encaminhavam para a co-ré, "Helena", destinatária final, que após receber os passaportes e vistos provenientes do exterior, os juntava e os entregava, mediante paga, aos estrangeiros interessados em imigrar ilegalmente.
73. E foram encontrados pelos policiais federais na residência do ora apelado, aqui no Brasil, diversos passaportes falsos, e as correspondências contendo passaportes falsificados que foram interceptadas pela polícia norte-americana, já haviam sido remetidas via correio ao seu destinatário, ou seja, ao réu, ora apelado DAVID, só não se concretizando o recebimento da malfadada encomenda com conteúdo ilícito por circunstâncias alheias à vontade do agente.
74. É certo que o apelado, em momento algum, admitiu a responsabilidade pelo delito, seja em sede policial, seja perante a autoridade judicial. Todavia, há evidências nos autos de seu envolvimento com a co-ré Zhong Xiao Lei, pelo fato de residir no endereço constante das correspondências apreendidas.
75. Vê-se, pois, que, após um exame mais apurado das provas produzidas nos autos, não persiste qualquer dúvida de que o apelado era o verdadeiro destinatário dos documentos espúrios interceptados pela polícia norte-americana, este dado é suficiente para ligar David You San às atividades criminosas descritas na inicial, o que inviabiliza a absolvição do apelado.
76. Vê-se, pois, que, após um exame mais apurado das provas produzidas nos autos, não persiste qualquer dúvida sobre o verdadeiro destinatário da correspondência apreendida, assim como da participação de DAVID na quadrilha que fornecia documentação falsa para os estrangeiros ilegais mantidos no Brasil, motivo pelo qual deverá ser reformada a decisão de primeiro grau, decretando-se a sua condenação por crime de receptação em sua forma tentada, como acima já se aludiu.
77. Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de DAVID YOU SAN WANG nas penas previstas nos artigos 180, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal.
78. Uma vez que o recurso ministerial foi parcialmente provido, em relação aos apelados KAI KIU, LIN QIAO ZHEN e DAVID YOU SAN WANG, cumpre realizar a dosimetria das penas a serem impostas a esses réus.
79. E inicialmente passo a dosar a pena do apelado KAI KIU, que foi ora condenado a pena prevista no artigo 298 do Código Penal.
80. Atenta às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que o apelado não possui antecedentes criminais a justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Também, a personalidade do agente, sua conduta social e as circunstâncias do cometimento do crime estão a lhe favorecer. Desse modo, a fixo em 03 (três) anos de reclusão em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
81. Também, não está presente qualquer causa de aumento ou diminuição da pena. Portanto, torno definitiva a pena de 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
82. Passo a realizar a dosimetria da pena quanto à apelada LIN QIAO ZHEN, pela condenação quanto ao disposto no artigo 297 do Código Penal.
83. Lin Qiao não possui antecedentes criminais e as demais circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, lhe são favoráveis, motivo pelo qual a pena base deverá ser fixada em seu mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, por não haver, nos autos, prova a respeito de sua capacidade econômica. Ausentes outras circunstâncias modificativas, torna-se tal pena definitiva.
84. Assim sendo, pelos mesmos motivos acima alinhavados em relação ao seu patrício e co-apelado, Kai Kiu, substituo a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, a ser especificada pelo Juízo das Execuções Penais, além de prestação de duas cestas básicas ao mês, que reverterá em prol de entidade beneficente, além de manter a pena de multa fixada em 10 (dez) dias-multa, arbitrada no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos (artigo 44, § 2º - última parte, do Código Penal).
85. E, por fim, passo a realizar a dosimetria da pena quanto ao apelado DAVID YOU SAN WANG, pela condenação quanto ao disposto no artigo 180, caput, combinado com o artigo 14, II, ambos do Código Penal repressivo.
86. Para o delito previsto no artigo 180, do Código Penal, atenta as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, observo que DAVID é primário. Por outro lado, tratando-se de recurso da acusação, aqui é possível examinar as outras circunstâncias judiciais, concluindo-se que sua culpabilidade restou demonstrada acima da normalidade. É que esse réu, assim como os co-réus Doong Chi Ming e Zhong Xiao Lei (ambos processados e condenados no processo que foi desmembrado - autos nº 2004.61.81.03967-4), recebia documentos falsos por meio de correspondências vindas do exterior e auxiliava Zhong Xiao Lei ou "Helena", que era quem chefiava a quadrilha, na obtenção dos documentos espúrios, oferecendo o seu endereço como destinatário das correspondências com passaportes falsos enviados do exterior por seus cúmplices estrangeiros, tendo papel importante na organização criminosa internacional, que se mostrou sofisticada, tendo em vista a forma como esses documentos lhe eram endereçados do exterior, para serem por ele entregues a ré Zhong Xiao Lei (Helena). Demonstrou, com isso, ter personalidade voltada para a prática de delitos, com a facilidade de dominar os idiomas português e chinês (inclusive, naturalizou-se brasileiro), sendo de grande valia para os agentes estrangeiros que desconheciam o idioma português. As consequências dos delitos que praticou são extensas (participação na receptação em sua forma consumada e tentada, formação de quadrilha e introdução ilegal de estrangeiros), tendo em vista o grande número de pessoas e documentos falsos envolvidos, a demonstrar o grande prejuízo causado à fé pública e à sociedade em geral, quando aderiu a organização criminosa liderada pela co-ré Zhong Xiao Lei, visando propiciar a entrada e a permanência de estrangeiros em situação irregular no território brasileiro.
87. Diante desses argumentos, fixo a pena base para o delito previsto no artigo 180 do Código Penal um pouco acima do mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, além de 21 (vinte e um) dias-multa, a qual diminuo em 1/3 (um terço), a teor do artigo 14, inciso II do Código, o que resulta na pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e mais 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo. Não havendo outras causas de aumento ou diminuição das penas, torno tal pena definitiva.
88. Levando em conta que este réu também foi condenado por outros delitos, em primeiro grau, e suas penas corporais foram reduzidas neste julgado para 01 ano de detenção e 02 anos de reclusão, entendo que o regime inicial de cumprimento da pena corporal deverá ser o semi-aberto, a teor do artigo 33, parágrafo 2ª, alínea "b" do Código Penal. Não é possível a conversão da pena corporal por restritivas de direitos, vez que sua somatória supera quatro anos (artigo 44 do Código Penal).
89. Por fim, diante das novas penas ora cominadas, resta a análise do fenômeno prescricional.
90. E, levando em conta a pena em concreto, ora fixada, no que tange ao crime de moeda falsa (artigo 298 do Código Penal) em relação ao apelado KAI KIU, verifico que a pena de 03(três) anos prescreve em 08 (oito) anos, a teor do artigo 109, inciso IV do Código Penal. Mesmo levando em conta a absolvição do réu KAI KIU, que não interrompeu o lapso prescricional, não ocorreu a prescrição em relação a esse réu, porque não restou ultrapassado o prazo de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (7/06/2004 - auto de prisão em flagrante delito de fls. 21/34) e a data do recebimento da denúncia (19/7/2004 - fl.247), bem como desta última data até a data da publicação da sentença de condenação (31/7/2007), devendo incidir, na espécie o contido no artigo 117,§§ 1º e 2º do Código Penal.
91. No que tange ao crime de falsificação de documento (artigo 304, c.c. 297 do Código Penal) a co-ré, ora apelada, LIN QIAO ZHEN foi agora condenada a pena de 02 (dois) anos de reclusão, que prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou superado entre a data dos fatos (7/6/2004) e a do recebimento da denúncia (19/7/2004 - fl.247), e nem mesmo desta data até a publicação da sentença que condenou os réus KAI KIU e DAVID (31/7/2007) até porque, nos delitos conexos que sejam objeto do mesmo processo, a interrupção da prescrição relativa a qualquer deles estende-se aos demais (artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal).
92. E, por fim, no que tange aos crimes de introdução ilegal de estrangeiros (artigo 125, XII da Lei 6.815/80), receptação consumada (artigo 180 do CP), formação de quadrilha ou bando (artigo 280 do CP) e receptação tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), pelos quais foi condenado o co-réu DAVID YOU SANG WANG, verifico que, por conta de seu apelo, foram diminuídas as penas que lhe foram cominadas por infringência aos artigos 125, XII da Lei 6.815/80 e artigos 180 e 280, ambos do CP, como acima consignado, restando todas essas penas fixadas em 01 (um) ano de detenção (para o delito previsto na Lei 6.815/80), e 01 (um) ano de reclusão para cada um dos demais, sendo que todos prescrevem em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado entre a data dos fatos (7/06/2004 - auto de prisão em flagrante delito de fls.21/34) e a data do recebimento da denúncia (19/07/2004), bem como desta última data até a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353).
93. Já, no que tange ao crime de receptação em sua modalidade tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), o co-réu DAVID veio a ser agora condenado a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, pena essa que também prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado como exposto acima, mesmo levando-se em conta a absolvição em primeiro grau relativa a este crime, que normalmente não interromperia o lapso prescricional. Acontece que a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353) imposta ao co-réu KAI KIU deve ser compreendida como marco de interrupção da prescrição em relação também ao ora apelado DAVID, como determina o artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal, já que este se associou àquele e aos demais réus, formando uma organização criminosa, sob a liderança de Zhong Xiao Lei ou "Helena" para o cometimento do crime de receptação e demais crimes conexos que são objeto deste mesmo processo, havendo um liame entre os diversos crimes cometidos - formação de quadrilha ou bando, falsificação e uso de documentos falsos, receptação e introdução ilegal de estrangeiros no país - inteligência do legislador pátrio.
94. Restaram todas essas penas fixadas em 01 (um) ano, que prescrevem em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado entre a data dos fatos (07/06/2004- auto de prisão em flagrante delito de fls.21/34) e a data do recebimento da denúncia (fl.19/07/2004 - fl. 247), bem como desta última data até a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353).
95. Já no que tange ao crime de receptação em sua modalidade tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), o co-réu, ora apelado, DAVID foi ora condenado a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, que também prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado como exposto acima, mesmo levando-se em conta a absolvição em primeiro grau relativa a este crime, que normalmente não interromperia o lapso prescricional. Acontece que, a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353) imposta ao co-réu KAI KIU deve ser compreendida como marco de interrupção da prescrição em relação também ao ora apelado DAVID, já que este se associou a ele e aos demais réus, formando uma organização criminosa, sob a liderança de Zhong Xiao Lei ou "Helena" para o cometimento do crime de receptação e demais crimes conexos, havendo um elo entre os diversos crimes cometidos - formação de quadrilha ou bando, falsificação de documentos, receptação e introdução ilegal de estrangeiros no país, conforme preceitua o disposto no artigo 117, §§ 1º e 2º, do Código Penal - inteligência do legislador pátrio.
96. Recurso de KAI KIU desprovido. Recurso de DAVID YOU SAN WANG parcialmente provido para fins de diminuição das penas a ele impostas em primeiro grau. Recurso ministerial parcialmente provido para a condenação de KAI KIU pelo delito previsto no artigo 298 do Código Penal, de LIN QIAO ZHEN pelo delito previsto no artigo 297 do Código Penal e de DAVID YOU SAN WANG pelo delito previsto no artigo 180, caput, c.c. o art. 14, II, ambos do Código Penal.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em negar provimento ao recurso de KAI KIU e dar parcial provimento ao recurso interposto pelo co-réu DAVID YOU SAN WANG, para o fim de reduzir as reprimendas a ele impostas, para 01 (um) ano de detenção, como incurso no artigo 125, XII, da Lei 6.815/80; para 01 (um) ano de reclusão e mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal, para cada um dos delitos dos artigos 180 e 280 ambos do Código Penal. E, por fim, também dar parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para condenar KAI KIU, também como incurso nas penas do artigo 298, § 1º, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal; para condenar a co-ré LIN QIAO ZHEN como incursa no artigo 297 do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, com a substituição da pena corporal por 02 (duas) penas restritivas de direitos, tal como acima explicitado; para condenar DAVID YOU SAN WANG, também como incurso nas penas do artigo 180, "caput" c.c. artigo 14, inciso II do Código Penal, a cumprir a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, e ao pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, sendo que as penas somadas, em concurso material, resultam em, para KAI KIU: 01 (um) ano de detenção, 04 (quatro) anos de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para LIN QIAO ZHEN: 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para: DAVID YOU SAN WANG 01 (um) ano de detenção, 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 34 (trinta e quatro) dias-multa, ficando mantida, quanto ao mais, a decisão de primeiro grau.

São Paulo, 30 de maio de 2011.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
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Data e Hora: 01/06/2011 14:36:40



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004460-19.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.004460-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : KAI KIU
ADVOGADO : MARCELO LEE HAN SHENG e outro
APELANTE : DAVID YOU SAN WANG
ADVOGADO : PAULO ROBERTO DA SILVA PASSOS e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : ZHAO MEI HUA
ADVOGADO : BEATRIZ ELISABETH CUNHA (Int.Pessoal)
CODINOME : WU HUI MEU
: NG WAI MEI
: MEI HUA ZHAO
APELADO : ZHOU LA LA
ADVOGADO : ANA CAROLINA ALVARES DOS SANTOS
CODINOME : NANA ZOU
: LAW LAI CHING
: ZHOU NANA
APELADO : LIN QIAO ZHEN
ADVOGADO : BEATRIZ ELISABETH CUNHA (Int.Pessoal)
CODINOME : HONGFA SUN
: YAN TAK PAAU
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : LIN PO MEI
CODINOME : CHEN JYN HUA
EXCLUIDO : DOONG CHI MING
: ZHONG XIAO LEI
: HUA GAO
CODINOME : GAO HUA
EXCLUIDO : LIQIN LIU
: ZHAO YAN WANG
CODINOME : KISU YOKUSU

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls.1366/1392), bem como, pelos réus KAI KIU (fls.1418/1423) e DAVID YOU SAN WANG (fls.1594/1608), contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 4a Vara Criminal de São Paulo/SP, que julgou parcialmente procedente a denúncia que:

1. absolveu ZHAO MEI HUA, NANA ZOU, LIN QIAO ZHEN e DAVID YOU SAN WANG, das acusações da prática do delito previsto no artigo 304 cc. o art. 297 do Código Penal;

2. absolveu KAI KIU da prática do delito previsto no art. 289 do Código Penal;

3. absolveu DAVID YOU SAN WANG da prática do delito previsto no art. 180, caput, cc. o art. 14, II, ambos do Código Penal;

4. condenou KAI KIU a cumprir a pena de 01 ano de detenção e expulsão do país, pela prática do delito previsto no art. 125, XII da Lei 6815/80 e 01 ano de reclusão pela prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal, em concurso material, em regime aberto. A pena corporal foi substituída por penas restritivas de direitos;

5. e, por fim, condenou DAVID YOU SAN WANG a cumprir as penas de 02 anos de detenção pela prática do delito previsto no art. 125, XII da Lei 6.815/80; 02 anos e 06 meses de reclusão, mais o pagamento de 185 dias-multa pela prática do delito previsto no art. 180 do Código Penal, e, ainda, 02 anos de reclusão pela prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal, todos em concurso material, totalizando as penas de 04 anos e 06 meses de reclusão mais 185 dias-multa, e 02 anos de detenção, em regime semi-aberto, nos termos do art. 33 e § 3º do Código Penal.

