Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/04/2012
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0004554-90.1999.4.03.0000/MS
1999.03.00.004554-2/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
AGRAVANTE : EDMUNDO AGUIAR RIBEIRO e outros. e outros
ADVOGADO : LUIZ CARLOS DA SILVA LIMA
AGRAVADO : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : PAULO THADEU GOMES DA SILVA
No. ORIG. : 98.20.00924-3 1 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - POSSESSÓRIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DEMARCAÇÃO DE ÁREA INDÍGENA - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - REQUISITOS PRESENTES - AGRAVO IMPROVIDO.
1. O Ministério Público Federal tem legitimidade para promover, pela via da ação civil pública, a defesa dos direitos e interesses das comunidades indígenas. Preliminar rejeitada.
2. Os atos relacionados com a publicação do Decreto Homologatório são meramente administrativos e não têm o condão de afirmar ou de infirmar a presença de vestígios que demonstrem ser a área de ocupação tradicional indígena.
3. Em ação civil pública, presentes seus pressupostos, admite-se a concessão de medida liminar, cujo deferimento não exige prova cabal do direito reivindicado em favor das comunidades indígenas, contentando-se, a medida, com a existência de vestígios da ocupação indígena na área a ser demarcada.
4. Nos termos em que foi deferida, a medida liminar preserva o direito de ambas as partes, haja vista que, apenas estipulou a ocupação de parte da reserva, a ser escolhida de comum acordo pelas partes.
5. Agravo improvido. Decisão mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de março de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 10/04/2012 23:35:26



AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0004554-90.1999.4.03.0000/MS
1999.03.00.004554-2/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
AGRAVANTE : EDMUNDO AGUIAR RIBEIRO e outros. e outros
ADVOGADO : MARIA TEREZA CAETANO LIMA CHAVES
AGRAVADO : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : PAULO THADEU GOMES DA SILVA
No. ORIG. : 98.20.00924-3 1 Vr DOURADOS/MS

VOTO-VISTA

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO


Por ocasião do julgamento do presente agravo de instrumento, de Relatoria da Eminente Desembargadora Federal Ramza Tartuce, cujo voto foi no sentido de negar provimento ao recurso (fls. 2.147/2.150), pedi vista dos autos para um exame mais acurado das razões recursais e das provas que as acompanham.


Trata-se de agravo de instrumento interposto por EDMUNDO AGUIAR RIBEIRO e Outros em face da decisão proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Dourados/MS nos autos de ação civil pública de obrigação de fazer cumulada com obrigação de não fazer (Proc. nº 98.2000924-3) ajuizada pelo Ministério Público Federal em face dos ora agravantes e da parte ré, em que objetiva a desobstrução da área que foi reconhecida como terra indígena, bem como a composição provisória para que os indígenas passem a habitar um "pedaço de terra" (sic) inserido nos 4.025 ha (já identificados e delimitados como sendo a área indígena POTRERO GUAÇU, através do Despacho nº 50, de 24/07/1997, exarado pelo Presidente da FUNAI), que deferiu a pretendida liminar para que "seja provisoriamente destacada uma área de terras para habitação dos indígenas, a ser escolhida de comum acordo por todas as partes interessadas (o MPF, a comunidade indígena representada pela FUNAI e pelos requeridos) dentro da área em questão chamada POTRERO GUASU, prosseguindo-se nos trabalhos de demarcação, até ulterior decisão deste Juízo" (fls. 34/38).


Aduzem, em síntese, que são proprietários e legítimos possuidores das Fazendas "Ouro Verde", "Jatobá" e "Nova Fronteira", em que desenvolvem projetos agropecuários de alta produtividade, além de empregarem diretamente inúmeras famílias, conforme laudos técnicos que acompanham as razões recursais.


Alegam que suas propriedades possuem filiações regulares e remontam aos títulos definitivos de propriedade expedidos pelo Estado do Mato Grosso nos anos de 1952 e 1960, e que contabilizando as posses transmitidas pelos seus antecessores, mantêm posse mansa e pacífica nos imóveis em questão há mais de quarenta anos, também acrescentando que as escrituras públicas de declarações de pessoas nascidas e criadas na cidade de Paranhos não deixam dúvidas da imensa longevidade da posse exercida pelos seus ancestrais, primeiramente, e agora por eles próprios.


Sustentam que em 19/04/98 um grupo de indígenas advindos da Aldeia Pirajuí e Paraguai (localidade "Mboi Jaguá") praticaram esbulho possessório contra alguns pequenos proprietários que haviam recebido título do INCRA em projeto de assentamento no início da década de 70, e que a invasão teve como objetivo acelerar o processo administrativo de identificação e demarcação da pretensa área indígena.


Asseveram que o Parquet Federal não tem interesse de agir em ação de espécie civil pública, somado ao fato de que o despacho de nº 50 do Presidente da FUNAI, que aprovou o resumo do relatório de identificação da pretensa área POTRERO GUAÇU, não possui força jurídica constitutiva, evidenciando somente expectativa de direito, somado ao fato de que o ato administrativo inicial do procedimento demarcatório é inconstitucional, além do que o MPF teria desviado sua finalidade constitucional ao substituir a FUNAI na exclusiva "missão administrativa" de assistência aos indígenas, inclusive quando cometem atos ilícitos, como o esbulho possessório.


Acrescentam que não se pode dizer que os índios "ocupam permanentemente" a pretensa área POTRERO GUAÇU, se o próprio relatório da FUNAI afirma textualmente que os silvícolas foram assentados na reserva de Pirajuí desde o início da década de 70.


Nas fls. 1.584/1.585 consta a decisão proferida pela I. Relatora, que negou seguimento ao agravo de instrumento, ao fundamento de que estando presentes o fumus boni juris e o periculum in mora não se vislumbra qualquer ilegalidade ou abusividade na decisão agravada, o que ensejou a interposição de agravo legal (fls. 1.590/1.599).


A I. Relatora manteve a decisão proferida (fls. 1.605/1.606), tendo os autos sido encaminhados ao Parquet Federal, que opinou no sentido de não provimento do recurso (fls. 1.609/1.612).


Na sessão de julgamento realizada em 30/11/99 a 5ª Turma decidiu, à unanimidade, não conhecer do pedido de efeito suspensivo e, por maioria, deu provimento ao agravo legal, nos termos do Voto do Des. Fed. Fábio Prieto, acompanhado pela Des. Fed. Suzana Camargo, vencida a Relatora Ramza Tartuce (fls. 1.616/1636).


