D.E. Publicado em 02/05/2012 |
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EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDEPENDÊNCIA DE ESFERAS. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/92. SERVIDORA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 11. CONDUTAS ILÍCITAS PROVADAS. APLICAÇÃO DAS PENAS DO ART. 12, INC. III. PERDIMENTO DO CARGO OU FUNÇÃO. JUSTA CAUSA. SENTENÇA CONFIRMADA.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | VALDECI DOS SANTOS:10136 |
Nº de Série do Certificado: | 3A62C97771080F67 |
Data e Hora: | 19/04/2012 15:36:18 |
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VOTO
Senhores Julgadores, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, em face da parte apelante, que teria ministrado, sem prescrição médica, sedativos que causavam sonolência nos bebês sob seus cuidados, internados na UTI neonatal do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, incorrendo, assim, em atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, nos termos da Lei nº 8.429/92, dando ensejo à aplicação das penalidades previstas no inciso III, artigo 12, deste diploma legal, mormente a perda do cargo de auxiliar de enfermagem dos quadros funcionais da mencionada instituição.
Consoante narra a petição inicial, à época dos fatos, entre os anos de 1996 e 1999, a ré ocupava o cargo de auxiliar de enfermagem junto ao referido hospital, lotada na unidade neonatal, tendo sido apurado, por meio de processo administrativo e inquérito policial, que naquele período e durante o seu horário de trabalho - plantões noturnos -, ministrava, sem prescrição médica, sedativos aos recém-nascidos que se encontravam sob sua guarda, com a manifesta intenção de evitar que os mesmos chorassem, ou de qualquer forma a incomodasse, exigindo-lhe atenção e maiores cuidados. Assim, a conduta da ré colocava em risco a vida dos bebês, crianças prematuras ou portadoras de algum tipo de patologia, aos quais deveriam ser, ao invés, dispensados cuidados especiais.
Aduz, ainda, o autor da ação, que os fatos mencionados foram formalmente noticiados pela chefia imediata da ré, na pessoa de Angelita Fernandes Druzian, a qual, por sua vez, fora informada da conduta da ré pela auxiliar de enfermagem Zilma Francisca Vital, que trabalhava com ela na unidade neonatal, dando conta que a mesma costumava adicionar medicação ao leite dos bebês e, a partir dessa notícia, foi instaurado procedimento administrativo disciplinar, concluindo a Comissão Processante que restou cabalmente demonstrado que a ré cometera as condutas que lhe eram imputadas, sendo, em razão disso, punida com mera suspensão do trabalho, por 30 dias, a título de pena administrativa, mesmo após ressaltar os aspectos sinistros da ação da ré (fls. 07), tendo sido a sanção acatada pelo departamento jurídico e aplicada, sem nenhuma ressalva, pelo reitor da universidade, pugnando, o Parquet Federal pela condenação da ré nas penas previstas no artigo 12, III, da Lei 8.429/92, especialmente a perda do cargo junto à mencionada instituição de ensino.
Compulsando os autos, verifico que, em 05.07.1999, a enfermeira Angelita Fernandes Druzian, responsável pelo berçário e UTI neonatal alhures mencionados, apresentou, ao chefe da Divisão de Enfermagem, denúncia (fls. 27) contra a auxiliar de enfermagem Norma Lúcia dos Santos Moretti, dando conta de que esta estaria adicionando sedativos ao leite de recém-nascidos, sem prescrição médica, em prática que consistia em "benzer o leite" para alguns bebês, uma vez que eles choravam, principalmente na madrugada, noticiando, ainda, que indagadas algumas servidoras de nível médio do setor, estas afirmaram que "tinham conhecimento do fato, no entanto não falaram porque tinham medo das conseqüências".
Com base nesta denúncia, o reitor da Universidade constituiu comissão de processo administrativo disciplinar (autos nº 23104.004931/99-09) com a atribuição de apurar os fatos imputados à servidora, sendo certo que os trabalhos foram instalados em 20.09.1999 (fls. 35/37), com a adoção de várias providências, inclusive com a notificação da denunciada para acompanhar as atividades, pessoalmente ou por meio de representante legal.
Prosseguindo, foi juntado aos autos do processo administrativo cópia do relatório nº. 01/99 (fls. 40/44), da Comissão de Ética de Enfermagem do Hospital Universitário, concluindo que, colhidos depoimentos prestados por uma médica residente, uma enfermeira e seis auxiliares de enfermagem, além do depoimento prestado pela própria auxiliar de enfermagem investigada, existem "fortes indícios da prática da administração de medicação sem prescrição e/ou orientação médica pela A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti" (fls. 43).
Convém transcrever parte dos depoimentos prestados perante a mencionada Comissão de Ética, iniciando pelas declarações da auxiliar de enfermagem Maria dos Santos Cabral que afirmou o seguinte: "nunca presenciou a A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti fazer medicação sem prescrição médica, porém a mesma estranha o fato de que durante o plantão da A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti, os recém-nascidos após serem cuidados e alimentados acalmam-se em seguida e que nos plantões em que a A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti não está presente, os recém-nascidos continuam chorosos, mesmo após receberem os mesmos cuidados de enfermagem. Observa ainda que os bebês amanhecem sonolentos, não querendo mamar no seio materno." (fls. 41).
No depoimento da Auxiliar de Enfermagem Zilma Francisca Vital, realizado no dia 09/07/99, ela relata que já presenciou a A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti, administrar medicação sem prescrição médica. Cita o fato ocorrido em 17/04/99, com o recém-nascido de Eliane Matos, que se encontrava em CPAP oro-traqueal ativo e corado com indicação para extubação, e que após a administração de medicação desconhecida, por volta das 21:00h, o recém-nascido apresentou cianose, bradicardia, voltando para ventilação mecânica, com piora do quadro respiratório. Este fato foi observado pela A.E. Ildete de Olinda Machado e pela médica Silvia Nakashita. Relata, ainda, que por várias vezes ouviu os colegas do setor e também a própria servidora Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti falar que os copinhos de leite já estavam "benzidos", e que Norma Lúcia falava em administrar Dormonid para acalmar os pacientes.