Consta da denúncia e de seu posterior aditamento de fls. 13/19, que procedeu a correções e inclusões de dados secundários na denúncia de fls. 02/12, que:

"(...) três correspondências advindas da Tailândia, Hong Kong e China e com destinos às cidades de São Paulo e Mogi das Cruzes/SP, foram interceptadas pelo Governo norte-americano, no Alaska e em Miami (fls. 33, 52/53 e 57), contendo, em seu interior, a primeira delas, 4 (quatro) passaportes (dois da Malásia e um do Japão), em nome de Chsiu David Chan, Min Dong (dois deles) e Kotaro Nishihara, e 02 (dois) passaportes britânicos, em nome de Ho Yian Lau e Tsz Ching Lau, todos eles falsificados (conforme fl. 406/407 e laudo de fl. 359), endereçados à Av. Maestro João Batista Julião, nº 280, Mogi das Cruzes, residência do denunciado DAVID YOU SAN WANG (conforme auto de apreensão de fls. 18, fls. 38 e 57), a segunda delas, cinco vistos norte-americanos, em nome de Ho Yin Lau, Yan Zheng Shi, Xiu Yu Bian, Um Xian Chen e Tsz Ching Lau (conforme auto de apreensão de fl. 15, e fls. 38 e 57) também falsificados (conforme laudo de fl. 364) e destinados ao mesmo endereço no Município de Mogi das Cruzes, e por fim, três passaportes japoneses falsificados, em nome de Azusa Morioka, Kneji Iwashita e Masayuki Shimizu, endereçados à Rua Mazzini, nº 440, nesta cidade, residência do denunciado DOONG CHI MING (conforme auto de apreensão de fl. 16, e documentos de fls. 33, 52/56). Em sete de junho de 2.004, munidos de mandados de busca e apreensão, agentes e autoridades policiais da DELEMIG nesta Capital, diligenciando nos endereços acima, bem como na Rua Teodureto Souto, nº 36, local onde constava conta a ser entregue em nome de empresa identificada através da correspondência destinada à Av. Maestro João Batista Julião, nº 280, Mogi Das Cruzes (residência do denunciado DAVID), e que seria, ao que sabiam, residência da denunciada ZHONG XIAO LEI, vulgo "Helena" - conhecida por seus antecedentes criminais em crimes correlatos-, lograram saber, por meio da genitora de "Helena", o atual endereço da filha como sendo na Alameda Santos, nº 1222/74, onde, por fim, novo envelope foi encontrado, tendo como destinatário o endereço da Rua Francisco Gonçalves de Andrade Machado, nº 120, apto 112, local de residência, por sua vez, dos demais denunciados. Na Rua Francisco Gonçalves de Andrade Machado, nº 120, apto 112, foram localizados os denunciados KAI KIU, HUA GAO ou GAO HUA, LIQIN LIU, LIN QIAO ZHEN ou HONGFA SUN ou YAN TAK PAAU, ZHAO YAN WANG ou KISU YOKUSU, NG WAI MEI, ou ZHAO MEI HUA ou MEI HUA ZHAO, LAW LAI CHING ou ZHOU LA LA ou NANA ZOU, LIN PÓ MEI ou CHEN JIN HUA. HUA GAO ou GAO HUA e LIQIN LIU titulares dos passaportes chineses nºs GO5003814 e GO1389902, também são titulares, deles fazendo uso, dos passaportes japoneses TG 4317674 e TE 0921124 (cf. fl. 38), em nome de Kazuaki Kori e Yayoi Tanno (cf. fl. 160), documentos estes apreendidos na residência da denunciada "Helena" (cf. auto de apreensão de fls. 22/24), pertencendo-lhes, também, os passaportes britânicos, em nome de Ho Yin Lau e Tsz Ching Lau, e os vistos norte-americanos falsificados que foram interceptados na correspondência dirigida à casa do denunciado DAVID, em relação aos quais auxiliaram na confecção (cf. fl. 38 e 57). Em poder de LIN QIAO ZHEN ou HONGFA SUN foi encontrado o passaporte britânico nº 610947977 em nome de YAN TAK PAAU (cf. auto de apreensão de fl. 20 e informação de fl. 39), o qual, consoante arquivos do Consulado Britânico em Hong Kong (fls. 408/409) apresenta declaração de roubado ou perdido em Hong Kong. ZHAO YAN WANG, admitiu ter feito uso do falso passaporte japonês - com visto brasileiro - nº TF7226890 (cf. auto de apreensão de fl. 20 e fl. 8) em nome de KISU YOKUZU. WU HUI MEI, LAW LAI CHING e LIN PÓ MEI assim se identificaram para a autoridade policial, por meio de alvarás de soltura que portavam, mas, nada obstante, tinham consigo passaportes chineses com nomes totalmente diversos, quais sejam MEI HUA ZHAO, NANA ZOU e CHEN JIN HUA (cf. fl. 39 e auto de apreensão de fl. 20). KAI KUI, além de ter se associado aos denunciados DAVID, DOONG E ZHOU ("Helena") com o propósito de auxiliar no uso de documentos públicos falsos (passaportes notadamente) por parte de cidadãos chineses clandestinos e irregulares e outros que, efetivamente ocultava na residência de seu sobrinho, Lin Kuei, dos quais chegava mesmo a receber, pela moradia e refeição, quantias em dólares, guardava consigo 4 cédulas de U$ 100,00 que admitiu serem falsas (cf. fl. 8 e laudo de fl. 370).
(...)Na Alameda Santos, nº 1222/74, residência da denunciada ZHONG XIAO LEI, "Helena", os agentes de polícia lograram encontrar os documentos apreendidos às fls. 22/24, dentre eles, envelopes endereçados à Rua Francisco Gonçalves de Andrade Machado, nº 120, apto 112 e à Rua Mazzini, nº 440, nesta cidade, passaportes japoneses, dois deles pertencentes à Kazuaki Kori e Yayoi Tanno, passaportes britânicos falsos, em nome de Mu Xian Chen, Xiu Yu Bian, Wing Foon Siu, Yan Zheng Shi e Em Dian Liu (cf. laudo de fl. 359), alguns deles em nome dos mesmos titulares dos vistos norte americanos falsos interceptados na correspondência dirigida ao denunciado DAVID, o passaporte britânico nº 612232353, a quem pertence, também, com outro nome, o passaporte japonês interceptado na correspondência igualmente dirigida à DAVID, carimbos de imigração da República do Paraguai, dois passaportes e cédulas de identidade bolivianos, 4 impressos de visto de turismo da Embaixada do México falsos (cf. comunicado do Consulado Geral do México, de fls. 399), uma máquina de plastificar documentos, diversos formulários com impressos chineses, diversos espelhos de plásticos e todos os demais documentos referidos às fls. 22/24, apreendidos dentro da residência da denunciada Helena, bem como, na calçada do seu edifício, que lá estavam em função da denunciada tê-los arremessado pela janela do banheiro onde, tentava, com fogo, apagar os vestígios da prática delituosa. ZHONG XIAO LEI, "Helena", além de ter se associado aos denunciados DAVID, DOONG e KAI KUI com o propósito de auxiliar no uso de documentos públicos falsos (passaportes notadamente), de introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino irregular no País, incumbindo-lhe a tarefa de falsificar documentos públicos e distribuir outros tantos que chegavam por correspondência e de dirigir a ação dos demais do bando, recebeu, em proveito próprio e alheio, documentos públicos (notadamente passaportes), que sabia ser produto do crime de falso. DOONG CHI MING admitiu que conhecia "Helena", assumindo, na empreitada criminosa, a tarefa de também receber documentos falsos, como os três passaportes apreendidos à fl. 16, só não os recebendo efetivamente por circunstâncias alheias a sua vontade, isto é, em virtude da correspondência ter sido interceptada pelo Governo norte-americano, auxiliando, dessa forma, e em contrapartida, na ocultação de estrangeiro clandestino e irregular no País. Na residência de DOONG CHI MING foi encontrada, ainda (cf. auto de apreensão de fl. 39), uma CTPS, nº 79070, série 00225-SP, com indícios de adulteração, conforme laudo de fl. 370. À DAVID YOU SAN WANG incumbia-se o traslado de chineses que aqui chegavam, a pedido dos denunciados KAI e "Helena", bem como, a exemplo de DOONG CHI MING, receber, a pedido também daquela, correspondências contendo documentos públicos que sabia ser produto de crime, só não os recebendo efetivamente por circunstâncias alheias à sua vontade, isto é, em virtude da correspondência ter sido interceptada pelo Governo norte-americano. Na residência de DAVID YOU SAN WANG encontrou-se, ainda (cf. auto de apreensão de fl. 37/38), um passaporte japonês, em nome de Kohji Matsuoka, com indícios de falsidade (cf. comunicado de fl. 406), e 2 (dois) passaportes malasianos apresentando adulterações na página de identificação (cf. laudo de fl. 366)."

A denúncia foi recebida em 19.07.2004 (fl. 247) e os réus KAI KIU, ZHOU NA NA, ZHAO MEI, LIN QIAQ ZHEN, ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena" e DAVID YOU SAN WANG, foram interrogados às fls.359/361, 362/364, 365/366, 468/469, 470/472 e fl.631, respectivamente, apresentando defesas prévias (fls.403, 478, 509, 515, 537/538).

O MM. Juiz determinou a separação e o desmembramento do processo, nos termos do artigo 80 do CPP, para que fossem processados em autos apartados os feitos relacionados aos réus soltos (ZHAO YAN WANG, GAO HUA,LIQIN LIU, CHEN JIN HUA, DOONG CHI MING e ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena"), permanecendo no pólo passivo da presente ação penal apenas os co-réus que se encontravam presos em face de prisão preventiva decretada contra eles, visando a celeridade processual, em razão do recolhimento provisório dos réus ao cárcere no aguardo de julgamento (fls. 512, 522 e 783). Desse modo, permaneceram no pólo passivo da presente ação penal apenas os seguintes réus: KAI KIU, DAVID YOU SAN WANG, LIN QIAO ZHEN, ZHAO MEI HUA E NANA ZOU.

Foram ouvidas as testemunhas de acusação (fls. 752/775) e as de defesa (fls. 913/920 e 1018/1019).

Superada a fase do art. 499 do Código de Processo Penal, na qual o MPF requereu a expedição de ofícios junto às 1ª e 4ª Varas Federais Criminais de Guarulhos a fim de que viessem aos autos cópias das principais peças do processo, constantes dos autos que tramitavam perante aquelas Varas Criminais, com a finalidade de demonstrar que o co-réu DAVID YOU SAN WANG, encontrava-se envolvido em outros fatos graves e semelhantes aos tratados nos presentes autos (fls.1022/1024), o que foi deferido pelo MM. Juiz (fl.1025). Nada foi requerido pelas defesas dos réus.

Em alegações finais, a acusação pugnou pela condenação dos réus, nos termos da denúncia (fls.1229/1239), enquanto as defesas se bateram pela absolvição (fls.1244/1245, 1251/1261, 1262/1283 e 1288/1290).

A sentença de parcial procedência da denúncia foi prolatada a fls. 1332/1352, tendo sido publicada em 31.07.2007 (fl.1.353).

A Justiça Pública, inconformada, apelou da r. sentença, quanto as absolvições dos réus ZHAO MEI HUA, NANA ZHOU, LIN QIAO ZHEN, e KAI KIU, todos absolvidos com fulcro legal no art. 386, VI, do CPP.

Sustenta o MPF em suas razões de apelo (fls.1366/1392), que:

a)- Há elementos suficientes de materialidade e indícios de autoria delitiva aptos a embasar um édito condenatório em relação as apeladas ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU.

b)- A materialidade delitiva quanto a apresentação de documento falso pode ser observada pelo nome falso e pela sua efetiva utilização por parte das apeladas. Comprova-se a materialidade delitiva pelo Relatório de Missão Policial de fls.57/58 dos autos, do qual consta que as rés, ora apeladas, ao serem abordados por policiais que realizavam mandado de busca e apreensão no apartamento onde elas se encontravam, apresentaram-se por meio de alvará de soltura, sendo verificado que, na realidade, guardavam no apartamento diligenciado seus passaportes chineses com nomes totalmente distintos.

c)- A autoria delitiva, principalmente no que tange ao dolo das apeladas supracitadas, pode ser vislumbrada pelas circunstâncias por meio das quais operou-se o flagrante, devidamente expostas no depoimento prestado pelo policial Mauro Sabatino às fls. 754/756 dos autos. É de se ressaltar que a farsa somente foi descoberta por meio da atuação policial no cumprimento do mandado de busca e apreensão, logrando-se localizar o passaporte chinês verdadeiro pertencente as rés, ora apeladas. Certa, é portanto, a vontade livre e consciente das apeladas em utilizar documento falso, fazendo-se passar por outra pessoa, pois, repita-se, a verdadeira versão dos fatos não restou revelada por uma atitude voluntária das apeladas, mas antes, pela atuação policial ao localizar o passaporte chinês verdadeiro, como consta do Relatório de Missão Policial de fls.57/58 dos autos.

d)- Requer, portanto, neste ponto, a reforma da r. sentença absolutória para condenar as rés ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU pela prática do delito previsto no artigo 304, c.c. o art. 299, ambos do Código Penal repressivo.

e)- Insurge-se a acusação, também, contra a absolvição do co-réu KAI KIU no que tange ao crime de moeda falsa (art. 289,§1º do CP). Alega que estão devidamente comprovadas a materialidade e autoria delitivas.

f)- Como já asseverado em sede de alegações finais, durante buscas efetuadas na residência do sobrinho do ora apelado, foram apreendidas em seu poder cédulas que totalizavam o montante de $400,00 (quatrocentos dólares americanos) falsos, conforme comprovado por laudo pericial de fls.384/387 dos autos, restando provada a materialidade delitiva.

g)- A autoria delitiva também restou cabalmente comprovada, conforme depoimento testemunhal do agente da Polícia Federal Mauro Sabatino, que esclareceu que as cédulas foram apreendidas dentro de uma mala, junto com o passaporte de KAI KIU (fl.754). Esta circunstância evidencia que o apelado guardava maliciosamente as notas espúrias, pois, se não fosse o caso, não as manteria em um livro no interior da mala. Ademais, para dirimir, qualquer dúvida, houve a confissão do próprio acusado em seu interrogatório judicial de fls. 359/361, onde confessou que guardava conscientemente a moeda falsa.

h)- Insurge-se o MPF, também, contra a absolvição da co-ré LIN QIAQ ZHEN quanto ao delito previsto no artigo 304, cc. o art. 297, ambos do CP. A materialidade delitiva do crime de uso de documento falso resta devidamente demonstrada nos autos, já que ao ser abordada pelos agentes da Polícia Federal, a ora apelada, identificou-se com "Yan Tak Pauu", exibindo, para tanto, passaporte britânico produto de roubo, e adulterado com a sua fotografia.

i)- A autoria delitiva, também, restou demonstrada pelas circunstâncias da abordagem e, notadamente, pelo fato de que o passaporte em questão encontrava-se adulterado com a foto da ré. Insta salientar, que mesmo não sendo possível comprovar que a apelada LIN QIAQ ZHEN tenha adulterado, com suas próprias mãos, o documento, conclui-se que contribuiu eficazmente para a contrafação, na medida em que forneceu sua fotografia para ser aposta no passaporte. E como se não bastasse a contribuição para a falsificação, embora a apelada tenha afirmado que o passaporte estava guardado no interior de uma gaveta, o depoimento testemunhal prestado pelo policial indica que a acusada exibiu o falso passaporte aos agentes da Polícia Federal, no momento da diligência de busca e apreensão realizada na residência da família do co-denunciado KAI KIU, restando evidente o dolo em sua conduta. Deve a ré, ora apelada, ser também condenada pela prática do delito previsto no art. 304, cc. o art. 297 do CP (uso de documento falso).

j)- Por fim, o MPF insurge-se, também, contra a absolvição do co-réu DAVID YOU SAN WANG, no que tange a prática do delito previsto no art. 180, caput, cc. o art. 14, II, ambos do Código Penal repressivo.

k)- É certo, que DAVID tentou receber, sem lograr êxito por circunstâncias alheias à sua vontade, documentos falsos, ciente de sua inautenticidade, visando a obtenção de vantagem econômica mediante a entrega a estrangeiros interessados na utilização destes passaportes espúrios para viagens ao exterior.

l)- Além do mais, de acordo com as circunstâncias da apreensão dos passaportes falsos no Brasil, verifica-se que era conduta habitual a recepção e negociação de tais passaportes pelo ora apelado, participando ativamente das ações da quadrilha, tendo plena consciência da falsidade dos documentos, tanto que os recebia em nome de terceiros.

m)- DAVID recebia regularmente, em sua casa, correspondência, como ele próprio admite. E pelas informações existentes nos autos, observa-se que DAVID recebia, por intermédio de tais correspondências, passaportes falsificados, tanto que o mesmo acabou sendo condenado pelo MM. Juiz singular pela prática dos delitos de receptação consumada e formação de quadrilha - sentença de fls.1332/1352.

n)- Portanto, diante das informações constantes nos autos, levados em conta, quando da prolação da sentença, é crível, supor que DAVID, enquanto integrante de quadrilha organizada que tinha por finalidade difundir onerosamente passaportes falsos, dentre outros fins ilícitos, tivesse conhecimento acerca da remessa de tais documentos dos EUA para o Brasil, sendo certo que somente não os recebeu, em virtude de circunstâncias alheias à sua vontade, devendo ser reformada a sentença absolutória, neste ponto específico, para também condenar o apelado nas penas do art. 180 CP, em sua forma tentada.