Diante da reforma da decisão que negou seguimento ao recurso, os presentes autos retornaram à I. Relatora para o exame do pedido de efeito suspensivo, conforme despacho de fl. 1.640, em que consta determinação para que sejam requisitadas informações ao juiz da causa, que vieram na fl. 1.645, noticiando que na ação de produção antecipada de provas foi determinada perícia antropológica e que a ação civil pública encontrava-se em fase de registro para sentença.


Nas fls. 1.648/1.649 foi proferida decisão que indeferiu efeito suspensivo ao recurso.


Os agravantes interpuseram, uma vez mais, agravo legal (fls. 1.656/1.664).


Novas informações acerca do feito de origem foram enviadas pelo juízo a quo, inclusive a notícia de que o MPF declarou que foi realizado acordo entre as partes para que os indígenas permanecessem numa área de 264,01 do total de 4.025 hectares (fls. 2.053/2.059).


A contraminuta do MPF consta das fls. 2.081/2.099 e o Parecer do mesmo Parquet veio aos autos nas fls. 2.106/2.115, que se fez acompanhar da cópia da Portaria nº 298, de 13/04/2000, do Ministério da Justiça, que declarou de posse permanente do grupo indígena POTRERO GUAÇU a superfície de 4.025 ha, e também determinou que "a FUNAI promoverá a demarcação administrativa da área indígena ora declarada, para posterior homologação pelo Presidente da República, nos termos do art. 19, § 1º, da Lei nº 6.001/73 e do Decreto nº 1.775/96 (fl. 2.116).


É o breve relatório.


Rejeito a preliminar de falta de interesse processual do Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação originária porquanto a Constituição Federal, ao regular as funções institucionais do Parquet, estabelece que lhe compete "defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas" e que "A legitimação do Ministério Público para as ações previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei" (art. 129, inciso V, e § 1º, respectivamente). Portanto, não somente à FUNAI cabe a defesa das comunidades indígenas.


E, de início, considero que se faz necessário trazer as questões que foram apreciadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da ação popular que pretendia a desconstituição da demarcação contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol (Petição nº 3.388), em sessão realizada em 19/03/2009, mesmo porque, conforme ressaltou em seu voto o Ministro Marco Aurélio "Não restam dúvidas, porém, que a conclusão adotada na presente ação norteará a atuação da Corte nas demais."


Nesse julgamento, o Min. Menezes Direito, cujo voto vista complementou o voto do Ministro Relator, Ayres Brito, consignou que


"Não há índio sem terra. A relação com o solo é marca característica da essência indígena, pois tudo o que ele é, é na terra e com a terra. Daí a importância do solo para a garantia dos seus direitos, todos ligados de uma maneira ou de outra à terra. É o que se extrai do corpo do art. 231 da Constituição."


E prossegue:


"(...)

Por isso, de nada adianta reconhecer-lhes os direitos sem assegurar-lhes as terras, identificando-as e demarcando-as.

(...)

Assim, não há dúvida de que a referência feita pelo caput do art. 231 a "terras que [os índios] tradicionalmente ocupam", é a definição primária de terras indígenas.

Sendo seus principais elementos constituídos pelo advérbio "tradicionalmente" e pelo verbo "ocupam", é o significado destes que deve orientar a identificação espacial das terras indígenas.

Em primeiro lugar, as terras indígenas são terras ocupadas pelos índios. Não terras que ocuparam em tempos idos e não mais ocupam; não são terras que ocupavam até certa data e não ocupam mais. São terras ocupadas pelos índios quando da promulgação da Constituição de 1988.

O marco para a determinação da ocupação indígena (5/10/88) decorre do próprio sistema constitucional de proteção aos direitos dos índios, que não poderia deixar de abranger todas as terras indígenas existentes quando da promulgação da Constituição, sob pena de ensejar um desapossamento ilícito dos índios por não-índios após sua entrada em vigor. Isso chegou a ocorrer após a Constituição de 1946, mesmo tendo ela assegurado o direito deles sobre suas terras. A mesma razão pode ser extraída do voto do Ministro Victor Nunes Leal no julgamento do RE nº 44.585 (DJ de 11/10/1961).

(...)

Em segundo lugar, as terras indígenas são terras ocupadas tradicionalmente pelos índios.

(...)

E esse modo de ocupação, por sua vez, foi definido na própria Constituição, no § 1º do art. 231.

(...)

"Terras que os índios tradicionalmente ocupam" são, desde logo, terras já ocupadas há algum tempo pelos índios no momento da promulgação da Constituição. Cuida-se ao mesmo tempo de uma presença constante e de uma persistência nessas terras. Terras eventualmente abandonadas não se prestam à qualificação de terras indígenas, como já afirmado na Súmula nº 650 deste Supremo Tribunal Federal. Uma presença bem definida no espaço ao longo de certo tempo e uma persistência dessa presença, o que torna a habitação permanente outro fato a ser verificado.

(...)

Proponho, por isso, que se adote como critério constitucional não a teoria do indigenato, mas, sim, a do fato indígena.

A aferição do fato indígena em 5 de outubro de 1988 envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades práticas de uma investigação imemorial da ocupação indígena.

Mas a habitação permanente não é o único parâmetro a ser utilizado na identificação das terras indígenas. Em verdade, é o parâmetro para identificar a base ou núcleo da ocupação das terras indígenas, a partir do qual as demais expressões dessa ocupação devem se manifestar.

(...)

Assim, é a ciência que oferece os meios de identificação do âmbito da presença indígena ou, em outras palavras, do fato indígena.

É esse fato qualificado que o procedimento de identificação e demarcação deve ter por objeto. Tal procedimento deve se tornar uma atividade orientada pelos elementos que tipificam a presença indígena e definem seu âmbito. A identificação do fato indígena, que por um lado dispensa considerações sobre a ocupação imemorial, por outro exige comprovação e demonstração, ou seja, presença na data da promulgação da Constituição de 1988 dos índios nas terras em questão, uma presença constante e persistente.

(...)