Por sua vez, a Auxiliar de Enfermagem Nadir da Silva Vasconcelos refere que já presenciara Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti fazer medicação sem prescrição médica, e citou a ocorrência com o recém-nascido de Vanderléia Paula Cabral (2º pós operatório de hidrocefalia) que se apresentava choroso e agitado, sendo certo que o médico plantonista avaliou o quadro e prescreveu dipirona endovenosa. Porém, após os cuidados de higiene e conforto realizados pela A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti, a A.E. Nadir da Silva Vasconcelos perguntou a Norma se já administrara a dipirona ao que ela respondeu que sim e que também havia acrescentado um pouquinho de Dormonid. Citou, ainda, o fato de que em determinado plantão foi ajudar no setor do berçário e foi dito pela A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti que os copinhos de leite sobre a mesa já estavam "benzidos" e que poderiam ser oferecidos aos bebês.
No seu depoimento, prestado em 12/07/99, a Auxiliar de Enfermagem Maria Neckel, relata que tinha conhecimento dos fatos imputados à A.E. Norma Lúcia Moretti por meio de outras colegas, porem, cita fato ocorrido com o recém-nascido de Alessandra Lopes Rezende, onde por volta das 03:00 horas da manhã viu a A.E Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti com um copinho de medicação de coloração rosa e a mesma disse-lhe que era Gardenal e que iria administrar o medicamento ao recém-nascido de Alessandra para acalmá-lo, pois estava choroso e inquieto, contudo, o recém-nascido tinha prescrição médica para Gardenal somente às 08:00 e às 20:00h.
Por sua vez, a Médica Silvia Nakashita declarou que se lembrava do fato ocorrido em 17/07/99, com o recém-nascido de Eliane Matos, que apresentou piora do quadro respiratório após medicação feita por volta das 21:00h, sendo necessário submete-lo à ventilação mecânica, com evidentes sinais de sedação, sendo certo que o setor de Enfermagem não lhe informou que sedara o paciente e, em razão disso, levou a ocorrência verbalmente ao conhecimento da médica Carmen Silvia M. Figueiredo logo na manhã seguinte.
No seu depoimento a Auxiliar de Enfermagem Maria Divina A.E.S. Pereira relatou que nunca presenciou a A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti, fazer medicação a pacientes sem prescrição médica, porém, declarou que, por várias vezes, presenciou Norma dizer que era necessário fazer alguma coisa para acalmar os recém-nascidos, e citou o fato acontecido com o bebê portador de hidrocefalia, com apatia e sonolência, sendo certo que colegas da Enfermagem comentavam que o recém-nascido havia sido "acalmado" pela A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti.
Ao final, concluiu referida Comissão de Ética de Enfermagem, que restou "evidenciado que a A.E. Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti, infringiu os artigo 4,16, 24, 47 e 51 do código de ética dos profissionais de enfermagem, estabelecido na resolução COFEN 160/93, colocando em risco de vida os RN sob seus cuidados.", solicitando fossem tomadas as seguintes providências: 1) que a servidora não volte a exercer, em hipótese alguma, atividades de enfermagem no setor de berçário ou qualquer área de assistência pediátrica na UFMS; 2) devendo as áreas ou setores possíveis de trabalho sejam determinadas após finalização do procedimento disciplinar; 3) seu trabalho seja no período diurno e com supervisão direta pelo enfermeiro; 4) comunicação ao CRE da denúncia, do relatório da Comissão de Ética e da existência de processo disciplinar em andamento; 5) seja desenvolvido trabalho de orientação aos servidores do NHU para que fatos desta natureza seja, comunicados tão logo ocorram (fls. 44).
Em face das conclusões da averiguação administrativa supracitada, foi constituída Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, objeto da Portaria nº. 567/99-RTR (fls. 31/32), ante a denúncia de que a ré estaria adicionando medicamentos sem prescrição médica ao leite oferecido aos pacientes sob seus cuidados (fls. 49).
Da mesma forma, após a colheita de provas, consistente em tomada de depoimento de 14 (quatorze) testemunhas e exame documental, a Comissão Processante instituída pela universidade formalizou, nos termos do artigo 161 do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei nº. 8.112/90), o Termo de Instrução e Indiciação da servidora acusada, ora apelante (fls. 178/183), concluindo ter "sido coletadas provas suficientes para que a Comissão formasse a sua convicção em torno das ocorrências funcionais apuradas" (fls. 182).
Ato contínuo, após apresentação da defesa da servidora indiciada, a Comissão Processante apresentou o relatório acostado às fls. 199/224, destes autos, onde assevera que examinou a documentação juntada e os depoimentos prestados, atestando que todos os atos processuais foram acompanhados pela denunciada, ora apelante.
Nesse ponto, cabe transcrever trechos de depoimentos prestados perante a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar.
A Chefe da Divisão de Enfermagem, Maria Gorette dos Reis, afirmou ter tomado conhecimento dos depoimentos prestados perante a Comissão de Ética e informou ser "habitual os medicamentos sedativos em soluções e injetáveis ficarem à disposição nos setores, para serem ministrados, quando prescritos. Que o sistema adotado no NHU para reposição de medicamentos em geral, não obedece a prescrição em doses individuais." (fls. 67).
A Enfermeira Noemia Ferreira Rosa, que presidira os trabalhos da Comissão de Ética, declarou que nunca observou nada do que foi denunciado, porém, na condição de presidente da comissão referida, constatou que "nos depoimentos, apenas um dos depoentes não afirmou ter presenciado ou ter conhecimento que a denunciada ministrava medicamentos aos pacientes sem prescrição médica" e acrescentou que "os colegas que denunciaram o fato estavam preocupados com a denunciada" e, instada quanto à demora na adoção de providências, respondeu que "os colegas não denunciaram por escrito porque tinham medo da denunciada". (fls. 71/72).