Houve oferecimento de razões de apelação por parte do réu KAI KIU (fls. 1418/1423), em que propugna pela reforma da sentença condenatória, requerendo a absolvição quanto aos crimes previstos nos artigos 125, XII, da Lei 6815/80 e art. 288 do Código Penal, alegando, em apertada síntese, os seguintes fundamentos:

a)- Como já dito em sede de alegações finais, é comum, entre pessoas de poucas posses, não só estrangeiros como nacionais, a divisão de despesas de moradia e alimentação, quando necessário. O fato de que outros chineses foram encontrados na residência do apelante, não demonstra, por si só, a existência de crime de ocultação de clandestinos.

b)- Não há de se falar também que o apelante tinha consciência de que seus patrícios estavam em situação irregular no país, até porque, não é da sua competência exigir tais documentos.

c)- Ainda, extrai-se dos autos, que não existe prova alguma de que o apelante tinha conhecimento de que os co-réus, encontrados em sua residência, estavam no aguardo do recebimento de passaportes falsos. Portanto, há de se concluir, que o apelante não cometeu nenhum crime, devendo ser absolvido pela suposta prática de crime de ocultação de estrangeiros.

d)- Requer, a defesa, também, a absolvição no que tange a prática do delito previsto no art. 288 do CP (formação de quadrilha ou bando). Inicialmente, há de se observar que não existe nos autos nenhuma prova cabal que configure a participação do apelante na associação delitiva.

e)- Não há provas, também, capazes de corroborar que o apelante KAI KIU tinha conhecimento de que os demais co-réus, que ocupavam o imóvel, no momento da abordagem policial, eram ou não clandestinos, por não ser de sua competência, pedir documentos a alguém, tendo agido de boa-fé.

f)- Ademais, as testemunhas de acusação atestaram que encontraram malas no apartamento do apelante, contudo, dizer que estavam hospedados até a chegada de supostos passaportes falsos já passa ao âmbito da suposição, não caracterizando crime de ocultação de estrangeiros e nem tampouco a existência de desígnios de tarefas a serem cumpridas.

g)- Inexiste liame entre o apelante e David, Helena, Wang Keng, sendo que quanto a este último, nunca ouvira falar, não restando provado nos autos qualquer vínculo associativo entre eles. Davi, em seu depoimento, disse apenas que conhecia KAI KIU, ora apelante, e em todas as outras respostas, disse que prestava favores à Helena.

h)- São requisitos do crime de quadrilha ou bando: estabilidade, permanência e existência de no mínimo quatro pessoas. Deve haver animo associativo prévio, agindo os participantes de modo coeso, numa conjugação de esforços, unindo suas condutas, embora haja divisão de tarefas.

KAI KIU ofertou suas contra-razões ao apelo ministerial às fls.1425/1429, bem como o MPF ofertou suas contra-razões ao apelo da defesa do réu KAI KIU, às fls. 1446/1457.

Em contra-razões ao apelo ministerial, as defesas dos co-réus DAVID YOU SAN WANG (fls. 1473/1479), NANA ZHOU (fls.1481/1483), LIN QIAO ZHEN e ZHAO MEI HUA (fls. 1546/1548), pugnaram pela manutenção da decisão absolutória, ora atacada.

Por sua vez, a defesa do co-réu DAVID YOU SAN WONG ofertou suas razões de apelação (fls.1594/1608) contra a decisão que o condenou pela prática dos delitos previstos nos artigos 288, caput, 180, em sua forma consumada, ambos do Código Penal e art. 125, inc. XII, da Lei 6368/76.

Alega, em apertada síntese, que:

a)- Não há nos autos provas suficientes aptas a embasar um decreto condenatório, não existindo provas de que o réu, ora apelado cometeu crime de receptação e crime de bando ou quadrilha, invocando, no que tange a este crime (art. 288 do CP), as razões já expendidas em sede de alegações finais, que ficariam fazendo parte integrante do seu apelo.

b)- Subsidiariamente, insurge-se contra a dosimetria da pena aplicada pelo douto magistrado, devendo ser as penas cominadas reduzidas ao seu patamar mínimo legal.

Em contra-razões ao apelo do co-réu DAVID YOU SAN WANG, a acusação pugnou pela manutenção da decisão condenatória (fls. 1611/1616).

Nesta Corte Regional, o parecer ministerial foi pelo provimento parcial do recurso interposto pela acusação e pelo desprovimento dos recursos interpostos pelos réus (fls.1618/1637).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 12/05/2011 15:23:34



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004460-19.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.004460-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : KAI KIU
ADVOGADO : MARCELO LEE HAN SHENG e outro
APELANTE : DAVID YOU SAN WANG
ADVOGADO : PAULO ROBERTO DA SILVA PASSOS e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : ZHAO MEI HUA
ADVOGADO : BEATRIZ ELISABETH CUNHA (Int.Pessoal)
CODINOME : WU HUI MEU
: NG WAI MEI
: MEI HUA ZHAO
APELADO : ZHOU LA LA
ADVOGADO : ANA CAROLINA ALVARES DOS SANTOS
CODINOME : NANA ZOU
: LAW LAI CHING
: ZHOU NANA
APELADO : LIN QIAO ZHEN
ADVOGADO : BEATRIZ ELISABETH CUNHA (Int.Pessoal)
CODINOME : HONGFA SUN
: YAN TAK PAAU
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : LIN PO MEI
CODINOME : CHEN JYN HUA
EXCLUIDO : DOONG CHI MING
: ZHONG XIAO LEI
: HUA GAO
CODINOME : GAO HUA
EXCLUIDO : LIQIN LIU
: ZHAO YAN WANG
CODINOME : KISU YOKUSU

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Inicialmente, passo à análise do recurso interposto pelo apelante KAI KIU.

O recurso interposto não merece provimento.

Ao contrário do que sustenta a defesa, as provas apresentadas em relação a esse réu são robustas e aptas a prestar suporte ao decreto condenatório que lhe foi imposto, no que tange aos delitos previstos no artigo 125,XII, da Lei 6.815/80 e artigo 288 do Código Penal.

Com efeito, a autoria e a materialidade dos delitos restaram amplamente comprovadas através do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 21/33), dos Autos de Apreensão (fls. 35,36,37/38), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 39/40, 41/43, 44/45, 46), cópias de três passaportes japoneses falsos apreendidos (fls.71/75), das informações fornecidas pela embaixada norte-americana (fls. 76,78), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 09 (nove) passaportes do Reino Unido (fls. 375/377), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 02 (dois) passaportes da República da Bolívia e (02) dois passaportes da República da Malásia e 05 (cinco) vistos de entrada norte americanos (fls. 379/382), do comunicado emitido pelo Consulado Geral do México (fl. 415) do comunicado emitido pela Embaixada da Malásia (fl. 416), do comunicado emitido pelo Consulado dos Estados Unidos da América (fls. 418/420), do comunicado emitido pelo Consulado da Inglaterra (fls. 424/425), do comunicado emitido pelo Consulado da República da Bolívia (fl. 548), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 04 (quatro) vistos mexicanos, 02 (duas) Cédulas de Identidade da República da Bolívia e 01 (um) Documento de Autorização para Estrangeiro Dirigir Veículo Automotor no Brasil (fls.816/820), do Laudo de Exame Documentoscópico realizado em 08 (oito) passaportes chineses (fls. 824/830), e pelos diversos depoimentos prestados nos autos, tanto na fase do inquérito quanto durante a instrução processual.

As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do ora apelante e demais acusados, aliadas aos depoimentos colhidos, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante.

No auto de prisão em flagrante delito, o apelante KAI KIU confessou que abrigava chineses em sua residência e recebia de cada um deles a quantia de dez dólares por dia para abrigá-los. Confira-se:

"(...)QUE, tem conhecimento que no apartamento 112 da rua Francisco Gonçalves de Andrade Machado, nº 120, onde reside, os chineses que lá também moram são ilegais, mas não sabe dizer qual a razão de estarem residindo no apartamento locado por seu sobrinho; QUE, conhece HELENA já algum tempo mas não sabe o que ela faz para sobreviver;(...)QUE, reside com todos os chineses ilegais no mesmo apartamento, porque recebe de cada um deles a importância de dez dólares por dia para ajudá-los; QUE, na verdade, o recebe esta importância para auxiliar no aluguel do imóvel(...)" (negritei).

O que se infere dos autos é que, a partir da investigação iniciada nos Estados Unidos da América, em que foram apreendidos no Estado norte-americano do Alaska correspondências contendo documentos falsos tendo como destinatários estrangeiros residentes em nosso país (São Paulo/SP e Mogi das Cruzes/SP), tendo dado início a partir dessas informações do governo americano, diligências da Polícia Federal do Brasil que culminaram com a descoberta de uma quadrilha que agia no Brasil com o intuito de introduzir ilegalmente estrangeiros chineses em nosso território, fornecendo a eles hospedagem e abrigo, e, ainda, providenciando documentos falsos para "legalizar" a situação e permanência destes estrangeiros em nosso país, sendo esta quadrilha formada pelos réus: ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena"), responsável pela introdução ilegal de estrangeiros no território nacional; DAVID YOU SAN WANG, que era a pessoa responsável pelo transporte dos estrangeiros após desembarcarem ilegalmente no país através do aeroporto internacional de Guarulhos, KAI KIU, ora apelante, que era a pessoa responsável pela ocultação desses estrangeiros irregularmente introduzidos no Brasil, e por fim, DOONG CHI MING, que era a pessoa que auxiliava na receptação de documentos falsos enviados do exterior para a quadrilha aqui no Brasil.

E, em que pese ter negado, em Juízo (fls.1055/1057), as acusações que lhe são imputadas, o apelante admitiu que conhecia ZHONG XIAO LEI (vulgo "Helena") e DAVID YOU SAN WANG, integrantes da quadrilha, sendo que sua confissão na fase inquisitorial aliada aos depoimentos das testemunhas de acusação, tanto no auto de prisão em flagrante, quanto em Juízo, confirmam de forma precisa e harmônica o fato de que vários chineses em situação irregular no Brasil foram encontrados no apartamento de KAI KIU, que era a pessoa que os abrigava e os ajudava em nosso país, evidenciando-se a inquestionável responsabilidade penal do apelante.

É o que se observa, por exemplo, do testemunho de um dos chineses na fase inquisitorial, depoimento este colhido no calor dos acontecimentos, logo após a prisão efetuada pelos policiais federais, conforme consta no auto de prisão em flagrante delito. Confira-se:

Depoimento do conduzido ZHAO YAN WANG:

"(...)QUE, veio para procurar emprego(...) QUE permanece no apartamento supra citado (leia-se, o do apelante KAI KIU) aguardando que alguém lhe arrume emprego e que não pagou para ninguém fazer documento falso; QUE, não conhece HELENA, DAVID e DOONG, apenas conhece KAI KIU; QUE, paga a KAI KIU a importância de dez dólares para pagamento de moradia e refeição; QUE, não sai muito durante o dia com receio de ser preso por não ter documento, permanecendo a maior parte do tempo dentro do referido apartamento" (fl.27).

A corroborar tal testemunho, está o depoimento em Juízo, de Mauro Sabatino (fls. 754/756), Agente de Polícia Federal, in verbis:

"A Polícia Federal, por intermédio da DELIMIG, foi informada pelo governo americano da existência de três correspondências endereçadas ao Brasil e que foram interceptadas no Alaska. Nestas correspondências as autoridades americanas constataram a existência de passaportes e vistos com indícios de falsidade. Estas correspondências seriam endereçadas a três locais, Rua Mazini, Rua Carlos Souza Nazaré e outro endereço em Mogi das Cruzes. Munidos de mandado de busca e apreensão formaram-se várias equipes para diligenciar nos endereços acima descritos. A equipe do depoente ficou incumbida de efetuar a diligência na rua Carlos Souza Nazaré. Lá chegando constataram que o chinês que lá habitava havia se mudado um dia antes. Em seguida a equipe do depoente encaminhou-se para a Rua Francisco Gonçalves. Um agente da Polícia Federal que estava encarregado de diligenciar na rua Teodureto Souto, sabendo que Helena havia se mudado para a Alameda Santos, para lá se encaminhou. Neste endereço foi descoberto um outro endereço na Rua Francisco Gonçalves. Por rádio este endereço foi passado à equipe do depoente que para lá se encaminhou. Neste local foram encontradas várias pessoas de nacionalidade chinesa. Duas apresentaram ao depoente um alvará de soltura. Estas duas pessoas tinham passaportes com nomes diferentes daqueles que constavam do alvará de soltura. Uma portava quatrocentos dólares com indícios de falsidade. Um chinês tinha dois passaportes, um chinês e um britânico, com nomes diferentes. Outro apresentou um passaporte japonês com visto brasileiro com indício de falsidade. Foi informado pela equipe que diligenciou na Alameda Santos que neste local foram encontrados vários passaportes com indícios da falsidade, vistos mexicanos, passaportes japoneses e britânicos e outros documentos. Em Mogi foram encontrados dois passaportes da Malásia e um japonês. O co-réu DAVID que residia em Mogi disse que os passaportes pertenciam à HELENA e que ele naquele local recebia correspondências destinadas a HELENA. Afirma que HELENA é uma pessoa conhecida no meio policial com atividades ligadas ao tráfico de pessoas. As pessoas encontradas na Rua Francisco Gonçalves foram encaminhadas para a Delegacia. Reconhece neste ato a co-ré HELENA, o co-réu DAVID e o co-réu DOONG. Reconhece as outras rés, contudo não sabe declinar seus nomes. Não reconhece os demais. (...) as notas de cem dólares foram apreendidas em uma mala, juntamente com o passaporte de Kai Kiu. (...) a Rua Carlos Nazaré fica próxima à Rua 25 de março e pelo que sabe naquele local eram endereçadas correspondências a LIAN QIHUANG. Não pode especificar quais eram as pessoas que estavam com os passaportes japoneses, assim, não pode dizer que GAO HUA e LIQIN LIU portavam passaportes chineses e japoneses. Não se recorda da ordem de serviço para a localização de WANG KEN. (...) os alvarás de soltura estavam em poder dos chineses que estavam reunidos na sala de estar do apartamento da Rua Francisco Gonçalves (...) não se recorda em que local exato da mala foram encontrados os dólares falsos, mas apenas que nesta mala havia um passaporte de KAI KIU. Não sabe informar se na correspondência endereçada a Rua Francisco Gonçalves havia ou não o nome do destinatário. Esclarece que os três locais podem ser ligados, pois na residência de Helena foram encontrados dois passaportes japoneses de dois chineses que foram encontrados na Rua Francisco Gonçalves, sendo que estes portavam passaportes chineses. Na correspondência interceptada endereçada a Mogi havia visto americano e passaporte britânico também dos dois chineses que foram encontrados na Rua Francisco Gonçalves. O agente que forneceu o endereço da Rua Francisco Gonçalves foi o APF CLEBER. Não sabe o local exato na residência de Helena onde foram encontrados os passaportes. Nunca respondeu a procedimento administrativo originado de desavenças com o ex-marido de HELENA. Não sabe, por não ter questionado os chineses encontrados na Rua Francisco Gonçalves se estes conheciam HELENA. (...) reconheceu o réu DAVID por ser o que melhor fala português e por ter tido um contato maior com ele na Delegacia. A correspondência interceptada no Alaska tinha como destinatário o nome DAVID. O sobrenome era diferente em uma letra e por isso o computador não o reconheceu. Este endereço era o endereço do co-réu DAVID presente na audiência. DAVID argumentou quando da diligência que simplesmente fazia um favor para Helena recebendo as suas correspondências. Não sabe de investigações feitas em torno da profissão do co-réu DAVID, sendo que este disse ao depoente que era professor de matemática. Estava legalmente no país, haja vista ser naturalizado. Na busca efetuada na Rua Mazini nenhum documento falso foi encontrado. A correspondência interceptada no Alaska com endereço a ser entregue na rua Mazini estava endereçada a GUO. Foi constatado que o telefone que constava no campo do destinatário era de um telefone fixo e que segundo apurou-se pertencia a ALEQUE que é esposa de DOONG. A residência do co-réu DOONG é uma residência coletiva, do tipo pensão. Não sabe se outros chineses moravam na Rua Mazini."

O depoimento de Ronaldo Leite de Castilho (fls. 761/762), Agente de Polícia Federal, também é bastante esclarecedor , in verbis:

"Houve uma operação conjunta com a participação de várias equipes da Polícia Federal. O depoente participou da busca em um endereço na Rua Carlos de Souza Nazaré. O imóvel estava vazio e por telefone chegou orientação para que fossem a outro endereçado próximo a 23 de Maio, e ao Hospital Beneficência Portuguesa. Lá chegando uma chinesa permitiu que entrassem no local. Neste havia cerca de vinte pessoas de nacionalidade chinesa tendo sido apreendidos vários passaportes e quatro notas de cem dólares. Não pode afirmar, em razão de sua semelhança, se efetivamente os réus aqui presentes encontravam-se no local. Todas as pessoas foram encaminhadas para a Delegacia da Polícia Federal. Além do depoente fez a diligência o Agente MAURO SABATINO. Não acompanhou a investigação, mas apenas fez parte da equipe encarregada de cumprir o mandado de busca e apreensão. (...) sabe que os dólares foram encontrados em uma mala, mas não pode dizer de quem era a mala, na verdade a sua função foi ficar vigiando as pessoas enquanto MAURO efetuava as buscas. (...) não se recorda o nome da pessoa que morava na Rua Carlos Nazaré, sabe que era um chinês com documento permanente, mas não se recorda o seu nome. Não sabe de quais nacionalidades eram os passaportes que foram encontrados, pois como dito ficou mais preocupado com a segurança da equipe. Os passaportes foram colocados em um saco e levados à Delegacia. Não se recorda do nome WANG KENG. (...) não se recorda de terem sido encontrados alvarás de soltura. Os documentos foram encontrados nas malas das pessoas, sendo que elas não tinham consigo os passaportes, pois estavam a vontade no apartamento e estavam somente com sua roupa do corpo. (...) os dólares estavam dentro de uma mala. Não sabe dizer se os chineses conheciam ZHONG XIAO LEI (...) não conversou com nenhum dos chineses durante a busca. Que falavam muito pouco português." (negritei).

