Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/08/2011
PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0020441-94.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.020441-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
REQUERENTE : POLICIA FEDERAL
REPRESENTANTE : GILBERTO JOSE PINHEIRO JUNIOR
REQUERIDO : Tribunal Regional Federal da 3 Regiao
INTERESSADO : JORGE ABISSAMRA

EMENTA

QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSUAL PENAL. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. REQUISIÇÃO, PELA PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DE FATOS EM QUE SUPOSTAMENTE ENVOLVIDO PREFEITO MUNICIPAL, DETENTOR DE PRERROGATIVA DE FORO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DESTE TRIBUNAL PARA A POLÍCIA FEDERAL DAR INÍCIO ÀS INVESTIGAÇÕES. RETORNO DOS AUTOS, CONFORME REQUERIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
- O comando previsto no artigo 5º, inciso II, do Código de Processo Penal, oportunizando ao representante do Ministério Público requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito, encontra-se alinhado com as funções institucionais descritas no artigo 129 Constituição Federal, entre elas a de "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais" (inciso VIII), ausente, em ambos os dispositivos, qualquer ressalva à apuração de delito atribuído a autoridade com prerrogativa de foro em razão do exercício de determinada função pública.
- Especialmente em se tratando de apuratório preliminar contra prefeito municipal - em que, diferentemente das hipóteses nas quais envolvidos membros da Magistratura e do Ministério Público, que só podem ser investigados criminalmente pela respectiva instituição (LOMAN, artigo 33, parágrafo único; Lei Complementar 75/93, artigo 18, parágrafo único), inexiste disposição expressa em igual sentido, restando, unicamente, os ditames da Lei 8.038/90, que não trata da fase pré-processual -, o controle judicial desenvolvido em seu bojo é circunstancial, exigindo-se atividade do Relator somente quando inevitável deliberar sobre atos que imponham maior gravame ao investigado (medidas de natureza cautelar, em regra), jamais, contudo, dando ensejo à imprescindibilidade de pronunciamento unilateral, ou mesmo do órgão colegiado a que compete originariamente o processamento do feito, acerca da requisição ministerial de instauração do inquérito policial.
- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de há muito se orienta no sentido de que a prerrogativa de função ostentada "não obsta a prática de atos de investigação a serem promovidos pela autoridade policial, quando requisitados por membro do Ministério Público com atuação perante o Tribunal competente para processar e julgar eventual ação penal originária, sob pena de inviabilizar a adoção das medidas pré-processuais de persecução penal, no âmbito do procedimento investigatório em curso perante o órgão judiciário competente" (HC 35.996/RJ, 5ª Turma, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 6.12.2004).
- Os precedentes tirados das decisões plenárias tomadas em 10 de outubro de 2007 pelo Supremo Tribunal Federal não têm a extensão sugerida na manifestação do Departamento de Polícia Federal, a ponto de impor que a instauração de inquérito pela polícia judiciária, em atendimento a requisição de membro do Ministério Público atuante perante o Tribunal originariamente competente para o julgamento da ação penal, passe pelo juízo prévio da Corte, sempre que se estiver diante de investigação conduzida para apuração de fatos em que demonstrado o envolvimento de agente detentor de prerrogativa de foro.
- O tema objeto de discussão, tanto na conclusão do julgamento da Questão de Ordem na Petição 3.825-8/MT ("Escândalo do Dossiê", rel. Ministro Sepúlveda Pertence, maioria de votos, red. p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, divulgação no DJe de 3.4.2008) quanto na apreciação da Questão de Ordem no Inquérito 2.411-2/MT ("Operação Sanguessuga", rel. Ministro Gilmar Mendes, maioria de votos, divulgação no DJe de 25.4.2008), originou-se do indiciamento, levado a efeito diretamente pela autoridade policial, de congressistas detentores de prerrogativa de foro (CF, artigo 102, I, b), alcançando, por conseguinte, a própria iniciativa do procedimento investigatório pela polícia em desfavor de autoridades submetidas à competência do STF, sem infirmar, porém, o poder conferido irrestritamente ao órgão ministerial de requisitar diretamente à polícia a abertura de inquérito.
- A alusão à imprescindibilidade de supervisão pelo Relator, quando tomada a iniciativa do procedimento investigatório pelo Ministério Público, volta-se ao obrigatório controle jurisdicional que, no mais das vezes, difere-se para o momento do eventual oferecimento da denúncia ou promoção de arquivamento, principalmente na vigência da Resolução 63/2009 do Conselho da Justiça Federal.
- Tratando-se de prerrogativa de foro ratione personae, atuando, o Relator do inquérito, com os mesmos poderes atribuídos ao juiz singular de primeira instância, cumpre-lhe, salvo caso de deliberar sobre medidas que dependam de autorização judicial, supervisar a observância das regras procedimentais estabelecidas para o momento, com a perspectiva de encaminhar a formalização da relação processual sem que reste qualquer pendência, bem como embargar abusos eventualmente cometidos no curso da investigação, inclusive para fins de responsabilização dos agentes que porventura tenham ultrapassado a barreira da legalidade, atribuições que em nada se misturam com a pretendida permissão de licença para encetar-se investigação preliminar à persecução penal em juízo.
- Questão de ordem acolhida para determinar a devolução dos autos à autoridade policial representante, a fim de que seja instaurado inquérito, em atendimento ao requerido pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, determinar a devolução dos autos à autoridade policial representante, nos termos do voto da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta (Relatora), com quem votaram os Desembargadores Federais Mairan Maia, Alda Basto, Carlos Muta, Consuelo Yoshida (convocada para compor quórum), Johonsom di Salvo (convocado para compor quórum, por fundamentação diversa), Nelton dos Santos (convocado para compor quórum, por fundamentação diversa), Sérgio Nascimento (convocado para compor quórum), Márcio Moraes (por fundamentação diversa), Diva Malerbi, Baptista Pereira (por fundamentação diversa), Suzana Camargo, Newton de Lucca, Fábio Prieto (pela conclusão), Cecília Marcondes e André Nabarrete (Presidente em exercício).