A Auxiliar de Enfermagem Maria dos Santos Cabral, após confirmar os termos do depoimento prestado perante a Comissão de Ética, de que a denunciada às vezes dizia que "benzia o leite dos recém-nascidos", acrescentou que pensava tratar-se de brincadeira, porém, nas trocas de plantões, outros servidores estranhavam a sonolência dos bebês, mas, nunca presenciou a denunciada ministrando medicação sem prescrição médica e que "os comentários surgiram no momento em que foram tomadas as providências" contra ela. Confirmou, ainda, que a denunciada fez sim ligação telefônica para a sua casa, após a denúncia, e ameaçou que "se tivesse sido a depoente que fez a denúncia, ou se a depoente a entregasse, pagaria por isso;" (fls. 54/55).
A Auxiliar Administrativo Zilma Francisca Vital, declarou que "a conversa sobre o "leite benzido" e a ministração do medicamento Dormonid, a própria denunciada falou várias vezes que usava este procedimento para acalmar as crianças e as mesmas não darem trabalho, mas que até então, a depoente nunca tinha presenciado este procedimento, por isso nunca denunciou, por não ter provas" (fls. 78). Prosseguiu asseverando que somente "fez a denúncia após ter, pelo menos quatro testemunhas que se dispuseram a depor. Que decidiu denunciar o fato por estar em conflito com a própria consciência. Que esta história é do conhecimento geral dos auxiliares de enfermagem do setor, mas muitos se negam a falar sobre o assunto." (fls. 79). Respondendo à pergunta do representante legal da denunciada, a depoente afirmou que no dia 17/04/99, a medicação estava prescrita por médico, porém, sob orientação, "o que não foi feito pelos médicos responsáveis" e que no caso da criança que apresentou piora no quadro clínico, "consultou os médicos responsáveis e tomou conhecimento que os médicos não haviam orientado a ministração do medicamento naquela noite." Este fato, de administração de sedativo sem orientação do médico, acabou sendo constatado pela médica Sílvia Nakashita, que teria informado o fato à preceptora no plantão subsequente.
A Auxiliar Administrativo Nadir da Silva Vasconcelos declarou "que nunca viu a denunciada colocar medicamento no leite dos recém-nascidos, mas que a própria denunciada disse que "benzia o leite" e que existem muitos comentários dos colegas sobre o assunto e que só a denunciada tem este procedimento." (fls. 82). Reafirmou, ainda, que, no caso do bebê de Vanderleia Paula Cabral, em que pese a denunciada ter-lhe dado banho, trocado o curativo do catéter, agasalhado e administrado a medicação prescrita, acabou ministrando ainda o medicamento Dormonid, "que não estava prescrito" (fls. 83). E, por último, "com relação aos copinhos "benzidos", só presenciou o fato uma vez." (fls. 84).
A Auxiliar de Enfermagem Maria Neckel confirmou que, "com referência ao recém nascido de Alessandra, cujo sobrenome a depoente desconhece por não haver cuidado da criança, afirma que não havia no prontuário prescrição do medicamento Gardenal no horário das 3h da manhã, dado pela denunciada, mas havia no horário das 8 e das 20 hs. Que a informação de que o medicamento seria Gardenal, foi dada pela denunciada, mas que a mesma não a viu colocar o remédio no copinho" (fls. 87).
A Auxiliar de Enfermagem Maria Divina Aparecida e Silva declarou que "eventualmente, quando recebia os plantões da denunciada, percebia que as crianças estavam mais calmas. Após tomar conhecimento dos comentários sobre a "benzeção de leite" associou a calma das crianças ao assunto" (fls. 90/91).
A médica plantonista Silvia Nakashita, em seu depoimento, informou que, com relação ao recém-nascido de Eliane Matos, no dia 17/04/99, estava com respiração artigicial, "apresentando melhora gradativa, chegando a respirar apenas com auxílio do CPAP. Que durante o seu plantão foi chamada e encontrou a criança já em ventilação mecânica. Que a residente de plantão falou que a criança tinha apresentado pouca atividade, com diminuição de freqüências cardíaca e respiratória, sendo necessário voltar para a ventilação mecânica. Esclareceu que este quadro clínico leva a hipótese de sedação, piora de infecção ou crise convulsiva." (fls. 92/93).
A Enfermeira Angelita Fernandes Druzian, no seu depoimento, informou que "várias pessoas foram ameaçadas pela Denunciada, como por exemplo Maria Cabral que disse que não falou tudo porque tem medo da Denunciada, que a presença da Denunciada intimida e que Maria José recebe telefonemas da Denunciada que pede que ela deponha em seu favor" (fls. 105). Continuou afirmando que a denunciada é persuasiva, tem poder de liderança e "tem ameaçado, telefonado e amedrontado colegas que irão depor. Acrescentou que "muitas coisas que foram relatadas pelos servidores não estão relatadas nos prontuários porque eles sabiam que era uma prática errada e tinham medo de escrever coisas que poderiam vir contra elas próprias, por isso não há registro. (...). Que por tudo que aconteceu a depoente está convencida que a Denunciada ministrava medicamentos aos pacientes sem prescrição médica. Que isto é uma coisa muito séria, que isto é de muito risco, que uma pessoa não faria uma denúncia dessas sem ter certeza do que fala e que estas pessoas têm que ser levadas em consideração, porque é uma questão de consciência" (fls. 106/107).
Em seu interrogatório (fls. 167/174), a servidora Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti declarou que nunca usou a expressão "benzer o leite" e que não se lembrava de ter dito qualquer outra coisa e, em apertada síntese, asseverou que as depoentes mentiram e entende que assim agiram a seu respeito por falta de fé em Deus, por incapacidade e inveja. Negou, ademais, ter ministrado medicamentos a bebês sem prescrição médica, inclusive Dormonid e, quanto à administração de Gardenal, em horário não prescrito, a depoente Maria Neckel mentiu ao afirmar que isso ocorreu.