Ressalta-se que as próprias declarações do réu KAI KIU prestadas no auto de prisão em flagrante de fls.26/27, no calor dos acontecimentos, desmentem a versão da defesa do apelante de que os seus patrícios chineses estavam residindo em seu apartamento com a finalidade de dividir despesas de moradia e alimentação, sendo certo que foram encontrados no interior de seu apartamento vários chineses aos quais hospedava e alimentava mediante paga em dólar, além de encontrados e apreendidos inúmeros documentos falsos, destacando-se passaportes estrangeiros falsos que eram usados pelos chineses que ali abrigava.

Com efeito, de acordo com os elementos de prova constantes dos autos, não há nenhuma dúvida quanto a participação do ora apelante nos delitos de introdução ilegal de estrangeiros no país e formação de quadrilha, pelos quais foi condenado.

Assim, restou amplamente demonstrada a prática do delito previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei 6815/80 e no artigo 288 do Código Penal por parte do apelante, conforme consignado pelo magistrado "a quo" às fls. 1344/1347, in verbis:

"(...)há provas suficientes de que DAVID recebia dinheiro de HELENA para levar e trazer estrangeiros ao aeroporto. Por sua vez, como já decidido no feito original (DESMEMBRAMENTO). Esses estrangeiros são os que recebiam passaportes falsos de HELENA (parte deles vinham do exterior, endereçados à casa de DAVID) e que ficavam no Brasil hospedados na casa de KAI KIU. HELENA (JULGADA NO FEITO DESMEMBRADO), afinal, tinha em sua casa vários documentos, e era a real destinatária de outros tantos, tal como foi declarado por DAVID YOU SANG WANG. E a finalidade de tais documentos, pelo que se colhe de vários depoimentos presentes nos autos, era exatamente "legalizar" a situação dos estrangeiros abrigados por KAI KIU e WANG KENG, permitindo, inclusive a penetração de tais estrangeiros em outros países, o que fica evidenciado pelos vistos norte-americanos falsificados (vide ofício do Consulado norte-americano de fl. 547). No flagrante, KAI KIU diz que abrigava chineses em sua casa e recebia dez dólares por dia para isso. Em juízo, embora tenha negado a acusação, assumiu que conhecia DAVID. As testemunhas de acusação, tanto no flagrante quanto em juízo, deixaram claros que vários chineses em situação irregular no país foram encontrados na casa de KAI KIU. Em depoimento, alguns desses chineses, co-réus, assumiram que estavam hospedados na casa de KAI KIU, que era a pessoa que os ajudava no país. A situação dos chineses encontrados na casa de KAI KIU decorre da observação do laudo de fls.970/975, que ao descrever minuciosamente os lançamentos de vistos e carimbos de cada um dos passaportes, deixa claro que, a julgar pelas datas dos vistos brasileiros ali mencionados, sua permanência em nosso país estava efetivamente irregular. E vale lembrar que ZHAO YAN WANG afirmou nas duas oportunidades em que foi ouvido que estava sem o seu passaporte chinês, portanto ilegal. Com isso, em relação à KAI KIU fica clara a configuração do crime do artigo 125, XII, da Lei 6.815/80.(...)DAVID já recebeu correspondências destinadas a ZHONG diversas outras vezes e auxiliou várias vezes estrangeiros irregulares em idas e vindas do aeroporto. A interpenetração de relações entre DAVID, ZHONG (HELENA) e KAIU KIU ficou bastante clara, já que DAVID recebia correspondências e fazia outros serviços de transporte de estrangeiros, a pedido de ZHONG, que por sua vez, distribuía os passaportes recebidos aos estrangeiros que eram abrigados na casa de KAI KIU, que cobrava pela "hospedagem" a substancial quantia de dez dólares norte-americanos por dia de cada um dos estrangeiros irregulares. E sendo a quadrilha, como sabido, um crime que exige o número mínimo de quatro pessoas, reconheço a existência, além dos três acima mencionados, de ao menos mais um integrante, diversas vezes mencionado por vários dos denunciados. Trata-se de WANG KENG, cuja atuação de aliciamento e facilitação de entrada e permanência de estrangeiro irregular no país já foi exposta nos depoimentos de GAO HUA e LIU LIQIN, além da afirmação de ZHAO de que os documentos presentes em seu apartamento haviam sido levados por WANG KENG. Assevero que, conforme posicionamentos jurisprudenciais já conhecidos, existe o crime de quadrilha ainda que um dos integrantes seja desconhecido. E ademais, o fato de seu nome não ter sido localizado pelas diligências realizadas com esse fim não significa sua inexistência, pois embora não se tenha localizado WANG KENG (fl.933), o documento de fl. 1.033 dá conta da existência de vários registros em nome de KEN WANG ou WANG KEN, carecendo a autoridade policial apenas de outros dados que possibilitassem um refinamento da busca. Desse modo, claro está que estes três réus, somados ao terceiro acima especificado se associaram para o fim de prática de crimes, quais sejam o de receptarem documentos falsos e ocultarem estrangeiros clandestinos ou irregulares(...)"

Resta, portanto, claramente demonstrada a ligação entre o apelante e os demais co-réus (formação de quadrilha), bem como entre ele e os estrangeiros que se encontravam irregularmente no país, hospedados em sua casa situada a Rua Francisco Gonçalves (introdução irregular de estrangeiros).

Assim, concluo pelo não provimento do recurso interposto por KAI KIU.

Passo agora a análise do recurso de defesa interposto pelo co-réu DAVID YOU SAN WANG que visa a absolvição pela prática dos delitos de receptação e quadrilha ou bando (artigos 180 e 288, ambos do Código Penal repressivo).

Com efeito, os elementos de prova constantes dos autos levam à certeza da participação do apelante nos delitos descritos na inicial acusatória, e pelos quais foi condenado.

Inicialmente, no que se refere ao delito de receptação, não há nenhuma dúvida sobre a responsabilidade do apelante, como bem assinalado pelo Magistrado "a quo", in verbis:

"(...)No interrogatório do flagrante o réu disse que conhecia HELENA e que desenvolveu amizade com ela. Que HELENA lhe propôs pagar cem dólares para que o ele levasse e trouxesse chineses dos aeroportos. Que após já estar auxiliando HELENA com o transporte dos chineses, ela lhe pediu novo favor, no sentido de que ele recebesse correspondências em sua casa e no seu nome após entregar a HELENA. Disse que nunca abriu estas correspondências. Já em juízo, o réu disse que não tem qualquer relação com os fatos narrados na denúncia e que simplesmente recebeu uma correspondência em sua casa. Por sua vez, as testemunhas de acusação, policiais federais, foram claras ao dizerem que a correspondência interceptada no Alaska era destinada a DAVID e que em sua residência foram apreendidos passaportes japoneses e da Malásia em nome de terceiros. Os policiais disseram, ainda, que DAVID, no local, assumiu que guardava os passaportes para HELENA e que era costume receber passaportes em sua casa para passar posteriormente a HELENA. Disseram também que DAVID assumiu que já havia levados chineses ao aeroporto e que o celular apreendido com DAVID estava em nome da empresa de HELENA. A materialidade do crime está presente na apreensão dos passaportes que estavam na residência do réu, conforme auto de apreensão, cuja falsidade foi devidamente atestada pelos laudos e informações presentes nos autos. Embora o réu tenha se esquivado da acusação no seu interrogatório em juízo, alegando que não sabia o que tinha nas correspondências que recebia, os passaportes apreendidos em sua casa desmentem esse fato. Além disso, é inverossímil que alguém receba regularmente em sua casa correspondência para terceiro (que também tem residência fixa) sem ao menos saber do que se trata. Em relação a isso, mais condizente com os outros elementos de prova é o depoimento do réu no flagrante. Lá o réu assume que, a pedido de HELENA, servia de guia para chineses, principalmente em idas e vindas do aeroporto. Assumiu que recebia dinheiro para isso. Assumiu, ainda, que recebia as correspondências em sua casa para HELENA (CO-RÉ). Não se diga que o depoimento prestado na polícia esta incorreto por coerção pois outros réus foram ouvidos no mesmo flagrante e se reservaram ao direito de permanecerem calados. Com isso, inegavelmente, há provas de que DAVID recebia em sua casa e ocultava em proveito alheio coisa que sabia ser produto de crime, os passaportes falsos, o que será considerado na análise do crime de quadrilha. Contudo, está cabalmente provado que o réu recebeu e tinha em sua casa os passaportes japoneses e da Malásia a pedido de HELENA, sabendo que esses passaportes eram falsos e, assim, produtos de crime.(...)" (os negritos são nossos).

Ora, o fato de terem sido encontrados diversos passaportes japoneses e da Malásia falsificados no apartamento do ora apelante na cidade de Mogi das Cruzes/SP, cuja falsidade foi atestada por laudo pericial, afasta qualquer dúvida sobre a autoria e a materialidade do delito. Além disso, o apelante David You San Wang declarou, perante a autoridade policial, que os envelopes que recebia em sua residência, assim como o que foi apreendido pela polícia norte-americana, tinham como destino real a residência de Zhong Xiao Lei, in verbis:

"(...)Que, durante o tempo em que prestou alguns favores para HELENA, a mesma pediu para o declarante autorização para que algumas correspondências chegassem em seu endereço, fato esse que foi aceito pelo declarante; Que, se recorda de ter recebido quatro ou cinco correspondências, que nunca foram abertas pelo declarante, mas sim entregues a HELENA assim que chegavam; Que, pelo envio de correspondência ao seu endereço HELENA nunca lhe pagou nada; Que, HELENA nunca revelou ao declarante o conteúdo da correspondência recebida, informando apenas que se tratavam de documentos importantes e que jamais poderiam ser extraviados" (fl. 32) (negritei).

Em que pese ter o réu David, quando interrogado perante o Juízo (fls.631 e verso), modificado em parte suas declarações, em nenhum momento nega ter recebido envelopes para Zhong Xiao Lei (vulgo "Helena").

Ainda a corroborar a responsabilidade penal pelo delito de receptação por parte do ora apelante, encontra-se o depoimento em Juízo da testemunha de acusação, Mauro Sabatino (fls. 754/756), Agente de Polícia Federal, in verbis:

"(...)A Polícia Federal, por intermédio da DELIMIG, foi informada pelo governo americano da existência de três correspondências endereçadas ao Brasil e que foram interceptadas no Alaska. Nestas correspondências as autoridades americanas constataram a existência de passaportes e vistos com indícios de falsidade. Estas correspondências seriam endereçadas a três locais, Rua Mazini, Rua Carlos Souza Nazaré e outro endereço em Mogi das Cruzes. Munidos de mandado de busca e apreensão formaram-se várias equipes para diligenciar nos endereços acima descritos.(...)Em Mogi foram encontrados dois passaportes da Malásia e um japonês. O co-réu DAVID que residia em Mogi disse que os passaportes pertenciam à HELENA e que ele naquele local recebia correspondências destinadas a HELENA. Afirma que HELENA é uma pessoa conhecida no meio policial com atividades ligadas ao tráfico de pessoas. (...)A correspondência interceptada no Alaska tinha como destinatário o nome DAVID. (...)Este endereço era o endereço do co-réu DAVID presente na audiência. DAVID argumentou quando da diligência que simplesmente fazia um favor para HELENA recebendo as suas correspondências (destaquei).

Do mesmo modo, bastante esclarecedor é o depoimento da outra testemunha de acusação, em Juízo, Alcides Andreoni Júnior, também agente da Polícia Federal, que informou às fls.758/759 dos autos, in verbis:

"(...)O depoente compôs a equipe responsável pela diligência em Mogi das Cruzes na casa do co-réu DAVID. Na casa de DAVID foram encontrados passaportes japoneses e da Malásia tendo DAVID dito ao depoente que guardava estes passaportes a pedido de HELENA. Disse, também, que costumava receber em seu endereço passaportes que posteriormente seriam entregues a HELENA. Para este serviço receberia de HELENA algum valor em dinheiro, contudo não se recorda quanto.(...)Foram apreendidos passaportes e alguns outros documentos, tais como contas, na casa de DAVID.(...)Não se recorda de ter o co-réu DAVID dito que conhecia as pessoas cujos passaportes foram apreendidos em sua casa." (destaquei).


Assim, não restam dúvidas de que o apelante a pedido de Zhong Xiao Lei ou Helena adquiriu material produto de crime, ou seja, passaportes falsificados que lhe eram enviados pelos Correios ao seu endereço, com a plena ciência da sua natureza espúria, em diversas oportunidades, sendo que esses documentos espúrios, enviados para o seu endereço, eram posteriormente repassados por ele à Helena, verdadeira destinatária das correspondências, que, por sua vez, os entregava, mediante paga, aos estrangeiros interessados em imigrar ilegalmente.

E, do mesmo modo, restou amplamente demonstrada a prática do delito previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei 6815/80 por parte do ora apelante. Senão vejamos.

Viu-se, pelos diversos depoimentos prestados bem como pelas condições em que se deram as prisões, que os documentos falsos apreendidos na residência de DAVID, e que eram repassados para ZHONG XIAO LEI, se destinavam aos estrangeiros que se encontravam hospedados na Rua Francisco Gonçalves.

Cumpre transcrever as afirmações do policial federal Mauro Sabatino (fls. 755), quando relatou as evidências que permitiram estabelecer a ligação entre os locais onde foram efetuadas as prisões, in verbis:

"os três locais podem ser ligados, pois na residência de HELENA foram encontrados dois passaportes japoneses de dois chineses que foram encontrados na Rua Francisco Gonçalves, sendo que estes portavam passaportes chineses. Na correspondência interceptada endereçada a Mogi das Cruzes havia um visto americano e um passaporte britânico também dos dois chineses que foram encontrados na Rua Francisco Gonçalves." (negritei).

Resta, portanto, claramente demonstrada a ligação existente entre DAVID, ora apelante, HELENA e os estrangeiros que se encontravam irregularmente no país, hospedados na casa situada a Rua Francisco Gonçalves.

Realce-se, ainda, as afirmações do próprio apelante DAVID YOU SAN, oferecidas perante a autoridade policial, quando confessa que recebia dinheiro de HELENA para buscar ou levar alguns chineses que desembarcavam ou embarcavam no aeroporto internacional de Guarulhos/SP, cooperando com Zhong Xiao Lei ou Helena para o trânsito dos estrangeiros irregulares mantidos no país, in verbis:

"(...) Que, conhece ZHONG XIAO LEI, também conhecida como LELE ou HELENA; Que primeiramente desenvolveu uma amizade, sendo que posteriormente HELENA o procurou para que lhe fizesse um favor, mas que esse favor seria remunerado com cem dólares; Que, o declarante para receber os cem dólares deveria levar uma chinesa, cujo nome não se recorda, de São Paulo para o Rio de Janeiro, deixando-a no aeroporto do Galeão; Que, esse pagamento seria livre de despesas de viagem; Que, posteriormente HELENA lhe pediu novos favores em São Paulo, ou seja, o declarante deveria buscar ou levar alguns chineses para o embarque no aeroporto internacional de Guarulhos/SP; Que, apenas fazia o traslado não fazendo qualquer contato com nenhuma pessoa naquele aeroporto; Que, recebia sempre cem dólares para fazer esse serviço; (...)" (fls. 32) (destaquei).

Tais declarações guardam harmonia com o conjunto probatório coligido nos autos, o que as reveste de credibilidade, conduzindo à certeza sobre a conduta delituosa de introdução irregular de estrangeiros no país praticadas pelo réu, ora apelante, DAVID, sob a supervisão e comando de Zhong Xiao Lei, que era quem coordenava e dava as ordens aos seus cúmplices.

Cumpre salientar que a condição irregular dos estrangeiros restou plenamente caracterizada, em especial quanto a ZHAO YAN WANG ou ZHAO YEN WANG ou ZHAO MEI HUA, preso na residência de Kai Kiu, juntamente com outros 08 (oito) estrangeiros (fls. 39/40), tendo ele afirmado, tanto em sede policial (fls. 29/30), como perante o Juízo (fls. 723/724), que não estava de posse de seu passaporte chinês, e que se utilizava de um passaporte japonês falsificado para justificar a sua permanência em território nacional.