São Paulo, 10 de agosto de 2011.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


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PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0020441-94.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.020441-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
REQUERENTE : POLICIA FEDERAL
REPRESENTANTE : GILBERTO JOSE PINHEIRO JUNIOR
REQUERIDO : Tribunal Regional Federal da 3 Regiao
INTERESSADO : JORGE ABISSAMRA

RELATÓRIO

A Senhora Desembargadora Federal Therezinha Cazerta (Relatora). Ofício encaminhado pela Corregedoria Regional da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo à E. Presidência desta Corte, a mim distribuído no âmbito deste Órgão Especial, dá conta do seguinte (fl. 02):


"Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Presidente,
Através do presente, de ordem do Ilmo. Sr. Superintendente Regional da Polícia Federal em São Paulo, encaminho a V. Exa. o Ofício PRR-3ª Região nº 1992/2011, subscrito pela Exma. Sra. Procuradora Regional da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, e expediente a ele anexado, o qual versa sobre requisição de instauração de inquérito policial para investigar, em tese, 'irregularidades consistentes na ausência de prestação de contas em convênio de verba federal realizado com o Município de FERRAZ DE VASCONCELOS/SP', envolvendo, em princípio, o atual Prefeito da Cidade, JORGE ABISSAMRA.
Por se tratar de suposto delito praticado em detrimento de interesse da União Federal, a Autoridade mencionada tem foro por prerrogativa de função perante essa Egrégia Corte.
Ocorre que, no que tange à abertura de inquéritos policiais para a investigação de atos de detentores de foro privilegiado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabeleceu a necessidade de que haja autorização, no que tange às autoridades com foro naquela Corte, já para a abertura do procedimento (Petição na Questão de Ordem nº 3.825/MT; Questão de Ordem no Inquérito nº 2411).
Conforme restou disposto na Ementa da Questão de Ordem nº 3.825/MT:
'No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" c/c Lei nº8.038/90, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis.'
Por simetria, a exigência de prévia autorização para investigar se estenderia para toda a investigação contra agentes públicos que detêm foro por prerrogativa de função em Tribunais a cuja jurisdição tais autoridades se achem sujeitas.
Assim sendo, e a fim de evitar eventual questionamento de vício de origem nas investigações, não obstante tratar-se de requisição de órgão do Ministério Público que atua perante esse Tribunal, é o caso de se obter a prévia autorização dessa Corte para a abertura de inquérito policial requisitada, objeto do ofício que ora se encaminha.
Solicita-se, assim, manifestação dessa Egrégia Corte a respeito do tema suscitado, ficando esta Superintendência Regional no aguardo de autorização para dar início às investigações.
Atenciosamente,
GILBERTO JOSÉ PINHEIRO JUNIOR
Delegado de Polícia Federal
Corregedor Regional em Exercício"

Aberta vista ao Ministério Público Federal, sobreveio manifestação (fls. 111/120) no sentido de que "as razões apresentadas pelo Delegado Corregedor Regional em Exercício da Polícia Federal não se coadunam com as disposições constitucionais e muito menos com a jurisprudência da Suprema Corte".

