Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/06/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0051034-04.1995.4.03.6100/SP
1995.61.00.051034-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAIRAN MAIA
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIZ COSTA e outro
APELADO : ULTRAFERTIL S/A e outro
: VALE FERTILIZANTES S/A
ADVOGADO : DANIELLA ZAGARI GONCALVES e outro
APELADO : BUNGE FERTILIZANTES S/A
ADVOGADO : MARCIA MORENO FERRI e outro
SUCEDIDO : FERTILIZANTES OURO VERDE S/A
: IAP S/A
APELADO : FERTIBRAS S/A
ADVOGADO : MANOEL MOREIRA NETO e outro
APELADO : MOSAIC FERTILIZANTES DO BRASIL S/A
ADVOGADO : DANIEL SOUZA CAMPOS MIZIARA e outro
APELADO : Conselho Administrativo de Defesa Economica CADE
ADVOGADO : ANDRE LUIZ SANTA CRUZ RAMOS
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 15 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00510340419954036100 7 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO CADE, ASSISTENTE SIMPLES DO AUTOR. ACOLHIMENTO. INDEFERIMENTO DE UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. PRÁTICAS LESIVAS À LIVRE CONCORRÊNCIA, AO DIREITO DO CONSUMIDOR E À ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL COM INTEGRAÇÃO VERTICAL. EXERCÍCIO DE POSIÇÃO DOMINANTE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. COMPROVAÇÃO. OCORRÊNCIA DE DANOS AO MERCADO. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Reconhecida a competência da Justiça Federal para o julgamento da presente ação civil pública, haja vista a participação do Ministério Público Federal no polo ativo, cuja legitimidade foi o fator determinante para a sua fixação, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República.
2. Acolhimento do pedido de desistência do CADE, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.884/94. Intervenção voluntária no feito na qualidade de assistente simples do autor, a teor do art. 50 e seguintes do CPC.
3. Inadmissibilidade de utilização de prova emprestada. O uso excepcional desta modalidade de prova é permitido somente se produzida com participação das partes, assegurados o contraditório e a ampla defesa, inocorrentes à espécie.
4. Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público Federal. Denúncia de prática comercial abusiva e lesiva restritivas à concorrência, consistentes em domínio do mercado relevante de fornecimento de matéria-prima para fabricação e comercialização de fertilizantes efetivadas após a privatização das empresas Ultrafértil e Fosfértil, que tiveram 70% do seu capital adquirido pelas empresas que formam a holding Fertifós.
5. Termo de Compromisso de Cessação celebrado entre o CADE, as rés Ultrafértil e Fosfértil e o Grupo Fertifós Administração e Participação S/A em sede de processo administrativo e homologado judicialmente, que não representou confissão sobre a matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta sob investigação. Ausência de apreciação quanto ao mérito das acusações.
6. Tipicidade das condutas praticadas pelas rés, a teor do art. 173, § 4º, da CF e da Lei nº 8.884/94. Ofensa ao princípio da livre concorrência, ao direito do consumidor e à ordem econômica.
7. Comprovação da formação de cartel com integração vertical, caracterizado pela adoção de acordo de distribuição entre os acionistas da Fertifós, concessão de bônus fidelidade, concessão de descontos em função do valor total de compras contratadas no período de vigência do contrato, recusa de vendas.
8. Comprovação de danos causados ao mercado. Condenação das rés ao ressarcimento em montante calculado considerando os benefícios auferidos por empresas integrantes e não integrantes do G6, contados a partir da celebração de cada contrato de fornecimento de Ultrafértil e Fosfértil, individualmente, com as empresas beneficiadas, até a celebração do Termo de Cessação de Conduta, quando cessada a prática ofensiva.
9. Correção monetária dos valores apurados em liquidação de sentença. Montante obtido, para efeito de indenização, que deverá ser rateado entre cada empresa-ré, na proporção de seus benefícios e convertido ao Fundo dos Bens Lesados (art. 84 da Lei nº 8.884/94).
10. Honorários advocatícios não devidos, a teor dos arts. 17 e 18 da Lei nº 7.347/85.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, e no mérito, dar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de maio de 2015.
MAIRAN MAIA
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0051034-04.1995.4.03.6100/SP
1995.61.00.051034-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAIRAN MAIA
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIZ COSTA e outro
APELADO : ULTRAFERTIL S/A e outro
: VALE FERTILIZANTES S/A
ADVOGADO : DANIELLA ZAGARI GONCALVES e outro
APELADO : BUNGE FERTILIZANTES S/A
ADVOGADO : MARCIA MORENO FERRI e outro
SUCEDIDO : FERTILIZANTES OURO VERDE S/A
: IAP S/A
APELADO : FERTIBRAS S/A
ADVOGADO : MANOEL MOREIRA NETO e outro
APELADO : MOSAIC FERTILIZANTES DO BRASIL S/A
ADVOGADO : DANIEL SOUZA CAMPOS MIZIARA e outro
APELADO : Conselho Administrativo de Defesa Economica CADE
ADVOGADO : ANDRE LUIZ SANTA CRUZ RAMOS
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 15 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00510340419954036100 15 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Ultrafértil S/A, Fosfértil S/A, IAP, Manah, Solorrico S/A, Takenaka S/A, Fertiliza e Fertibrás, a partir de representação formulada perante o Parquet por práticas abusivas e lesivas consistentes em formação de cartel, fixação de quantidades mínimas para aquisição de matéria-prima necessária para a mistura e comercialização de fertilizantes, recusa de fornecimento, diminuição de cotas históricas de fornecimento, concessão de descontos por volume de compra e criação de dificuldades à constituição de empresas concorrentes.


Aduz-se que as empresas Ultrafértil e Fosfértil, fornecedoras de matéria-prima para mistura e comercialização de nitrogenados e fosfatados, foram adquiridas, após processo de privatização, pelo grupo Fertifós, composto pelas empresas rés IAP, Manah, Solorrico S/A, Takenaka S/A, Fertiliza e Fertibrás (Grupo G6). A partir daí se passou a adotar a política comercial descrita acima que acabou por aniquilar os concorrentes de médio e pequeno porte no setor, conforme se apurou no Inquérito Civil nº 04/94, a partir de denúncia formulada pela Votufértil Fertilizantes Ltda., que a obrigaram a cessar suas atividades, tendo outras empresas reduzido sua capacidade de produção. Os fatos também são objeto de investigação perante a Secretaria de Direito Econômico - SDE.


De acordo com o MPF, a dominação de mercado e a eliminação total ou parcial da concorrência constituem abuso do poder econômico e devem ser reprimidos, nos termos da Lei nº 8.884/94.


Por essa razão, se requer seja declarada nula, por abusividade, a cláusula nº 2, especialmente as letras "d" e "e", do acordo de distribuição de produtos da ré Fosfértil e a cláusula nº 6, referente ao prêmio fidelidade, bem assim sejam as rés condenadas a indenizar o dano decorrente da violação dos ditames constitucionais da livre concorrência e defesa dos consumidores, reprimindo-se o abuso do poder econômico praticado pelas rés, independentemente dos danos individuais sofridos.


A apuração do montante do dano considerará o crescimento em valor de vendas das rés Ultrafértil e Fosfértil às empresas do G6 e o crescimento de revendas realizadas a partir da celebração do contrato de fornecimento e do acordo de distribuição.


Às fls. 2637/2640, foi deferida a medida liminar. Proibiu-se a exigência de quota mínima para fornecimento de matéria-prima, a aplicação de cláusula de fidelidade e a formação de acordo de distribuição, bem assim se ordenou o atendimento do 'pool' de empresas para obtenção de 5% de desconto. Deferiu-se a fixação de astreinte nos termos do art. 12, § 2º da Lei nº 7.347/85.


Às fls. 2700, o CADE requereu sua admissão no feito como assistente do autor, por tramitar no aludido órgão processo administrativo em face dos réus.


Às fls. 2710/2785, o CADE requereu a homologação do Termo de Compromisso de Cessação firmado perante o órgão, o qual foi juntado aos autos.


O Ministério Público Federal protestou pelo prosseguimento do feito, às fls. 2786 verso e 2787.


A Ultrafértil requereu a suspensão do feito até o término do prazo de cumprimento do Termo de Compromisso, às fls. 2789/2793.


Às fls. 2807/2808, o juízo revogou a liminar anteriormente concedida, determinou a suspensão do feito durante o período de vigência do Compromisso de Cessação e ressalvou o prosseguimento em caso de comprovado descumprimento. Dessa decisão, o MPF interpôs agravo de instrumento.


Às fls. 3062/3067, a Manah contestou o feito. Arguiu preliminar de ilegitimidade ativa do MPF, ilegitimidade passiva e inépcia da petição inicial. No mérito, requereu a improcedência do pedido.


Em contestação, ofertada às fls. 3074/3080, a Fertibrás arguiu preliminar de ilegitimidade passiva e ativa. No mérito, requereu fosse julgado improcedente o pedido.


A Ultrafértil contestou o feito, às fls. 3095/3122. Aduziu perda de objeto, uma vez firmado Termo de Compromisso de Cessação, a teor do art. 53, da Lei nº 8.884/94. Relativamente ao pedido de ressarcimento dos danos, sustentou ser inepta a petição inicial, diante da incerteza e indeterminação do montante da indenização pretendida. No mérito, requereu a improcedência do pedido.