Em seguida, a Comissão Processante determinou (fls. 183) a citação da servidora para apresentar defesa escrita e, cumprida a citação (fls. 184), a defesa foi apresentada (fls. 185/198) sustentando, em resumo, que "nada existe nos autos que caracterize que a denunciada ministrou medicamentos sem prescrição médica" (fls. 188), admitindo, no entanto, que ministrava medicamentos nos pacientes e não fazia a anotação devida, porém, "a ausência de anotação da medicação prescrita, caso tenha ocorrido, deu-se em circunstâncias especiais, posto que as instalações do berçário e da UTI Neonatal, no período da reforma, não eram adequadas." (fls. 193); que, "em momento algum a denunciada promoveu manifestação de desapreço contra a sua chefia imediata, apenas fez uma colocação do seu ponto de vista que foi totalmente deturpada..." (fls. 194); e que considera "Absurda a imputação que pretende fazer a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar a denunciada tendo por base o fato da mesma ter se negado a se retirar no dia, sem que soubesse das razões pelas quais estaria sendo dispensada do plantão, apenas por força de determinação da chefia" (fls. 194), concluindo, assim, pela inexistência nos autos do processo administrativo de prova material suficiente para incriminá-la.
Após, a Comissão Processante concluiu os seus trabalhos, tendo elaborado relatório final (fls. 199/224) nele anotando (fls. 222/223) que a servidora Norma Lúcia dos Santos Gomes Moretti infringiu o disposto no artigo 116, incisos III (observar as normas legais e regulamentares), IV (cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais) e IX (manter conduta compatível com a moralidade administrativa) e artigo 117, V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição), da Lei nº 8.112/90, sugerindo a aplicação da pena de suspensão por trinta dias, com base nos incisos III, IV E IX do artigo 116, combinado com o inciso V do Artigo 117, todos do mesmo diploma legal.
Lavrado o termo de encerramento dos trabalhos (fls. 224), os autos do procedimento administrativo disciplinar foram remetidos (fls. 225) ao reitor da universidade e, no âmbito da reitoria, recebeu parecer (fls. 228/230) confirmando a regularidade do trabalho da Comissão e, em razão disso, referida autoridade aplicou à servidora a pena de suspensão de trinta dias (fls. 231).
Contra a aplicação da mencionada pena insurgiu-se a servidora, por meio de mandado de segurança (autos nº 2000.60.00.004371-0), que tramitou perante a 2ª Vara Federal de Campo Grande, sendo certo que, denegada a segurança pleiteada, a sentença denegatória da ordem foi confirmada em segundo grau.
Todavia, ainda em fase de parecer junto ao Juízo de primeiro grau, tomando ciência dos fatos apurados por meio do inquérito administrativo, o Procurador-Chefe da Procuradoria da República no Estado de Mato Grosso do Sul requisitou (fls. 240/242) a instauração de inquérito policial para a apuração dos fatos em face da configuração, em tese, de crimes de lesões corporais graves, o que restou cumprido pela autoridade policial competente (fls. 242).
Concluída a instrução do inquérito requisitado, a autoridade policial elaborou relatório (fls. 397/401) concluindo por vislumbrar indícios de que, de fato, a servidora, durante os seus plantões na UTI neonatal do Hospital Universitário, ministrava sedativos nos bebês visando acalmá-los e, com isso, "colocando suas integridades físicas, e até mesmo suas vidas em risco" (fls. 400), decorrendo daí o seu indiciamento como incursa no artigo 129, § 1º, II, do Código Penal.
Em face disso, o Ministério Público Federal apresentou denúncia, restando instaurada ação penal (autos nº. 2001.60.00.002103-1) que tramitou perante a 5ª Vara Federal de Campo Grande, tendo este Juízo absolvido a ré, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, entendendo não haver prova da existência do fato. Contra esta sentença apelou o autor, consoante se depreende da consulta ao sistema de acompanhamento processual, encontrando-se o recurso interposto pendente de julgamento perante a Egrégia Primeira Turma desta Corte Regional.
Nesse ponto, cabe anotar que a absolvição da ora apelante no âmbito da ação penal, por entender o Juízo de primeiro grau que não restou provada a alegada ocorrência de lesão corporal grave perpetrada contra os bebês, não obsta a apuração dos fatos e a aplicação eventual de penalidade em sede administrativa, bem como não objeta ação civil no âmbito judicial. Assim sendo, ao contrário do que quer fazer crer a apelante nas razões de apelação, a aplicação de pena administrativa não inviabiliza o ajuizamento da ação civil e aplicação da sanção cabível, não configurando caso de bis in idem, até porque a Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais, ao tratar das responsabilidades, é clara ao dispor que o servidor responderá civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições (art. 121) e asseverar que as sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si (art. 125), somente afastando a responsabilidade administrativa do servidor no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria (art. 126), não se tratando desta a hipótese dos autos.
Com efeito, a ação civil somente é descabida no caso de a sentença absolutória criminal reconhecer, de forma categórica, a inexistência material do fato apontado como criminoso, pois, na hipótese, a decisão criminal faz coisa julgada no cível.
Ademais, o estatuto dos servidores civis da União, como não poderia deixar de ser, consagra o princípio da independência das instâncias, podendo, assim, cumular as sanções de natureza administrativa, civil ou criminal, desde que apuradas as respectivas responsabilidades segundo reverência rigorosa ao devido processo legal.
Nesse sentido, colho da jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal o seguinte julgado: "AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA CRIMINAL. AÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO. CRIME PREVISTO NA LEI DE LICITAÇÕES. ALEGAÇÃO DE IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTROVÉRSIA DECIDIDA EXCLUSIVAMENTE À LUZ DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL. JURISPRUDÊNCIA DO STF. 1. Caso em que entendimento diverso do adotado pelo aresto impugnado demandaria o reexame da legislação ordinária aplicada à espécie e a análise dos fatos e provas constantes dos autos. Providências vedadas na instância extraordinária. 2. O acórdão recorrido afina com a jurisprudência desta nossa Corte, no sentido da independência das instâncias administrativa, civil e penal. Independência, essa, que não fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes: MS 23.625, da relatoria do ministro Maurício Corrêa; HC 85.953, da minha relatoria; e RHC 91.110, da relatoria da ministra Ellen Gracie. 3. Agravo regimental desprovido." (2ª Turma, AI-AgR 747753, Relator Min. Ayres Britto, DJe 207, 28.10.2010).
