Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/09/2009
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.61.02.010803-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA
ADVOGADO : DOMINGOS DAVID JUNIOR (Int.Pessoal)
APELANTE : NATALMIR LEANDRO DA SILVA
ADVOGADO : FERNANDO SANTARELLI MENDONÇA (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. LEI 9.605/98. PESCA. LOCAL PROIBIDO. PETRECHO NÃO PERMITIDO. PRELIMINAR AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. PROVA TESTEMUNHAL. CONDUTA TÍPICA. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANÁLISE INDIVIDUALIZADA. LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. RECURSOS PROVIDOS.
1. Apelações Criminais interpostas contra a sentença condenatória proferida em ação penal destinada a apurar a prática do crime descrito no art. 34 da Lei 9.605/98.
2. Réus surpreendidos pescando com redes de nylon, petrecho não permitido, em local proibido, a lagoa marginal do Rio Pardo, em Barretos/SP, área conhecida como Ponte Velha.
3. Afastada a preliminar de nulidade argüida.
4. Autoria e materialidade demonstradas.
5. Fatos narrados na inicial admitidos por ambos os réus em juízo e confirmados pelos policiais militares que participaram da ocorrência, arrolados como testemunhas da acusação.
6. Conduta que se amolda ao tipo penal previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/98.
7. A previsão legal de crimes ambientais tutela o interesse difuso ao meio ecologicamente equilibrado, na tentativa de preservar, inclusive, os direitos das futuras gerações, constituindo, a insignificância do dano, matéria tormentosa em sede de proteção ambiental, onde vigora o princípio da precaução.
8. A insignificância, nos crimes ambientais, embora não possa ser afastada totalmente, não deve ser vulgarizarida. Precedentes desta Corte.
9. Na situação em comento tem-se que os réus, pessoas extremamente simples, um pedreiro e um ajudante geral, após terminarem o serviço que prestavam numa fazenda próxima à lagoa marginal do Rio Pardo, resolveram pescar, não sendo impossível que desconhecessem a proibição da atividade no local, pois não há nos autos indicação de que houvesse placa sinalizadora da área defesa.
10. Na ocasião, ao serem abordados, tinham consigo 22 peixes recém apanhados, não sendo impossível, igualmente, que se destinassem a consumo próprio, como afirmado em juízo pelos apelantes e pelos próprios policiais, testemunhas da acusação.
11. Os apelantes pescaram em maior quantidade - 17 unidades, o peixe curimbatá ou curimba, que não corre risco de extinção e que serve de alimento à população ribeirinha de baixa renda, consoante pesquisa realizada por este Relator.
12. Na singularidade do caso, não se entrevê na conduta que perpetraram relevância capaz de efetivamente lesionar de modo apreciável o bem jurídico tutelado, consubstanciado na fauna ictiológica da região do Rio Pardo.
13. Flexibilização do princípio da precaução que orienta a matéria ambiental, para aplicar o princípio da insignificância, afastando a tipicidade material da conduta imputada aos réus.
14. Recursos a que se dá provimento para absolver os apelantes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastou as preliminares e, no mérito, deu provimento ao recurso para absolver os apelantes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 18 de agosto de 2009.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.61.02.010803-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA
ADVOGADO : DOMINGOS DAVID JUNIOR (Int.Pessoal)
APELANTE : NATALMIR LEANDRO DA SILVA
ADVOGADO : FERNANDO SANTARELLI MENDONÇA (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:


Trata-se de Apelações Criminais interpostas por NATALMIR LEANDRO DA SILVA e por PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA contra a sentença condenatória proferida na ação penal em epígrafe, destinada a apurar a prática do crime descrito no artigo 34 da Lei nº 9.605/98.


Narra a denúncia, recebida em 25/9/2003, que a Polícia Militar, no dia 14/6/2003, em fiscalização de rotina, surpreendeu os apelantes pescando com redes de nylon, petrecho não permitido, em local proibido - a lagoa marginal do Rio Pardo, em Barretos/SP, área conhecida como Ponte Velha. Na ocasião, além do barco e das redes, foram apreendidos 5 quilos de peixe, constituídos por 17 curimbatás, 2 traíras e 3 piranhas (fls. 02/04 e 27).