Ainda consta o depoimento do chinês CHEN JIN HUA, também na condição de estrangeiro irregular no Brasil, que esclareceu em seu interrogatório prestado em Juízo, às fls. 721/722, que:

"(...)Que, em dezembro do ano passado tentou viajar para os EUA mas acabou sendo preso no aeroporto pois estava com passaporte falso. Que foi solto sob fiança, sendo que a pessoa que ficou por ele responsável era um chinês chamado David. Que agora foi preso novamente em uma casa quando visitava duas amigas. Que essas amigas eram as de nome Nana Zou e Meihua Zhao. Que esse local não tem nenhuma relação com David.(...)Que dos réus, conhece o Sr. David que ficou responsável pela sua fiança em um outro processo(...)Que o interrogando chegou nessa casa no dia anterior à sua prisão e acabou passando a noite no local, pois tinha ficado tarde para voltar a Mogi das Cruzes onde estava hospedado na casa do David." (negritei).

Portanto, restaram amplamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito descrito no inciso XII, do artigo 125, da Lei 6.815/80, no que se refere ao ora apelante.

É certo, ainda, que as atividades ilícitas do apelante eram exercidas por meio de uma quadrilha organizada, que se destinava a receber imigrantes ilegais em nosso país e lhes facilitar a sua permanência no território brasileiro, ou a sua entrada ilegal em outros países, como bem consignado na sentença de fls.1332/1352, in verbis:

"(...)passo a analisar o crime de quadrilha ou bando, imputado a KAI KIU e DAVID YOU SAN WANG. Vale dizer, já que este se trata de um crime de concurso necessário, para o qual são necessários ao menos quatro agentes, que juntamente com os dois réus acima mencionados e que remanescem no presente processo, também foram denunciados pelo mesmo crime DOONG CHI MING e ZHONG XIAO LEI, que apesar de terem iniciado conjuntamente o presente processo, já foram julgados no feito desmembrado de réus presos (cópia nestes autos). Sendo assim, ainda que superficialmente, é inevitável citar a conduta destes dois. DOONG foi absolvido, inclusive da acusação de quadrilha. Com ZHONG a situação é bem outra, pois ela foi condenada, inclusive pelo crime de quadrilha. Pelo que já se afirmou acima HELENA é responsável pela receptação de documentos falsos e teve participação no crime de facilitação e ocultação de estrangeiro ilegal no país. Com ficou claro acima, DAVID já recebeu correspondências destinadas a ZHONG diversas outras vezes e auxiliou várias vezes estrangeiros irregulares em idas e vindas do aeroporto. A interpenetração de relações entre DAVID, ZHONG (HELENA) e KAI KIU ficou bastante clara, já que DAVID recebia correspondências e fazia outros serviços de transporte de estrangeiros, a pedido de ZHONG, que por sua vez, distribuía os passaportes recebidos aos estrangeiros que eram abrigados na casa de KAI KIU, que cobrava pela "hospedagem" a substancial quantia de dez dólares norte-americanos por dia de cada um dos estrangeiros irregulares. E sendo a quadrilha, como sabido, um crime que exige o número mínimo de quatro pessoas, reconheço a existência, além dos três acima mencionados, de ao menos mais um integrante, diversas vezes mencionado por vários dos denunciados. Trata-se de WANG KENG, cuja atuação de aliciamento e facilitação de entrada e facilitação de entrada e permanência de estrangeiro irregular no país já foi exposta nos depoimentos de GAO HUA e LIU LIQIN, além da afirmação de ZHAO de que os documentos presentes em seu apartamento haviam sido levados por WANG KENG. Assevero que, conforme posicionamentos jurisprudências já conhecidos, existe o crime de quadrilha ainda que um dos integrantes seja desconhecido. E ademais, o fato de seu nome não ter sido localizado pelas diligências realizadas com esse fim não significa sua inexistência, pois embora não se tenha localizado WANG KENG (fl. 933), o documento de fl. 1.033 dá conta da existência de vários registros em nome de KEN WANG ou WANG KEN, carecendo a autoridade policial apenas de outros dados que possibilitassem um refinamento da busca. Desse modo, claro está que estes três réus, somados ao terceiro acima especificado se associaram para o fim de prática de crimes, quais sejam o de receptarem documentos falsos e ocultarem estrangeiros clandestinos ou irregulares. (negritei).

Assim, restou demonstrado que DAVID, como já se se afirmou acima, era o responsável pela receptação dos documentos falsos e teve participação ativa no crime de facilitação e ocultação de estrangeiro ilegal no país.

Ressalta-se que DAVID menciona já ter recebido correspondências destinadas a ZHONG por diversas outras vezes (fl.32), o que denota o caráter estável da associação e reforça a atuação de coordenação e comando de ZHONG no grupo.

Desse modo, restou configurado o crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do CP) imputado a DAVID YOU SANG WANG, uma vez que ele efetivamente associou-se a outras três pessoas (ZHONG XIAO LEI ou "HELENA", KAI KIU e WANG KENG) de forma profissional e estável para o fim de cometer os crimes de ocultar estrangeiros clandestinos e irregulares no Brasil, inclusive com a prática de falsidade de documentos pelo desconhecido (Wang Keng), e receptação desses documentos falsos por este réu, ora apelante.

Com efeito, não há dúvidas de que DAVID agia dentro de uma associação estável com a atuação de, no mínimo, mais três pessoas participantes, até porque restou claro que os estrangeiros eram aliciados na China, onde seguramente agiam outros componentes da quadrilha.

Ressalte-se, ainda, o fato de que, além dos componentes da quadrilha, que vivem no Brasil e já citados na r. sentença a configurar o delito, as pessoas que remetiam as correspondências, que, como visto, eram recebidas regularmente no Brasil, evidentemente também integram a quadrilha, e mesmo que não se logre a sua identificação, tal fato não impede a configuração do crime descrito no artigo 288, do Código Penal, como já restou decidido pelo Pretório Excelso, in verbis:

"A tese de que é impossível condenar-se uma só pessoa, num processo, por delito de quadrilha, por ser crime de concurso necessário, não merece guarida, porquanto é clara a existência de elementos nos autos denunciadores da societas delinquentium. É irrelevante não abranger a condenação os demais componentes do bando, pois a doutrina entende que, mesmo não sendo possível a identificação de um ou alguns dos quatro integrantes, ainda assim, o delito não deixa de existir' (RTJ 112/1.064)" (apud Código Penal Interpretado; Mirabete, Júlio Fabrini; Editora Atlas; 3ª Edição; 2003; página 1861).

A participação nos crimes, de maneira estável, de estrangeiros que vivem no exterior exsurge do fato de terem sido interceptados, pela polícia norte americana, dois passaportes com as fotos de dois cidadãos chineses que já se encontravam na residência de Kai Kiu, conforme afirmado pelo policial Marco Sabatino (fls. 755).

Ora, ou as fotos foram remetidas a Hong Kong (origem dos envelopes enviados à residência de David Hong Feng - fl. 77) pela própria quadrilha, ou já haviam sido deixadas lá pelas pessoas que desejavam obter passaportes falsos, e os estariam aguardando aqui no Brasil, sob os auspícios dos demais integrantes residentes em São Paulo.

De todo modo, a existência de uma coordenação organizada entre os componentes da quadrilha residentes em São Paulo e no exterior é fato induvidoso, pois restou claramente comprovada nos autos.

Outrossim, pelas correspondências interceptadas pelo governo norte americano, pode-se observar a participação de DAVID YOU SAN WANG e KAI KIU, que estavam incumbidos de receber os documentos falsificados e os encaminhavam para ZHONG XIAO LEI ou "HELENA", líder do grupo, além de fornecer-lhes moradia. Do mesmo modo, cumpria a estes homens executar o serviço de transporte e de intérprete para as pessoas que estavam sendo mantidas irregularmente em nosso país, ou introduzidas em países estrangeiros, também de forma irregular.

Também resta patente a participação de WANG KENG, pessoa que não foi localizada pela polícia, mas é figura constante nos depoimentos trazidos aos autos, como pessoa que auxiliava diretamente a líder do grupo ZHONG XIAO LEI, e que supostamente seria seu companheiro.

Há, portanto, numerosas provas que atestam a existência da quadrilha, formada por mais de três componentes, e a ativa participação do ora apelante DAVID em suas atividades criminosas.

A aguerrida defesa do apelante DAVID requer, por fim, alternativamente, em caso de confirmação da condenação, no que diz respeito à aplicação das penas pela prática dos delitos previstos nos artigos 125, inc. XII da Lei 6.815/80, 180, caput e 288, ambos do Código Penal, que seja a pena reduzida ao seu mínimo legal.

No que diz respeito ao quantum das penas que foram impingidas ao apelante, entendo que a decisão do Juízo "a quo" merece reparos.

Com efeito, as penas foram fixadas um pouco acima do mínimo legal, tendo o MM. Juiz "a quo" fundamentado a dosimetria que adotou nos seguintes termos (fls.1348/1350), in verbis:

"(...)Em relação a DAVID YOU SAN WANG, Inicialmente, para a fixação da pena-base, analiso as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal. A conduta do réu é reprovável, sendo merecedor da punição porque, agindo de forma livre e consciente, fez adequar seu comportamento aos tipos legais, quando lhe era exigível comportamento diverso. Considerando as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, caput, do Código Penal, na primeira fase de aplicação da pena, tanto para o crime previsto no artigo 125, inciso XII da Lei 6815/80, quanto para o crime previsto no artigo 180 do Código Penal e para o previsto no artigo 288 do Código Penal, fixo a pena-base acima do mínimo legal, uma vez que, apesar de não haver nada no comportamento do réu, nas circunstâncias e nas conseqüências do crime que autorizem aumento da pena, o réu possui maus antecedentes, existindo em fls.444/445 várias anotações referentes a estelionatos. Assim, para o primeiro delito fixo a pena em 2 (dois) anos de detenção. Para o segundo delito fixo a pena em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e para o terceiro 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase de aplicação da pena, não vislumbro a presença de circunstâncias agravantes ou atenuantes, permanecendo a pena no patamar estabelecido. Na terceira e última fase de aplicação da pena, não verifico a existência de causas de diminuição ou de aumento de pena. Em relação ao crime previsto no artigo 180 do CP, cumulo a pena privativa de liberdade com a pena de multa, que fixo obedecendo aos parâmetros dos artigos 49,59 e 60 do Código Penal, em 185 (cento e oitenta e cinco) dias-multa. Observo que foi utilizada a mesma proporcionalidade estabelecida para a aplicação da pena-base corporal, ou seja, o qual estabelece a pena privativa de liberdade de 1 a 4 anos de reclusão. No caso em tela, na primeira fase de aplicação da pena privativa de liberdade, observando-se os parâmetros do artigo 59 do Código Penal acima expostos, foi aplicada a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, resultando a majoração de ½ sobre o intervalo entre os limites mínimo e máximo (4 anos - 1 anos= 3 anos; 1 ano e seis meses divididos por 3 anos - corresponde a ½). Da mesma forma, os limites para a pena de multa, estabelecidos no artigo 49, são de 10 a 360 dias-multa. Aplicando-se o mesmo aumento de ½ sobre 350 (correspondente à diferença entre os limites mínimos e máximo - 360 - 10), temos 175 dias-multa, que somados ao limite mínimo (10 dias-multa), perfaz o montante de 185 dias-multa. Aqui também não há agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição a serem aplicadas. Nos termos do artigo 49, § 1º c/c 60 do CP, o valor unitário fica equivalente a 1/30 do salário mínimo, à época dos fatos, que deverá ser atualizada quando do pagamento. Fixo o valor do dia multa em seu valor mínimo legal pois não há nos autos elementos para se aferir a situação econômica do réu. Incide o concurso material (artigo 69 do Código Penal) de modo que as penas devem ser somadas para seu cumprimento, com cumprimento das reclusões primeiro. Embora o artigo 125, inciso XII preveja a aplicação de pena de expulsão aos estrangeiros, é incabível em relação a este réu que foi naturalizado brasileiro em data muito anterior aos fatos." (os negritos são no original e os destaques são nossos).

Na primeira da fase da dosimetria da pena, o MM. Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, ao fundamento de que os diversos apontamentos penais por crime de estelionato constantes das folhas de antecedentes em nome do apelante configurariam maus antecedentes.

Todavia, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes exige-se a confirmação da condenação por seu trânsito em julgado.

Neste sentido os seguintes julgados do STJ:

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, INCISO V, DA LEI Nº 11.343/06. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO. MAUS ANTECEDENTES. PROCESSOS EM ANDAMENTO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CONFIGURAÇÃO. TRÁFICO INTERESTADUAL. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. INEXISTÊNCIA.
I - Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para exacerbação da pena-base (Precedentes).
II - (...).
III - (...).
Ordem concedida.
(HC 103.475, STJ, 5.ª T., rel. Min. Félix Fischer, j. 24/06/2008, DJE 01/09/2008)
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE ESTUPRO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA
DO MÍNIMO. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS E PROCESSOS SEM O TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBLIDADE. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 9.º DA LEI N.º 8.072/90. INAPLICABILIDADE. BIS IN IDEM. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. UTILIZAÇÃO PARA FINS DE CONDENAÇÃO. RECONHECIMENTO DO CARÁTER ILÍCITO DA CONDUTA. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA.
1. Inquéritos policiais ou ações penais em andamento, inclusive sentença condenatória sem o trânsito em julgado, não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados para agravar a pena-base.
2. Mostra-se incabível o aumento de pena previsto pelo art. 9.º da Lei n.º 8.072/90 nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor cometidos com violência presumida - quando não há violência real ou grave ameaça -, pois sua aplicação viola o princípio do non bis in idem.
3. A teor do entendimento desta corte, a atenuante genérica da confissão, prevista no art. 65, inciso III, alínea "d" do Código Penal, tem caráter objetivo, bastando que seja voluntária, não importando o caráter das situações em que foi efetivada a confissão.
4. Ordem concedida para, mantida a condenação, reformando o acórdão impugnado e a sentença condenatória na parte relativa à dosimetria da pena, afastar o aumento da pena-base pelo maus antecedentes, decotar a majorante do art. 9º da Lei n.º 8.072/90 e aplicar a atenuante da confissão espontânea" (HC 11.164/RJ, 5ª. T. , Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 15.12.08)

Ora, viu-se que o Juiz prolator da sentença, claramente, fundamentou o aumento das penas-bases dos crimes de introdução ilegal de estrangeiros, receptação e formação de quadrilha no fato do réu ser portador de maus antecedentes. E o fato de o réu estar respondendo a outros inquéritos e/ou processos criminais não implica na possibilidade de majoração da pena-base, sob pena de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Assim sendo, passo a redimensionar a pena-base aplicada em primeiro grau.

Atendendo às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que o réu DAVID YOU SAN WANG é primário e, apesar de possuir antecedentes criminais, inclusive condenação criminal ainda não transitada em julgado, como consignado, não se pode levar em conta para exasperação da pena-base, já que a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes, exige-se a confirmação da condenação e seu trânsito em julgado. É certo que este réu agiu com culpabilidade exacerbada, como se verá adiante. Todavia, o Juiz "a quo", em relação aos delitos pelos quais o condenou, não a levou em conta. Assim, para não haver "reformatio in pejus", entendo que não se pode considerar tal circunstância quanto a esses crimes. Desse modo, fixo a pena-base em 1 (um) ano de detenção pela prática do delito previsto no artigo 125,XII da Lei 6815/80. Pela prática do delito previsto no art. 180 do Código Penal, fixo a pena-base em 01(um) ano de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. Pela prática do delito previsto no artigo 288 do Código Penal fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, ambos arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

Também, não estão presentes agravantes ou atenuantes ou causas de aumento ou diminuição das penas. Portanto, torno definitiva a pena de 01 ano de detenção por infringência ao artigo 125, XII da Lei 6.815/80, mantendo a parte da sentença que alude ao não cabimento da pena de expulsão prevista no mesmo artigo, pelo fato do réu ter se naturalizado brasileiro em data bem anterior aos fatos narrados na peça acusatória. Torno definitivas, também, as penas de 01 ano de reclusão para cada um dos delitos, por infringência aos artigos 180 e 280, ambos do Código Penal, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa para cada um dos crimes, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, em concurso material.

Por ter havido modificação na pena imposta em primeiro grau, o fenômeno prescricional será analisado ao final, após apreciação do recurso da acusação, que visa a condenação do co-réu DAVID, também às penas do artigo 180 do Código Penal, em sua forma tentada, além do artigo 304 c.c. artigo 297 do Código Penal.

Passo agora a análise do recurso interposto pelo MPF, que visa a condenação dos réus ZHAO MEI HUA, NANA ZHOU, LIN QIAQ ZHEN, KAI KIU e DAVID YOU SAN WANG.

E quanto ao recurso do Ministério Público Federal, verifico que merece parcial provimento.