Sobreveio contestação da Fertiza, às fls. 3231/3235. Arguiu preliminar de perda de objeto em razão do Termo de Compromisso de Cessação firmado perante o CADE e inépcia da inicial por ilegitimidade ativa do MPF. No mérito, requereu fosse julgado improcedente o pedido.


Às fls. 3248/3252, o Ministério Público Federal se manifestou pelo prosseguimento do feito.


O CADE se manifestou nos autos (fls. 3285/3286). Informou a realização de Termo de Compromisso de Cessação, homologado judicialmente nestes autos. Cumpridas as condições ajustadas pelas empresas envolvidas, o processo administrativo foi arquivado.


Às fls. 3288/3289, o MPF peticionou e sustentou que, ao contrário das afirmações do CADE, não houve homologação judicial do compromisso de cessação, diante de sua expressa discordância. Sustentou ter havido somente suspensão do feito por determinação judicial. Requereu a juntada de avaliações periódicas quanto ao cumprimento do compromisso, da decisão de arquivamento, de pareceres do SAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico), bem assim informações sobre quais ações judiciais e administrativas emergiram após a privatização.


O CADE se manifestou às fls. 3302/3306. Aduziu ausência de interesse em atuar no feito ao lado do autor, diante do cumprimento do compromisso firmado, inclusive com homologação judicial. Juntou Ata da 23ª Sessão Extraordinária realizada em 04/03/1996, na qual foram firmadas 03 modalidades de Termos de Compromisso de Cessação, a vigorarem por 03 anos (fls. 3308/3472).


Às fls. 4293/4294, o CADE requereu a juntada dos documentos relativos ao Termo de Compromisso de Cessação e ao Compromisso de Desempenho. Reiterou pedido de desistência da ação.


Às fls. 5779/5783, o MPF requereu manifestação do CADE sobre aprovação expressa de desistência de atuação ao lado do autor neste feito e na cautelar de produção antecipada de provas. Também requereu se pronunciasse o CADE sobre investigação de venda de parecer no âmbito do CADE. Pugnou a instauração da fase instrutória.


Às fls. 5803/5806, o CADE prestou informações requeridas pelo MPF. Aduziu novamente, ausência de interesse em permanecer como assistente do autor, diante da celebração do Termo de Compromisso de Cessação e relatou não ter sido instaurada sindicância para apurar irregularidades no procedimento administrativo envolvendo a Ultrafértil, tampouco afastamento do servidor encarregado.


Instadas a especificar provas (fls. 5812), a Ultrafértil concordou com o pedido de desistência do CADE, arguiu preliminares e requereu o acolhimento da prova emprestada, consistente no laudo pericial contábil acostado aos autos do Processo nº 843/97 (fls. 5814/5868).


Às fls. 5872/5873, Fertibrás concordou com o pedido de desistência do CADE e se manifestou pelo reconhecimento da perda de objeto, diante do cumprimento do acordo.


Às fls. 5875/5877 e 5879/5881, Fertilizantes Ouro Verde S/A (nova denominação de Takenaka S/A) e Bungue Fertilizantes S/A (atual denominação da Manah S/A e sucessora por incorporação de Fertilizantes Serrana S/A) concordaram com o pedido de desistência formulado pelo CADE.


Sobreveio manifestação do MPF, às fls. 5893/5897. Sustentou não esgotar o cumprimento do acordo a possibilidade do ajuizamento da ação civil pública. Aduziu ser apta a petição inicial, refutou as alegações de ilegitimidade ativa e sustentou a necessidade de ser elaborado laudo pericial no feito, razão pela qual, pugna o indeferimento da prova emprestada do Processo nº 843/94.


Em decisão proferida às fls. 5900, foi deferida a produção de prova pericial contábil e facultada a apresentação de quesitos.


Dessa decisão houve interposição de embargos de declaração pela Ultrafértil, às fls. 5902/5906, pela Cargill Fertilizantes S/A, às fls. 5975/5976, pela Bunge Fertilizantes S.A, às fls. 5983/5992 e Fertibrás, às fls. 5994/5996.


Por força de decisão proferida em agravo de instrumento (fls. 6035/6036), houve apreciação das questões deduzidas nos embargos de declaração. Rejeitou-se a preliminar de falta de interesse de agir, inépcia da petição inicial e ilegitimidade ativa do MPF. Quanto à prova emprestada, a apreciação foi postergada para momento de prolação da sentença. O pedido de desistência do CADE também foi postergado para após a dilação probatória. Foi deferida a realização de perícia contábil, facultada às partes a apresentação de quesitos (fls. 6037/6040).


A decisão foi objeto de agravo de instrumento, indeferido o efeito suspensivo (fls. 6086/6087).


Foram apresentados quesitos e indicados assistentes técnicos por Ultrafértil S.A, Fertilizantes Fosfatados S.A, Fertilizantes Ouro Verde S.A, Bungue Fertilizantes S/A, Cargill Fertilizantes S.A e Fertibrás, respectivamente, às fls. 6089/6091, 6092/6093, 6094/6095, 6096/6097, 6098/6099 e 6102/6103.


Laudo pericial contábil apresentado às fls. 6175/6330.


Às fls. 6346/6366, foi apresentado laudo divergente pelo assistente do MPF.


Bunge Fertilizantes S.A, Ultrafértil S.A e Fosfértil manifestaram-se sobre o laudo pericial e acostaram pareceres técnicos, respectivamente às fls. 6386/6388 e 6389/6425.


O CADE requereu o acolhimento do pedido de desistência do feito, às fls. 6458/6460, sustentando perda superveniente de interesse em atuar como assistente do Ministério Público, diante do cumprimento dos termos pactuados no TCC.


O Ministério Público Federal opinou pela manutenção do CADE na lide, às fls. 6463, tendo em vista o interesse em atuação no feito na qualidade de assistente, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.884/94, configurado o interesse em sua intervenção em demandas nas quais se discute prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.


Sobreveio sentença, às fls. 6486/6497, que deferiu o pedido de desistência do CADE em atuar como assistente do autor e declarou extinta a relação processual entre ele e as demais partes, nos termos do art. 267, III do CPC. Declarou o autor carecedor do direito de ação, em face do pedido de nulidade das cláusulas dos chamados acordos de distribuição. Julgou improcedente o pedido para condenar as rés a indenizar os danos decorrentes da alegação de violação dos ditames constitucionais pertinentes à livre concorrência e à defesa dos consumidores. Reexame necessário, por força de aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/64.


Em apelação, o MPF requereu a manutenção do CADE na lide e a reforma da sentença. Sustentou ofensa ao princípio da livre concorrência e necessidade de indenização dos danos causados ao mercado.


Com contrarrazões de apelação da Bunge Fertilizantes S.A, da Mosaic Fertilizantes do Brasil S.A, da Ultrafértil S.A, Vale Fertilizantes S.A (Fosfértil) e do CADE, os autos foram remetidos a esta Corte.


O Ministério Público Federal opinou pela reforma da sentença.


Feito submetido à audiência do revisor.


É o relatório.



Mairan Maia
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 18/03/2015 16:32:44



APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0051034-04.1995.4.03.6100/SP
1995.61.00.051034-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAIRAN MAIA
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIZ COSTA e outro
APELADO(A) : ULTRAFERTIL S/A e outro
: VALE FERTILIZANTES S/A
ADVOGADO : SP116343 DANIELLA ZAGARI GONCALVES e outro
APELADO(A) : BUNGE FERTILIZANTES S/A
ADVOGADO : SP254146 MARCIA MORENO FERRI e outro
SUCEDIDO : FERTILIZANTES OURO VERDE S/A
: IAP S/A
APELADO(A) : FERTIBRAS S/A
ADVOGADO : SP033231 MANOEL MOREIRA NETO e outro
APELADO(A) : MOSAIC FERTILIZANTES DO BRASIL S/A
ADVOGADO : SP158284 DANIEL SOUZA CAMPOS MIZIARA e outro
APELADO(A) : Conselho Administrativo de Defesa Economica CADE
ADVOGADO : ANDRE LUIZ SANTA CRUZ RAMOS
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 7 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
VARA ANTERIOR : JUIZO FEDERAL DA 15 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00510340419954036100 7 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em razão de denúncias de prática comercial abusiva e lesiva realizadas por Fosfértil e Ultrafértil, privatizadas, e que tiveram 70% do capital adquirido por empresas da holding Fertifós, o grupo G6, formado pelas empresas rés IAP, Manah, Solorrico S/A, Takenaka S/A, Fertiliza e Fertibrás, as quais industrializam e comercializam matéria-prima necessária à produção de fertilizantes, adquiridas das empresas privatizadas.

A partir de representação formulada perante o Parquet por práticas abusivas e lesivas consistentes em formação de cartel, fixação de quantidades mínimas para aquisição de matéria-prima necessária para a mistura e comercialização de fertilizantes, recusa de fornecimento, diminuição de cotas históricas de fornecimento, concessão de descontos por volume de compra e criação de dificuldades à constituição de empresas concorrentes, se pretende a cessação das práticas abusivas e a responsabilização pecuniária das empresas envolvidas.