Conclui-se que uma vez demonstrada a presença dos índios em determinada área na data da promulgação da Constituição (5/10/1998) e estabelecida a extensão geográfica dessa presença, constatado o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional da terra, nenhum direito de cunho privado poderá prevalecer sobre os direitos dos índios. Com isso, pouco importa a situação fática anterior (posses, ocupações, etc.). O fato indígena a suplantará, como decidido pelo constituinte dos oitenta.

No caso concreto, segundo o autor e seus assistentes, a demarcação violou direitos particulares que se constituíram antes mesmo da vigência da política de atribuição aos índios das terras por eles ocupadas tradicionalmente.

Seria o caso dos imóveis com posse ou propriedade anteriores ao ano de 1934, quando foi promulgada a primeira Constituição que assegurou o direito dos índios à posse da terra que tradicionalmente ocupavam. Antes disso, sustentam, não havia proteção quanto às terras indígenas.

Mas essa argumentação não pode prosperar nos termos do art. 231 da Constituição de 1988, que reconhece um direito insuscetível de prescrição aquisitiva no que se refere à posse das terras indígenas como assentado em precedente deste Supremo Tribunal Federal, de que Relator o Ministro Celso de Mello (RE nº 183.188/MS, DJ de 14/2/1997). Ademais, não há direitos adquiridos diante da Constituição, como também já definiu esta Suprema Corte no julgamento do RE nº 94.414, Relator o Ministro Moreira Alves (DJ de 19/4/1985)." (destaque deste Relator)

De outra parte, a Ministra Cármen Lúcia traçou todo um histórico das terras indígenas, pesquisa essa pautada na obra de João Mendes Júnior ("Os indígenas do Brasil, seus direitos individuais e políticos. São Paulo: Typ. Hennies, Irmãos, 1912), conforme excertos que trago à colação:


"(...)

Examina aquele autor, após incursionar pelo processo colonizador no Brasil e nos Estados Unidos e seus atos e efeitos sobre os indígenas, a legislação posterior à independência, mencionado desde a Lei de 27 de outubro de 1831, revogando as Cartas Régias de 1808, abolindo a servidão dos índios, e os considerando como órfãos, até a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, que regulou as terras possuídas, as terras devolutas e as terras reservadas. Das terras devolutas, afirma aquele autor, a lei reservou as necessárias para a fundação de povoações e aberturas de estradas e mais fundações públicas e para a colonização dos indígenas.

O Regulamento n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, interpretando aquela Lei, declarou que as terras seriam reservadas para colonização "e aldeamento dos indígenas nos distritos que existirem hordas selvagens" (arts. 72 a 75).

O insigne autor paulista anota que "bem se entende que o legislador não julgou necessário subordinar os índios aldeados, mesmo nos distritos onde existem hordas selvagens, às formalidades da legitimação de sua posse; pois o fim da lei era mesmo o de reservar terras para os índios que aldeassem. Mas, nas demandas entre posseiros e indígenas aldeados, se tem pretendido exigir que estes exibam os registros de suas posses. Parece-nos, entretanto, que outra é a solução jurídica: - desde que os índios já estavam aldeados com cultura e morada habitual, essas terras por eles ocupadas, se já não fossem deles, também não poderiam ser de posteriores posseiros, visto que estariam devolutas; em qualquer hipótese, suas terras lhe pertenciam em virtude do direito à reserva, fundado no Alvará de 1º de abril de 1680, que não foi revogado, direito esse que jamais poderá ser confundido com uma posse sujeita à legitimação e registro" (p. 57).

Já então se reconheceu - o que apenas se reforçou a partir das Constituições brasileiras de 1934 até a de 1988 - o indigenato, a distinguir a posse dos indígenas sobre suas terras da posse de ocupação. É ainda João Mendes Júnior que afirma que "Tanto o indigenato quanto o colonato, podem ser preliminares da municipalização. Os próprios Romanos, que se constituíram por conquista e que davam tanta importância ao dominium ex jure quiritium, tiveram de reconhecer estes efeitos...As leis portuguesas dos tempos coloniais apreendiam perfeitamente estas distinções: dos índios aborígenes, organizados em hordas, pode-se formar um aldeamento mas não uma colônia; os índios só podem ser constituídos em colônia quando não são aborígenes do lugar, isto é, quando são emigrados de uma zona para serem imigrados em outra. ... sem desconhecer as outras fontes, já os filósofos gregos afirmavam que o indigenato é um título congênito, ao passo que a ocupação é um título adquirido. Conquanto o indigenato não seja a única verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na frase do Alvará de 1º de abril de 1680, 'a primária, naturalmente e virtualmente reservada', ou, na frase de Aristóteles (Polit., I n. 8), 'um estado em que se acha cada ser a partir do seu nascimento'. Por conseguinte, o indigenato não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem. O indígena, primariamente estabelecido, tem a 'sede positio', que constitui o fundamento da posse, segundo o conhecido texto do jurisconculto Paulo... a que se referem Savigny, Molitor, Mainz e outros romanistas; mas o indígena, além desses jus possessionis, tem o jus possidendi, que já lhe é reconhecido e preliminarmente legitimado, desde o Alvará de 1º de abril de 1680, como direito congênito. Ao indigenato, é que melhor se aplica o texto do jurisconsulto Paulo: - 'quia naturaliter tenetur ab eo qui insistit'" (op. cit., p. 58)

(...)

A Constituição brasileira de 1824 nada dispôs sobre os índios. O Ato Adicional de 1834 (Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834) estabeleceu, em seu art. 11, § 5º, a competência das assembléias legislativas provinciais para "promover, cumulativamente com a assembléia e o governo geral, a organização da estatística da província, a catequese, a civilização dos indígenas e o estabelecimento de colônias".

Entende-se que o indigenato, entretanto, tinha sido recepcionado pela Constituição imperial, pelo que os seus efeitos produziam-se independente de previsão constitucional expressa.

O mesmo se há de compreender, pois, com o advento da Constituição de 1891, que, não tendo cuidado, expressamente, da matéria, faz indiscutível que os índios detinham os direitos dos brasileiros aos quais se sobressaíam o que era sua condição exclusiva, qual seja, aqueles referentes ao indigenato.

Enfatiza José Afonso da Silva, em Parecer oferecido na presente ação, que a Constituição de 1891 "gerou alguma controvérsia e até alguma conseqüência não autorizada. Referimo-nos ao art. 64 que declarou pertencer aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Diante deste dispositivo, alguns Estados, tendo como devolutas as terras ocupadas pelos índios, começaram a estabelecer disposições sobre legitimação de posse, reconhecimento de domínio, discriminações das terras possuídas que as abrangiam. Com certeza, não havia boa fé nesses procedimentos, porque terras ocupadas pelos índios certamente não eram devolutas" (Parecer, p. 3).