Na sentença, publicada em 14/10/2005, cada qual foi condenado a 1 ano de detenção, pelo crime do artigo 34 da Lei nº 9.605/98, sendo a reprimenda corporal substituída por uma restritiva de direitos, de prestação de serviços à comunidade (fls. 207/213)


NATALMIR LEANDRO DA SILVA, nas razões de fls. 222/225, pleiteia a absolvição, ao argumento de que a autoria não restou comprovada, pois na data dos fatos encontrava-se pescando com "vara", em "lagoa particular", para consumo próprio.


PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA, por sua vez, nas razões de fls. 259/263, alega, preliminarmente, que o processo é nulo, pois consta no "auto de prisão" que foi encontrado nas imediações da lagoa, o que não pode ser considerado flagrante. No mérito, igualmente, pleiteia a absolvição, por não estar provado que agiu com dolo, na medida que apanhava peixes para consumo próprio.


O Ministério Público Federal, nas contra-razões (fls. 269/276), pugnou pela manutenção da sentença.


A Procuradoria Regional da República, no parecer (fls. 281/286), opinou pelo desprovimento do recurso.


Feito não sujeito à revisão, nos termos do Regimento Interno desta Corte.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2003.61.02.010803-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA
ADVOGADO : DOMINGOS DAVID JUNIOR (Int.Pessoal)
APELANTE : NATALMIR LEANDRO DA SILVA
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VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:


I. DA PRELIMINAR DE NULIDADE


Afasto de pronto a preliminar de nulidade argüida por PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA.


Ab initio, importante frisar que a Polícia Militar, na verdade, lavrou "Auto de Infração Ambiental" e, em decorrência, o competente "Boletim de Ocorrência" (fls. 8/11), e não "Auto de Prisão em Flagrante", como lançado nas razões recursais.


Feita esta consideração, a alegação de que não houve flagrante, por constar nos referidos documentos que os réus foram surpreendidos nas imediações da lagoa, é totalmente insubsistente. Resta claro, no "Boletim de Ocorrência", que os apelantes foram vistos ...praticando pesca amadorista embarcada com petrechos não permitidos... (fls. 5/v). E, no histórico dos fatos, que os policiais ...avistaram os indiciados na embarcação apreendida dentro da referida lagoa. De imediato deram a volta por terra com a viatura e abordaram os dois fora da embarcação... (fls. 14).


Note-se que mesmo na hipótese dos policiais não terem visto os réus pescando, mas, apenas, na beira da lagoa, com embarcação, redes e peixes recém apanhados, o flagrante estaria configurado, nos termos do artigo 302, inciso II, do Código de Processo Penal.


II. DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA


Demonstram a materialidade do delito os Autos de Infração Ambiental nºs 141145 e 141146 (fls. 8/9), os Boletins de Ocorrência nºs 030587 e 1987/2003 (fls. 10/14), o Recibo de Retenção de Embarcação (fls. 12), o Auto de Exibição e Apreensão (fls. 15/16) e o Termo de Destinação de Produtos e Subprodutos, que documentou a doação dos peixes à entidade assistencial (fls. 19), todos lavrados pela Polícia Militar.


Ao contrário do que afirmam as defesas, a autoria também é inconteste, considerando que ambos os réus, ao serem interrogados, admitiram que foram surpreendidos enquanto pescavam, com rede, na lagoa marginal do Rio Pardo, salientando que os peixes serviriam para consumo próprio e que não sabiam que tal atividade, naquele local, era proibida (fls. 102 e 103).


No mais, os policiais militares que participaram da ocorrência, arrolados pela acusação, confirmaram de forma unânime os fatos narrados na inicial (fls. 152/159).


Não resta dúvida, portanto, que os apelantes pescavam com petrecho não permitido - redes de nylon, em local proibido, conduta que se amolda ao tipo penal previsto no artigo 34 da Lei nº 9.605/98.


III. DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


A única defesa aproveitável em favor dos réus gira em torno da insignificância da conduta dos mesmos, ao argumento de que pescavam de forma amadora e para consumo próprio - o que foi corroborado nos testemunhos dos policias. Confira-se:


WILSON JOSÉ SANTANA GONÇALVES: ...E a quantidade de peixe, se recorda? Aproximadamente uns 5 quilos... No momento da apreensão o que eles alegaram? Que era para eles mesmos, para consumo e que eles não eram pescadores profissionais... Qual era o estado do barco? Horrível... (fls. 152/153).


MARCOS PALHARES DA SILVEIRA: ...avistamos um barco no interior da lagoa marginal e feita a abordagem, verificamos que no interior do barco foi encontrada uma mochila com 5 quilos de peixe. Perguntamos sobre a origem e eles falaram que as redes estavam armadas. Aí, um dos policiais que estavam que nós foi até lá onde eles disseram e acharam as redes... O que eles disseram na hora? Que era para consumo próprio, que estavam passando por dificuldades... eu acredito que era para consumo mesmo... (fls. 158/159).


Pois bem.


A previsão legal de crimes ambientais tutela o interesse difuso ao meio ecologicamente equilibrado, na tentativa de preservar, inclusive, os direitos das futuras gerações. Assim, a insignificância do dano constitui matéria tormentosa em sede de proteção ambiental, onde vigora o princípio da proteção - o equilíbrio ecológico é muito tênue e, por vezes, algumas condutas que isoladamente poderiam ser vistas como de pequena expressão, são capazes de gerar prejuízos atuais ou futuros de incomensurável resultado.


Nesse sentido é precisa a observação de MAURÍCIO LIBSTER, de que ...os danos ambientais são de conseqüências graves e nem sempre conhecidas e a preservação é um dever a ser levado com o máximo empenho e seriedade... (in Delitos Ecológicos, apud Vladimir Passos de FREITAS, Gilberto Passos de FREITAS, p. 33).


ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA esclarece que ...a partir da consagração do princípio da precaução, é bem de ver, não pode mais haver dúvidas de que o direito ambiental no Brasil é o direito da prudência, é o direito da vigilância no que se refere à degradação da qualidade ambiental e não do direito da tolerância com as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Esse enfoque que deve prevalecer em toda atividade de aplicação do direito nessa área, inclusive na esfera judicial... (destaquei, in Direito Ambiental: o princípio da precaução e sua aplicação judicial, Revista de Direito Ambiental, p. 98).


Ressalte-se que o princípio da precaução é indissociável da incidência de penalidades criminais e administrativas em sede ambiental, posto que, inclusive, foi capitulado no artigo 15 da DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO-92, realizada no Rio de Janeiro/RJ, no ano de 1992. Aliás, também está explicitamente recepcionado no nosso ordenamento jurídico, no artigo 225, parágrafo 1º, inciso V, da Constituição Federal, e na Lei de Crimes Ambientais, artigo 54, parágrafo 3º.


No mais, conforme acentua PAULO AFONSO LEME MACHADO, de acordo com o princípio da precaução ...previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida...

Desta forma, a prática de pesca em local proibido expõe toda a fauna aquática da área a perigo, sendo que mesmo um evento aparentemente isolado e de menor expressão pode trazer conseqüências que seriam impossíveis de serem medidas tão-somente à vista daquele ato.


Por outro lado, essa temática sugere com veemência que o princípio da insignificância cogitado no Direito Penal apenas muito excepcionalmente pode ser levando em conta no âmbito dos delitos ambientais, já que o princípio da precaução imbrica-se com o princípio da prevenção geral criminal, vez que a repressão penal pode contribuir eficazmente para evitar condutas lesivas futuras. Assim, a insignificância em sede de crime ambiental, embora não possa ser afastada totalmente, não deve ser vulgarizada.


