D.E. Publicado em 03/09/2009 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastou as preliminares e, no mérito, deu provimento ao recurso para absolver os apelantes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:
Trata-se de Apelações Criminais interpostas por NATALMIR LEANDRO DA SILVA e por PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA contra a sentença condenatória proferida na ação penal em epígrafe, destinada a apurar a prática do crime descrito no artigo 34 da Lei nº 9.605/98.
Narra a denúncia, recebida em 25/9/2003, que a Polícia Militar, no dia 14/6/2003, em fiscalização de rotina, surpreendeu os apelantes pescando com redes de nylon, petrecho não permitido, em local proibido - a lagoa marginal do Rio Pardo, em Barretos/SP, área conhecida como Ponte Velha. Na ocasião, além do barco e das redes, foram apreendidos 5 quilos de peixe, constituídos por 17 curimbatás, 2 traíras e 3 piranhas (fls. 02/04 e 27).
Na sentença, publicada em 14/10/2005, cada qual foi condenado a 1 ano de detenção, pelo crime do artigo 34 da Lei nº 9.605/98, sendo a reprimenda corporal substituída por uma restritiva de direitos, de prestação de serviços à comunidade (fls. 207/213)
NATALMIR LEANDRO DA SILVA, nas razões de fls. 222/225, pleiteia a absolvição, ao argumento de que a autoria não restou comprovada, pois na data dos fatos encontrava-se pescando com "vara", em "lagoa particular", para consumo próprio.
PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA, por sua vez, nas razões de fls. 259/263, alega, preliminarmente, que o processo é nulo, pois consta no "auto de prisão" que foi encontrado nas imediações da lagoa, o que não pode ser considerado flagrante. No mérito, igualmente, pleiteia a absolvição, por não estar provado que agiu com dolo, na medida que apanhava peixes para consumo próprio.
O Ministério Público Federal, nas contra-razões (fls. 269/276), pugnou pela manutenção da sentença.
A Procuradoria Regional da República, no parecer (fls. 281/286), opinou pelo desprovimento do recurso.
Feito não sujeito à revisão, nos termos do Regimento Interno desta Corte.
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VOTO
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:
I. DA PRELIMINAR DE NULIDADE
Afasto de pronto a preliminar de nulidade argüida por PAULO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA.
Ab initio, importante frisar que a Polícia Militar, na verdade, lavrou "Auto de Infração Ambiental" e, em decorrência, o competente "Boletim de Ocorrência" (fls. 8/11), e não "Auto de Prisão em Flagrante", como lançado nas razões recursais.
Feita esta consideração, a alegação de que não houve flagrante, por constar nos referidos documentos que os réus foram surpreendidos nas imediações da lagoa, é totalmente insubsistente. Resta claro, no "Boletim de Ocorrência", que os apelantes foram vistos ...praticando pesca amadorista embarcada com petrechos não permitidos... (fls. 5/v). E, no histórico dos fatos, que os policiais ...avistaram os indiciados na embarcação apreendida dentro da referida lagoa. De imediato deram a volta por terra com a viatura e abordaram os dois fora da embarcação... (fls. 14).
Note-se que mesmo na hipótese dos policiais não terem visto os réus pescando, mas, apenas, na beira da lagoa, com embarcação, redes e peixes recém apanhados, o flagrante estaria configurado, nos termos do artigo 302, inciso II, do Código de Processo Penal.
II. DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA
Demonstram a materialidade do delito os Autos de Infração Ambiental nºs 141145 e 141146 (fls. 8/9), os Boletins de Ocorrência nºs 030587 e 1987/2003 (fls. 10/14), o Recibo de Retenção de Embarcação (fls. 12), o Auto de Exibição e Apreensão (fls. 15/16) e o Termo de Destinação de Produtos e Subprodutos, que documentou a doação dos peixes à entidade assistencial (fls. 19), todos lavrados pela Polícia Militar.