Alega-se que "tendo esta Procuradora Regional da República signatária verificado a presença de indícios de ilicitudes por parte do Prefeito Municipal de Ferraz de Vasconcelos, vindo a requisitar a instauração de INQUÉRITO POLICIAL à Superintendência da Polícia Federal, não há razões que justifiquem que o Órgão Judicial seja instado a se manifestar deferindo, ou não, a AUTORIZAÇÃO requerida", ou seja, "a REQUISIÇÃO feita por essa signatária à Autoridade policial não está atrelada à autorização desse Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para que seja INSTAURADO INQUÉRITO POLICIAL, e para que se possa dar início às investigações de atos eventualmente ilícitos, praticados, em tese, por JORGE ABISSAMRA, detentor de foro privilegiado perante esse Colendo Tribunal Regional Federal da 3ª Região", pois, afinal, "o Ministério Público é o destinatário precípuo dos elementos colhidos em sede de inquérito policial, não cabendo ao Judiciário intervir nessa fase pré-processual, que envolve caso de competência originária de Tribunal, salvo nas hipóteses em que venha a ocorrer prisão cautelar, medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais, etc., ou quando a lei federal especial estabelecer o contrário, como é o caso da Lei Orgânica da Magistratura".

Que a nova sistemática da tramitação direta dos inquéritos, na forma regulada pela Resolução 63/2009 do Conselho da Justiça Federal, "veio ao encontro dos anseios da sociedade, que há tempos espera por uma Justiça mais célere e eficaz"; "adotada inclusive nos casos em que o suposto acusado detém foro com prerrogativa de função, vem a demonstrar a impropriedade da solicitação feita".

Que, "diferentemente do destacado pela Corregedoria, na Questão de Ordem nº 3825/MT não restou sedimentado que a instauração de inquérito, em que se vislumbre o envolvimento de titular de prerrogativa de foro no DTF, depende de autorização do Juízo competente. Na verdade, restou certo que a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, 'nos inquéritos policiais federais em geral, não cabe ao juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro' - 'A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF, contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF'".

Conclusão: "Diante do exposto, a fim de se evitar qualquer mácula de origem na deflagração do procedimento investigatório, o Ministério Público Federal requer a devolução dos autos à D. Autoridade Policial representante, para que seja instaurado INQUÉRITO POLICIAL, dando início às apurações pela suposta prática de delitos pelo Prefeito Municipal JORGE ABISSAMRA, nos termos em que requereu este membro Ministerial no Ofício nº 1992/2011".

Porque compete ao Relator "submeter ao Plenário, à Seção, à Turma ou aos respectivos Presidentes, conforme a competência, questões de ordem para o bom andamento dos feitos", trago o processo em mesa para julgamento, a teor do disposto no artigo 33, inciso III, do Regimento Interno desta Casa.

É o relatório.


THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


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PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0020441-94.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.020441-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
REQUERENTE : POLICIA FEDERAL
REPRESENTANTE : GILBERTO JOSE PINHEIRO JUNIOR
REQUERIDO : Tribunal Regional Federal da 3 Regiao
INTERESSADO : JORGE ABISSAMRA

VOTO

A Senhora Desembargadora Federal Therezinha Cazerta (Relatora). Com razão, a Procuradoria Regional da República, ao sustentar a desnecessidade de autorização prévia desta Corte para abertura de inquérito policial com o fim de investigar eventuais irregularidades em convênio firmado com o Fundo Nacional de Saúde, supostamente cometidas no âmbito da Prefeitura de Ferraz de Vasconcelos.

O comando previsto no artigo 5º, inciso II, do Código de Processo Penal, oportunizando ao representante do Ministério Público requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito, encontra-se alinhado com o texto da Constituição Federal, que explicita, entre as funções institucionais descritas no rol do artigo 129, "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais" (inciso VIII), ausente, em ambos os dispositivos, qualquer ressalva à apuração de delito atribuído a autoridade com prerrogativa de foro em razão do exercício de determinada função pública.

Especialmente em se tratando de apuratório preliminar contra prefeito municipal - em que, diferentemente das hipóteses nas quais envolvidos membros da Magistratura e do Ministério Público, que só podem ser investigados criminalmente pela respectiva instituição (LOMAN, artigo 33, parágrafo único; Lei Complementar 75/93, artigo 18, parágrafo único), inexiste disposição expressa em igual sentido, restando, unicamente, os ditames da Lei 8.038/90, que, a seu turno, como apontado na própria manifestação ministerial, "não trata da fase pré-processual, ou seja, não trata da investigação que se realiza antes da apresentação da denúncia ou promoção de arquivamento" (fl. 113) -, o controle judicial desenvolvido em seu bojo, conforme a Resolução 63/2009 do Conselho da Justiça Federal veio apenas chancelar, é mesmo circunstancial.

Com efeito, exige-se, nesse ínterim, atividade do Relator somente quando inevitável deliberar sobre atos próprios a essa fase que imponham maior gravame ao investigado, sujeitos à reserva jurisdicional, como quebra de sigilo, busca e apreensão, decretação de prisão e outras medidas de natureza cautelar, jamais, contudo, dando ensejo à imprescindibilidade de pronunciamento unilateral, ou mesmo do órgão colegiado a que compete originariamente processar e julgar a ação penal, acerca da requisição ministerial de instauração do inquérito policial.