A Constituição de 1934 conferiu à União competência privativa para legislar sobre "a incorporação dos silvícolas à comunhão nacional", e, ainda, definiu que "art. 129 - Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las".

Estava reconhecido e garantido, assim, o indigenato, conquanto não de forma direta, mas, à evidência, de forma decisiva.

A Carta de 1937 manteve disposição com o mesmo conteúdo daquele contido na norma da Constituição anterior, com os limites da outorga que lhe deu origem e de sua inefetividade geral.

A Constituição de 1946 voltou ao tema, em seus arts. 5º, inc. XV, al. e 216.

Em comentários àquela norma enfatizava Temístocles Brandão Cavalcanti, que posteriormente viria a ser o redator do Projeto transformado em Estatuto do Índio (Lei n. 6001, de 19.12.1973): "A Constituição assegura aqui o ius possidetis (na verdade, o indigenato) das terras ocupadas pelos índios, com a condição de que a não transfiram. É o reconhecimento da posse imemorial dos donos da terra, dos sucessores daqueles que primeiro a povoaram e que, até hoje, ainda não se incorporaram aos hábitos e aos costumes da civilização colonizadora" (A Constituição Federal Comentada. Rio de Janeiro: José Konfino, 1959, v. IV, p. 242).

A Carta de 1967 fez incluídas entre as terras da União as ocupadas "pelos silvícolas" (art. 4º, inc. IV), outorgou a este ente nacional competência para legislar sobre incorporação dos silvícolas à comunhão nacional, além de lhes manter a segurança de serem titulares da "posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes" (art. 186).

Vale aqui referência expressa aos dizeres de Pontes de Miranda, que comentando aquelas normas afirmava serem "nenhuns quaisquer títulos, ainda que registrados, contra a posse de silvícolas, ainda que anterior à Constituição de 1934, se à data da promulgação havia tal posse" (Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Livraria Boffoni, 1947, v. IV, p. 218).

A Emenda n. 1, de 1969, repetiu aquelas normas, mas acrescentou as conseqüências que erigem em regras com efeitos retro quanto a pretensões baseadas em títulos formais, que, como asseverara antes Pontes de Miranda, não podiam ser reconhecidos como válidos.

Naquele documento constitucional, consta em art. 198 e seus parágrafos:

"Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes.

§ 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas.

§ 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio."

A Constituição de 1988 inovou o tema ao tratar em capítulo próprio dos princípios e das regras asseguradores dos direitos dos índios e do indigenato, dispondo, em seu art. 231:

CAPÍTULO VIII

DOS ÍNDIOS

"Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4 - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º."

Em comentários sobre estas normas, realça José Afonso da Silva que "a questão da terra transformara-se no ponto central dos direitos constitucionais dos índios, pois para eles ela tem um valor de sobrevivência física e cultural. Não se ampararão seus direitos se não se lhes assegurar a posse permanente e a riqueza das terras por eles tradicionalmente ocupadas, pois a disputa dessas terras e de sua riqueza - como lembra Manuela Carneira da Cunha - constitui o núcleo da questão indígena, hoje, no Brasil. Por isso mesmo, esse foi um dos temas mais difíceis e controvertidos na elaboração da Constituição de 1988, que buscou cercar de todas as garantias esse direito fundamental dos índios. Da Constituição se extrai que sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios incidem os direitos de propriedade e os direitos de usufruto, sujeitos a delimitações e vínculos que decorrem de suas normas" (Comentários Contextutal à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 869)."

Já o Ministro Eros Grau manifestou-se no sentido de que:


"(...)

As terras indígenas são de propriedade da União porque eram tradicionalmente ocupadas pelos índios. A propriedade aqui --- propriedade da União --- resulta da sua ocupação tradicional pelos índios. Essas terras --- leio em parecer do Professor Moreira Alves que veio ao meu gabinete --- são protegidas contra os esbulhos posteriores às Constituição de 1988, mas também contra elas são inválidos e de nenhum efeitos os títulos de propriedade anteriores. Repito: essas terras são protegidas contra os esbulhos posteriores à Constituição de 1988, mas também contra elas são inválidos e de nenhum efeito os títulos de propriedade anteriores."


Também o Ministro Cezar Peluso manifestou-se acerca da importância daquele julgamento, no sentido de que


"(...) a postura que esta Corte está tomando hoje não é de julgamento de um caso qualquer, cujos efeitos se exaurem em âmbito mais ou menos limitados, mas é autêntico caso-padrão, ou leading case, que traça diretrizes não apenas para solução da hipótese, mas para disciplina de ações futuras e, em certo sentido, até de ações pretéritas, nesse tema."



O Ministro Relator, Ayres Britto, destacou, na sessão realizada em 10/12/2008, que


"(...) a Constituição optou pela demarcação no âmbito exclusivo da União porque, historicamente, Estados e Municípios sempre se contrapuseram às pretensões indígenas da demarcação de área para as populações indígenas, daí porque titularam ilicitamente, expediram títulos não de propriedade, mas de uso, de ocupação. Há uma razão histórica para excluir desse processo os Estados e os Municípios."



De sua parte, o decano Ministro Celso de Mello, dentre outras colocações, pronunciou-se nestes termos:


"(...)

A intensidade dessa proteção institucional revela-se tão necessária que o próprio legislador constituinte pré-excluiu do comércio jurídico as terras indígenas ("res extra commercium"), proclamando a nulidade e declarando a extinção de atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse de tais áreas, considerando, ainda, ineficazes as pactuações negociais que visem a exploração das riquezas naturais nelas existentes, sem possibilidade de quaisquer consequências de ordem jurídica, inclusive aquelas que provocam, por efeito de expressa recusa constitucional, a própria denegação do direito à indenização ou do acesso a ações judiciais contra a União Federal, ressalvadas, unicamente, as benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF, art. 231, § ).

Cumpre ter presente, por isso mesmo, a correta advertência feita por DALMO DE ABREU DALLARI ("O que são Direitos das Pessoas", p. 54/55, 1984, Brasiliense):

"(...) ninguém pode tornar-se dono de uma terra ocupada por índios. Todas as terras ocupadas por indígenas pertencem à União, mas os índios têm direito à posse permanente dessas terras e a usar e consumir com exclusividade todas as riquezas que existem nelas.