No mesmo sentido, colho da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça os seguintes julgados: 1. "MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. REMESSA DE VALORES PARA O EXTERIOR, SEM DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. CONDUTA ÍMPROBA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. PROVA EMPRESTADA DO JUÍZO CRIMINAL. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. PENA DE DEMISSÃO IMPOSTA PELA ADMINISTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INDEMONSTRADO. 1. A análise das ponderações lançadas pelo Impetrante concernentes à má interpretação dos fatos pela Autoridade Administrativa demandam, necessária e inequivocamente, revolvimento das provas examinadas no PAD, o que é sabidamente vedado na estreita via do mandamus. 2. O direito líquido e certo, passível de ser argüido na via mandamental, deve ser demonstrado com prova documental pré-constituída, prescindindo de dilação probatória. Precedentes. 3. Não há qualquer impeço ao aproveitamento no PAD de provas produzidas no Juízo criminal, desde que devidamente submetidas ao contraditório, como ocorreu no caso em tela. Precedentes. 4. Embora possam se originar a partir de um mesmo fato, a apuração de falta administrativa realizada no PAD não se confunde com a ação de improbidade administrativa, esta sabidamente processada perante o Poder Judiciário, a quem cabe a imposição das sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei n.º 8.429/92. Há reconhecida independência das instâncias civil, penal e administrativa. 5. A pena de demissão não é exclusividade do Judiciário. Na realidade, é dever indeclinável da Administração apurar e, eventualmente, punir os servidores que vierem a cometer ilícitos de natureza disciplinar. 6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar, necessária e diretamente, vinculada com o exercício do cargo público. Com efeito, mesmo quando a conduta é perpetrada fora das atividades funcionais, se ela evidenciar incompatibilidade com o exercício das funções do cargo, por malferir princípios basilares da Administração Pública, é sim passível de punição na esfera administrativa, inclusive com a pena máxima de demissão, mormente como no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da Receita Federal, apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à evolução do patrimônio e da renda - fato esse, aliás, que também está em apuração na esfera penal -, remetendo significativo numerário para conta em banco na Suíça, sem a correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei n.º 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei n.º 8.429/92. 7. Segurança denegada. Agravo regimental prejudicado." (3ª Seção, MS 12536, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe 26.09.2008, RSTJ vol. 213, p. 393). 2. "RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. JULGAMENTO. QUÓRUM PARA ABERTURA DA SESSÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ÓRGÃO ESPECIAL. DESCABIMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TERMO DE INDICIAMENTO. VÍCIO. AUSÊNCIA. PRAZO PARA CONCLUSÃO. EXTRAPOLAÇÃO. PREJUÍZO. AUSÊNCIA. NULIDADE DESCARACTERIZADA. I - O recorrente não demonstrou a insuficiência de quórum para a abertura da sessão, não tendo juntado a respectiva ata que, segundo o art. 107, II, do Regimento Interno do TJMT, dispõe sobre o "os Juízes presentes à sessão". Registre-se, ainda, que o recorrente não logrou sequer demonstrar qual seria a composição do Órgão Especial do e. TJMT, à época do julgamento. II - Incabível incidente de uniformização de jurisprudência por alegada divergência de interpretação no âmbito do próprio Órgão Especial do Tribunal. III- "Não há vício no termo de indiciamento do servidor se as condutas a ele imputadas são descritas clara e minuciosamente, sem que se possa constatar empecilho à defesa.(...)"(MS 8374 / DF, 3ª Seção, de minha Relatoria, DJU de 11/11/2002). IV - A extrapolação do prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não acarreta a sua nulidade, se, em razão disso, não houve qualquer prejuízo para a defesa do acusado. Aplicação do princípio pas de nullité sans grief (MS 12.616/DF, 3ª Seção, de minha relatoria, DJe de 13.8.2008). V- Não há que se falar na utilização de prova emprestada, uma vez que o relatório da comissão processante foi categórico ao excluir o depoimento colhido nos autos do inquérito civil público dos fundamentos para a sugestão da pena de demissão; VI - A independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil por improbidade, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. (MS 7834 / DF, 3ª Seção, de minha Relatoria, DJU de 08/04/2002). Recurso ordinário desprovido." (5ª Turma, ROMS 24636, Relator Min. Felix Fischer, DJE 29.06.2009) 3. "MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. DEMISSÃO. IMPROBIDADE. PROCESSO DISCIPLINAR. REGULARIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL (ARTS. 125 E 126 DA LEI 8.112/90). PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. DISTINÇÃO ENTRE ESTABILIDADE E VITALICIEDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. I- Conforme já decidido pela Eg. Terceira Seção: "A independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil por improbidade, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Precedentes do STJ e do STF." (MS. 7.834-DF). II- Comprovada a improbidade administrativa do servidor, em escorreito processo administrativo disciplinar, desnecessário o aguardo de eventual sentença condenatória penal. Inteligência dos arts. 125 e 126 da Lei 8.112/90. Ademais, a sentença penal somente produz efeitos na seara administrativa, caso o provimento reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria. III- Estabilidade não se confunde com vitaliciedade. Os servidores públicos regidos pela Lei 8.112/90 usufruem do direito à estabilidade, após atenderem às exigências legais. Hipótese diversa ocorre com certas carreiras, já que a Constituição Federal de 1988 instituiu como uma das garantias, a vitaliciedade. No caso em tela, a pretensão do impetrante extrapola os limites da estabilidade. IV- A aplicação do princípio da proporcionalidade, no âmbito do Poder Judiciário, circunscreve-se ao campo da legalidade do ato demissionário, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo, a fim de aferir o grau de conveniência e oportunidade da medida, especialmente quando há perfeita sintonia entre a prova pré constituída juntada aos autos e o ato administrativo. V- Segurança denegada." (3ª Seção, MS 7861, Relator Min. Gilson Dipp, DJ 07/10/2002, p. 169) 4. "ADMINISTRATIVO. POLICIAIS FEDERAIS. PECULATO E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO PENAL E PROCESSO DISCIPLINAR. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS DEMISSÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. 1. Doutrina e jurisprudência são unânimes quanto à independência das esferas penal e administrativa; a punição disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração Pública a aguardar o desfecho dos mesmos. 2. Segurança denegada." (3ª Seção, MS 7138/DF, Relator Min. Edson Vidigal, DJ 19.03.2001, p. 74).