De há muito o Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões sobre o assunto, consoante se observa das ementas abaixo transcritas, sempre pela dispensa de autorização do Tribunal em casos tais, valendo os destaques:


"HABEAS CORPUS. CRIMES DE RESPONSABILIDADE DO PREFEITO MUNICIPAL. DL 201/67. ALEGADA DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PODERES DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MATÉRIA QUE AINDA SE ACHA SUBMETIDA AO CRIVO DO PLENO DO COLENDO STF. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DESTA CORTE QUE ADMITE A POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO INSTAURAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATIVO OU CONDUZIR DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS, VEDADA A PRESIDÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL PROPRIAMENTE DITO. SÚMULA 234/STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. O poder de o Ministério Público realizar Inquérito Civil Público (ICP) visando à colheita de elementos indiciários para instruir a ulterior promoção de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa é espécie jurídica sobre a qual não pendem dúvidas, mas esses mesmos elementos não são diretamente prestantes para o oferecimento de denúncia criminal, porque importaria na admissão do amplo poder investigatório penal do MP, matéria da maior relevância jurídica que ainda se acha sob o crivo do colendo STF, a cujo Pleno está afeta a sua pacificação, tendo em vista dissídio pretoriano instaurado entre as suas doutas Turmas.
2. Esta Corte, todavia, tem adotado o entendimento de que é possível ao Ministério Público, como titular da Ação Penal, instaurar procedimento administrativo para colher informações e indícios da prática de crimes, objetivando o oferecimento de posterior denúncia, sendo-lhe defeso, porém inaugurar e presidir o Inquérito Policial; a participação de membro do MP na fase investigatória criminal não acarreta impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia (Súmula 234/STJ).
3. No caso dos autos, o MP instaurou Procedimento Administrativo Preliminar com base em representação de Vereadores do Município de Porto Walter/AC, a fim de propor ulterior Ação Civil Pública contra o Prefeito Municipal; ao depois, o representante do Parquet Federal requisitou diretamente à Delegacia de Polícia Federal em Cruzeiro do Sul/AC a abertura de IPL para apurar indícios de outros ilícitos eventualmente cometidos na administração municipal de Porto Walter/AC, quando é certo que o Prefeito Municipal detém a prerrogativa de foro em razão da função pública, ao meu ver, inclusive na fase pré-processual ou de investigação.
4. Entretanto, esta Corte, em mais de uma oportunidade, entendeu ser desnecessária a prévia autorização do Tribunal competente para se requisitar a instauração de Inquérito Policial contra autoridade pública detentora de foro privilegiado, por inexistir diploma legal a exigir tal medida; razão pela qual, considerando a missão constitucional desta Corte de uniformização da jurisprudência pátria, ressalvo o meu ponto de vista, a fim de declarar a validade do procedimento investigatório iniciado sem autorização do Tribunal a quo.
5. Habeas Corpus denegado, em conformidade com o parecer ministerial, com a ressalva do ponto de vista do Relator, forte em que as atividades de investigação de ilícitos não cabem nas atribuições do MP."
(HC 171.116/AC, 5ª Turma, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 16.11.2010)