Inicialmente, confirmo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Para tanto, destaco precedente da Sexta Turma deste E. TRF, no particular:


"(...)
1. Reconhecida a competência da Justiça Federal para o julgamento da presente ação civil pública, haja vista a participação do Ministério Público Federal no polo ativo, cuja legitimidade foi o fator determinante para a sua fixação, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República.
(...)"
(APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011678-60.1999.4.03.6100/SP, Rel. Des. Fed. Consuelo Yoshida, v.u., DE Publicado em 12/05/2014) - (grifou-se).

Aprecio a questão relativa ao deferimento do pedido de desistência do CADE e à declaração de extinção do feito sem exame de mérito, nos termos do art. 267, VIII do CPC, com reconhecimento da extinção da relação jurídica entre a autarquia a as demais partes integrantes do feito.


Impõe-se tecer as seguintes considerações quanto à intervenção do CADE no feito.


A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal, sob o fundamento de práticas ofensivas ao princípio da livre concorrência, infração à ordem econômica e aos direitos do consumidor.


O Ministério Público Federal, na inicial, requereu a intimação do CADE, em razão das disposições contidas no art. 89 da Lei nº 8.884/94, então vigente, que prevê a intervenção da autarquia nos feitos que versam sobre abuso do poder econômico e sobre práticas ofensivas aos direitos do consumidor e à livre concorrência.


O art. 1º da Lei nº 8.884/94, vigente à época, dispunha:


" Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei."

Da mesma forma, o art. 89 da lei aludida:

" Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente."

Determinada a intimação do CADE, às fls. 2633, sua intervenção na condição de assistente do autor foi deferida, às fls. 2637/2640. A autarquia, ainda, manifestou expressamente interesse em acompanhar o feito, às fls. 2700.


In casu, trata-se de assistência simples, a respeito da qual, trago ensinamentos de José Frederico Marques, com base em Chiovenda:

há assistência simples quando o terceiro interveniente se encontre com uma das partes do processo, 'em relação tal que o desfecho desfavorável da lide, embora não produzindo o efeito de coisa julgada quanto a ele, tornaria depois mais difícil, se ele não interviesse, a defesa de seu direito.
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, Volume II. Millennium Editora, 1ª edição, 2000.

É certo competir ao CADE a prevenção e a repressão de práticas ofensivas à ordem econômica, podendo sua atuação ser efetivada administrativa ou judicialmente.


A esse respeito, transcrevo tópico extraído do voto proferido no âmbito do CADE, às fls. 3309:


Entendo, porém, que a atuação do Ministério Público em juízo não obsta a atuação dos órgãos de defesa da concorrência, em sua área de competência. São atuações paralelas que, certamente, deverão buscar um objetivo único, qual seja, a defesa de um mercado livre de abusos do poder econômico e práticas restritivas da concorrência.

No caso em exame, foi instaurado processo administrativo nº 08000.016384/9411 para apuração de eventuais práticas ofensivas ao direito econômico e à livre concorrência dos réus deste feito. Administrativamente, foi celebrado Termo de Compromisso de Cessação, tendo as partes assumido obrigações positivas e negativas, de molde a cessar as condutas reputadas ofensivas.


Após o término do prazo de 03 anos assinalado para cumprimento e satisfeitas as obrigações assumidas, houve extinção do processo administrativo nº 08000.016384/9411 e arquivamento dos autos, tendo sido, inclusive, homologado judicialmente o cumprimento do Termo de Compromisso de Cessação, a teor da decisão proferida às fls. 2807/2808. Diante disso, o CADE informou não ter mais interesse em acompanhar a presente ação civil pública, na condição de assistente do autor, por não serem coincidentes os objetivos delineados nos feitos administrativo e judicial (fls. 3305).


Mesmo diante de manifestação desfavorável do MPF, a sentença deferiu o pedido de desistência do CADE da lide.


Foi informada a conclusão do processo administrativo em questão, com o cumprimento das condições ajustadas no TCC, mediante apresentação de relatórios trimestrais, nos termos do art. 53, § 1º, 'c' da Lei em comento:


Art. 53. Em qualquer fase do processo administrativo poderá ser celebrado, pelo CADE ou pela SDE ad referendum do CADE, compromisso de cessação de prática sob investigação, que não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada.
§ 1º O termo de compromisso conterá, necessariamente, as seguintes cláusulas: a) obrigações do representado, no sentido de fazer cessar a prática investigada no prazo estabelecido; b) valor da multa diária a ser imposta no caso de descumprimento, nos termos do art. 25; c) obrigação de apresentar relatórios periódicos sobre a sua atuação no mercado, mantendo as autoridades informadas sobre eventuais mudanças em sua estrutura societária, controle, atividades e localização.
§ 2º O processo ficará suspenso enquanto estiver sendo cumprido o compromisso de cessação e será arquivado ao término do prazo fixado, se atendidas todas as condições estabelecidas no termo respectivo.
...
§ 4º O compromisso de cessação constitui título executivo extrajudicial, ajuizando-se imediatamente sua execução em caso de descumprimento ou colocação de obstáculos à sua fiscalização, na forma prescrita no art. 60 e seguintes.

Portanto, tendo sido comprovado administrativamente o cumprimento do Termo de Compromisso de Cessação, aprovados os relatórios finais em razão do Termo de Compromisso de Desempenho assinado pelas compromissárias (fls. 3458/3459), bem assim, arquivados os autos do processo administrativo e extinto o processo sem resolução de mérito, foram satisfeitos os objetivos buscados administrativamente pelo CADE, com o cumprimento das condições ajustadas e o restabelecimento da ordem econômica e a regulação do mercado relevante de fertilizantes.


Muito embora o interesse jurídico do CADE em que a sentença de mérito seja proferida de molde a preservar a livre concorrência e reprimir práticas abusivas do poder econômico, objetivos buscados pela autarquia e pelo Ministério Público Federal, autor da ação, o acolhimento do pedido de desistência do CADE é de rigor, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.884/94.


Com efeito, o dispositivo lhe confere faculdade e não obrigação de intervenção em feitos judiciais regulados pelo dispositivo legal, assegurando a participação do CADE como assistente e não parte, tendo o ingresso neste feito se efetivado por manifesto interesse da própria autarquia.

Neste diapasão, deve-se ressaltar ser a assistência simples espécie de intervenção de terceiros disciplinada pelos artigos 50 e seguintes do CPC, caracterizada pela voluntariedade, ou seja, o terceiro, demonstrando seu interesse jurídico, ingressa voluntariamente na lide.

Portanto, não se há negar o pedido de desistência expressamente formulado pelo CADE.

Neste diapasão, trago à colação decisões do C. STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA SOB A ALEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CARTEL. INTEGRAÇÃO DO CADE AOS AUTOS COMO ASSISTENTE SIMPLES. POSTERIOR APURAÇÃO ADMINISTRATIVA DA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICADORES DE CARTELIZAÇÃO. FALTA DE INTERESSE JURÍDICO DO ASSISTENTE. POSSIBILIDADE DE DESISTÊNCIA DA INTERVENÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O art. 89 da Lei 8.884/94 (que transforma o CADE em Autarquia e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências) estabelece que nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.
2. É legítima a participação do CADE como Assistente na demanda, por deter elementos importantes para a solução da ação, auxiliando o Assistido com os seus conhecimentos técnicos sobre a matéria, bem como para tomar conhecimento da eventual existência de indícios de prática de infração contra a ordem econômica.
3. Ocorre que, no caso dos autos, já tendo sido cumpridas as atribuições institucionais do Conselho, com o julgamento no âmbito administrativo, que decidiu pelo arquivamento do processo, ante a insuficiência das provas obtidas para condenar as empresas, esvazia-se o seu interesse jurídico na presente Ação Civil Pública, como, aliás, o declarou. (grifou-se)
4. Agravo Regimental do MPF desprovido.
(AgRg no REsp 1125981, Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO PRIMEIRA TURMA, DJe 05/03/2012)