Inicialmente analiso o recurso ministerial em face da absolvição de Zhao Mei Hua, Nana Zhou e Lin Qiaq Zhen, no que tange ao uso de documento falso.

E começo destacando o seguinte trecho da r. sentença, no tocante à absolvição dos réus Lin Qiao Zhen, Zhao Mei Hua e Nana Zhou:

"(...)Inicialmente, em relação à apresentação de documentos falsos, de que são acusados LIN QIAO ZHEN, ZHAO MEI HUA e NANA ZOU, não merece prosperar o pedido acusatório. Todos foram encontrados e residiam no mesmo endereço de KAI KIU, sendo encontrados quando a polícia se dirigiu para a residência deste último. LIN QIAO ZHEN é acusado pelo uso de passaporte britânico falso em nome de Yan Tak Paau. NANA ZOU e ZHAO MEI HUA foram denunciados pelo uso de alvarás de soltura em nome de WU HUI MEI e LAW LAI CHING. O auto de apreensão de fls. 39/40 revela que os documentos falsos foram descobertos na diligência realizada na casa de KAI KIU. No flagrante LIN QIAO ZHEN permaneceu calado, sendo que NANA ZOU e ZHAO MEI HUA disseram somente que já haviam sido presas com passaportes falsos anteriormente, nada dizendo sobre eventual uso dos Alvarás de Soltura com nomes diferentes dos verdadeiros. Em juízo LIN QIAQ ZHEN disse que tinha em seu poder passaporte em nome de YAN TAK PAAU e que não se apresentou à polícia utilizando-o, alegando que esse passaporte foi encontrado pela polícia em sua gaveta na casa em que foi feita a busca. NANA ZOU, em juízo, disse que já tinha sido processada em outro juízo por uso de passaporte falso e que o alvará de soltura não foi encontrado pela polícia em suas coisas. Disse que um dos policiais achou que a conhecia e perguntou se ela já havia sido presa antes e pediu o alvará de soltura do outro processo. Diz a ré que entregou o Alvará de soltura ao policial, mas que se identificou com o nome correto, ZHOU NANA, e não com o nome constante do Alvará. Finalmente, ZAO MEI HUA disse em juízo que também já tinha sido presa com passaporte falso e que o Alvará de soltura foi encontrado pela polícia em suas coisas, não tendo se identificado usando o alvará. Embora os policiais tenham dito no auto de flagrante que os documentos foram encontrados com os réus, não foram específicos sobre quais réus, lembrando que o processo originalmente tinha grande número de pessoas no pólo passivo e não foram específicos sobre os réus terem se identificado com os documentos falso. Só respalda a acusação, neste ponto, a declaração do policial Mauro, fls. 754, que disse que lhe foram apresentados passaporte japonês e alvarás de soltura falsos. Contudo, seu colega de equipe Ronaldo, testemunha que integrou o auto de flagrante, esclareceu em Juízo (fls. 761/762) que "os documentos foram encontrados nas malas das pessoas, sendo que elas não tinham consigo os passaportes, pois estavam à vontade no apartamento e estavam somente com sua roupa do corpo", não se lembrando dos Alvarás de Soltura. É perfeitamente plausível que as pessoas, no interior de uma residência, não andem munidas de seus documentos, prontas a apresentá-los numa inopinada diligência policial. Considerando-se ainda que a versão apresentada por Ronaldo seja verossímil que o alegado pelas rés em interrogatório seja verdadeiro, de que os policiais entraram no apartamento e mandaram que todos abaixassem e fizeram busca no apartamento. Há elementos indiciários razoáveis de que os documentos falsos tenham sido realmente achados pelos policiais e que que ZOU NANA não tenha se identificado como tendo o nome constante do Alvará, simplesmente o apresentando a pedido do policial. Verifico, assim, que há dúvidas suficientes para impedir a condenação dessas rés, sobretudo no que diz respeito à maneira como os policiais obtiveram os documentos falsos, dadas as circunstâncias da diligência e a dificuldade de comunicação com os inúmeros estrangeiros encontrados no local. Cabível a absolvição dos três réus."

Com efeito, não há, nos autos, prova segura de que as rés ZHAO MEI HUA e NANA ZHOU se utilizaram de documento falsificado.

Em que pese não restar dúvidas quanto a materialidade delitiva, havendo comprovação da falsidade ideológica dos alvarás de soltura apreendidos em poder das rés, conforme demonstra Relatório de Missão Policial de fls. 57/58, não há prova segura e indubitável de que as rés Zhao Mei Hua e Nana Zhou utilizaram o documento falso para se identificarem perante os agentes da Polícia Federal, uma vez que os depoimentos dos policiais federais MAURO SABATINO (fls.754/756) e RONALDO LEITE DE CASTILHO (fls.761/762) encontram-se controversos e imprecisos no que tange à maneira como as rés, ora apeladas, foram abordadas e se identificaram perante os policiais no momento do flagrante no interior do apartamento em que se encontravam.

Inicialmente, confira-se o interrogatório da apelada ZHOU NA NA, constante de fls. 362/364, em que admite que entregou o alvará de soltura ao policial no momento de sua abordagem, porém, não espontaneamente, mas sim a pedido dele, sendo que, no entanto, identificou-se com o seu nome verdadeiro, ou seja, Zhou Na Na, e não com o nome constante do falso alvará de soltura. Destaco os seguintes trechos de seu interrogatório perante a autoridade judiciária:

"(...)Não é verdadeira a acusação. Seu nome correto é ZHOU NA NA. Sabe que em uma outra vez que esteve presa a Polícia colocou seu nome com sendo LAW LAI CHING e ninguém perguntou seu nome correto. (...)É verdade que estava com um Alvará de Soltura, expedido pelo Juiz do outro processo, com o nome LAW LAI CHING. Entregou este documento com o nome LAW LAI CHING a pedido do Policial que a abordou. Os policiais não encontraram o documento no meio de suas coisas. Lembra que um policial a achou familiar e perguntou se ela tinha acabado de ser solta e se tinha o Alvará de Soltura e aí entregou o Alvará ao policial. O passaporte chinês que estava consigo é verdadeiro. Após titubear muito diante da pergunta se entregou o passaporte chinês à Polícia ou a Polícia o encontrou em suas coisas, a interroganda respondeu que entregou o passaporte à Polícia. Se apresentou à Polícia como sendo ZHOU NA NA. Estava com o Alvará de Soltura com o nome errado e o manteve, pois foi o documento que lhe entregaram e tudo estava muito confuso. No outro processo em que esteve presa não lembra a nacionalidade do passaporte que usou como sendo seu e nem lembra se o nome constante nele era LAW LAI CHING. Não lembra nem mesmo se era seu próprio nome que estava no passaporte que usou. Este passaporte que usou e que gerou o outro processo lhe foi entregue por um brasileiro, não sabendo o nome. Não conhece KAI KIU. Não conhece ZHONG XIAO LEI, nem HELENA e nem NENE.(...)Já foi presa em outro processo por uso de passaporte falso." (os destaques são nossos).

Já a co-apelada ZHAO MEI HUA, em seu interrogatório prestado em Juízo (fls.365/366), afirmou que a co-apelada Zhou Na Na efetivamente entregou seu alvará de soltura aos policiais, mas que ela, ao contrário, não utilizou o alvará de soltura para se identificar, tendo sido encontrado pelos policiais no meio de seus objetos pessoais:

"(...)Quando foi presa pela segunda vez (neste processo) os policiais entraram no apartamento, mandaram que todos abaixassem e fizeram busca até encontrar o Alvará de Soltura expedido pelo outro Juiz, na mesa junto com suas coisas. Esclarece que sua amiga ZHOU NA NA efetivamente entregou seu Alvará aos policiais, mas que a interroganda não entregou, pois no dia não estava passando bem, e por isso nem pegou suas coisas para eventualmente sair de casa. Na hora que a Polícia entrou na casa a interroganda estava na cozinha tomando remédio. O policial que achou o documento expedido pelo outro Juiz perguntou se era seu e a interroganda respondeu que sim. A Polícia também achou seu passaporte chinês. Respondeu à Polícia que seu nome era o constante no passaporte, ZHAO MEI HUA."

A acusação quanto ao crime de uso de documento falso em relação às rés Zhao Mei Hua e Zhou Na Na, baseia-se no depoimento de uma única testemunha, o agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino, que em Juízo, às fls. 754/757, afirmou que:

"(...)foi descoberto um outro endereço na Rua Francisco Gonçalves. Por rádio este endereço foi passado à equipe do depoente que para lá se encaminhou. Neste local foram encontradas várias pessoas de nacionalidade chinesa. Duas apresentaram ao depoente um alvará de soltura. Estas duas pessoas tinham passaportes com nome diferentes daqueles que constavam do alvará de soltura.(...)os alvarás de soltura estavam em poder dos chineses que estavam reunidos na sala de estar do apartamento da Rua Francisco Gonçalves." (destaquei).

No entanto tal versão se acha insulada nos autos, pois destoa do depoimento prestado pelo seu colega de trabalho, que, juntamente com ele, participou ativamente da diligência policial, realizada no apartamento pertencente a família de Kai Kiu, localizado na rua Francisco Gonçalves, onde se encontravam hospedadas as chinesas, ora apeladas, acompanhada de vários outros patrícios. Confira-se o depoimento, do também agente da Polícia Federal, Ronaldo Leite de Castilho, em Juízo, às fls. 761/763, dos autos, in verbis:

"(...)Houve uma operação conjunta com a participação de várias equipes da Polícia Federal. O depoente participou da busca em um endereço na Rua Carlos de Souza Nazaré. O imóvel estava vazio e por telefone chegou orientação para que fossem a outro endereço próximo à 23 de Maio, e ao Hospital beneficência Portuguesa. Lá chegando uma chinesa permitiu que entrassem no local. Neste havia cerca de vinte pessoas de nacionalidade chinesa tendo sido apreendidos vários passaportes e quatro notas de cem dólares.(...)Além do depoente fez a diligência o agente MAURO SABATINO.(...)não se recorda de terem sido encontrados alvarás de soltura. Os documentos foram encontrados nas malas das pessoas, sendo que elas não tinham consigo os passaportes, pois estavam a vontade no apartamento e estavam somente com sua roupa do corpo." (destaquei).

E como bem colocado pelo douto Juiz, no bojo de sua sentença, a fl. 1340:

"(...)Só respalda a acusação, neste ponto, a declaração do policial Mauro, fls. 754, que disse que lhe foram apresentados passaporte japonês e alvarás de soltura falsos. Contudo, seu colega de equipe Ronaldo, testemunha que integrou o auto de flagrante, esclareceu em Juízo (fls.761/762) que "os documentos foram encontrados nas malas das pessoas, sendo que elas não tinham consigo os passaportes, pois estavam à vontade no apartamento e estavam somente com sua roupa do corpo", não se lembrando dos Alvarás de Soltura". É perfeitamente plausível que as pessoas, no interior de uma residência, não andem munidas de seus documentos, prontas a apresentá-los numa inopinada diligência policial. Considerando-se ainda que a versão apresentada por Ronaldo seja verossímil qe o alegado pelas rés em interrogatório seja verdadeiro, de que os policiais entraram no apartamento e mandaram que todos abaixassem e fizeram busca no apartamento. Há elementos indiciários razoáveis de que os documentos falsos tenham sido realmente achados pelos policiais e de que ZOU NANA não tenha se identificado como tendo o nome constante do Alvará, simplesmente o apresentando a pedido do policial. Verifico, assim, que há dúvidas suficientes para impedir a condenação dessas rés, sobretudo no que diz respeito à maneira como os policiais obtiveram os documentos falsos, dadas as circunstâncias da diligência e a dificuldade de comunicação com os inúmeros estrangeiros encontrados no local."

Vê-se, pois, que, ainda pesa a favor das rés, ora apeladas, a acentuada diferença entre a língua falada por elas e a nossa, o que pode ter dificultado a abordagem dos policiais no trabalho de identificação e a compreensão das apeladas no momento em que exibiram os alvarás de solturas com nomes divergentes do constante em seus passaportes apreendidos, fato é que o depoimento prestado pelo policial federal Mauro Sabatino, em que relata que, no momento em que foram abordadas e se identificaram a ele, na qualidade de agente policial, as apeladas exibiram alvarás de soltura com nomes divergentes dos que constavam em seus passaportes (uso de documento falso), na verdade, não encontra respaldo em nenhum outro elemento probatório nos autos, não havendo prova segura e extreme de dúvidas quanto ao uso de documento falso.

Não há, portanto, como alcançar o nível de certeza necessário para o decreto condenatório, uma vez que a única prova de que as apeladas utilizaram documentos falsos para identificar-se perante os policiais, seria o depoimento do policial que efetuou suas prisões em flagrante (Mauro Sabatino), mas que foi contrariado pelo outro policial também presente no momento do flagrante (Ronaldo Leite).

Cumpre ao magistrado analisar, de forma imparcial, todos os elementos de prova constantes dos autos e, in casu, não há um conjunto probatório coeso e isento de contradições que permita decretar a condenação de Zhao Mei Hua e Zou Na Na, pelo delito de uso de documento falso, devendo ser mantida a absolvição de ambas.

Já no que tange a co-apelada LIN QIAO ZHEN, discordo da r. decisão absolutória, devendo, portanto, a sentença de primeiro grau ser reformada, pois entendo que ela deve ser condenada pela prática do delito descrito no artigo 297, do Código Penal, uma vez que, se de fato não chegou a utilizar, participou, efetivamente, da falsificação do documento apreendido, e esta imputação está descrita na denúncia.

A materialidade delitiva restou comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão dos passaportes falsificados de fls.39/40, pelo Relatório de Missão Policial de fls.57/58, onde ficou consignado que: "(...)Resta informar que no apto. 112 da Rua Francisco Gonçalves de Andrade Machado, 120, locado por Lin Kuei, pudemos também encontrar os seguintes estrangeiros: (...)d)- Qiaozhen Lin que portava seu passaporte chinês e também um britânico com o nome de Yan Tak Paau."

A autoria delitiva também restou demonstrada, pois, ao ser abordada pelos agentes federais quando da realização da diligência no apartamento supramencionada, onde estava hospedada com os demais patrícios, a co-apelada Lin Qiao Zhen identificou-se com o nome de "Yan Tak Paau", exibindo para tanto, um passaporte britânico verdadeiro, em nome do titular acima mencionado, porém, adulterado com sua fotografia, conforme informações do Consulado Britânico em Hong Kong, que informou que o passaporte e o nome de seu portador -"Yan Tak Paau", conferem com os dados constantes em seus arquivos no computador, esclarecendo que este passaporte exibido pela ré, ora co-apelada, foi um dos passaportes que foram roubados durante o envio pelo correio aos seus titulares (fls.424/425).

A apelada Lin Qiao Zhen tenta se exculpar da acusação de uso de documento falso, alegando em seu interrogatório, perante o Juízo (fls.468/469), que levou o passaporte falso para casa e o guardou em uma gaveta, sendo ele posteriormente achado pelos policiais, não tendo em nenhum momento exibido o passaporte aos policiais, e que nunca tentou viajar para o exterior usando esse passaporte falso. É certo, no entanto, que adquiriu o passaporte falso para utilizá-lo, não sendo crível que, tendo pago pelo passaporte que sabia ser falso, conforme ela mesma confessou, iria simplesmente adquiri-lo para deixar guardado indefinidamente em uma gaveta. Por outro lado, se de fato não tivesse utilizado o passaporte britânico roubado e comprado por ela, a sua participação na falsificação do passaporte restou demonstrada, uma vez que se o documento não foi adulterado de seu próprio punho, forneceu sua foto a outrem para que fosse usada na feitura do documento espúrio, evidenciando-se a sua inquestionável responsabilidade penal.

Com efeito, Lin Qiao admitiu em seu interrogatório (fls. 468/469) que:

"(...)Tinha em seu poder um passaporte em nome de YAN TAK PAAU, de Hong Kong. Este passaporte não era seu. Trabalhava em uma loja de venda de mercadorias e conheceu uma pessoa que disse que conseguiria um visto americano. Ficou esperando essa pessoa pedir seu passaporte para obter o visto americano e um dia antes de ser presa recebeu o passaporte em nome de YAN TAK PAAU. Mesmo estando com o nome errado decidiu pegar o passaporte, pois já havia pago à pessoa, que é conhecida como "PEQUENO ZANG", mil doláres de sinal. Levou para casa o passaporte que obteve com "PEQUENO ZANG" e guardou em uma gaveta. A Polícia achou o passaporte em sua gaveta, não tendo a interroganda apresentado o passaporte. Já havia até esquecido da existência do passaporte. Nunca tentou viajar usando o passaporte em nome de YAN TAK PAAU. Chegou a pedir a "PEQUENO ZANG" que devolvesse seu dinheiro, mas este nunca devolveu." (destaquei).