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO. CRIME PREVISTO NO DECRETO-LEI N.º 201/67. INSTAURAÇÃO E PROCESSAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. INEXISTÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PELA AUTORIDADE POLICIAL LOCAL E DEVIDAMENTE REMETIDO AO TRIBUNAL ESTADUAL, EM VIRTUDE DA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DO INVESTIGADO. AFASTAMENTO CAUTELAR DO CARGO DE PREFEITO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ILEGALIDADE DEMONSTRADA. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
1. O inquérito policial instaurado pela Autoridade Policial contra o ora Paciente, Prefeito do Município de Barra de São Miguel/PB, para a apuração da suposta prática do delito tipificado no art. 1º, II, do Decreto-Lei n.º 201/67, restou devidamente encaminhado para o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em razão da prerrogativa de função do investigado, inexistindo, pois, qualquer usurpação de sua competência.
2. A decisão que determina o afastamento do Prefeito de seu cargo deve ser concretamente fundamentada, a teor do art. 2º, II, do Decreto-Lei nº 201/67, já que não é conseqüência obrigatória do recebimento da denúncia. Precedentes desta Corte.
3. No caso, não restou justificado, com dados válidos e concretos do processo, a necessidade do afastamento do Paciente, vislumbrando, dessa forma, a ilegalidade na imposição da medida.
4. Tendo sido devidamente intimado para a sessão de julgamento, a ausência do Defensor constituído não acarreta qualquer nulidade processual, ainda mais porque, conforme o disposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.038/90, na sessão que delibera sobre o recebimento ou rejeição da denúncia ou da queixa ou a improcedência da acusação, a sustentação oral das partes é mera faculdade. Tanto que não se faz obrigatória a nomeação de defensor ad hoc. Precedente do STF.
5. Ordem concedida parcialmente tão-somente para determinar a suspensão dos efeitos do acórdão proferido nos autos da notícia crime n.º 999.2005.000623-1/001, relativamente ao afastamento do Paciente do cargo de Prefeito do Município de Barra de São Miguel/PB, até o trânsito em julgado da referida ação."
(HC 87.342/PB, 5ª Turma, rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 25.2.2008)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO POR REQUISIÇÃO DA CHEFIA DA PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA. PECULATO. DESVIO DE VERBAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). PREFEITO MUNICIPAL. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.
1. Em sede de habeas corpus, conforme pacífico magistério jurisprudencial, somente se admite o trancamento de inquérito policial, por falta de justa causa, quando desponta induvidosamente a inocência do indiciado, a atipicidade da conduta ou se acha extinta a punibilidade, circunstâncias não demonstradas na hipótese em exame.
2. Ademais, não caracteriza constrangimento ilegal a simples instauração de inquérito policial destinado a apurar fatos em tese delituosos.
3. Por outro lado, a prerrogativa de função ostentada pelo paciente não obsta a prática de atos de investigação a serem promovidos pela autoridade policial, quando requisitados por membro do Ministério Público com atuação perante o Tribunal competente para processar e julgar eventual ação penal originária, sob pena de inviabilizar a adoção das medidas pré-processuais de persecução penal, no âmbito do procedimento investigatório em curso perante o órgão judiciário competente.
4. Por fim, conforme decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, "(...) A competência originária para o processo e julgamento de crime resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde - SUS, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal" (RE 196.982/PR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ 27/6/1997, p. 30.247), pois, "(...) Além do interesse inequívoco da União, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes, no caso, são também em detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mas ainda a supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados" (RE 196.982/PR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ 27/6/1997, p. 30.247).
5. Ordem denegada."
(HC 35.996/RJ, 5ª Turma, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 6.12.2004)
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. PREFEITO. REQUISIÇÃO DE INQUÉRITO PELO MP.
Como não se trata, aqui, de magistrados e nem de membros do Ministério Público, o relator, in casu, atua como o juiz em relação a inquérito policial em casos em que a competência não é originária. Recurso provido."
(REsp 236.724/CE, 5ª Turma, rel. Ministro Felix Fischer, DJ de 4.6.2001)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PREFEITO. PRERROGATIVA DE FORO. REQUISIÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL POR PROMOTOR DE JUSTIÇA. VIABILIDADE.
- A requisição de inquérito policial, por promotor de justiça, para apurar infração penal irrogada a Prefeito Municipal, não interfere com a prerrogativa de foro de que ele goza por preceptivo constitucional. A instauração da ação penal é que somente deverá ser formulada por órgão ministerial com atribuição junto ao Tribunal de Justiça Estadual ou ao Tribunal Regional Federal, conforme o caso, que o julgará(CF art. 29, inc. X).
- De outra parte, não deve ele submeter-se à inquirição por autoridade policial.
- Recurso conhecido e desprovido."
(RHC 8.038/MT, 5ª Turma, rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 18.12.1998)

Nesse sentido, outrossim, a orientação doutrinária, consubstanciada na anotação de Damásio de Jesus: "Crime de Prefeito - O inquérito policial pode ser requisitado pelo Ministério Público (JTJ 221/335)" (Código de Processo Penal Anotado. São Paulo, Saraiva, 2010, 24ª edição, p. 34).

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, as conclusões tiradas dos precedentes indicados na manifestação apresentada pelo Departamento de Polícia Federal, com a devida venia, não têm a extensão sugerida, não, a ponto de impor que a instauração de inquérito pela polícia judiciária, em atendimento a requisição de membro do Parquet atuante perante o Tribunal originariamente competente para o processo-crime propriamente dito, passe pelo juízo prévio da Corte, sempre que se estiver diante de investigação conduzida para apuração de fatos em que demonstrado o envolvimento de agente sob jurisdição específica.

Primeiro, porque impossível ignorar, como reafirmado em pronunciamentos externados no próprio Pretório Excelso, que a irretocável atribuição do Ministério Público de requisitar a instauração de inquéritos policiais deve ser exercida livremente de qualquer sujeição, ou, melhor dizendo, "(...) Entre as funções institucionais que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público, está a de requisitar a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição independe de prévia autorização ou permissão jurisdicional. Basta o Ministério Público Federal requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes. Mas não a esta Corte Suprema. Por ela podem tramitar, entre outras demandas, ação penal contra os membros da Câmara dos Deputados e Senado. Mas não inquéritos policiais. Esses tramitam perante os órgãos da Polícia Federal. Eventuais diligências, requeridas no contexto de uma investigação contra membros do Congresso Nacional, podem e devem, sim, ser requeridas perante esta Corte, que é o juiz natural dos parlamentares federais, como é o caso da quebra do sigilo fiscal. Mas o inquérito tramita perante aqueles órgãos policiais e não perante o Supremo Tribunal Federal. Não parece razoável admitir que um ministro do Supremo Tribunal Federal conduza, perante a Corte, um inquérito policial que poderá se transformar em ação penal, de sua relatoria. Não há confundir investigação, de natureza penal, quando envolvido um parlamentar, com aquela que envolve um membro do Poder Judiciário. No caso deste último, havendo indícios da prática de crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga a investigação. É o que determina o art. 33, § único da LOMAN. Mas quando se trata de parlamentar federal, a investigação prossegue perante a autoridade policial federal. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Federal. Disso resulta que não pode ser atendido o pedido de instauração de inquérito policial originário perante esta Corte. (...)" (Petição 3.248, rel. Ministra Ellen Gracie, DJ de 23.11.2004).