ADMINISTRATIVO. INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL E DUMPING. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CADE. PEDIDO FORMULADO NO SENTIDO DE QUE ESTA AUTARQUIA, DIANTE DA HIPÓTESE FÁTICA, EXERCESSE SEU MISTER INSTITUCIONAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
1. Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição da República vigente, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que se reconheceu, no que importa para a presente análise, (i) a ilegitimidade passiva ad causam do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade e (ii) a ausência de requisitos autorizadores do deferimento da liminar na espécie.
2. Nas razões recursais, sustenta o recorrente ter havido ofensa aos arts. 20, 21, 23 e 89 da Lei n. 8.884/94, ao argumento de que (a) a lei impõe a participação do Cade como assistente em demandas nas quais se discute a aplicação da Lei n. 8.884/94 e (b) os requisitos autorizadores da concessão da liminar estão presentes, pois estão plenamente caracterizadas nos autos infrações contra a ordem econômica.
3. Em primeiro lugar, no que tange à ilegitimidade passiva ad causam do Cade, é importante transcrever o pedido formulado na inicial pelo Ministério Público Federal que lhe diz respeito (fl. 91 - sic): "g)
condenação das rés Agência Nacional do petróleo, União Federal e CADE, a exercer, de maneira regular, seu mister institucional, coibindo abusos do segmentos, nos termos do que for decidido na presente ação civil pública;".
4. Como se observa, a tentativa do Parquet é forçar a atuação do Cade em face de supostas práticas contra a ordem econômica (no caso, em razão da formação de cartel e de prática de dumping).
5. Ocorre que a leitura dos arts. 7º, incs. II, III e IV, e 14, incs. III, VI e VII, da Lei n. 8.884/94 revela que compete à Secretaria de Direito Econômico - SDE a apuração de infrações contra a ordem econômica, sobrando para o Cade o dever legal de apreciar e julgar os processos administrativos que são remetidos em razão do exercício da competência da SDE.
6. Daí porque o Ministério Público Federal não pode exigir, em ação civil pública, que o Cade desenvolva seu "mister institucional", preservando a aplicação da Lei n. 8.884/94, quando inexiste espaço legal para a atuação da autarquia.
7. É verdade que o recorrente pode (e deve), sempre que entender cabível, acionar o Judiciário para combater estas espécies de condutas lesivas à ordem econômica, independentemente da atuação administrativa do Cade. Isto em razão do que dispõe o próprio art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República.
8. Ao contrário, o Parquet Federal não pode impor ao Cade que funcione no presente feito, bem como que tome providências adequadas, quando, a priori, sequer se sabe se efetivamente foram cometidas as infrações alegadas ou quando sequer houve manifestação prévia da SDE provocando a atuação do Conselho.
9. O fato de o art. 89 da Lei n. 8.884/94 asseverar que "[n]os processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente" em nada abona a tese recursal.
10. Inicialmente, quanto a este ponto, a redação do dispositivo é clara ao conferir ao Cade uma faculdade, e não uma obrigação. A norma fala, ainda, da participação como assistente, e não como parte (que é o que pretende o Ministério Público Federal quando arrola o Cade como réu). (grifou-se).
11. No mais, violaria a autonomia técnica do Conselho, como entidade reguladora da concorrência e da ordem econômica, forçá-lo a atuar administrativamente (lembre-se, o pedido inicial busca forçar o Cade a cumprir seu mister institucional) quando, de início, não vislumbra ele próprio competência nem motivos para tanto, afinal o próprio Cade pode entender, por exemplo, que a conduta narrada pelo MPF é legal.
12. Não fosse isso bastante, não há necessidade ou utilidade para o MPF a análise do pedido mencionado e a participação do Cade no feito, pois, existindo providência judicial reconhecendo ou não a conduta ilegal (provimento final da presente ação), o entendimento da esfera administrativa passa a ser irrelevante.
13. Em segundo lugar, pacífico nesta Corte Superior que a revisão dos requisitos ensejadores do deferimento da tutela antecipada esbarra no óbice de sua Súmula n. 7. Além disso, importa salientar que a distância desta Corte Superior dos fatos e das provas impede a correta valoração do fumus boni iuris e do periculum in mora.
14. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.
(REsp 650892 / PR, SEGUNDA TURMA, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 13/11/2009)

Diante disso, mantenho os termos da sentença que acolheu o pedido de desistência do CADE e a sentença extintiva do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VIII do CPC, com reconhecimento da extinção da relação jurídica entre a autarquia e as demais partes integrante do feito.


Passo à apreciação do pedido de acolhimento da prova emprestada produzida nos autos do Processo nº 843/97.


O pedido deve ser indeferido, por inadmissível a sua utilização no presente feito.


Com efeito, o uso excepcional da prova emprestada é permitido se produzida com participação das partes, assegurados o contraditório e a ampla defesa, inocorrentes à espécie, por dela não terem participado o Ministério Público Federal e as empresas que formam o grupo G6, tendo sido produzida nos autos da ação de rito ordinário ajuizada por Votufértil Fertilizantes Ltda., em face de Ultrafértil S/A e Fosfértil, com objetivo de assegurar indenização por danos materiais e morais sofridos em razão de conduta abusiva praticada pelas rés, tendo, portanto, partes e objeto distintos.


Sobre o tema, o ensinamento de Arruda Alvim, verbis:


Excepcionalmente, admitem-se a chamada prova emprestada. Assim, havendo os requisitos: a) identidade da relação fática; b) as mesmas partes, deve-se admitir, em princípio, a prova produzida em outro feito, ou seja, a prova emprestada, tanto mais admissível quanto mais difícil a sua realização. A respectiva valoração, todavia, poderá, dependentemente do poder de convicção que carreguem, sofrer esta ou aquela restrição.
Já se decidiu corretamente, no entanto, que o juiz não é obrigado a admitir a prova emprestada, máxime se impugnada por uma das partes.
(Manual de direito Processual Civil - Arruda Alvim, pág. 380, Editora RT).

Neste sentido, trago à colação decisão desta Corte Regional:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. MATÉRIAS DEPENDENTES DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. NÃO CABIMENTO. PRESCRIÇÃO. CABIMENTO. 1- Não se admite a exceção de pré-executividade se os fatos que a embasam dependerem da realização de provas. 2- A alegação de inépcia da petição inicial, por impossibilidade jurídica do pedido, em razão de laudo pericial produzido em ação de usucapião, não tem o condão de abrir à parte a via estreita da exceção de pré-executividade, na medida em que tal prova, emprestada de outro processo, deverá ser forçosamente submetida, na própria exceção, ao crivo do contraditório, com a possibilidade de produção de contraprova pela agravada, o que desnaturaria por completo essa modalidade de defesa, transformando-a em sucedâneo dos embargos do devedor, mas sem a indispensável garantia do juízo. 3- No que toca à alegação de prescrição, esta pode ser objeto de exame por meio da exceção de pré-executividade, eis que desnecessária, no caso concreto, dilação probatória para sua aferição. 4- No caso dos autos nota-se que os débitos exeqüendos são pertinentes à taxa de ocupação, referente aos anos de 1996 a 2002. 5- As anuidades relativas ao período de 1996 a 1998 não se sujeitam a prazo decadencial para constituição dos respectivos créditos, por absoluta ausência de previsão legal, eis que ainda não se encontrava em vigor a Lei 9821/99. 6- Sua cobrança, contudo, deveria se dar dentro do lapso temporal prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/32), imediatamente anteriores ao ajuizamento da demanda executiva, que ocorreu em 01/12/2003. Restam prescritos, destarte, os créditos anteriores a 01/12/1998. 7- Já os créditos referentes às anuidades de 1999 a 2002 sujeitam-se tanto a prazo decadencial de constituição (Lei 9821/99, que deu nova redação ao art. 47 da Lei 9636/98), quanto a prazo prescricional para cobrança judicial (art. 47 da Lei 9636/98). Ambos os prazos, no caso sob apreciação, são de cinco anos. 8- Os créditos acima referidos, por sua vez, foram constituídos em 02/04/2003, dentro, portanto, do prazo decadencial qüinqüenal. Sua cobrança, com o ajuizamento da execução fiscal em 01/12/2003, igualmente obedeceu ao prazo qüinqüenal de prescrição extintiva, de sorte que a exigência se mostra legítima. 9- Devem ser excluídas da cobrança, em sede de execução fiscal, os créditos concernentes à taxa de ocupação de terrenos de marinha anteriores a 01/12/1998. A execução deverá prosseguir regularmente, destarte, quanto aos créditos posteriores a esta data. 10- Agravo de instrumento parcialmente provido.
(AI 00114007920064030000, JUDICIÁRIO EM DIA - TURMA Z, JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, DJe: 06/06/2011)

Passo à apreciação da matéria de fundo.


A presente ação civil pública foi intentada pelo Ministério Público Federal, a partir de representação nº 87/94 de Votufértil Fertilizantes Ltda., empresa de pequeno porte atuante no setor de mistura e comercialização de fertilizantes, denunciando a prática comercial abusiva e lesiva após a privatização das empresas Ultrafértil e Fosfértil, que tiveram 70% do seu capital adquirido pelas empresas que formam a holding Fertifós, composto por IAP, Manhah, Solorrico, Takenaka, Fertiza e Fertibrás.


O grupo Fertifós é composto por empresas que atuam no mercado de mistura e comercialização de fertilizantes. Já, as empresas privatizadas Ultrafértil e Fosfértil são fornecedoras de insumos. Essas empresas detém o controle das fornecedoras de 05 componentes de produtos fundamentais para o mercado de mistura e comercialização de fertilizantes.


As empresas do grupo Fertifós e as empresas privatizadas foram acusadas de praticar condutas restritivas à concorrência, dentre elas, recusa de venda, discriminação de vendas em função de quantidades adquiridas, integração vertical, com objetivo de dominar o mercado, formação de mercado paralelo para venda com ágio de produtos intermediários utilizados na fabricação de fertilizantes, concentração de poderes administrativos das diversas empresas em algumas pessoas físicas, em prejuízo da livre concorrência entre elas, divisão de cotas de produto, de acordo com a participação acionária das empresas na controladora Fertifós e limitação à livre iniciativa e à livre concorrência, impedindo-se o acesso de concorrentes às fontes de matéria-prima.