Ao contrário do que afirmam as defesas, a autoria também é inconteste, considerando que ambos os réus, ao serem interrogados, admitiram que foram surpreendidos enquanto pescavam, com rede, na lagoa marginal do Rio Pardo, salientando que os peixes serviriam para consumo próprio e que não sabiam que tal atividade, naquele local, era proibida (fls. 102 e 103).
No mais, os policiais militares que participaram da ocorrência, arrolados pela acusação, confirmaram de forma unânime os fatos narrados na inicial (fls. 152/159).
Não resta dúvida, portanto, que os apelantes pescavam com petrecho não permitido - redes de nylon, em local proibido, conduta que se amolda ao tipo penal previsto no artigo 34 da Lei nº 9.605/98.
III. DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
A única defesa aproveitável em favor dos réus gira em torno da insignificância da conduta dos mesmos, ao argumento de que pescavam de forma amadora e para consumo próprio - o que foi corroborado nos testemunhos dos policias. Confira-se:
WILSON JOSÉ SANTANA GONÇALVES: ...E a quantidade de peixe, se recorda? Aproximadamente uns 5 quilos... No momento da apreensão o que eles alegaram? Que era para eles mesmos, para consumo e que eles não eram pescadores profissionais... Qual era o estado do barco? Horrível... (fls. 152/153).
MARCOS PALHARES DA SILVEIRA: ...avistamos um barco no interior da lagoa marginal e feita a abordagem, verificamos que no interior do barco foi encontrada uma mochila com 5 quilos de peixe. Perguntamos sobre a origem e eles falaram que as redes estavam armadas. Aí, um dos policiais que estavam que nós foi até lá onde eles disseram e acharam as redes... O que eles disseram na hora? Que era para consumo próprio, que estavam passando por dificuldades... eu acredito que era para consumo mesmo... (fls. 158/159).
Pois bem.
A previsão legal de crimes ambientais tutela o interesse difuso ao meio ecologicamente equilibrado, na tentativa de preservar, inclusive, os direitos das futuras gerações. Assim, a insignificância do dano constitui matéria tormentosa em sede de proteção ambiental, onde vigora o princípio da proteção - o equilíbrio ecológico é muito tênue e, por vezes, algumas condutas que isoladamente poderiam ser vistas como de pequena expressão, são capazes de gerar prejuízos atuais ou futuros de incomensurável resultado.
Nesse sentido é precisa a observação de MAURÍCIO LIBSTER, de que ...os danos ambientais são de conseqüências graves e nem sempre conhecidas e a preservação é um dever a ser levado com o máximo empenho e seriedade... (in Delitos Ecológicos, apud Vladimir Passos de FREITAS, Gilberto Passos de FREITAS, p. 33).
ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA esclarece que ...a partir da consagração do princípio da precaução, é bem de ver, não pode mais haver dúvidas de que o direito ambiental no Brasil é o direito da prudência, é o direito da vigilância no que se refere à degradação da qualidade ambiental e não do direito da tolerância com as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Esse enfoque que deve prevalecer em toda atividade de aplicação do direito nessa área, inclusive na esfera judicial... (destaquei, in Direito Ambiental: o princípio da precaução e sua aplicação judicial, Revista de Direito Ambiental, p. 98).
Ressalte-se que o princípio da precaução é indissociável da incidência de penalidades criminais e administrativas em sede ambiental, posto que, inclusive, foi capitulado no artigo 15 da DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO-92, realizada no Rio de Janeiro/RJ, no ano de 1992. Aliás, também está explicitamente recepcionado no nosso ordenamento jurídico, no artigo 225, parágrafo 1º, inciso V, da Constituição Federal, e na Lei de Crimes Ambientais, artigo 54, parágrafo 3º.
No mais, conforme acentua PAULO AFONSO LEME MACHADO, de acordo com o princípio da precaução ...previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida...