Sobre o tema é firme a jurisprudência da Primeira Turma desta Corte. A saber:


PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - NÃO APRESENTAÇÃO DE CONTRA-RAZÕES PELA DEFESA - AUSÊNCIA DE NULIDADE - DEFESA DEVIDAMENTE INTIMADA - APLICAÇÃO DA SÚMULA 707 DO STF - CRIME AMBIENTAL - PESCA EM PERÍODO DE PIRACEMA - ARTIGO 34 DA LEI Nº9.605/98 - NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO
1.- Não há falar-se em nulidade pela não apresentação de contra-razões pelo acusado se foram devidamente conferidas à defesa todas as oportunidades possíveis para sua manifestação, inclusive, com nomeação da Defensoria Pública da União, que, da mesma forma, manteve-se inerte. Aplicação da Súmula 707 do STF.
2.- Indícios de autoria e prova da materialidade demonstrados.
3.- O crime previsto no artigo 34 da Lei nº 9.605/98 é formal, consumando-se com a simples conduta tendente à pesca, nos termos previstos no artigo 36 daquela lei, sendo prescindível a ocorrência de efetivo dano ao bem jurídico tutelado que, caso produzido, constituirá mero exaurimento do delito.
4.- Em se tratando de delitos ambientais, é inviável a aplicação do princípio da insignificância, com a exclusão da tipicidade, porquanto, ainda que determinada conduta, isoladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências humanas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais.
5. Ademais, a Lei nº 9.605/98 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves que, por isso, possibilitam a aplicação de institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, a indicar que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado em casos excepcionais,isto é, quando nem mesmo a aplicação daqueles institutos seja suficiente para prevenir e reprimir a conduta ilícita causadora dalesão ambiental.
6.- Recurso ministerial provido, para que seja dada continuidade ao presente feito.
(TRF3R - RCCR 2965/MS, Primeira Turma, DJU 28/08/2007, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini)

PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - REJEIÇÃO DE DENÚNCIA QUE IMPUTA O CRIME PREVISTO NO ARTIGO 34, INC. II DA LEI Nº 9.605/98 - PRETENDIDA INCRIMINAÇÃO DE PESCADOR AMADOR QUE FOI SURPREENDIDO RECOLHENDO REDES DE PESCA NAS ÁGUAS DO LAGO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA, FORMADA PELA BARRAGEM NO RIO PARANÁ - DECISÃO JUDICIAL QUE REJEITA A DENÚNCIA APLICANDO O "PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA" - DESCABIMENTO - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. Efetiva apreensão pela fiscalização ambiental de duas redes medindo 50 e 60 metros cada uma, com 1,60 metros de altura e com "malhas" de 70 milímetros, pertencentes ao denunciado e na ocasião em que o mesmo as utilizava nas águas, já tendo delas se servido para apanhar uma certa quantidade de peixes, como, aliás, o próprio recorrido confirmou em suas declarações prestadas na repartição policial meses depois da diligência (fls. 24/25).
2. No Direito Ambiental vige o chamado "princípio da precaução", a sugerir extremada importância para ações antecipatórias contra a ocorrência do dano ambiental, recomendando cuidados preventivos. Referido princípio, a nosso ver, lança efeitos mesmo no âmbito do Direito Penal Ambiental, sugerindo que o chamado "princípio da insignificância" apenas muito excepcionalmente seja levado em conta, pois uma correta política de proteção ao meio ambiente - e o
Direito Penal foi chamado a fazer parte dela - não pode se limitar a problemática eliminação dos prejuízos já causados, sobrelevando-se, em matéria de meio ambiente, a necessidade de proteção contra o risco; e nesse passo o Direito Penal, sob o aspecto da chamada "prevenção geral" que a repressão criminal provoca, pode contribuir eficazmente para evitar condutas lesivas futuras. Ora, se a degradação do meio ambiente deve ser antes evitada, do que remediada, é de todo conveniente que no âmbito da repressão criminal de comportamentos passíveis de causação de dano ambiental não se leve popularize, ou melhor, não se vulgarize, a suposta "insignificância" de alguma conduta;
3. Recurso provido para determinar o processamento regular da denúncia.
(TRF3R - RSE 4535/SP, Primeira Turma, DJU 21/08/2007, Relator Desembargador Federal Johonsom Di Salvo )