A perícia judicial analisou os períodos pré e pós-privatização, no laudo acostado às fls. 6175/6330.


Consta dos autos que no período pré-privatização, entre 1984 e 1990, Fosfértil e Ultrafértil não praticavam preços diferenciados por quantidades ou por compradores, tampouco políticas de descontos ou concessão de bônus. O contrato de fornecimento da Petrobrás Fertilizantes, controladora da Ultrafértil e Fosfértil de 1985, dispunha serem as misturadoras obrigadas a retirar quantidades mínimas de fertilizantes básicos por mês, definidas pelo programa de fornecimento acordado entre as indústrias e os compradores no início de cada ano. Havia também a possibilidade de revisão dos prazos e quantidades fornecidas.


As misturadoras, indistintamente, eram tratadas de forma igualitária e o programa de fornecimento de matéria-prima se baseava em retiradas mensais mínimas. É certo não haver concessão de descontos por quantidades adquiridas, sendo as condições de vendas homogêneas para todos os clientes.


A política adotada pelas rés no período pós-privatização, a partir de 1993, manteve o fornecimento de quantidades mínimas retiradas por mês por empresas compradoras. Todavia, se passou a criar incentivos via descontos, em função do valor total de compras contratadas no período de vigência do contrato, que variavam de 0,5 a 5%.


Ainda, nesse período pós-privatização, foi celebrado um acordo de distribuição dos produtos da Fertifós. Pelo acordo, os acionistas da Fertifós, ou seja, o G6, possuíam preferência nas compras de produtos da Ultrafértil e Fosfértil, na proporção do número de ações. Caso qualquer dos acionistas não quisesse adquirir os produtos, estes seriam ofertados aos demais acionistas e depois alienados a terceiros. Criou-se, portanto, reserva de mercado para os sócios, a quem preferencialmente eram oferecidos os produtos, em detrimento das empresas não participantes do consórcio.


Também se passou a conceder descontos por fidelidade às compradoras dos seus produtos, desde que não efetuassem importação de produtos estrangeiros similares. Esses bônus eram concedidos a qualquer empresa misturadora, independentemente de pertencer ou não ao Grupo denominado G6.


O Grupo Fertifós, inclusive, após a privatização passou a não mais comercializar produtos intermediários às empresas que desejassem adquirir volume inferior a U$300.000 (trezentos mil dólares norte americanos). Essa decisão obrigou pequenas empresas a sair do mercado ou comprar matéria-prima do G6, com ágio, encarecendo, assim, o custo dos insumos para as pequenas empresas e obstaculizando a livre concorrência.


Todas as medidas adotadas no período pós-privatização foram estabelecidas contratualmente pelas empresas Ultrafértil e Fosfértil (fls. 80/92) aos clientes e denunciadas por ofensivas à ordem econômica e à livre concorrência, contrárias a ditames constitucionais e legais, a teor da representação nº 87/94, convertida no Inquérito Civil Público nº 04/94, o qual ensejou a propositura da presente ação civil pública.


É certo ter sido instaurado, no âmbito do CADE, o processo nº 08000.016384/9411, por práticas ofensivas à ordem econômica, no qual foi celebrado, em 07 de março de 1996, Termo de Compromisso de Cessação - TCC, nos moldes assegurados no art. 53 da Lei nº 8.884/94, entre o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), as rés Ultrafértil e Fosfértil e o grupo Fertifós Administração e Participação S/A, composto por IAP, Mahnah, Solorrico, Takenaka, Fertiza e Fertibrás, verbis:


Art. 53. Em qualquer fase do processo administrativo poderá ser celebrado, pelo CADE ou pela SDE ad referendum do CADE, compromisso de cessação de prática sob investigação, que não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada.

Dentre as obrigações positivas assumidas pelas empresas acionistas da Fertifós, consta diligenciar junto às controladas Ultrafértil e Fosfértil a adoção de medidas para: promover justa política de financiamentos e descontos em função das quantidades vendidas, tratando de forma igual os concorrentes no mercado de misturadores em situação semelhante; buscar a eficiência da empresa por meio de estratégias comerciais saudáveis, que não afastem concorrentes efetivos ou potenciais; buscar vendas na modalidade "spot"; promover política de bonificações e prêmios para escoar a produção, sem excluir quaisquer clientes.


Por seu turno, dentre as cláusulas negativas tem-se: abster-se de impor quantidades de compra a qualquer comprador, seja ele acionista ou não do grupo Fertifós ou de empresa controladora ou controlada; abster-se de recusar a vender produto de fabricação própria, quando haja disponibilidade, a quem tenha condições de comprá-lo e não esteja inadimplente; abster-se de impor ou recomendar aos seus acionistas ou aos de empresa controladora ou controlada ou outros compradores condições uniformes de comercialização dos produtos adquiridos; abster-se de dividir entre seus acionistas ou entre aqueles matéria-prima ou fertilizantes de molde a preservar a regionalização com oportunidades de negócios para concorrentes de diversos portes; abster-se de criar dificuldades para os misturadores que adquiram matéria-prima do grupo Fertifós; abster-se de impor condições de revenda dos produtos, excetuadas aquelas pertinentes à saúde e segurança; abster-se de reservar a seus acionistas ou aos de empresa controladora ou controlada cotas de participação na produção; abster-se de impor condições de revenda dos produtos; abster-se de adotar quantidades mínimas de fornecimento de produto; abster-se de impor à clientela venda na modalidade CIF ou recusá-la a compradores, discriminando-os em relação a outros; abster-se de recusar a venda de matéria-prima a "pools" de pequenos e médios misturadores que se organizarem para obter descontos por quantidades adquiridas, quando tenham idoneidade financeira creditícia os seus membros.


Dentre as obrigações assumidas pelo grupo Fertifós consta: abster-se de recomendar às controladas que acordem com as concorrentes preços de aquisição de matéria-prima básica e intermediária para fertilizantes; que adotem concertadamente com suas concorrentes conduta comercial uniforme, tanto na aquisição da matéria-prima quanto na venda e distribuição de fertilizantes; que dividam com suas concorrentes os mercados fornecedores de fertilizantes; que regulem o mercado de produção e fornecimento de fertilizantes, mediante acordo com concorrentes.


Também foi ajustado que Ultrafértil e Fosfértil deveriam enviar relatórios trimestrais e fornecer informações requeridas pelo CADE.


Como se observa, houve imposição de medidas pelo CADE aos réus em referência, destinadas a suprimir práticas lesivas à concorrência.


Após três anos da assinatura do Termo de Compromisso de Cessação e diante do cumprimento das obrigações assumidas, o CADE emitiu relatório final, no qual foi determinado o arquivamento do processo administrativo nº 08000.016384/94-11, nos termos do art. 53, § 2º da Lei nº 8884/94. No relatório final sobre cumprimento do TCC o CADE concluiu não ter havido, nesse interregno, práticas que comprometessem a livre concorrência, tendo sido o TCC homologado em juízo.


A celebração de Termo de Compromisso de Cessação no âmbito do CADE tem por finalidade a restauração da concorrência. A esse respeito, atestou a Relatora Neide Teresinha Malard às fls. 3309/3317:


O compromisso de Cessação é um dos instrumentos mais eficazes na política de proteção do mercado, e tem por objetivo a imediata restauração da concorrência, sem as delongas do processo administrativo, poupadas as démarches das ações judiciais. Ao comprometer-se a cessar a prática ou abster-se de condutas anticoncorrenciais tem direito o agente a que o processo fique suspenso, e, finalmente, dando mostra de que se portou de acordo com os padrões concorrenciais, será o processo arquivado. Ao contrário, se descumprir o acordo, o processo seguirá. (grifou-se)
...
Com muita precisão salienta Izabel Vaz, referindo-se ao espírito dos objetivos a serem alcançados pela Ordem Econômica, que não é mais do que reprimir os agentes econômicos por sua ação abusiva, mas de convocá-los a exercer uma ação positiva. Trata-se de uma missão de cunho positivo e eminentemente ativo, onde mais do que reprimir, o Estado se propõe a orientar, persuadir e a convocar os agentes econômicos para contribuir com a efetivação da democracia econômica". (Direito Econômico da Concorrência, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1993, p. 273).

...


Trata-se de um instrumento a serviço do Estado para compor os conflitos concorrenciais. A sanção administrativa é substituída pela transação, e esta, como realça Georges Ripert, tem caráter de contrato com força executória em proveito do Estado (Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno, Editora Livraria Freitas Bastos, São Paulo, 1947). Em proveito do interesse público que o Estado representa. (grifou-se)

Por isso mesmo, a transação há de pautar-se pela lei, pois o poder concedido ao CADE para transigir deve ser exercido com o único propósito de defender os interesses da coletividade, o interesse público, que é a finalidade legal do compromisso. E, como não poderia deixar de ser, deve obedecer aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade.

Claro está que o objetivo da celebração de acordo de cessação no âmbito administrativo, apesar de não haver apreciação quanto ao mérito das acusações formuladas, consiste em convocar os agentes econômicos por suas práticas abusivas e substituir sanções administrativas pela transação.