Quem tiver adquirido, a qualquer tempo, mediante compra, herança, doação ou algum outro título, uma terra ocupada por índios, na realidade não adquiriu coisa alguma, pois estas terras pertencem à União e não podem ser negociadas. Os títulos antigos perderam todo o valor, dispondo a Constituição que os antigos titulares ou seus sucessores não terão direito a qualquer indenização." (grifei)

É por tal razão que se decidiu, no regime constitucional anterior - em que havia norma semelhante (CF/69, art. 198, § 1º) à que hoje se acha consubstanciada no art. 231, § , da Constituição de 1988 - que a existência de eventual registro imobiliário de terras indígenas em nome de particular qualificava-se como situação juridicamente irrelevante e absolutamente ineficaz, pois, em tal ocorrendo, prevaleceria - como ainda hoje prevalece - o comando da norma constitucional referida, "que declara nulos e sem nenhum efeito jurídico atos que tenham por objeto ou domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas por silvícolas" (Revista do TFR, vol. 104/237 - grifei)" (destaques do Min. Celso de Mello).



Perfilhando o mesmo entendimento, o Ministro Gilmar Mendes, na análise do caso, assim se expressou:


"(...)

Com relação a essas áreas, cumpre ressaltar que as ocupações e domínios anteriores à demarcação, como consignado pelo Ministro Menezes Direito em seu voto-vista, não prevalecem sobre o direito do índio à demarcação de suas terras, nos termos do § 6º do art. 231 da Constituição Federal.

(...)

Assim, ainda que algumas áreas abrangidas pela demarcação sejam ocupadas por não índios há muitas décadas, estando situadas em terras de posse indígena, o direito de seus ocupantes não poderá prevalecer sobre o direito dos índios.

(...)

Sem embargo da relevância de eventuais objeções que possam ser levantadas contra a posse indígena e a eventual imprecisão de seus contornos, não se deve perder de vista que a proteção, que constitucionalmente se lhe empresta, vem da Carta Magna de 1934 (art. 129), configurando, sem dúvida, princípio já tradicional do Direito Público brasileiro (Carta de 1937, art. 154; Constituição de 1946, art. 216; Constituição de 1967, art. 186; Constituição de 1969, EC 1, art. 198)."

Conforme se deflui da leitura dos votos dos Ministros, parcialmente transcritos por este Relator, a Suprema Corte interpretou, inequivocamente, os dispositivos constitucionais que cuidam das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. E através da perspectiva histórica traçada pela Ministra Cármen Lúcia, pode-se vislumbrar a linha do tempo em que as garantias constitucionais à ocupação das terras pelas comunidades indígenas se efetivaram.


Portanto, as Constituições Brasileiras, a partir daquela promulgada em 1934 (que em seu art. 129 dispôs: "Será respeitada a posse de terra de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las"), estabeleceram que qualquer título de propriedade sobre as terras em questão é de nenhum valor, por se tratar de propriedade da União, cuja posse é destinada aos indígenas.


Nesse sentido, trago julgados do TRF da 1ª Região, proferidos antes mesmo do julgamento da noticiada ação popular pelo STF:


"ÁREA TITULADA EM NOME DE PARTICULAR, PELO ESTADO DA BAHIA, CONTIDA NA RESERVA 'CARAMURU-CATARINA PARAGUASSU". OUTORGA DE TÍTULOS DOMINIAIS EM TERRAS INDÍGENAS APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1934. NULIDADE. POSSE IRREGULAR. AUSÊNCIA DE DIREITO A PROTEÇÃO POSSESSÓRIA.

I -"As Constituições de 1934, 1946, 1967/69 e 1988 atribuíram à União o domínio das terras habitadas pelos silvícolas e a desocupação dessas áreas indígenas não acarreta o seu retorno ao Estado-federado." "É nula a outorga de títulos dominiais em terras indígenas após a Constituição de 1934" (TRF 1ª Região, AC 1999.01.00.022890-0/MT. Rel Juíza Federal (convocada) Selene Maria de Almeida, Quarta Turma, Unânime, DJ 16.02.2001).

II - A doutrina e a jurisprudência reconhecem a nulidade de qualquer título que pretenda traduzir direito de propriedade privada "incidente" sobre terras indígenas. As terras habitadas pelos silvícolas, integrando o patrimônio da União, não podem figurar no registro imobiliário, em nome de particulares. Torna-se juridicamente irrelevante e absolutamente ineficaz a existência de título de domínio dessas terras registrado em nome de terceiros.

III - O direito dos índios à posse permanente de seus territórios independe da demarcação. "Não está em jogo, propriamente, o conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista dos vocábulos: trata-se do habitat de um povo" (Voto do Ministro V. Nunes Leal, RE 44.585-MT, 1961).

IV - Não é razoável que ao caso seja aplicável a regra do direito privado, tanto mais quando a área pretensamente turbada pelos índios consta como reserva indígena criada em 1926 e demarcada em 1937.

V - Sem posse regular, não há turbação que justifique a proteção das ações possessórias.

VI - Agravo de instrumento provido."

(TRF 1ª Região, AI nº 2002.01.00.041807-2, Quinta Turma, Rel. Des. Fed. Fagundes de Deus, j. 28/11/2007, DJF1 11/04/2008, p. 110)



"AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE NEGA SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRAS TRADICIONAL E PERMANENTEMENTE OCUPADAS POR POPULAÇÕES INDÍGENAS - APIAKA/BAYABI. DEMARCAÇÃO HOMOLOGADA EM 24.12.1991. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA. IMISSÃO DA FUNAI E UNIÃO NA POSSE DO IMÓVEL TÍTULO DE PROPRIEDADE EXPEDIDO PELO ESTADO DE MATO GROSSO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1891, ARTIGO 129. ALIENAÇÃO VEDADA - CF/1934, ARTIGO 129. IMÓVEL ADQUIRIDO PELOS AGRAVANTES NO ANO DE 1984. AUSENTES OS REQUISITOS PARA A SUSPENSÃO DA ORDEM JUDICIAL.