PENAL. PROCESSUAL. DENÚNCIA: ART. 34, DA LEI 9.605/98: PRÁTICA DE ATOS DE PESCA MEDIANTE PETRECHO PROIBIDO: DENÚNCIA REJEITADA: FUNDAMENTO: INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO À FAUNA AQUÁTICA. PEQUENA QUANTIDADE DE PEIXES CAPTURADOS: CONDUTA MATERIALMENTE ATÍPICA: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE NA FASE DORECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXORDIAL QUE PREENCHE TODOS OS REQUISITOS LEGAIS. DESCRIÇÃO DE CONDUTA TÍPICA. GARANTIA DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO.
1 - Denúncia que imputou ao recorrido a prática do delito previsto no artigo 34, § único, da Lei 9605/98, complementada pela Portaria nº 30/2003, do IBAMA, por praticar atos de pesca amadora em uma embarcação, mediante o uso de petrecho proibido rejeitada ao fundamento de falta de justa causa para a ação penal pela atipicidade da conduta, tendo em vista que a captura de apenas 50 peixes causou prejuízo insignificante à fauna aquática.
2 - O bem jurídico tutelado pela lei ambiental é elevado à categoria de bem essencial à vida e à saúde de todos. Vige, em sede de direito ambiental, o princípio da precaução no que se refere à degradação da qualidade ambiental. Pune-se não só as condutas que causam a efetiva lesão, mas também as que provocam riscos de potenciais lesões ao meio ambiente.
4 - A aplicação do princípio da insignificância é vinculado à possibilidade de mensuração do bem jurídico tutelado. Não há como aplicá-lo em sede de crimes ambientais especialmente na fase de recebimento da denúncia. Aplicação do princípio do in dubio pro societate.
5 - Denúncia que descreve todos os elementos que possibilitam o recebimento e o exercício da ampla defesa. Conduta tipificada no artigo 34, § único da Lei 9605/98.
6 - Provas da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria colhidos no inquérito policial.
8 - Recurso em sentido estrito provido, determinada de remessa dos autos à vara de origem, para o regular prosseguimento da ação penal.
(TRF3R - RSE 4721/SP, Primeira Turma, DJU 12/06/2007, Relatora Desembargadora Federal Vesna Kolmar)

No mesmo sentido, ainda decidem a Segunda e a Quinta Turma deste Tribunal:


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. MATERIALIDADE. AUTORIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A materialidade restou comprovada pela localização em que se encontrava a embarcação: local conhecido como Morcegão, situada a menos de cinqüenta metros da saída da água do vertedouro de fundo da barragem da UHE de Ilha Solteira. Local proibido para pesca, segundo Laudo Pericial de fls. 21/28 e artigo 4º, da Portaria SUDEPE nº 466/72.
2. Os indícios de autoria também estão presentes, tendo em vista a localização de grande quantidade de redes de pesca em poder dos Recorridos e a tentativa de fuga empreendida.
3. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental.
3. O fato de não ter sido apreendido nenhum peixe em poder dos réus não exclui a ilicitude do ato praticado. Os denunciados estavam atracados em local proibido para pesca, durante a noite, portando 12 (doze) redes de pesca e prestes a arremessá-las ao rio, amoldando-se tais condutas ao tipo penal em comento, tendo em vista o disposto no artigo 36, da Lei 9.605/98.
4. Considerando que o bem jurídico tutelado deve levar em conta a especial importância das espécies aquáticas existentes nos lugares onde a pesca é vedada pela autoridade competente, mesmo sem a apreensão do produto da pesca, e as condições em que os Recorridos foram surpreendidos, estando na iminência de jogarem as redes ao rio; ao menos no grau de certeza que o momento processual exige, estão configurados a materialidade delitiva e os indícios de autoria, restando a denúncia apta para ser recebida.
5. Recurso provido.
(TRF3R - RSE 4524/SP, Segunda Turma, DJU 11/04/2008, Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães)