Trata-se de instrumento previsto em lei para composição de conflitos concorrenciais, segundo os ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade e defesa dos consumidores, tendo o CADE prerrogativa de transigir com propósito único de defender os interesses da coletividade e o interesse público, obedecidos os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.


O compromisso de cessação de prática, celebrado administrativamente, não importa confissão sobre a matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta sob investigação.


Todavia, como sustentou e comprovou o MPF, seu cumprimento não elimina a ilicitude das condutas das rés, tampouco os danos causados ao mercado, a partir do momento em que implantadas, até a assinatura do compromisso, tanto que foram assumidas obrigações positivas e negativas visando o restabelecimento do mercado lesado, como se verá.


Dentre os princípios que regem a ordem econômica destacam-se a livre concorrência, prevista no art. 170, IV e a repressão ao abuso do poder econômico, inserto no art. 173, § 4º da Constituição Federal.


O art. 173, § 4º da Constituição Federal dispõe:


A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

A Lei nº 8.884/94, vigente à época, dispunha:


Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
...
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.
§ 3º A parcela de mercado referida no parágrafo anterior é presumida como sendo da ordem de trinta por cento.
§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;
I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;
II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;
V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
...
XII - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
XIII - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;

Observa-se, da leitura das disposições legais e constitucionais acima, a tipicidade das condutas praticadas pelas rés, que dominaram o mercado relevante de fornecimento de matéria-prima para fabricação e comercialização de fertilizantes, prejudicaram a livre concorrência e incidiram em abusivo exercício de posição dominante.


Com efeito, a concessão de descontos pelo valor total das compras contratadas prejudicou concorrentes de pequeno e médio porte, pois dificilmente lograriam efetuar compras que atingissem volume necessário para alcançar percentual de desconto satisfatório, a não ser mediante compra em pool, prática vedada após a privatização, segundo depoimentos colhidos no Inquérito Civil acostado aos autos (fls. 547/634). Daí se constata o caráter discriminatório dessa política, uma vez que somente empresas de grande porte, dentre elas a holding Fertifós, atingiriam os volumes necessários para obtenção de descontos.


A adoção concomitante de preferência nas compras de fertilizantes produzidos por Ultrafértil e Fosfértil pelo Grupo G6, claramente criou cenário de privilégios aos acionistas da Fertifós e o exercício do abuso de posição dominante, a comprometer a livre concorrência e configurar abuso do poder econômico, por prejudicar os concorrentes, sobretudo os de pequeno e médio porte e o mercado.


A esse respeito, o Ministério Público Federal, autor desta ação, aduz ter sido formado cartel de distribuição, consistente no seguinte acordo celebrado entre os acionistas da Fertifós:


d. os acionistas da FERTIFÓS terão o direito de adquirir os produtos fabricados e comercializados pela Fosfértil na proporção do número de ações que cada uma delas detiver no capital social da FERTIFÓS na data da realização da oferta desses produtos.
e. na hipótese de qualquer dos acionistas da FERTIFÓS não desejar adquirir os produtos a que faria jus observada a proporção referida na letra (d) acima, os demais acionistas terão o direito de adquirir esses produtos, na proporção das suas participações.

As práticas denunciadas comprovam a formação de Cartel, acordo firmado entre empresas concorrentes, visando à fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação. Esse acordo compromete ou mesmo elimina a concorrência e aumenta os preços dos produtos para que se consigam maiores lucros, trazendo prejuízo ao bem-estar do consumidor desses produtos ou serviços.


As principais características de um Cartel são, controle do nível de produção e condições de venda, fixação e controle de preços, controle das fontes de matéria-prima, fixação da margem de lucro e divisão do mercado.


Com a formação de Cartel cria-se monopólio de empresas do mesmo ramo de negócios, que fazem entre si acordos para padronização de preços de produtos e serviços, eliminam a concorrência e prejudicam o consumidor.


A formação de cartel afeta a ordem econômica, sendo que a violação ao mercado e à ordem jurídica constituem abuso de poder econômico. Diante disso, dominar mercados e eliminar a concorrência são infrações ao bem coletivo que se protege, qual seja, o equilíbrio da concorrência e o próprio mercado consumidor dos produtos finais. Ademais, atentam flagrantemente contra a função social da propriedade, princípio fundante da atividade empresarial e expressamente referido no art. 1º da Lei nº 8.884/94. Com razão, portanto, Luciano de Camargo Penteado ao afirmar:


Na Lei nº 8.884/94 1º, a Lei Antitruste do Brasil, fala-se em função social da propriedade, justamente no sentido de princípio a que está sujeita a ordem a econômica e critério orientador do sistema de regulação jurídica da atividade econômica estabelecido pela norma. Os bens jurídicos da mesma são de titularidade da sociedade civil, de modo que são difusos, porque a concorrência é um bem desta natureza. Entretanto, propriedade aí, refere-se à titularidade de bens patrimoniais, não somente a direitos reais. Deste modo, a empresa tem uma função social, que passa pela proteção da livre-concorrência.
(In Direito das Coisas, Luciano de Camargo Penteado, Editora RT, pág. 189)

A esse respeito, no âmbito da SDE foram questionadas 17 empresas misturadoras, das quais 11 confirmaram as práticas discriminatórias praticadas pelas empresas rés, consoante os formulários acostados às fls. 1321/1322, 1335/1338, 1425/1426, 1463/1466, 1859/1862, 1871/1872, 1886/1894, 1910/1920. 1956/1960. 1975/1976, 1984/1987.2042, constantes dos volumes V a IX dos autos.


Destaco as informações de fls. 1463/1464:


A privatização do SISTEMA PETROFÉRTIL, que detinha o monopólio na produção da maior parte das matérias primas fertilizantes no país, ocasionou grandes mudanças setoriais. As seis maiores empresas que adquiriram a maioria das ações ordinárias da Fosfértil criaram uma "Hoding", que detém 54% das ações da Fosfértil e de suas controladas, resultando na transferência do monopólio estatal para o privado, com amplas vantagens para as empresas em referência.
Os pequenos misturadores, que gozavam de condições idênticas na compra de matérias primas nacionais junto a Petrofértil, passaram a ter dificuldades para competir no mercado com a nova política comercial monopolista da Fosfértil "de discriminação de preços por quantidade" e, também, dos cortes de matérias primas.
...
As grandes empresas, não participantes da privatização, principalmente as empresas localizadas no planalto, estão sentindo dificuldades para competir no mercado, principalmente no centro oeste, onde estão instaladas as plantas de produção da Fosfértil e suas controladas, mas os pequenos misturados estão sentindo muito mais com esses fatos. Os preços praticados pelas grandes empresas são menores do que os custos de matérias primas ensacados de nossa empresa, e, com certeza, de todas as empresas do nosso porte, de modo que, tenderemos a desaparecer, carregando conosco grandes prejuízos.
...
Apesar de ter havido uma elevada alta nos produtos nacionais, estes permaneceram com custos mais baixos que os produtos importados. Economicamente não é viável as compras de produtos importados, mas é a única fonte de abastecimento no momento para a nossa empresa, com exceção da Uréia, fornecida pelo Petrobrás.

As práticas denunciadas foram consideradas ofensivas à ordem econômica, consoante conclusão extraída do parecer de fls. 1239/1245 pelo Sr. Mário Possas.


Constituição de Cartel com Integração Vertical.
O Grupo de empresas denominado G6, que atua no mercado de mistura e comercialização de fertilizantes, celebrou acordo de distribuição constituindo explicita e formalmente um cartel de compra de produtos fabricados pela representada Fosfértil, que atua no mercado de produtos intermediários para fertilizantes, fornecedora, portanto, juntamente com a representada Ultrafértil, para o mercado de misturadoras de fertilizantes, em que atuam as empresas do G¨.
É importante notar, no que se refere às fornecedoras Fosfértil e Ultrafértil, que:
Sua privatização implicou a transferência do controle acionário de ambas para a holding Fertifós S/A, por sua vez controlada pelo G6;
Ambas detém controle de industrialização dos produtos intermediários: Ultrafértil com monopólio dos nitrogenados (nitrocálcio e nitrato de amônio, no presente caso), e ambas em duopólio no fornecimento de fosfatados nobres (DAP, MAP e superfosfato triplo).
A integração vertical é caracterizada, neste caso, pelo controle acionário das duas fornecedoras (que dominam os respectivos mercados intermediários) pelas empresas misturadoras, suas compradoras (situadas downstream) que compõem o G6.
Uma integração vertical não constitui em si mesma, risco à concorrência. Há risco quando a concorrência é acompanhada de cartel e outras formas de ação concentrada - como no presente caso - que impliquem ameaça de conduta abusiva quanto à recusa de fornecimento de produtos e quanto a preços. (grifou-se)

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Os dados constantes dos autos, coerentemente com o propósito manifesto, indicam crescimento de pedidos por parte das empresas do G6 atendidos pelas fornecedoras, contra uma redução média, em termos relativos e em alguns casos absolutos, dos fornecimentos a outras empresas.
O atendimento à demanda interna insatisfeita por ser feito, em tese - e de fato tem sido em parte -, mediante importações. Tal suprimento alternativo, contudo apresenta custos mais elevados decorrentes de tarifas de importação e de custos de transporte e outros (portuários), bem como dificuldades logísticas de acesso ao mercado internacional, notadamente para empresas de pequeno e médio porte atuantes nos mercados locais.
A prática de discriminação de preços por parte das fornecedoras Ultrafértil e Fosfértil é ampla e explicitamente evidenciada, inclusive assumida como política de preços por essas empresas, consistindo em oferecimento de descontos em função do volume de compra até o limite de 5% do valor da mesma. Embora esta de fato constitua prática comercial corriqueira e possivelmente inócua, quando a estrutura de oferta do mercado é pulverizada, o mesmo não se pode supor quando tal estrutura é concentrada e possivelmente e virtualmente monopolizada, como no caso dos insumos para fertilizantes. Especialmente considerando-se que entre as empresas adquirentes de maior porte, beneficiárias dos descontos maiores, encontram-se destacadamente as empresas do G6, controladoras, através da holding Fertifós, de ambos os principais fornecedores de insumos.