E, concordo com o douto Juiz, quando afirma no bojo de sua decisão que:

"(...)Embora os policiais tenham dito no auto de flagrante que os documentos foram encontrados com os réus, não foram específicos sobre quais réus, lembrando que o processo originalmente tinha grande número de pessoas no pólo passivo e não foram especificados sobre os réus terem se identificado com os documentos falsos."(fl.1340).

De fato a principal testemunha de acusação, Mauro Sabatino, agente da Polícia Federal, quando de seu depoimento em Juízo (fl.754/756), também não especifica se a co-apelada Lin Qiao, no momento da diligência policial realizada no apartamento pertencente a família de Kai Kiu, exibiu aos policias o falso passaporte, tendo em vista, que no momento da abordagem policial, estavam presentes no interior do apartamento vários patrícios da co-apelada, cerca de 20 chineses, não podendo condená-la por uso de documento falso baseado apenas no depoimento testemunhal prestado por Mauro Sabatino que "indica" que a acusada apresentou aos policias, no momento da abordagem, o documento falso.

E, do mesmo modo como ocorreu com as apeladas Zhao Mei Hua e Zhou Na Na, está a socorrer a apelada Lin Qiao, a versão contraditória do colega de equipe de Mauro Sabatino, o também policial federal Ronaldo Leite, testemunha que integrou o auto de flagrante, e que em Juízo (fls.761/762) veio afirmar que:

"(...)os documentos foram encontrados nas malas das pessoas, sendo que elas não tinham consigo os passaportes, pois estavam à vontade no apartamento e estavam somente com sua roupa do corpo."

Todavia, como já dito acima, restou demonstrada a participação dessa acusada na falsificação do passaporte britânico em nome de "Yan Tak Pauu", uma vez que ela forneceu sua foto para que o documento originariamente verdadeiro lhe fosse posteriormente entregue com a adulteração, auxiliando em sua confecção, como constou na denúncia (fl.07).

Com efeito, do mesmo modo que a co-apelada Lin Qiao, seus patrícios Gao Hua (fls.725/726) e Liu Liqin (fls.727/728), admitiram em seus interrogatórios que entregaram fotos à Wang Keng, que foram usadas para a feitura dos documentos falsos apreendidos. Confira-se, in verbis:

Interrogatório de GAO HUA:

"(...) ficou 2 meses no Paraguai e que Wang Ken propôs que o interrogando viesse ao Brasil que seria um lugar melhor. Que não pagou nada para Wang Ken, apenas lhe entregou suas fotos.(...)" (negritei).

Interrogatório de LIU LIQIN:

"(...) Que chegou ao Brasil junto com seu primo Gao Hua. Que estavam há mais de um mês no Paraguai e vieram ao Brasil através de Wang Ken. Que Wang Keng pediu ao interrogando que lhe entregasse fotos suas para que ele pudesse vir ao Brasil. (...) Que Wang Keng não cobrou nada do interrogando nem exigiu nenhuma entrega de valor, apenas pediu que o interrogando lhe entregasse suas fotos e que lhe fez a promessa de uma melhor oportunidade de trabalho fora do Brasil. (...)" (negritei).

Tais declarações devem ser analisadas em conjunto com os seguintes fatos comprovados nos autos: a ora co-apelada Lin Qiao, juntamente com Gao Hua e Liu Liqin foram presos na residência de Kai Kiu, juntamente com vários estrangeiros que se encontravam sob os cuidados da quadrilha especializada em manter estrangeiros ilegalmente no Brasil e em providenciar documentação falsa para a sua entrada ou permanência em outros países; e ainda: foram apreendidos pela polícia americana dois passaportes japoneses com suas fotos, além de outros dois passaportes britânicos, também já com suas fotos afixadas, apreendidos pela polícia brasileira na residência de Zhong Xiao Lei.

Não restam dúvidas, portanto, que a co-apelada LIN QIAO, juntamente com GAO HUA e LIQIN LIU forneceram suas fotos com o fim de obter passaportes falsos de outras nacionalidades com o objetivo final de ingressar, muito provavelmente, em território norte americano.

E é de se ressaltar que, ao fornecer a fotografia para a confecção do documento falso, como restou descrito na denúncia, a co-apelada praticou o delito descrito no artigo 297, do Código Penal, em co-autoria, como já restou decidido pelos nossos Tribunais, "in verbis":

"Co-autoria no crime de falsidade documental - TJRJ: 'Comete o crime de falsidade documental o agente que manda falsificar documento público, pouco importando que a ação física da falsificação ou adulteração do documento tenha sido realizado por terceiro, porquanto, ao fornecer sua foto para a concretização do falso, atuou na formação material do núcleo do tipo penal, contribuindo decisivamente para a consumação do delito' (RT 758/633)." (apud Código Penal Interpretado; Mirabete, Júlio Fabrini; Editora Atlas; 2003; página 1903).

Deverá, portanto, a sentença de primeiro grau ser reformada para que seja decretada a condenação da co-apelada LIN QIAO ZHEN, pelo delito descrito no artigo 297, do Código Penal.

No tocante ao crime de moeda falsa praticado por KAI KIU, verifico que neste ponto, também merece provimento o recurso da acusação.

Inicialmente, transcrevo o trecho da sentença que absolveu o ora apelado KAI KIU, no que toca ao crime de moeda falsa. A decisão absolutória foi vazada sob os seguintes fundamentos:

"(...)Em relação ao crime de moeda falsa que é acusado KAI KIU, não há elementos para condenação. Os policiais testemunhas de acusação foram claros ao dizer que as quatro cédulas falsas foram encontradas dentro de uma mala, nas coisas do réu, deixando claro que o réu tinha ciência da falsidade das cédulas. Por sua vez, em interrogatório, o réu deixou claro que efetivamente tinha ciência de que as cédulas eram falsas e que as guardava em sua casa dentro de um livro que estava dentro de uma mala. Disse que recebeu estas cédulas de um cliente e que só descobriu que eram falsas posteriormente. Disse que as guardava aguardando eventual retorno do cliente. Ora, pelas provas constantes dos autos, não há prova de que o réu tenha recebido estas cédulas com ciência de sua falsidade. O fato das cédulas terem sido encontradas dentro de um livro e dentro de uma mala é elemento que, no mínimo põe em dúvida intenção do réu de repassá-las a terceiros. Assim, como não há provas de que o réu as tenha recebido de má-fé e como não há provas de eventual intenção de repassá-las, é possível que o réu tenha efetivamente recebido as cédulas de boa-fé e descoberto posteriormente que eram falsas. Com isso, para configuração de crime previsto no parágrafo do artigo em foco (artigo 289) era necessário que o réu tenha ao menos tentado repassá-las a terceiros. Não há prova disso. A guarda das moedas falsas só é crime no caput, tipo que exige recepção das cédulas de má-fé. A guarda feita pelo réu é atípica, pois pode ter recebido de boa-fé e, após, descobrir a falsidade, resolveu guardar. Por falta de provas da recepção de má-fé, o réu merece absolvição."

Observo que a materialidade do delito restou seguramente comprovada, por meio de laudo documentoscópico de fls. 384/387, que concluiu pela falsidade das quatro cédulas de $100 dólares apreendidas em poder de Kai Kiu, e que a contrafação era de boa qualidade, com qualidade suficiente para serem confundidas com cédulas autênticas, tendo, portanto, aptidão para enganar número indeterminado de pessoas.

A autoria, por sua vez, também é certa, não havendo dúvidas, pelas provas coligidas, que as quatro cédulas falsas foram encontradas na posse do apelado, durante cumprimento do mandado de busca e apreensão em seu apartamento. Com efeito, o próprio apelado admitiu, tanto quando ouvido na fase extrajudicial (fl. 27), como em seu interrogatório judicial (fl. 1056), que as quatro cédulas de cem dólares, encontradas em seus pertences, realmente eram suas, não negando nem mesmo a ciência da sua falsidade. A confissão do apelado restou confirmada pela prova testemunhal (fls. 754/756) e documental (auto de exibição e apreensão - fls. 139/40 e laudo documentoscópico - 384/387).

Perante a douta autoridade policial, no auto de prisão em flagrante delito, o ora apelado confessou que:

"(...)QUE, com relação a cédulas de cem dólares, que neste ato admite que são falsas, afirma que recebeu de um de seus clientes; QUE, não sabe explicar porque as guarda" (negritei) (fl.27).

A confissão fornecida na fase inquisitorial foi corroborada pelo ora apelado em seu interrogatório judicial, ao qual transcrevo, in verbis:

"(...)As notas de cem dólares falsas encontradas em seu apartamento eram suas e esclarece que as obteve quando um amigo trocou em sua loja com sua mulher pelo câmbio do dia. Após o interrogando percebeu que as notas eram falsas e avisou seu amigo, que só conhece pelo sobrenome DONG, que as notas eram falsas e este se comprometeu em troca-las.(...)As quatro cédulas falsas foram encontradas dentro de um livro de sua esposa. Esclarece que as notas foram levadas para casa, pois as recebeu há aproximadamente dois anos e meio e já não viu DONG há algum tempo já tendo desistido de receber seu valor de volta. Não recebeu nenhuma outra nota falsa e nem tinha nenhuma outra nota falsa." (fl.1056) (destaquei).

Já a testemunha de acusação, o agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino, esclareceu que:

"(...)as notas de cem dólares foram apreendidas em uma mala, juntamente com o passaporte de KAI KIU.(...)não se recorda em que local exato da mala foram encontrados os dólares falsos, mas apenas que nesta mala havia um passaporte de KAI KIU." (fl.755).

Assim, a análise dos interrogatórios coligidos tanto na fase inquisitiva como judicial, acima transcritos, não deixa dúvidas de que o apelado não só guardava as cédulas falsas de dólares, mas também tinha plena consciência da inautenticidade das notas, agindo com o dolo reclamado pelo tipo penal estampado no art. 289, § 1º do Código Penal.

A versão fornecida pelo apelado, em seu interrogatório judicial (fls. 1055/1057), para justificar a posse das cédulas de cem dólares - de que as obteve quando um amigo trocou em sua loja com sua mulher pelo câmbio do dia e que, após perceber que as notas eram falsas, avisou seu amigo, que só conhece pelo sobrenome DONG, tendo ele se comprometido em trocá-las, asseverando, porém, que já não via DONG há algum tempo, tendo guardado as notas falsas por anos e já havia até mesmo desistido de ver restituído o valor dado ao amigo - encontra-se absolutamente isolada no quadro probatório, não produzindo o apelado prova alguma de que efetivamente tenha negociado com tal amigo e recebido, em troca, as cédulas de cem dólares pela cotação do dia, nem mesmo tendo declinado o nome do suposto amigo que teria lhe repassado as notas falsas, ou ao menos descrito as suas características físicas para que pudesse ser identificado, não se afigurando plausível a sua versão para justificar a posse do dinheiro espúrio.

A não comprovação da origem das cédulas falsas enfraquece a tese de inocência do acusado, conforme vem decidindo o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

"A consciência da inautenticidade da moeda adquirida e a intenção de restituí-la à circulação, constituem elementos configuradores do dolo, necessário à caracterizar a tipicidade do delito de circulação de moeda falsa.
Não reconhecimento de boa-fé, ante a ausência de explicação verossímil da aquisição da moeda'' (...) (ACR 96.03.6129-8, Rel. Desembargadora Federal Sylvia Steiner, D.J., Seção II, de 12.06.96, p. 40109) (grifei)
"(...) A versão dos fatos, fornecida pelo apelante para a origem das cédulas espúrias restou isolada no conjunto probatório, não tendo o recorrente demonstrado, ainda que indiciariamente, que realmente tenha recebido as cédulas espúrias em virtude de negócio realizado com terceiro.
A falta de comprovação da procedência das cédulas falsas milita em desfavor do apelante e arreda a sua alegada boa-fé. Precedentes" (ACR 2000.03.99.018305-0 - 5ª. T. - Rel. Juiz Federal Conv. Hélio Nogueira - DJ, Seção II, de 17.04.07, p. 474) (grifei)

Diante desse contexto, não deve ser prestigiada a conclusão do Juízo de primeiro grau, no sentido de que o co-réu, ora apelado efetivamente não agiu com o dolo exigido pelo tipo penal estampada no art. 289, § 1º do Código Penal.

Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de KAI KIU nas penas previstas no artigo 289, § 1º do Código Penal.

Cumpre, por fim, analisar a apelação do Ministério Público Federal em relação a DAVID YOU SAN WANG.

Foram interceptadas em Miami, pela polícia norte-americana (fls. 37/38, 50/51 e 76), correspondências oriundas da China e de Hong Kong, com destino à Av. Maestro João Batista Julião, 280, Bairro Vila Oliveira - Mogi das Cruzes, tendo como destinatário "Mr. DAVI HONG FENG", e havia 2 pacotes com o mesmo nome e endereço do destinatário e o número de telefone (11) 9609-1888. No interior do primeiro envelope foram encontrados 04 (quatro) passaportes japoneses de números TF4389057, em nome de KOTARO NISHIHARA, TF8720218, em nome de MIN DONG, TE5881558, em nome de MIN DONG, TF3806472, em nome de CHISIU DAVID CHAN; 02 passaportes britânicos de números 613045524, em nome de TSZ CHING LAU, e 613049165, em nome de HO YIN LAU. O segundo envelope continha, em seu interior, 05 vistos americanos sendo: 20030354720152, em nome de HO YIN LAU, 2003.0354.720.102, em nome de YAN ZHENG SHI, 2003.0354.720.101, em nome de XIU YU BIAN, 2003.0354.720.176, em nome de MU XIAN CHEN e 2003.0354.720.153, em nome de TSZ CHING LAU, todos falsificados, conforme laudos de fls. 379/382 821/830.

A ligação entre DAVID YOU SAN WANG e a co-ré ZHONG XIAO LEI (líder da quadrilha especializada em falsificar documentos, tais como passaportes e vistos de entrada, e fornecê-los para estrangeiros que desejam permanecer no Brasil de forma irregular, ou possibilitar a sua entrada em outros países) foi constatada quando os policiais, cumprindo mandado de busca e apreensão na residência do ora apelado, encontraram passaportes da Malásia e do Japão em seu poder, e tendo indagado o réu a respeito de tais documentos ele respondeu que os recebeu e guardava em nome de "HELENA" (fls.57/58 - Relatório de Missão Policial e fl. 59 - Informação).

Portanto, o próprio apelado confirmou que recebia com frequência correspondências que na realidade pertenciam à "Helena", cujo conteúdo eram passaportes falsificados, restando provado nos autos que o apelado era o destinatário das correspondências contendo os documentos inautênticos apreendidos pelas autoridades norte-americanas, bem como restou claro que ele tinha plena consciência do conteúdo ilícito dos mesmos.

Esclarecedor foi o depoimento do agente da Polícia Federal, Mauro Sabatino (fls.754/756), prestado em sede judicial, que participou da diligência de busca e apreensão realizada nos diversos locais informados pelas autoridades dos EUA, para onde seriam enviadas as correspondências contendo documentos falsos e que foram interceptados e apreendidos pela polícia norte-americana:

"(...)A Polícia Federal, por intermédio da DELIMIG, foi informada pelo governo americano da existência de três correspondências endereçadas ao Brasil e que foram interceptadas no Alaska. Nestas correspondências as autoridades americanas constataram a existência de passaportes e vistos com indícios de falsidade. Estas correspondências seriam endereçadas a três locais, Rua Mazini, Rua Carlos Souza Nazaré e outro endereço em Mogi das Cruzes. Munidos de mandado de busca e apreensão formaram-se várias equipes para diligenciar nos endereços acima descritos.(...)Em Mogi foram encontrados dois passaportes da Malásia e um japonês. O co-réu DAVID que residia em Mogi disse que os passaportes pertenciam à HELENA e que ele naquele local recebia correspondências destinadas a HELENA. Afirma que HELENA é uma pessoa conhecida no meio policial com atividades ligadas ao tráfico de pessoas. (...)A correspondência interceptada no Alaska tinha como destinatário o nome DAVID. (...)Este endereço era o endereço do co-réu DAVID presente na audiência. DAVID argumentou quando da diligência que simplesmente fazia um favor para HELENA recebendo as suas correspondências. (negritei).