Compulsando os autos da presente ação de improbidade, verifico que também no seu âmbito os depoimentos testemunhais colhidos confirmam os fatos narrados na petição inicial e revelam-se consentâneos com as declarações prestadas no bojo do processo administrativo disciplinar, não havendo dúvidas quanto à ocorrência dos fatos imputados à ora apelante, consistentes na administração reiterada e sem prescrição médica de medicamentos sedativos aos bebês recém-nascidos que se encontravam sob sua guarda e cuidados no setor de berçário e UTI neonatal do núcleo do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Cabe reiterar que referidos depoimentos são consistentes e foram sustentados por diversos profissionais da área de saúde das variadas esferas que chamadas a depor, prestando valiosas declarações acerca da questão posta a deslinde nos autos.
Portanto, em que pese a tentativa exacerbada da apelante, de desacreditar testemunhas, imputando-lhes o cometimento de condutas graves, inclusive criminosas, com o evidente propósito de macular as suas reputações, na verdade, não logrou êxito em afastar o valor probante da prova oral colhida em Juízo, a uma, porque as questões suscitadas pela apelante não se fundam em qualquer documento capaz de provar minimamente o alegado, e, a duas, porque, repita-se, os depoimentos prestados encontram-se em total consonância com as demais provas colacionadas aos autos.
Releva, nesse ponto, transcrever excertos de depoimentos prestados perante o Juízo a fim de corroborar o quanto acima asseverado.
Em seu depoimento (fls. 603/607) a Enfermeira Angelita Fernandes Druzian afirmou o seguinte: "Desde o momento em que passei a trabalhar no hospital da UFMS não registrei a ocorrência da auxiliar de enfermagem ministrar medicamentos sem prescrição médica, a não ser o caso dos autos. (...). Chegou-me a denúncia que a requerida estava ministrando medicamentos, inclusive o gardenal, juntamente com o leite dos recém-nascidos, para acalmá-los, prática esta dita por ela como de "benzer leite". A denúncia me foi trazida por Zilma. (...). Diante da denúncia ouvi informalmente as demais auxiliares, buscando saber se aqueles fatos estavam realmente acontecendo. Nadir confirmou-me um fato que reputo ser grave, envolvendo o recém-nascido de Vanderléia (...), que tinha sido submetido a uma cirurgia de colocação de uma válvula em sua cabeça, já que possuidor de hidrocefalia, há dois dias atrás. Tal paciente estava chorando muito, motivo pelo qual a requerida ministrou a dipirona sob a prescrição médica, mas disse que ministrou também o medicamento dormonid, que é um sedativo utilizado em UTI, fazendo-o sem prescrição médica. (...) Registro que jamais aquele recém-nascido poderia receber o medicamento Dormonid, por estar numa unidade intermediária e em estado pós operatório. Tal medicamento poderia causar uma parada respiratória seguida de uma parada cardíaca em caso de ausência de prestação de socorro imediato. Não se registrou nenhuma ocorrência com o recém nascido, o que atribuo aos conhecimentos da requerida, que sabe a quantidade que pode ministrar ao paciente, de modo que não ministraria uma quantidade excessiva. (...) Nadir também me disse que certa vez, novamente auxiliando a requerida, encontrou uma criança chorando, no que a requerida pediu que ela ministrasse o leite que já estava no copinho, dizendo que ele estava "benzido". Nadir disse que não teve coragem e trocou aquele copinho de leite por outro. (...) Dirigi-me ao hospital da UFMS a fim de conversar com o auxiliar Maria Cabral. Estando apenas eu e ela numa sala, ela disse que viu a requerida "benzer o leite" dos pacientes. (...)".
A Auxiliar de Enfermagem Maria Neckel declarou (fls. 608/609) o seguinte: "(...). Nunca presenciei a requerida ministrando medicamento sem prescrição médica. Porém, havia comentários de que ela procedia desta forma. Já vi a requerida preparando medicamentos, mas não perguntei se tinha prescrição médica. Recordo-me do recém nascido de Alessandra, ele tinha hidrocefalia e fazia uso de Gardenal, conforme prescrição médica. Geralmente, este medicamento é ministrado às 08:00 e às 20:00 horas (...). Presenciei a requerida ministrado gardenal ao citado paciente às 03:00 horas, mas não sei se ela tinha autorização médica. (...). Assim que soube da expressão "benzer o leite", talvez por ingenuidade (estava saindo do convento), imaginei que fosse orar sobre o leite. Depois da propagação dos comentários é que fiquei sabendo em que consistia "benzer o leite". (...). Nunca cheguei a ver se as crianças estavam mais tranqüilas no plantão da requerida do que no das outras auxiliares, até porque nunca trabalhei no plantão depois dela. Porém, havia comentários de que no plantão da requerida as crianças ficavam mais tranqüilas. (...). A requerida, no que eu entendia em tom de brincadeira, dizia que "benzia o leite". A requerida falava isto normalmente e eu não entendia que estivesse falando com seriedade."