A esse respeito, de igual modo, "Não cabe a esta Corte 'determinar' a instauração de inquérito policial para apuração de crime de ação pública incondicionada, ressalvados aqueles praticados no âmbito da própria Corte e que possam dizer respeito ao exercício de sua própria competência, constitucional ou legal (RISTF, art. 8º, inciso IV). Aliás, o próprio § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal, invocado pelo autor deste procedimento como fundamento jurídico de sua pretensão, diz expressamente que a comunicação de crime de ação pública far-se-á à 'autoridade policial'. Anote-se, outrossim, que conforme assentado pelo Pleno da Corte na PET nº 2805 - AgR (Rel. Min. Nelson Jobim), a intervenção desta Corte é especialmente descabida quando a mesma notícia crime foi (ou pode ser) diretamente encaminhada ao Ministério Público, tendo 'a apresentação da mesma neste Tribunal a finalidade de causar repercussão (...) eleitoral" (Inquérito 2.285, rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ de 13.3.2006).

No mais, exame das referidas decisões plenárias tomadas em 10 de outubro de 2007 revela, de fato, que o tema objeto de discussão, tanto na conclusão do julgamento da Questão de Ordem na Petição 3.825-8/MT ("Escândalo do Dossiê", rel. Ministro Sepúlveda Pertence, maioria de votos, red. p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, divulgação no DJe de 3.4.2008) quanto na apreciação da Questão de Ordem no Inquérito 2.411-2/MT ("Operação Sanguessuga", rel. Ministro Gilmar Mendes, maioria de votos, divulgação no DJe de 25.4.2008), originou-se do indiciamento, levado a efeito diretamente pela autoridade policial, de congressistas detentores de prerrogativa de foro, a teor do disposto no artigo 102, I, b, da Constituição da República, alcançando, por conseguinte, a própria iniciativa do procedimento investigatório pela polícia em desfavor de autoridades submetidas à competência do STF, jamais, contudo, infirmando-se a abertura de inquérito a pedido do Ministério Público.

À guisa de ilustração, no primeiro caso, como consta do voto-vista proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, "houve indiciamento de Senador da República por ato de Delegado da Polícia Federal. Em síntese, discute-se, nestes autos, se caberia, ou não, à autoridade policial investigar e indiciar autoridade dotada de predicamento de foro perante o STF"; "Em outras palavras, questiona-se se, nessa hipótese excepcional de feitos persecutórios instaurados perante este Tribunal Constitucional, o procedimento de investigação pode ser aberto e conduzido por autoridade policial".

No segundo julgado, igualmente parafraseando o pronunciamento de Sua Excelência, agora na condição de Relator, conquanto o inquérito tenha sido "aberto de forma regular", daí que "a questão de ordem diz respeito ao próprio indiciamento, que foi objeto também de outra discussão no caso da PET nº 3.825, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence", "como esta questão está associada a outras práticas aqui referidas, especialmente a da abertura de investigação pela própria autoridade policial", repetiram-se os pontos sob análise: "A questão de ordem colocada aqui foi o indiciamento feito pela própria autoridade policial a partir de uma investigação solicitada pelo Ministério Público. Essa foi a questão colocada e, obviamente, eu a estou resolvendo no sentido da anulação da decisão quanto ao indiciamento"; "A outra questão, que inclusive tem argumentos aqui nesse sentido, é da própria Polícia Federal abrir inquérito quanto a detentores de prerrogativa de foro. Essa seria a alternativa que vem sendo advogada inclusive pela própria polícia. Se nós deferirmos isso, estaremos criando um procedimento paralelo àquele da Lei nº 8.038".