PENAL. APELAÇÃO. ART. 34, II, DA LEI 9.605/98. CRIME AMBIENTAL.EXCLUDENTE DE ILICITUDE OU CULPABILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O recorrente confessou a prática delitiva, o que também foi corroborado por declaração de testemunha.
2. O auto de infração ambiental, o boletim de ocorrência e a apreensão do material comprovam a materialidade.
3. A simplicidade do acusado não serve de excludente, até porque, como visto, tinha ele consciência de que o petrecho utilizado na pesca era proibido e, portanto, dolosamente, realizou a conduta.
4. O princípio da insignificância, que leva em conta a dimensão da lesão ao bem juridicamente tutelado, é de difícil aplicação aos delitos perpetrados contra o meio ambiente, porque a atuação aparentemente simples, e isolada, do homem sob um determinado ponto de vista, muitas vezes, é suficiente para ocasionar grande desequilíbrio ecológico, face a complexa interação entre os seres que compõem o ecossistema.
5. Recurso ao qual se nega provimento.
(TRF3R - ACR 18377/SP, Quinta Turma, DJU 25/03/2008, Relator Desembargador Federal Baptista Pereira)

Diante deste quadro, o mais aconselhável é que a conduta seja examinada caso a caso.


Na situação em comento tem-se que os réus, pessoas extremamente simples, um pedreiro e um ajudante geral, após terminarem o serviço que prestavam numa fazenda próxima à lagoa marginal do Rio Pardo, resolveram pescar (fls. 102/103), não sendo impossível que desconhecessem a proibição da atividade no local, pois não há nos autos indicação de que houvesse placa sinalizadora da área defesa.


Na ocasião, ao serem abordados, tinham consigo 22 peixes recém apanhados, sendo 17 curimbatás, 2 traíras e 3 piranhas, cujo peso total não ultrapassava 5 quilos, não sendo impossível, igualmente, que se destinassem a consumo próprio, como afirmado em juízo pelos apelantes e pelos próprios policiais, testemunhas da acusação (fls. 102/103, 152/153 e 158/159).


Este relator, em pesquisa realizada na internet, verificou que o peixe curimbatá, também conhecido curimba, constitui espécie não ameaçada, muito importante na alimentação de populações ribeirinhas de baixa renda, embora a carne não apresente sabor convidativo. Verificou, outrossim, que o curimbatá ou curimba, por ser do tipo detritívoro, não ataca iscas artificiais, o que significa que o pescador normalmente nada obtém usando anzol e vara. E, ainda, que as maiores ameaças à espécie residem na poluição dos rios, porque o peixe se alimenta dos detritos encontrados na água, e na própria existência de barragens, que impedem a migração na piracema.


Ou seja, os apelantes pescaram em maior quantidade - 17 unidades, um tipo de peixe que não corre risco de extinção e que serve de alimento à população ribeirinha de baixa renda, razão pela qual, na singularidade do caso, não entrevejo na conduta que perpetraram relevância capaz de efetivamente lesionar de modo apreciável o bem jurídico tutelado, consubstanciado na fauna ictiológica da região do Rio Pardo.


Anoto, ainda, que a pescaria envolveu a apanha de traíras. Trata-se daquele que é considerado o "peixe típico" do Brasil, encontrável do Oiapoque ao Chuí. Não corre qualquer risco de extinção, sendo espécie que faz várias desovas por ano, com alto índice de proliferação - pode viver e se reproduzir até em águas poluídas. A propósito, a existência desta espécie está muito mais ameaçada pela ação indiscriminada de certos cientistas do que pela ação dos modestos pescadores. Sabe-se da existência de "pesquisas" de laboratório que procuram criar espécimes híbridos, para satisfazer curiosidade e como atrativo em "pesque-pague", assim gerando peixes grotescos e estéreis, incapazes de se reproduzir.


Assim, flexibilizando o princípio da precaução que orienta a matéria ambiental, aplico o princípio da insignificância para o fim de afastar a tipicidade material da conduta imputada aos réus, absolvendo-os.


Ante o exposto, afasto a preliminar argüida, e no mérito, dou provimento às apelações para absolver os apelantes.


É o voto.


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal Relator


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