Configura-se, nesse caso, uma peculiar conjunção entre estrutura de mercado, controle societário e práticas comerciais de grande potencial danoso à concorrência, cujos primeiros sinais já se vêm manifestando. Ao lado possivelmente de algumas outras grandes empresas formuladoras de fertilizantes, as empresas do G6 beneficiam-se de descontos de preços dos seus insumos que não podem ser considerados pequenos numa indústria que opera, como já ressaltado, com baixas margens de lucro. Aliada às habituais vantagens econômicas, de custos e financeiras, associadas à maior escala, tais empresas obtêm um benefício adicional que pode levá-las rapidamente a uma posição competitiva e de rentabilidade amplamente superior às concorrentes de menor porte, que, por essa mesma razão, se vêem impossibilitadas de crescer e assim credenciar-se aos mesmos descontos por volume, num círculo vicioso claramente conducente à concentração crescente do mercado.

Não obstante, apesar da adoção de práticas claramente prejudiciais à concorrência, o laudo pericial acostado às fls. 6175/6297, as considerou normais e decorrentes da reestruturação administrativa, operacional e comercial após a privatização das empresas Ultrafértil e Fosfértil. De acordo com o laudo pericial, as empresas, antes deficitárias, ineficientes, com altos níveis de ociosidade, passaram por reestruturação que lhes permitiu, após investimentos em modernização produtiva e implementação de sistemas de qualidade, criar condições de competição em um mercado aberto e globalizado.


Destaco:

A racionalidade econômica subjacente a essas iniciativas está relacionada à preocupação de incentivar a maior ocupação da capacidade de produção instalada e se inserem em um contexto de acirramento da competição no mercado interno, devido à abertura comercial. Nesse contexto, os produtores de fertilizantes básicos buscaram privilegiar o fator escala de produção e este dependia da escala de sua demanda. Qualquer empresa misturadora teria o benefício descrito, independentemente de pertencer ao G6 ou ao não G6. Vale lembrar, a propósito, que essa busca de competitividade da indústria brasileira era uma política de governo: de fato, o ajuste empresarial foi decorrência da abertura comercial utilizada pelo governo como estímulo à busca de competitividade por parte das empresas estabelecidas no Brasil. Dessa perspectiva, é correto afirmar que os contornos da política comercial adotada por UF e FF refletem o "ajuste estrutural" dessas empresas às novas condições de concorrência definidas pelo governo brasileiro, e não uma estratégia empresarial de discriminação contra algumas empresas misturadoras.
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Em síntese, os fatores acima mencionados constituíram diferentes dimensões de um diferente processo de ajuste da indústria de fertilizantes brasileira às mudanças institucionais promovidas nos anos 1990, sobretudo a privatização de empresas estatais e à abertura comercial, mudanças que transcorreram sob um contexto macroeconômico adverso. O ambiente de concorrência se alterou e seus créditos são, naturalmente, seletivos entre empresas de mesmo segmento produtivo.

Todavia, ao contrário das conclusões a que chegou a perícia judicial, as práticas restritivas da concorrência foram impostas contratualmente pelas empresas rés Ultrafértil e Fosfértil e não decorrência de políticas governamentais adotadas para tornar o mercado competitivo frente ao mercado internacional, consoante se lê das cláusulas do Contrato celebrado por Ultrafértil (fls. 35/37):


As fornecedoras concederão descontos sobre os preços dos Produtos em função do valor total das compras contratadas pela COMPRADORA, bem como prêmio fidelidade consistente de bonificações em Produtos.
Em função do valor total das compras contratadas pela COMPRADORA no período de 01 de janeiro de 1994 a 31 de dezembro de 1994, serão concedidos descontos, somente a partir da data do recebimento do contrato pela FORNECEDORA, devidamente assinado pela COMPRADORA, sobre os preços de venda vigentes na data da compra, de conformidade com a seguinte tabela: (base de preços 01 de JAN.94, FOB-Fábrica à vista, sem ICMS.

Além do desconto previsto na Cláusula precedente, as FORNECEDORAS concederão à COMPRADORA, a título de prêmio por fidelidade, e atendida a condição prevista na Cláusula 6.2 abaixo, uma bonificação em Produtos equivalente a 2% (dois por cento) da totalidade dos Produtos efetivamente adquiridos e retirados pela COMPRADORA durante a vigência deste contrato, desde que a COMPRADORA tenha tido junto à FORNECEDORA em faturamento mínimo de CR$99.137 MIL, base de preços 01.JAN.94, FOB-Fábrica, à vista, sem ICMS, corrigidos monetariamente, segundo os mesmos índices utilizados para correção de preços para a venda de produtos.

A mesma política foi adotada pela Fosfértil (fls. 74/76):

Serão concedidos descontos sobre os preços de venda, de acordo com os valores contratados, conforme abaixo:
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Os descontos acima, serão aplicados no período de JAN a DEZ/94.
A determinação do faturamento anual dos clientes será feita considerando todos os produtos comercializados pela FOSFÉRTIL/GOIÁSFÉRTIL/ULTRAFÉRTIL, constantes do contrato anual.

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Será concedido prêmio sobre as quantidades efetivamente retiradas, no período de JAN a DEZ/94 considerando as seguintes faixas de faturamento:
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Os preços de venda para determinação do faturamento anual, serão na condição FOB Fábrica, à vista, sem ICMS, base 31/12/93.

Além da concessão de descontos e bônus fidelidade, o estabelecimento de acordo de distribuição e a recusa de vendas, comprovadas nos autos, são claramente prejudiciais à concorrência e tendentes a dominar mercado relevante de fertilizantes.


Ao contrário das conclusões a que chegou a perícia, a matéria-prima utilizada na fabricação de fertilizantes não se substitui facilmente por outras fontes básicas ou por insumos importados.


Merece destaque o parecer técnico do Sr. Mário Possas, às fls. 1235/1236:


Por outro lado, o eventual recurso a fontes alternativas de suprimento dos insumos estaria restrita a duas hipóteses: produtos substitutos ou importação. No primeiro caso, apesar de algumas controvérsias nos autos, há clara prevalência, nos pareceres técnicos e mesmo na manifestação das empresas que responderam o questionário da SDE da conclusão de que a substitutibilidade (sic) é limitada, devido tanto a características químicas dos produtos quanto aos solos, que diferem entre regiões, restringindo-se mesmo assim internamente aos conjuntos de nitrogenados e de fosfatados, em função do nível de concentração dos elementos presentes nas fórmulas. Nesse sentido, a eventual necessidade de substituir um insumo indisponível por outro - independentemente do aumento de custos que isto acarreta - pode implicar uma drástica alteração de estratégia de comercialização da empresa formuladora, podendo mesmo levá-la a um significativo deslocamento geográfico de mercado, com os custos e riscos daí decorrentes."

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Quanto à importação, está amplamente evidenciado que ela implica custos adicionais (frete, impostos, etc.) que oneram o preço dos insumos acima do preço doméstico, até porque a política de preços das fornecedoras Ultrafértil e Fosfértil parece ser de fato manter seus preços pouco abaixo, mas próximos do peço internacional, sem relação necessária com seus custos de produção e com eventuais aumentos de produtividade que venham auferir. Nada menos que 11 das 17 empresas que responderam ao questionário da SDE (ou 65%) confirmaram explicitamente o encarecimento dos insumos, ao ponto mesmo de inviabilidade econômica de sua aquisição, mediante importação.

Ora, claro está o caráter discriminatório instituído por Ultrafértil, Fosfértil e pelo Grupo G6. As condições ajustadas para adequar o setor às regras de mercado, de molde a que as empresas privatizadas se tornassem competitivas, eficientes, lucrativas, reduzissem custos e democratizassem a propriedade do capital criou cenário totalmente desfavorável às pequenas e médias empresas.