A corroborar que em momento algum, ao menos segundo o juízo que faço, esteve-se a questionar o poder conferido irrestritamente ao Ministério Público nos moldes do disposto nos artigos 129, inciso VIII, da Constituição Federal, e 5º, inciso II, do Código de Processo Penal - perfilhou-se, até mesmo, conforme intervenção do Ministro Cezar Peluso nos debates lá travados por ocasião da segunda questão de ordem, que "O Ministério Público, por conseqüência, pode pedir diretamente à autoridade policial a abertura de inquérito, sem passar pelo Supremo" -, trago à colação os fundamentos majoritariamente encampados (acompanharam o Senhor Relator os Ministros Cezar Peluso, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello):


"Para o caso específico da apreciação das questões incidentes nos inquéritos originários, invoco o precedente firmado no julgamento da RCL nº 2.349-TO, Red. para o acórdão Min. Cézar Peluso, Rel. Originário Min. Carlos Velloso (DJ de 05.08.2005). Nesse julgado, o Plenário, por maioria, assegurou a necessidade de garantia da competência do STF para, nos termos do art. 102, I, 'b', fazer incidir o foro por prerrogativa de função com relação a parlamentares sempre que intimados com o objetivo de esclarecerem imputação, ao menos em tese, criminosa, na condição de investigado e/ou testemunha. Eis o teor da Emenda desse julgado:
'EMENTA: COMPETÊNCIA. Parlamentar. Senador. Inquérito policial. Imputação de crime por indiciado. Intimação para comparecer como testemunha. Convocação com caráter de ato de investigação. Inquérito já remetido a juízo. Competência do STF. Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que Senador tenha sido intimado para esclarecer imputação de crime que lhe fez indiciado' (RCL nº 2.349-TO, Red. para o acórdão Min. Cezar Peluso, Rel. originário Min. Carlos Velloso, Plenário, por maioria, DJ de 05.08.2005).
Em outras palavras, se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante esta Corte (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à 'supervisão judicial' (como é o caso da abertura de procedimento investigatório, por exemplo) sejam retiradas do controle judicial do STF.
Fixadas essas premissas, observa-se que é justamente por isso que está consagrada, em nosso sistema constitucional, a instituição da prerrogativa de foro. Além de estar destinada a evitar o que poderia ser definido como uma tática de guerrilha - nada republicana, diga-se - perante os vários juízos de primeiro grau, tal prerrogativa funcional serve para que os dirigentes das principais instituições públicas sejam julgados perante órgão colegiado - dotado de maior independência, pluralidade de visões e de inequívoca seriedade.
Trata-se de uma questão intimamente impregnada por elementos constitucionais que devem nortear políticas públicas criminais destinadas a esses agentes.
Daí o porquê da urgência da discussão das atribuições e competências no caso de investigação de supostos crimes cometidos por pessoas detentoras de prerrogativa de foro em sede de inquérito originário perante este STF.
Portanto, há de se fazer a devida distinção entre os inquéritos originários, a cargo e competência desta Corte (CF, art. 102), e aqueloutros de natureza tipicamente policial, os quais se regulam inteiramente pela legislação processual penal brasileira.
Sobre esse aspecto, assim manifestou-se o Procurador-Geral em seu parecer:
'6. O foro por prerrogativa de função tem justificativa na necessidade de assegurar garantias aos titulares de certos e determinados cargos, cuja importância é definida na Constituição, para que possam exercer em plenitude as atribuições que lhe são cometidas. O elementos de referência para o estabelecimento da garantia não é a pessoa que o titulariza em determinado momento, mas sim o plexo de atribuições do cargo.
7. Permitir que o procedimento de investigação predisposto à colheita de elementos probatórios, que suportarão eventual imputação penal contra titular de cargo a que se assegura foro especial, possa ser aberto por autoridade policial que integra o Departamento de Polícia Federal, e é órgão integrante da estrutura administrativa do Ministério da Justiça, certamente enfraquece a garantia que a Constituição consagra' - (fl. 128).
O despacho que admite o pedido diretamente apresentado pelo Procurador-Geral da República corresponde a ato judicial de natureza administrativa que imputa determinação procedimental de abertura de inquérito no âmbito desta Corte, o qual deve ser aqui autuado e numerado nos termos dos arts. 55, XIV; 56, V; e 231 do RI/STF.
A urgência dessa definição deve-se à exigência constitucional de evitar eventuais excessos por parte da Polícia Judiciária no sentido de se vislumbrar - conforme no excerto do ofício acima transcrito -, inclusive, e independentemente do controle jurisdicional deste Tribunal, a pretensão jurídica de instauração, 'ex officio', dos referidos inquéritos originários.
Assim, a discussão acerca dessa possibilidade não é uma mera formulação hipotética. Daí a necessidade de definição das competências constitucionais dos relatores desta Suprema Corte nos inquéritos originários.
Segundo a manifestação do Procurador-Geral da República, a iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator desta Corte.
Nesse contexto, a Polícia Federal não estaria autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF).
Diante do exposto e na linha dos precedentes arrolados, voto no sentido de que a questão de ordem ora apreciada seja resolvida nos seguintes termos: no exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, 'b' c/c Lei nº 8.038/90, art. 2º), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações (isto é, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis).
Nestes termos, na linha do parecer da PGR voto no sentido de que a questão de ordem seja resolvida para anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado."