A Médica Residente Silvia Hiromi Nakashita declarou (fls. 610/611) o seguinte: "(...). Recordo-me do ocorrido com o recém nascido da Sra. Eliane. Ele estava em CPAP, motivo pelo qual não poderia ser sedado eis que tinha respirar por conta própria. Em certo momento este paciente teve uma parada respiratória, não respirando sozinho teve que voltar a utilizar o respirador (ventilação mecânica), conforme ordenei. Este fato aconteceu durante à noite, mas não me recordo do horário exato. (...). Desconfiei de várias hipóteses para explicar a ocorrência, tais como, piora de infecção, convulsão ou sedação. Estava prescrito sedativo para o paciente porque antes ele estava em ventilação mecânica, mas esta prescrição foi suspensa verbalmente por mim. Por isso desconfiei da hipótese dele ter sido sedado por engano. Contudo, as auxiliares de enfermagem disseram que não tinham sedado."
Por sua vez, a Auxiliar de Enfermagem Nadir da Silva Vasconcelos afirmou (fls. 612/613): (...). Recordo-me do episódio envolvendo o recém nascido com hidrocefalia. Ele estava chorando muito, certamente em decorrência de dores em virtude de pós-operatório e da própria hidrocefalia. Assim, foi chamada a residente que mandou ministra dipirona e trocar os curativos do cateter central do paciente. Com meu auxílio, a requerida trocou os curativos, colocou o acesso venoso novo, sendo que em seguida foi levar a criança para o berço enquanto eu fiquei limpando o local onde tínhamos feito a atividade. Quando ela retornou, perguntei se já tinha ministrado a dipirona, tendo ela respondido que sim e que também tinha ministrado dormonid. Fiquei preocupada com esta segunda medicação que não estava prescrita, porque é utilizada em UTI onde o paciente tem um suporte respiratório para o caso de uma parada respiratória. Aquele paciente não tinha um suporte respiratório preparado para si. O dormonid poderia causar uma parada respiratória, porém o recém nascido em questão não sofreu uma parada respiratória. Ele dormiu e após algumas horas acordou. Como a requerida era funcionária antiga e experiente não falei nada quando ela me disse que tinha ministrado dormonid. Passei a observar com mais atenção aquele paciente. (...). Certa vez ela me pediu para dar um copinho de leite que estava "benzido" para uma criança. Como já sabia por comentários que "benzer o leite" era misturar nele algum medicamento para dormir, não ministrei o leite para aquela criança. Então joguei aquele copinho de leite no lixo e peguei outro no litro que veio do lactário. (...). A auxiliar Maria Cabral comentou comigo que tinha medo do que lhe pudesse acontecer, não fisicamente, em decorrência das denúncias. Houve comentários de que ela tinha recebida uma ameaça velada da requerida. Maria Cabral tinha medo de dormir sozinha, sempre chamava alguém para dormir com ela."
A Auxiliar de Enfermagem Maria dos Santos Cabral declarou (fls. 614/615) o seguinte: "(...). Passei a ouvir comentários de que a requerida "benzia o leite" das crianças. Inicialmente, pensei que "benzer o leite" era um ato religioso. Depois os comentários foram no sentido de que "benzer o leite" é colocar medicamento nele. (...). A requerida disse-me que "benzia o leite". Às vezes quando dava leite dizia-me que estava "benzido". Após a ingestão de leite as crianças dormiam. (...). Geralmente nos plantões da requerida os recém nascidos ficavam um pouco mais calmo que nos plantões das demais auxiliares, sendo que ela dispensava bom tratamento a eles, mantendo o local limpo. (...). Quando me dizia que o leite estava "benzido" a requerida afirmava que era para o plantão ser melhor, para as crianças ficarem mais quietinhas. Não verificava se os medicamentos preparados pela requerida estavam todos prescritos nos cartões dos pacientes.".
A Auxiliar de Enfermagem Zilma Francisca Vital, no seu depoimento (fls. 616/619), afirmou o seguinte: "(...). Os medicamentos não poderiam ser ministrados sem prescrição médica escrita ou verbal. Presenciei a requerida ministrar medicamentos sem prescrição médica. Quando passei a trabalhar a noite, ouvi comentários de que a requerida "benzia o leite" das crianças, consistindo isto em colocar medicamento para que elas dormissem. A requerida abertamente dizia para todos que benzia o leite, colocando nele medicamentos. Um caso me chamou a atenção. Trata-se do caso de um recém nascido prematuro que estava em CPAP, entubado, sendo que tinha saído da respiração mecânica. Quando estava na respiração mecânica estava sendo sedado. Após, entrar em CPAP foi suspenso o sedativo, certamente por prescrição médica. Presenciei a requerida medicando o paciente com uma seringa, mas não vi ela preparando o medicamento. Isto aconteceu por volta das 21:00 horas, fora da rotina de medicação. Naquele dia a requerida só medicou este paciente, já que eu estava encarregada de medicar as crianças. Antes de ser medicada a paciente estava agitadinha, sendo que eu coloquei suas mãos dentro da frauda para que não puxasse a cânola, por onde ele respirava. Não me lembro de ter perguntado para a requerida o motivo pelo qual ela estava medicando aquele paciente. Porém, perguntei para a Dra Silvia e outra residente se elas tinham mandado medicar o paciente, tendo elas dito que não. Após a medicação, o paciente teve intercorrência e precisou voltar para respiração mecânica. Foram feitos vários exames que concluíram que o paciente não tinha infecção. Assim que passou o efeito do sedativo o paciente foi extubado e respirou. (...). Antes deste fato já tinha visto a requerida misturar medicamentos sem prescrição médica. A requerida colocava fenobarbitral no leite para fazer as crianças dormirem. Tal medicamento ficava na geladeira ou numa caixinha no setor do berçário ou UTI. Este medicamento era controlado, bem como o dormonid. Quem fazia o controle dos medicamentos era uma senhora idosa chamada Shirley, que observou o grande consumo de dormonid, cujo uso não se justificava pelo número de pacientes e pela dosagem que era aplicada. (...). O fenobarbitral é denominado de Gardenal. (...) Antes das irregularidades praticadas pela requerida terem se tornado públicas, em uma conversa que tivemos ela me afirmou que no âmbito da Universidade tudo acabava em pizza. Antes ela tinha tido um problema administrativo e por isto fez esta afirmação."