I - Tendo sido a área em discussão demarcada como terra indígena - Decreto nº 394, de 24.12.1991, incide inevitavelmente a norma do art. 231, § 2º, da Lei Maior, segundo a qual "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhe o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

II - O título dominial ostentado pelos agravantes, das terras por eles adquiridas no ano de 1984, tem origem em alienação feita pelo Estado do Mato Grosso, no ano de 1964, de terras tidas como devolutas (CF/1891, art. 64).

III - Não obstante ter o Estado do Mato Grosso recebido terras indígenas entre as devolutas que lhe foram atribuídas pela Constituição de 1891 (art. 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais"), não poderia ele aliená-las em razão da vedação prevista no artigo 129 da Constituição de 1934 ("Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las").

IV - As Constituições posteriores conferiram igual tratamento aos interesses indígenas: Constituição/1937: "Art.154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas" e a Constituição/1946:"Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição que não a transferirem".

V - Conforme disposto no art. 231, § 6º, da atual Lei Fundamental, "são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

VI - "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União Federal. As áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. A Carta Política, com a outorga dominial atribuída à União, criou, para esta, uma propriedade vinculada ou reservada, que se destina a garantir aos índios o exercício dos direitos que lhes foram reconhecidos constitucionalmente (CF, art. 231, §§ 2º, 3º e 7º), visando, desse modo, a proporcionar às comunidades indígenas bem-estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. A disputa pela posse permanente e pela riqueza das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constitui o núcleo fundamental da questão indígena no Brasil. A competência jurisdicional para dirimir controvérsias pertinentes aos direitos indígenas pertence à Justiça Federal comum". (RE 183188/MS, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ de 14.02.1997, p. 1988).

VII - O cumprimento do regramento constitucional acima delineado, somada à ciência inequívoca da homologação da demarcação administrativa promovida pela FUNAI da área indígena Apiaká-Kayabi, desde o ano de 1991, elide a boa-fé da ocupação das terras em questão pelos agravantes.

VIII - Confirmada a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determinou a imissão das autoras na posse do imóvel, bem como a desocupação de todos os imóveis inseridos no perímetro da área indígena delimitada pelo Decreto Presidencial nº 394, de 24.12.1991.

IX - Agravo regimental improvido."

(TRF 1ª Região, AGA nº 2007.01.00.0026232-2, Quinta Turma, Rel. Des. Fed. Selene Maria de Almeida, j. 18/06/2007, DJ 09/08/2007, p. 171) (destaquei)



Na hipótese dos autos, as terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas é a Potrero Guaçu, cuja reocupação o Ministério Público Federal objetiva através da ação civil pública de origem, tendo o "Relatório de Estudo Antropológico de Identificação" noticiado que em 1930 foi elaborado documento que revelou a existência de índios "Caiuá" nos rios Takuapiry, Aguara e Iguatemi, que alcançam a área reivindicada de Potrero Guaçu, que sofreu intervenção do Governo Federal para promover loteamento para colonização, provocando o deslocamento da população indígena, sendo que o adensamento populacional em torno dessa área teve início nos anos 50 com o fluxo de colonos paraguaios (cópia nas fls. 86 e ss, e realizado pela FUNAI no procedimento administrativo de demarcação dessas mesmas terras).


Já as cadeias dominiais das Fazendas Jatobá, Ouro Verde e Nova Fronteira (fluxograma nas fls. 1.385 e ss.), de "propriedade" dos agravantes, tiveram início posteriormente à Constituição Federal de 1934, razão pela qual deve prevalecer o seu art. 129, transcrito acima, bem como o art. 231, e seus §§ da Constituição Federal de 1988, no sentido de assegurar a posse permanente dos índios nas terras por eles tradicionalmente ocupadas, em nada alterando o fato de terem sido despojados dessas terras no passado.


De outra parte, o Parecer do Ministério Público Federal (fls. 2.106/2.115) trouxe informações relevantes para o presente julgamento:


"(...)

O laudo antropológico realizado administrativamente pela FUNAI é confirmado pelo laudo pericial realizado nos autos da Ação Cautelar de Produção Antecipada de Provas nº 98.2001086-1, que concluiu pela sedentariedade dos índios Guarani na área de Potrero-Guaçu, cuja expulsão da terra indígena deu-se a partir de 1938, em razão do projeto de implantação de assentamento levado a efeito pelo INCRA, data a partir da qual o Estado do Mato Grosso passou a doar terras a quem se dispusesse a habitá-las, passando os indígenas que a habitavam a trabalhar nas lavouras. Por volta da década de 70 eles foram remanejados para a Reserva do Pirajuí, composta também por indígenas da Nação Guarani, embora não fosse aquela a sua terra tradicional, o que violou direito fundamental da Comunidade Indígena de Potrero-Guaçu de viver conforme seu modo de vida tradicional e a ocupar a sua terra, com a qual mantém vínculos históricos e culturais."

(...)

"Em diligência junto ao endereço eletrônico do Ministério da Justiça, o Parquet Federal apurou que, em 13.04.2000, o Ministro de Estado da Justiça editou a Portaria nº 298, que declarou de posse permanente do Grupo indígena Guarani-Ñhandeva a Terra Indígena Potroro-Guaçu, conforme cópia do Diário Oficial da União que segue em anexo" (cópia na fl. 2.116)

Portanto, o procedimento de demarcação das terras da comunidade indígena em questão vem sendo cumprido regularmente (identificação e delimitação, declaração, demarcação, homologação e registro, nos termos do Decreto nº 1.775/96).


Com isso, não verifico a existência de dano irreparável ou de difícil reparação que justifique o acolhimento da pretensão recursal, mesmo porque, conforme ressaltado pela Des. Fed. Ramza Tartuce, "A decisão agravada não autorizou a ocupação total da área pelas comunidades indígenas, mas determinou, apenas, que da área total fosse destacada uma parte, a ser escolhida de comum acordo, a qual pudesse ser habitada, provisoriamente, pelos índios".

Diante do exposto, acompanho o voto da I. Relatora, para NEGAR PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento.


É como voto.