Daí que, conforme deduzido na alentada manifestação ministerial, "se paralelismo há, é no sentido de que não pode a Autoridade Policial, de ofício, instaurar Inquérito Policial para apurar conduta praticada por Prefeito Municipal eis que tal ato depende de requisição de membro do Ministério Público Federal, competente para tanto" (fl. 120).

De resto, longe de representar novidade no sistema, nem ao menos se confundindo com autorização prévia para instauração de inquérito, a alusão à imprescindibilidade de supervisão pelo Relator, quando tomada a iniciativa do procedimento investigatório pelo Ministério Público - na Suprema Corte, atribuída ao Procurador-Geral da República; neste Regional, decorrente da atuação dos Procuradores Regionais da República integrantes do Núcleo do Órgão Especial -, volta-se ao obrigatório controle jurisdicional que, no mais das vezes, difere-se para o momento do eventual oferecimento da denúncia ou promoção de arquivamento, mormente agora no regime da tramitação direta, cuja meta "é a agilização dos trabalhos, uma vez que a participação do juiz, na maioria das vezes, é pró-forma, sem qualquer relevo prático" (Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2009, 9ª edição, p. 105).

A esse propósito, bem assim, "não há dúvidas de que toda a investigação policial deve ser fiscalizada pelo Ministério Público e supervisionada pela Corte Superior de Justiça ou Tribunal competente. Contudo, 'autorizar' cada ato da autoridade policial é exigência incompatível com a independência dos poderes, pois não há vinculação hierárquica do Poder Executivo, por seus órgãos de polícia judiciária, ao Poder Judiciário. O ato de 'supervisionar', por óbvio, pressupõe a prática de um ato que é posteriormente, e no prazo legal, submetido a quem de direito, no caso, à apreciação judicial, e corresponde ao melhor direito. (...) O ato de 'supervisionar' pressupõe um ato que foi praticado (noção de posterioridade do controle), enquanto que o ato de 'autorizar' pressupõe a sua não-prática, ou impedimento para um ato comissivo, enquanto não for chancelado o pedido pelo órgão competente legalmente: é anterior ao ato que se busca concretizar (noção de controle prévio, anterioridade), inaplicável ao contexto de uma polícia com atribuição constitucional investigativa e não condicionada" (Rodrigo Carneiro Gomes, "As prerrogativas processuais na investigação policial: detentores de prerrogativa de função, competência originária dos Tribunais e garantias", Revista dos Tribunais, vol. 883, maio/2009, pp. 405-435).

De regra, mesmo nos inquéritos comuns, que não se processam sob foro especial, a participação do juiz na fase pré-processual é limitada. Do magistrado, remarque-se, são exigidas decisões sobre medidas que dependam essencialmente de autorização judicial, as quais não se confundem com atividades propriamente investigativas reservadas à autoridade policial com o acompanhamento direto do Ministério Público. Mais do que tudo, a atuação jurisdicional nessa fase é medida de proteção do investigado, para que sejam respeitados seus direitos fundamentais, funcionando como verdadeiro juiz garante ou de garantias, órgão suprapartes.

Tratando-se de prerrogativa de foro ratione personae, atuando, o Relator designado, na apuração conduzida pela polícia judiciária e fiscalizada pelo órgão destinatário dos elementos produzidos, com os mesmos poderes atribuídos ao juiz singular de primeira instância, cumpre-lhe, semelhantemente, salvo se necessário deliberar sobre medidas que dependam de autorização judicial, supervisar a observância das regras procedimentais estabelecidas para o momento, com a perspectiva de encaminhar a formalização da relação processual sem que reste qualquer pendência, bem como embargar abusos eventualmente cometidos no curso da investigação, inclusive para fins de responsabilização dos agentes que porventura tenham ultrapassado a barreira da legalidade.

A valer, esse leque todo de atribuições em nada se mistura com a pretendida permissão de licença para encetar-se investigação preliminar à persecução penal em juízo, mesmo porque "não cabe, em regra, ao Poder Judiciário, substituindo-se, indevidamente, ao membro do Ministério Público, formular juízo em torno da necessidade, ou não, da adoção de medidas preparatórias repudiadas indispensáveis, pelo 'dominus litis', à formação de sua convicção a propósito da ocorrência de determinada infração penal" (STF, Inquérito 2.041/MG, rel. Ministro Celso de Mello, DJ de 6.10.2003).

Dito isso tudo, proponho a este Órgão Especial, na forma da fundamentação supra, e nos exatos termos da manifestação de fls. 111/120, a devolução dos presentes autos à autoridade policial representante, "para que seja instaurado INQUÉRITO POLICIAL, dando início às apurações pela suposta prática de delitos pelo Prefeito Municipal JORGE ABISSAMRA, nos termos em que requereu este membro Ministerial no Ofício nº 1992/2011".

Dê-se ciência à Procuradoria Regional da República da 3ª Região.

É o voto.


THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


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