Também a evidenciar a inquestionável responsabilidade do réu, ora apelado, pelo crime de receptação em sua forma tentada, encontra-se o depoimento em Juízo da testemunha de acusação, Alcides Andreoni Júnior (fls.758/760), que fez parte da equipe que cumpriu mandado de busca e apreensão realizada em Mogi das Cruzes, na residência do ora apelado, afirmando naquela oportunidade que:

"(...)Em razão de correspondências interceptadas pela Polícia Americana e enviadas ao Brasil começaram as investigações.(...)Foram feitos vários levantamentos nos endereços constantes das correspondências interceptadas. Também foi feita campana em cima do co-réu DAVID, até que foram solicitados mandados de busca para três ou quatro endereços. O depoente compôs a equipe responsável pela diligência em Mogi das Cruzes na casa do co-réu DAVID. Na casa de DAVID foram encontrados passaportes japoneses e da Malásia tendo DAVID dito ao depoente que guardava estes passaportes a pedido de HELENA. Disse, também, que costumava receber em seu endereço passaportes que posteriormente seriam entregues a HELENA. Para este serviço receberia de HELENA algum valor em dinheiro, contudo não se recorda quanto.(...)Soube que as outras equipes encontraram passaportes de diferentes nacionalidades referentes a uma mesma pessoa e que na casa de HELENA havia grande quantidade de documentos. Soube também que HELENA tentou livrar-se destes documentos jogando-os pela janela e queimando outros. Reconhece o réu DAVID aqui presente.(...)Foram apreendidos passaportes e alguns outros documentos, tais como contas, na casa de DAVID". (destaquei).

Assim, ficou comprovado que as correspondências interceptadas pelo governo norte americano tinham como um dos destinatários a residência de David You San Wang em Mogi das Cruzes/SP, pessoa que, da mesma forma que outros membros da quadrilha, estava incumbido de receber os documentos falsificados e os encaminhava para a co-ré, "Helena", destinatária final, que após receber os passaportes e vistos provenientes do exterior, os juntava e os entregava, mediante paga, aos estrangeiros interessados em imigrar ilegalmente, tendo sido encontrados pelos policiais federais na residência do ora apelado, aqui no Brasil, diversos passaportes falsos, e as correspondências contendo passaportes falsificados, que foram interceptadas pela polícia norte-americana, já haviam sido remetidas via correio ao seu destinatário, ou seja, ao réu, ora apelado DAVID, só não se concretizando o recebimento da malfadada encomenda com conteúdo ilícito por circunstâncias alheias à vontade do agente.

É certo que o apelado, em momento algum, admitiu a responsabilidade pelo delito, seja em sede policial, seja perante a autoridade judicial. Todavia, há evidências nos autos de seu envolvimento com a co-ré Zhong Xiao Lei, pelo fato de residir no endereço constante das correspondências apreendidas.

Vê-se, pois, que, após um exame mais apurado das provas produzidas nos autos, não persiste qualquer dúvida de que o apelado era o verdadeiro destinatário dos documentos espúrios interceptados pela polícia norte-americana, e este dado é suficiente para ligar David You Sang às atividades criminosas descritas na inicial, o que inviabiliza a absolvição do apelado.

Como bem assinalado pela Ilustre Procuradora Regional da República, em suas razões de apelo às fls. 1385/1387, in verbis:

"(...)Como se denota, a interceptação da correspondência pelas autoridades americanas, diferentemente do disposto em sentença, evidencia que a conduta criminosa já havia adentrado na fase de execução de seu iter criminis, tendo alcançado, pois, um patamar muito além da mera cogitação ou simples prática de atos preparatórios. Importante salientar que os documentos receptados pelo acusado DAVID, no presente caso, tinham valor econômico. Conforme declarado por LIN QIAO ZHEN (fls.468) e ZHAO YAN WQNG (fls.650), os documentos falsos eram providenciados a preços altos, pagos em dólares americanos. Assim, ao receber os documentos, o acusado visava vantagem econômica, pois os repassariam aos destinatários mediante pagamento. É certo, assim, que DAVID tentou receber, sem lograr êxito por circunstâncias alheias à sua vontade, documentos falsos ciente da inautenticidade, visando com eles à obtenção de vantagem econômica mediante a entrega a estrangeiros interessados na utilização para viagens ao exterior. Além do mais, de acordo com as circunstâncias da apreensão dos passaportes falsos no Brasil, verifica-se que era conduta habitual a recepção e negociação da tais passaportes pelo acusado. Participando ativamente das ações da quadrilha o réu estava ciente da falsidade dos documentos, tanto que os recebia em nome de terceiros.(...)Note-se que o réu recebia regularmente, em sua casa, correspondência, como o próprio admite. Mais, pelas informações existentes nos autos, observa-se que DAVID YOU SAN WANG recebia, por intermédio de tais correspondências, passaportes falsificados, tanto que o mesmo acabou sendo condenado pelo MM. Juiz em razão da prática dos delitos de receptação consumada e formação de bando ou quadrilha (fls.1332/1352).Pois bem, como já se afirmou anteriormente, nota-se que DAVID recebia regularmente tais passaportes. Portanto, é de se supor, ante a acentuada verossimilhança, que o acusado, ainda que insciente da exata data de remessa dos passaportes, tivesse conhecimento de que mais passaportes lhe seriam encaminhados via postal. Ademais, o réu acabou sendo condenado, entre outros delitos, pelo crime de formação de quadrilha ou bando, o que sobreleva ainda mais o aspecto da habitualidade criminosa e do conhecimento do condenado acerca do modus operandi da quadrilha. (...)Portanto, ante todas as informações constantes dos autos, levadas em conta por ocasião da sentença, é crível supor que DAVID, enquanto integrante de quadrilha organizada que tinha por finalidade difundir onerosamente passaportes falsos, dentre outros fins ilícitos, tivesse conhecimento acerca da remessa de tais documentos dos Estados Unidos da América para o Brasil, sendo certo que somente não os recebeu, em virtude de circunstâncias alheias à sua vontade. Logo, deve ser acolhida a pretensão deduzida pela inicial acusatória, no sentido de condenar DAVID YOU SAN WANG pela prática do crime previsto no art. 180, caput c/c art. 14, inciso II, do Código Penal."

Vê-se, pois, que, após análise das provas produzidas nos autos, não persiste qualquer dúvida sobre o verdadeiro destinatário da correspondência apreendida, assim como da participação de DAVID na quadrilha que fornecia documentação falsa para os estrangeiros ilegais mantidos no Brasil, motivo pelo qual deverá ser reformada a decisão de primeiro grau, decretando-se a sua condenação por crime de receptação em sua forma tentada, como acima já se aludiu.

Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de DAVID YOU SAN WANG nas penas previstas nos artigos 180, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal.

No que diz respeito ao delito previsto no artigo 304, c.c. artigo 297 do Código Penal, pelo qual o réu DAVID acabou sendo absolvido, é de se acolher o parecer ministerial, no sentido de se manter a absolvição, como segue: " Entretanto, ao requerer, o Ministério Público Federal, nos pedidos de apelação (fls. 1391/1392) a condenação de David como incurso também no artigo 304 c/c 297 do Código Penal, deve ter se equivocado, vez que, em alegações finais o órgão ministerial já havia reconhecido a ausência de provas pata tanto, decidindo neste sentido o d. Magistrado "a quo". (fl. 1631)

Assim, levando em conta que o recurso ministerial foi parcialmente provido em relação aos apelados KAI KIU, LIN QIAO ZHEN e DAVID YOU SAN WANG, cumpre realizar a dosimetria das penas a serem impostas a esses réus.

E, inicialmente, passo a dosar a pena do apelado KAI KIU, que foi ora condenado como incurso no artigo 289, § 1º do Código Penal.

Atenta às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que o apelado não possui antecedentes criminais a justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Também, a personalidade do agente, sua conduta social e as circunstâncias do cometimento do crime estão a lhe favorecer. Desse modo, fixo em 3 (três) anos de reclusão em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

Também, não estão presentes agravantes ou atenuantes ou qualquer causa de aumento ou diminuição da pena. Portanto, torno definitiva a pena de 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, arbitrados no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Levando em conta que este réu também foi condenado por outros delitos, em primeiro grau, e suas penas corporais foram reduzidas neste julgado para 01 ano de detenção e 01 ano de reclusão, entendo que o regime inicial de cumprimento da pena corporal deverá ser o semi-aberto, a teor do artigo 33, parágrafo 2ª, alínea "b" do Código Penal. Não é possível a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, vez que sua somatória supera quatro anos (artigo 44 do Código Penal).

Passo a realizar a dosimetria da pena quanto à apelada LIN QIAO ZHEN, pela condenação quanto ao disposto no artigo 297 do Código Penal.

Lin Qiao não possui antecedentes criminais e as demais circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal estão a lhe favorecer, motivo pelo qual a pena base deverá ser fixada em seu mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, por não haver nos autos, prova a respeito de sua capacidade econômica. Ausentes outras circunstâncias modificativas, torno tais penas definitivas. Presentes os pressupostos previstos no artigo 44, incisos I e III do Código Penal, substituo a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, a prestação de serviços à comunidade em igual prazo, a ser especificada pelo Juízo das Execuções Criminais, além da doação de duas cestas básicas ao mês, pelo mesmo prazo, que reverterá à instituição beneficente indicada pelo Juízo das Execuções Criminais.

E, por fim, passo a realizar a dosimetria da pena quanto ao apelado DAVID YOU SAN WANG, pela condenação quanto ao disposto no artigo 180, caput, combinado com o artigo 14, II, ambos do Código Penal repressivo.

Para o delito previsto no artigo 180, do Código Penal, atenta as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, observo que DAVID, apesar de ser tecnicamente primário, possui maus antecedentes, mas, conforme consignado acima, na apreciação do recurso de defesa do mesmo réu, ora apelado, não se pode levá-los em conta para exasperação da pena-base, já que a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, para a configuração dos maus antecedentes, exige-se a confirmação da condenação e seu trânsito em julgado. Por outro lado, aqui é possível examinar as outras circunstâncias judiciais, considerando que se trata de recurso da acusação. E anoto que a culpabilidade desse acusado restou demonstrada acima da normalidade. É que esse réu, assim como os co-réus Doong Chi Ming e Zhong Xiao Lei (ambos processados e condenados no processo que foi desmembrado - autos nº 2004.61.81.03967-4), recebia documentos falsos por meio de correspondências vindas do exterior e auxiliava Zhong Xiao Lei ou "Helena", que era quem chefiava a quadrilha, na obtenção dos documentos espúrios, oferecendo o seu endereço como destinatário das correspondências com passaportes falsos enviados do exterior por seus cúmplices estrangeiros, tendo papel importante na organização criminosa internacional, que se mostrou sofisticada, tendo em vista a forma como esses documentos lhe eram endereçados do exterior, para serem por ele entregues a ré Zhong Xiao Lei (Helena). Demonstrou, com isso, ter personalidade voltada para a prática de delitos, com a facilidade de dominar os idiomas português e chinês (inclusive, naturalizou-se brasileiro), sendo de grande valia a sua cooperação na organização criminosa, principalmente para os agentes estrangeiros que desconheciam o idioma português. As consequências dos delitos que praticou são extensas (participação na receptação dos documentos espúrios em sua forma consumada e tentada, formação de quadrilha e introdução ilegal de estrangeiros), tendo em vista o grande número de pessoas e documentos falsos envolvidos, a demonstrar o grande prejuízo causado à fé pública e à sociedade em geral, quando aderiu a organização criminosa liderada pela co-ré Zhong Xiao Lei, visando propiciar a entrada e a permanência de estrangeiros em situação irregular no território brasileiro.

Diante desses argumentos, fixo a pena base para o delito previsto no artigo 180 do Código Penal um pouco acima do mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão além de 21 (vinte e um) dias-multa, a qual diminuo em 1/3 (um terço), a teor do artigo 14, inciso II do Código, do que resulta em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Não havendo outras causas de aumento ou diminuição das penas, torno-as definitivas.

Levando em conta que este réu também foi condenado por outros delitos, em primeiro grau, e suas penas corporais foram reduzidas neste julgado para 01 ano de detenção e 02 anos de reclusão, entendo que o regime inicial de cumprimento da pena corporal deverá ser o semi-aberto, a teor do artigo 33, parágrafo 2ª, alínea "b" do Código Penal. Não é possível a conversão da pena corporal por restritivas de direitos, vez que sua somatória supera quatro anos (artigo 44 do Código Penal).

Cumpre consignar que a Polícia Federal deverá ser notificada, para que sejam tomadas as devidas providências no que se refere a expulsão de KAI KIU, após o cumprimento da pena em território brasileiro.

Por fim, diante das novas penas ora cominadas aos acusados, resta a análise do fenômeno prescricional.

E, levando em conta a pena em concreto, ora fixada, no que tange ao crime de moeda falsa (artigo 298, § 1º, do Código Penal) em relação ao apelado KAI KIU, verifico que a pena fixada, de 03 (três) anos, prescreve em 08 (oito) anos, a teor do artigo 109, inciso IV do Código Penal. Note-se que a decisão de condenação interrompeu o lapso prescricional também para o réu KAI KIU, devendo incidir o contido no artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal. Assim, não ocorreu a prescrição, porque não restou ultrapassado o prazo de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (07/06/2004 - auto de prisão em flagrante delito de fls. 21/34) e a data do recebimento da denúncia (19/7/2004), bem como desta última data até a publicação da sentença (31/7/2007), permanecendo intacto o direito de punir do Estado.

No que tange ao crime de falsificação de documento (artigo 304, c.c. 297 do Código Penal) a co-ré, ora apelada, LIN QIAO ZHEN foi agora condenada a pena de 02 (dois) anos de reclusão, que prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou superado entre a data dos fatos (7/6/2004) e a do recebimento da denúncia (19/7/2004 - fl.247), e nem mesmo desta data até a publicação da sentença que condenou os réus KAI KIU e DAVID (31/7/2007) até porque, nos delitos conexos que sejam objeto do mesmo processo, a interrupção da prescrição relativa a qualquer deles estende-se aos demais (artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal).

E, por fim, no que tange aos crimes de introdução ilegal de estrangeiros (artigo 125, XII da Lei 6.815/80), receptação consumada (artigo 180 do CP), formação de quadrilha ou bando (artigo 280 do CP) e receptação tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), pelos quais foi condenado o co-réu DAVID YOU SANG WANG, verifico que, por conta de seu apelo, foram diminuídas as penas que lhe foram cominadas por infringência aos artigos 125, XII da Lei 6.815/80 e artigos 180 e 280, ambos do CP, como acima consignado, restando todas essas penas fixadas em 01 (um) ano de detenção (para o delito previsto na Lei 6.815/80), e 01 (um) ano de reclusão para cada um dos demais, sendo que todos prescrevem em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado entre a data dos fatos (7/06/2004 - auto de prisão em flagrante delito de fls.21/34) e a data do recebimento da denúncia (19/07/2004), bem como desta última data até a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353).

Já, no que tange ao crime de receptação em sua modalidade tentada (artigo 180, cc. o art. 14, II, ambos do CP), o co-réu DAVID veio a ser agora condenado a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, pena essa que também prescreve em 04 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal lapso prescricional não restou ultrapassado como exposto acima, mesmo levando-se em conta a absolvição em primeiro grau relativa a este crime, que normalmente não interromperia o lapso prescricional. Acontece que a publicação da sentença condenatória (31.07.2007 - fl.1.353) imposta ao co-réu KAI KIU deve ser compreendida como marco de interrupção da prescrição em relação também ao ora apelado DAVID, como determina o artigo 117, §§ 1º e 2º do Código Penal, já que este se associou àquele e aos demais réus, formando uma organização criminosa, sob a liderança de Zhong Xiao Lei ou "Helena" para o cometimento do crime de receptação e demais crimes conexos que são objeto deste mesmo processo, havendo um liame entre os diversos crimes cometidos - formação de quadrilha ou bando, falsificação e uso de documentos falsos, receptação e introdução ilegal de estrangeiros no país - inteligência do legislador pátrio.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso de KAI KIU e dou parcial provimento ao recurso interposto pelo co-réu DAVID YOU SAN WANG, para o fim de reduzir as reprimendas a ele impostas, para 01 (um) ano de detenção, como incurso no artigo 125, XII, da Lei 6.815/80; para 01 (um) ano de reclusão e mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário mínimo legal, para cada um dos delitos dos artigos 180 e 280 ambos do Código Penal.

Por fim, também dou parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para condenar KAI KIU, também como incurso nas penas do artigo 298, § 1º, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal; para condenar a co-ré LIN QIAO ZHEN como incursa no artigo 297 do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea "c" do Código Penal, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, com a substituição da pena corporal por 02 (duas) penas restritivas de direitos, tal como acima explicitado; para condenar DAVID YOU SAN WANG, também como incurso nas penas do artigo 180, "caput" c.c. artigo 14, inciso II do Código Penal, a cumprir a pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, e ao pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, sendo que as penas somadas, em concurso material, resultam em, para KAI KIU: 01 (um) ano de detenção, 04 (quatro) anos de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para LIN QIAO ZHEN: 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, mais o pagamento de 10 (dez) dias-multa; para: DAVID YOU SAN WANG 01 (um) ano de detenção, 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais o pagamento de 34 (trinta e quatro) dias-multa, ficando mantida, quanto ao mais, a decisão de primeiro grau.

É COMO VOTO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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