Antonio Cedenho


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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0004554-90.1999.4.03.0000/MS
1999.03.00.004554-2/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
AGRAVANTE : EDMUNDO AGUIAR RIBEIRO e outros. e outros
ADVOGADO : LUIZ CARLOS DA SILVA LIMA
AGRAVADO : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : PAULO THADEU GOMES DA SILVA
No. ORIG. : 98.20.00924-3 1 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

EDMUNDO AGUIAR RIBEIRO e sua mulher MARIA JOSÉ ABREU, JATOBÁ - AGRICULTURA, PECUÁRIA E INDÚSTRIA S/A e MURALHA - PLANEJAMENTO E PROJETOS DE ENGENHARIA LTDA., não se conformando com a decisão que concedeu a liminar para que seja destacada área de terras para habitação dos indígenas, a ser escolhida por todas as partes interessadas, nos autos da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal em defesa dos direitos e interesses das populações indígenas, com o objetivo de assegurar os trabalhos de reocupação da área indígena Protero Guasu, interpuseram este agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo.

Alegam, em síntese, que são proprietários e legítimos possuidores, respectivamente, das Fazendas Ouro Verde e Jatobá e Nova Fronteira, nas quais estão implantados projetos agropecuários de alta produtividade, observam que os imóveis estão no limite de apascentamento e que, para atenderem a função social de suas propriedades, no desenvolvimento de suas atividades produtivas, empregam diretamente inúmeras famílias.

Afirmam que suas propriedades possuem filiações regulares e remontam aos títulos definitivos de propriedade expedidos pelo Estado do Mato Grosso nos anos de 1.952 e 1.960, e que mantêm a posse mansa e pacífica dos imóveis há mais de quarenta anos.

Ressaltam que os índios praticaram esbulho possessório contra vizinhos, instalando-se um clima de tensão, adicionado em seu contexto por ameaças dos silvícolas no sentido de invadir mais terras.

Argüem a falta de interesse de agir por parte do Ministério Público Federal para a ação civil pública, porquanto nada de concreto se tem a respeito da identificação da área como sendo de ocupação indígena.

Voltam-se contra o ato administrativo inicial do procedimento demarcatório do Decreto 1.775/96, que afirmam ser inconstitucional, e sustentam que o Ministério Público Federal não pode desviar sua finalidade constitucional para querer, com a ação, substituir a missão administrativa exclusiva da FUNAI.

Afirmam que a decisão agravada violou frontalmente os artigos 3o e 267, VI, do Código de Processo Civil, e que a decisão agravada é contraditória com a tutela cautelar que lhe foi deferida anteriormente.

Sustentam que a ação civil pública se afigura um absurdo jurídico, porquanto subverte a ordem jurídica e, consequentemente, a paz social de que deveria ser guardiã, e condensa, em si, a prática delituosa do esbulho possessório, previsto e reprimido pelo Código Penal, e que o fato de ser o agente inimputável não descaracteriza a prática delituosa, até porque muitos dos silvícolas esbulhadores já são civilizados.

Ressaltam ser incabível, no caso, a tutela antecipada, e que todos os títulos de propriedade dos trabalhadores rurais assentados na Gleba Paranhos foram expedidos pelo INCRA, fato que se traduz em ato inequívoco de reconhecimento da posse e propriedade privada por parte da União, não podendo, após o decurso de 20 (vinte) anos, desdizer-se, afirmando que tais terras sempre lhe pertenceram.

Afirmam que os silvícolas-esbulhadores brasileiros têm reserva já criada para aguardar o desfecho dos processos administrativos e judiciais, e que é fato incontroverso que os silvícolas brasileiros saíram da Reserva Pirajuí, criada em 1.929, e que há mais de 2.000 has, onde se vê muitos espaços vazios, o que põe por terra o argumento da decisão recorrida, de agravamento de extinção que paira sobre o grupo étnico aludido.

Discorrem sobre a realidade atual da FUNAI, sobre o direito que têm sobre o imóvel e pedem o processamento deste recurso com efeito suspensivo para suspender os efeitos da liminar deferida e evitar, com essa medida, a ocorrência de danos irreparáveis, além de preservar a eficácia do provimento cautelar que visa o resguardo de seus direitos.

Pedem, a final, o provimento do agravo.

Juntaram os documentos de fls. 34/1580.

A decisão de fls. 1584/1585 negou seguimento ao presente recurso, seguindo-se a interposição da agravo legal.

Mantido o ato em referência, os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal, que opinou pela manutenção da decisão impugnada.

Submetido a julgamento, a Quinta Turma desta Corte Regional, por unanimidade, não conheceu do pedido de efeito suspensivo e, por maioria de votos, deu provimento ao agravo, determinando o seu processamento.

Às fls. 1656/1664, insistiram os agravantes na concessão do efeito suspensivo, trazendo aos autos os documentos de fls. 1665/2051, seguindo-se as informações prestadas pelo Juízo do feito (fls. 2053/2059), com os documentos de fls. 2060/2064.

Às fls. 2081/2099, o Ministério Público Federal apresentou contra-minuta.

Manifestou-se o Ministério Público Federal pelo improvimento do recurso.

Sem revisão submeto-o, agora, a julgamento.

É O RELATÓRIO.


VOTO

A decisão impugnada pela via deste recurso foi proferida nos autos da ação civil pública, registrada sob nº 98.2000924-3, distribuída, inicialmente, ao Juízo Federal da Primeira Vara de Dourados - MS, e, posteriormente, remetida ao Juízo Federal da Primeira Vara de Ponta Porã - MS.

Foi ajuizada pelo Ministério Público Federal na qualidade de defensor dos direitos e interesses das populações indígenas, com o objetivo de assegurar os trabalhos de reocupação da área indígena Protero Guasu, sob o argumento de que, em 24 de julho de 1997, a Fundação Nacional do Índio - FUNAI aprovou, mediante despacho de nº 50 "o relatório circunstanciado de identificação e delimitação da terra área indígena Protero Guasu, localizada no município de Paranhos-MS, com superfície aproximada de 4.025 ha e perímetro também aproximado de 25 Km".