Nesse sentido, o parecer divergente do assistente técnico do MPF (fls. 6366):


Com efeito, a vantagem das empresas do grupo G6 com relação às outras empresas do setor, não decorre de diferenças tecnológicas, mas sim do domínio das fontes de abastecimento de insumos básicos para a produção de fertilizantes e da política comercial agressiva adotada, como amplamente documentado nos autos. (grifou-se)

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Ante o exposto, com todo respeito ao trabalho desenvolvido pelo Sr. Perito Judicial, não se pode aceitar a conclusão exarada no Laudo Pericial apresentado, de que os problemas observados no mercado de insumos básicos para produção de fertilizantes fosfatados e nitrogenados no período seja resultado de um processo natural de ajuste estrutural às novas condições de mercado, tendo em vista que essas condições foram determinadas pela conduta das empresas rés, amplamente documentada nos autos, de restringir o acesso dos concorrentes aos insumos básicos necessários à produção de fertilizantes, então como decorrência de descontinuidades tecnológicas, o que seria considerado normal pela Teoria Econômica."

Claro que a partir do momento em que as fabricantes dos insumos adotam medidas restritivas aos compradores e favorecem a holding com políticas de concessão de descontos por volume de compras e prêmio fidelidade, as empresas concorrentes, sobretudo de pequeno e médio porte, se vêem obrigadas a recorrer ao mercado paralelo, como já abordado acima, obter matéria-prima substituta, quando possível, ou proceder à importação, o que, como visto, prejudica e até mesmo impede o desenvolvimento saudável de suas atividades.


Esclareça-se não serem discutidas na presente ação civil pública as práticas decorrentes das privatizações das empresas em questão, mas os prejuízos advindos de condutas praticadas pela holding e pelas empresas privatizadas, tendentes a dominar o mercado de fertilizantes, mediante adoção de medidas anticoncorrencias comprovadas nos autos do processo administrativo e neste feito.


A política comercial adotada no período pós-privatização, momento no qual houve também a abertura comercial da economia brasileira, não é objeto de questionamento, mas sim a adoção de políticas anticoncorrenciais praticadas pelas rés, de molde a dominar o mercado relevante de fertilizantes. São situações que não se confundem.


Com efeito, a busca de racionalidade é inerente à eficácia administrativa e à otimização de produção. Contudo, em mercado, oligopolizado, não se pode comprometer, impedir ou diminuir de qualquer modo a livre concorrência.


Trata-se in casu, de produto sensível, por constituir insumos de vários outros produtos utilizados no mercado de fertilizantes e de estímulo à produção agrícola, atividade representativa de significativa parcela da economia brasileira.


Outrossim, durante e após o cumprimento das condições ajustadas no Termo de Cessação de Conduta, não há notícia de que as condições ajustadas tenham resultado estagnação do mercado ou prejuízos das empresas envolvidas, tendo criado condições de competitividade no mercado, cessado os abusos de posição dominante e domínio do poder econômico denunciadas e confirmadas. Se as práticas adotadas no período pós-privatização fossem decorrência natural do processo de privatização e abertura cambial e não decorrência de políticas impostas pelas empresas rés, certamente não seria viável o cumprimento do acordo, tampouco as rés o teriam aceito.


A esse respeito, destaco tópico do parecer divergente de fls. 6358:


O período que antecede às privatizações da Ultrafértil e Fosfértil é marcado por sucessivos planos de estabilização econômica, nos quais o controle de preços exercido pelo governo é peça fundamental para o combate à inflação. Nesse contexto, o controle de preços é mais eficaz nas empresas públicas e de economia mista, do que nas empresas privadas, o que faz com que, embora atuando em um ambiente de custos crescentes devido ao processo inflacionário, estejam essas empresas impedidas de repassar os custos através do reajustamento de preços.
Não podendo reajustar os preços essas empresas têm margens reduzidas, até consumir todo o lucro, passando a apresentar prejuízos. Assim, os prejuízos a que se refere o Sr. Perito, não decorrem de ineficiência ou baixa produtividade. É bom que se diga, que a decisão de privatizar, é uma decisão política: nada tem a ver com o lucro ou prejuízo apresentado pelas empresas.

Diante disso, as conclusões periciais extraídas às fls. 6233, de ter servido a celebração do acordo com o CADE como aperfeiçoamento dos contratos de fornecimento por meio da assunção de obrigações positivas e negativas, não tendo sido resultado de condenação alguma, nem implicado confissão de culpa quanto à matéria fática, não correspondem à realidade dos autos.


Com efeito, apesar de concluir constituir o objetivo principal do acordo manter, preservar, estabelecer e proteger as condições concorrenciais do mercado relevante de produção e fornecimento de matéria-prima básica e intermediária para fertilizantes, assumindo caráter preventivo, as práticas anticoncorrenciais praticadas pelos réus desde a privatização foram comprovadas nos autos do processo administrativo, por robusta prova documental e testemunhal, donde se conclui a necessidade de restabelecimento da concorrência lesada, cessando o abuso de poder econômico e de posição dominante praticadas pelas rés Ultrafértil e Fosfértil e pelo G6, mediante a adoção de condutas positivas e negativas, substituindo sanções administrativas.


Outrossim, ao contrário das conclusões a que chegou o perito, o CADE não julgou não discriminatórias as condutas, visto não ter havido análise de mérito das práticas denunciadas. A esse respeito, também ao revés das conclusões extraídas do laudo pericial, o CADE não julgou a produção de danos ao mercado de fertilizantes básicos advindos da política ajustada pelas rés, pois não se manifestou quanto ao mérito das ações (fls. 6288).


Ademais, o fato da celebração do acordo não ter sido resultado de condenação ou confissão de culpa quanto à matéria fática, não significa que as práticas denunciadas não foram cometidas, mas sim ter a celebração do acordo substituído sanções administrativas, caso viessem a ser aplicadas.


Por essas razões, não estando o juízo adstrito ao laudo pericial, nos termos do art. 436 do CPC, tendo reconhecido o comportamento lesivo e abusivo praticado no mercado de fertilizantes, acolho os fundamentos constantes do laudo divergente.


Nesse sentido a decisão desta Corte:


CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. AGRAVO (ART. 557, §1º, CPC). REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. INCAPACIDADE. NÃO ADSTRIÇÃO DO MAGISTRADO AO LAUDO PERICIAL. LEI 12.435/11. APLICABILIDADE ÀS AÇÕES AJUIZADAS APÓS A SUA EDIÇÃO. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. I - Em conformidade ao disposto no artigo 436 do Código de Processo Civil, é pacífico o entendimento de que o magistrado não está adstrito às conclusões da prova pericial, podendo formar sua convicção à luz de outros elementos constantes dos autos. Precedentes deste Regional e do E. STJ. II - As informações obtidas da prova pericial, somadas aos demais elementos constantes dos autos, indicam ser improvável a tardia reabilitação da autora em atividade que lhe garanta o sustento. III - Aplicáveis ao caso os critérios para concessão do benefício assistencial previstos na Lei 8.742/93, regulamentados pelo Decreto 6.214/07, em sua redação original, vez que as alterações trazidas pela Lei 12.435 de 06.07.2011, por tratarem de disposições de direito material, somente são aplicáveis às ações ajuizadas a partir de sua edição. IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é o de que as significativas alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. V - Agravo (CPC, art. 557, §1º) interposto pelo réu improvido.
(AC 00008674920114036123, DÉCIMA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/11/2012)

Por fim, comprovadas as práticas ofensivas à concorrência, a partir da celebração do contrato de fornecimento, impõe-se a condenação das rés ao ressarcimento dos danos ocasionados.


O MPF, na inicial, pretende que a apuração do dano se efetive considerando o valor de vendas praticado pelas rés Ultrafértil e Fosfértil às empresas do G6 e o crescimento de revendas.


Porém, para apuração do dano ocasionado ao mercado como um todo, impõe-se dimensionar os descontos efetivamente concedidos, que colocaram empresas integrantes ou não do grupo G6 em posição dominante.


Assim, o montante deverá ser calculado considerando os benefícios auferidos, tanto pelas empresas componentes da Holding Fertifós, como por empresas não integrantes do G6, mas que obtiveram vantagens decorrentes da política restritiva adotada por Ultrafértil e Fosfértil, em detrimento das pequenas e médias empresas nacionais, consistentes nos bônus a título de prêmio fidelidade e descontos em função do valor total de compras, a partir da celebração de cada contrato de fornecimento de Ultrafértil e Fosfértil, individualmente, com as empresas beneficiadas, até a celebração do Termo de Cessação de Conduta, em 07 de março de 1996, quando cessada a prática ofensiva.


Os valores, apurados em liquidação de sentença, deverão ser corrigidos monetariamente e o montante obtido, para efeito de indenização, deverá ser rateado entre cada empresa-ré, na proporção de seus benefícios e convertido ao Fundo dos Bens Lesados (art. 84 da Lei nº 8.884/94).


Destarte, acolho o pedido deduzido pelo MPF, autor da ação e condeno as rés a indenizar o dano decorrente da violação dos ditames constitucionais da livre concorrência e defesa dos consumidores, nos moldes acima.


São indevidos honorários advocatícios, a teor dos arts. 17 e 18 da Lei nº 7.347/85.


Ante o exposto, voto por rejeitar a matéria preliminar, e no mérito, dar provimento à apelação e à remessa oficial.


É como voto.




MAIRAN MAIA
Desembargador Federal Relator


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