Desta forma, a prática de pesca em local proibido expõe toda a fauna aquática da área a perigo, sendo que mesmo um evento aparentemente isolado e de menor expressão pode trazer conseqüências que seriam impossíveis de serem medidas tão-somente à vista daquele ato.
Por outro lado, essa temática sugere com veemência que o princípio da insignificância cogitado no Direito Penal apenas muito excepcionalmente pode ser levando em conta no âmbito dos delitos ambientais, já que o princípio da precaução imbrica-se com o princípio da prevenção geral criminal, vez que a repressão penal pode contribuir eficazmente para evitar condutas lesivas futuras. Assim, a insignificância em sede de crime ambiental, embora não possa ser afastada totalmente, não deve ser vulgarizada.
Sobre o tema é firme a jurisprudência da Primeira Turma desta Corte. A saber:
No mesmo sentido, ainda decidem a Segunda e a Quinta Turma deste Tribunal:
Diante deste quadro, o mais aconselhável é que a conduta seja examinada caso a caso.
Na situação em comento tem-se que os réus, pessoas extremamente simples, um pedreiro e um ajudante geral, após terminarem o serviço que prestavam numa fazenda próxima à lagoa marginal do Rio Pardo, resolveram pescar (fls. 102/103), não sendo impossível que desconhecessem a proibição da atividade no local, pois não há nos autos indicação de que houvesse placa sinalizadora da área defesa.
Na ocasião, ao serem abordados, tinham consigo 22 peixes recém apanhados, sendo 17 curimbatás, 2 traíras e 3 piranhas, cujo peso total não ultrapassava 5 quilos, não sendo impossível, igualmente, que se destinassem a consumo próprio, como afirmado em juízo pelos apelantes e pelos próprios policiais, testemunhas da acusação (fls. 102/103, 152/153 e 158/159).
Este relator, em pesquisa realizada na internet, verificou que o peixe curimbatá, também conhecido curimba, constitui espécie não ameaçada, muito importante na alimentação de populações ribeirinhas de baixa renda, embora a carne não apresente sabor convidativo. Verificou, outrossim, que o curimbatá ou curimba, por ser do tipo detritívoro, não ataca iscas artificiais, o que significa que o pescador normalmente nada obtém usando anzol e vara. E, ainda, que as maiores ameaças à espécie residem na poluição dos rios, porque o peixe se alimenta dos detritos encontrados na água, e na própria existência de barragens, que impedem a migração na piracema.
Ou seja, os apelantes pescaram em maior quantidade - 17 unidades, um tipo de peixe que não corre risco de extinção e que serve de alimento à população ribeirinha de baixa renda, razão pela qual, na singularidade do caso, não entrevejo na conduta que perpetraram relevância capaz de efetivamente lesionar de modo apreciável o bem jurídico tutelado, consubstanciado na fauna ictiológica da região do Rio Pardo.
Anoto, ainda, que a pescaria envolveu a apanha de traíras. Trata-se daquele que é considerado o "peixe típico" do Brasil, encontrável do Oiapoque ao Chuí. Não corre qualquer risco de extinção, sendo espécie que faz várias desovas por ano, com alto índice de proliferação - pode viver e se reproduzir até em águas poluídas. A propósito, a existência desta espécie está muito mais ameaçada pela ação indiscriminada de certos cientistas do que pela ação dos modestos pescadores. Sabe-se da existência de "pesquisas" de laboratório que procuram criar espécimes híbridos, para satisfazer curiosidade e como atrativo em "pesque-pague", assim gerando peixes grotescos e estéreis, incapazes de se reproduzir.
Assim, flexibilizando o princípio da precaução que orienta a matéria ambiental, aplico o princípio da insignificância para o fim de afastar a tipicidade material da conduta imputada aos réus, absolvendo-os.
Ante o exposto, afasto a preliminar argüida, e no mérito, dou provimento às apelações para absolver os apelantes.
É o voto.
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