Foi deferida a medida liminar, contra a qual se insurgem os agravantes, lançada nos autos nos seguintes termos (fls. 34/38):

"A área de terras cujos interesses indígenas recaem encontra-se em processo de demarcação, na forma prevista no artigo 19 da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio) e no Decreto nº 1.775/96, dado que o grupo técnico constituído pela Portaria/1260/FUNAI/PRES concluiu ser a Terra Indígena de Potrero Guasu, situada no Município de Paranhos, MS, um tekoha da comunidade guarani-ñandeva ou seja, na expressão tupi-guarani, um espaço físico e geográfico onde são realizados o sistema, o modo de ser, a cultura, o estado de vida da comunidade, conforme seus costumes e empirismo conceitual. Em 24 de julho de 1997 foi aprovado mediante despacho do sr. Presidente da FUNAI o relatório circunstanciado de identificação e delimitação da referida área (DJU 27/07/98).
Em princípio, o ato administrativo emanado do Poder Público aprovando a identificação da área indígena Potrero Guasu goza de presunção de legitimidade até prova em contrário, de modo que a teor do quanto previsto no artigo 231 § 6º da Constituição Federal, eventuais títulos dominiais sobre tais terras são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos. Em outras palavras, tratando-se de terras imemoriais indígenas, são nulos e extintos os atos de posse e domínio que sobre elas incidem, de tal forma que o direito de propriedade dos requeridos já não pode ser oposto contra a União, a quem pertencem as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (CF, art. 20, inciso XI).
Registro que a preservação das comunidades indígenas, bem como de seus valores constituem direitos humanos fundamentais, internacionalmente reconhecidos e protegidos nos termos da Convenção nº 107 d Organização Internacional do Trabalho, cuja observância é obrigatória pelo aplicador da lei, por força do quanto disposto no artigo 66 da Lei nº 6001/73.
Não posso deixar de assinalar que aos requeridos cumpre demonstrar que a área em questão não é e nem nunca foi terra tradicionalmente ocupada pela comunidade indígena guarani-ñandeva, tal qual declarado administrativamente, de forma que o ato poderá ser judicialmente desconstituído.
Em princípio, portanto, tenho por relevantes os fundamentos de direito trazidos a exame, que envolvem a proteção constitucional de toda uma coletividade e o direito à demarcação de suas terras, direito que se contrapõe ao alegado do domínio dos requeridos sobre o mesmo território, de modo que nesta fase processual tenho por necessária uma solução paliativa.
O "periculum in mora" resulta do fato de que a comunidade indígena guarani-ñandeva mantém como seu habitat laços históricos e culturais, necessários e indispensáveis à sua própria preservação como grupo definido, e o não deferimento da liminar poderá ensejar o agravamento da ameaça de extinção que sobre tal comunidade paira, consoante assinala o próprio órgão ministerial requerente.
Ante o exposto, CONCEDO A LIMINAR para determinar que, no prazo de dez dias, seja provisoriamente destacada uma área de terras para habitação dos indígenas, a ser escolhida de comum acordo por todas as partes interessadas (O MPF, a comunidade indígena representada pela FUNAI e os requeridos) dentro da área em questão chamada POTRERO GUASU, prosseguindo-se nos trabalhos de demarcação, até ulterior decisão deste Juízo.
O descumprimento da composição provisória ora determinada implicará no pagamento da multa diária de R$500,00 (quinhentos reais) pela parte infratora, sujeitando-a a processo crime por desobediência".

No que diz respeito à legitimidade para a ação civil pública, é esse pressuposto outorgado ao Ministério Público Federal pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, em seu artigo 5o , inciso I.

Quanto ao interesse processual do Ministério Público Federal para propor a ação civil pública, afirmam os agravantes que o procedimento administrativo instaurado pela FUNAI para identificação e demarcação da terra indígena Potrero Guasu ainda não foi concluído.

Ocorre, no entanto, que a ação civil pública vem embasada em relatório circunstanciado de identificação e delimitação da terra indígena Potrero Guasu, regularmente aprovado pelo Presidente da FUNAI.

Os procedimentos relacionados com a publicação do Decreto Homologatório, que ainda estão pendentes, são meramente administrativos e não tem o condão de afirmar ou de infirmar a presença de vestígios que demonstrem ser a área de ocupação tradicional indígena.

Assim, a defesa dos interesses indígenas sobre a área em questão, pela via da ação civil pública, não dependia da expedição e publicação do Decreto Homologatório, cuja utilidade, observo, é viabilizar a averbação na matrícula do imóvel e não atestar a existência de vestígios da ocupação indígena na área.

Quanto à presença dos pressupostos da medida liminar, observo que a inicial da ação civil pública, trasladada às fls. 51/72, foi instruída com o procedimento demarcatório, no qual é possível detectar elementos concretos da presença indígena naquela área em época que antecede, em muito, os registros de propriedade que se encontram às fls. 318/324, 329/344, 460/506, 973/975 e 1020/1036.

E, tais elementos probatórios são suficientes para firmar um juízo de cognição sumária, como o que ocorre em sede de liminar, podendo essa medida ser deferida se, da análise desses elementos, se evidenciar a fumaça do bom direito, como ocorreu no caso.

E, no que pertine ao perigo da demora, sabe-se que feitos como o que deu origem a este recurso se apresentam com difícil solução, o que demanda tempo incompatível com a necessidade de preservar a subsistência daquelas comunidades, exigindo, por isso, um provimento imediato de modo a assegurar àquelas comunidades o direito de usufruir da terra, da qual retiram o sustento.

Assim, o perigo da demora, como ressaltou a decisão agravada "resulta do fato de que a comunidade indígena guarani-ñandeva mantém como seu habitat laços históricos e culturais, necessários e indispensáveis à sua própria preservação como grupo definido, e o não deferimento da liminar poderá ensejar o agravamento da ameaça de extinção que sobre tal comunidade paira, consoante assinala o próprio órgão ministerial requerente".

Por outro lado, a medida, nos termos em que foi deferida, preserva o direito de ambas as partes, porquanto concedeu à comunidade indígena o direito de usufruir de parte da área, e preservou a posse dos agravante em relação à parte remanescente.

Assim, a decisão agravada não autorizou a ocupação total da área pelas comunidades indígenas, mas determinou, apenas, que da área total fosse destacada uma parte, a ser escolhida de comum acordo, a qual pudesse ser habitada, provisoriamente, pelos índios.

Lembro, finalmente, que, na hipótese de improcedência da ação civil pública, terão os agravantes o direito à restituição da posse do imóvel, com a indenização de eventuais prejuízos.

Resulta, daí, portanto, que não pode ser aclhida a pretensão dos agravantes, de ver reformulado o ato praticado em primeiro grau de jurisdição, pois este não se apresenta com carga suficiente para impor àqueles qualquer prejuízo, e a justificar, por isso, o provimento do presente recurso.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, mantendo a decisão de primeiro grau, em todos os seus termos.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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