A Auxiliar de Enfermagem Maria Divina Aparecida e Silva Pereira afirmou, em seu depoimento (fls. 620), que "(...). Nos plantões em que tirava com a requerida as crianças ficavam calmas. Ouvia a requerida dizer que benzia o leite e reputava como se fosse uma oração, até porque na época eu era evangélica. Os comentários que a requerida colocava gardenal no leite das crianças era forte. Depois fiquei sabendo que isto significava "benzer o leite". (...). Recordo-me do fato envolvendo uma criança com hidrocefalia que sofreu complicações após ser medicada pela requerida. Recebi o plantão pela manhã com esta criança. Creio que esta criança morreu, acho que por complicação do quadro geral. Não me lembro qual medicamento foi ministrado para aquela criança. A criança estava entubada e sob ventilação mecânica. Dois dias antes tive contato com esta criança, que se apresentava normal, sem estar entubada. (...). Houve comentários de que a requerida teria ministrado leite com medicamento indevido para criança porque ela estava chorosa."
Por último, a presidente da Comissão de Sindicância, instaurada para apurar os fatos no âmbito da FUFMS, Márcia Regina Cassanho de Oliveira, afirmou, em seu depoimento (fls. 621), o seguinte: (...). "Recordo-me de testemunhas que disseram que a requerida lhes telefonou e também elas estavam se sentindo inibidas por estarem na presença, durante a sindicância, da requerida e seu advogado. (...). Nós, da Comissão percebemos que a servidora Maria Cabral se apresentava constrangida nos depoimentos. Ela não fez afirmações categóricas sobre os fatos empregando expressões como "parece, ouvi dizer, dizem, etc.". Tal fato apresentou também com outras testemunhas, que creditei a um corporativismo existente naquela profissão. Percebia que estas testemunhas sabiam de fatos e não queria afirmá-los."
A apreciação conjunta da atividade probatória desenvolvida nas várias instâncias demonstra, com segurança, que a servidora, ora apelante, perpetrou sim as condutas que lhe são imputadas.
Com relação à denúncia de que, no seu turno de trabalho - plantões noturnos -, ministrava, sem ordem médica, sedativos aos recém-nascidos que se encontravam sob sua guarda, com a intenção de evitar que eles chorassem, exigindo-lhe mais atenção e maiores cuidados, a depoente Zilma Vital, num depoimento de muita consistência, confirmou em Juízo as declarações que já prestara perante a Comissão de Ética e a Comissão Processante, de que presenciou a ora apelante ministrar medicamentos aos bebês sem prescrição médica.
Da mesma forma, a depoente Nadir Vasconcelos confirmou o fato, acrescentando que, no caso do recém-nascido de Vanderleia, a servidora ministrara dipirona, por orientação médica, mas acrescentou na medicação o sedativo Dormonid, sem prescrição médica. Maria Neckel, por sua vez, declarou que, no caso do recém-nascido de Alessandra, portador de hidrocefalia, de fato havia prescrição médica para o uso do sedativo Gardenal, geralmente ministrado às 08:00 e às 20:00 horas, contudo a depoente presenciou a servidora ministrar este medicamento ao bebê também às 03:00 horas da manhã, no caso, não havia prescrição médica. Ademais, Angelita Druzian, no seu depoimento perante o Juízo, afirmou que nunca ocorrera no hospital universitário caso de auxiliar de enfermagem ministrar medicamento a paciente sem prescrição médica, a não ser no caso dos autos, e que a denúncia de que a servidora estava ministrando medicamentos sem prescrição médica, inclusive o Gardenal, juntamente com o leite dos recém-nascidos, foi feita a ela pela servidora Zilma Vital.
Ora, na verdade, ministrar sedativos aos bebês sob seus cuidados sem prescrição médica configura conduta que tisna para o exercício ilegal da medicina.
Quanto à denúncia de que a servidora adicionava sedativo ao leite dos bebês, para que não chorassem, ou de qualquer forma a incomodasse, exigindo-lhe atenção e maiores cuidados, também restou suficientemente provada nos autos, sendo categórico no ponto o depoimento da servidora Zilma Vital quando afirma que a ora apelante colocava fenobarbitral, ou seja, Gardenal, no leite para fazer as crianças dormirem e que tal medicamento ficava na geladeira ou numa caixinha no setor do berçário ou UTI e era controlado, tanto quanto o Dormonid, certo que a encarregada do controle dos medicamentos era a servidora Shirley, que observara, em certa ocasião, que o grande consumo de Dormonid não se justificava, em face do número de pacientes e em razão da dosagem usualmente aplicada. Também Nadir Vasconcelos declarou que a ora apelante lhe disse que o leite poderia ser dado aos bebês, pois já estava "benzido". Maria Divina, por sua vez, declarou que os bebês estavam mais calmos quando recebia o plantão de Norma e que ouvia esta dizer que "benzia" o leite (fls. 620). A servidora Maria Cabral declarou que primeiramente passou a ouvir comentários de que a apelante "benzia o leite" das crianças e até chegou a pensar que se tratava de oração, de um ato religioso, mas, foi informada que se tratava de adicionar medicamento e, algum tempo após, a própria servidora disse-lhe que "benzia o leite" e, às vezes, quando dava o leite às crianças dizia que estava "benzido" e, após a ingestão do leite, as crianças dormiam. Por último, Angelita Druzian declarou que a denúncia feita contra a servidora dava conta também de que ela ministrava o sedativo Gardenal adicionado ao leite dos recém-nascidos, para acalmá-los, prática esta dita por ela como de "benzer leite".
Não bastasse, o conjunto probatório dá conta de que a servidora ameaçou colegas pressionando-os para que não depusessem sobre os fatos, tendo a servidora Angelita Druzian declarado, perante a Comissão Processante, que várias pessoas foram ameaçadas pela ora apelante, citando o caso da servidora Maria Cabral. Este fato foi confirmado perante o Juízo pela servidora Márcia Cassanho, presidente da Comissão de Sindicância, que afirmou lembrar-se de que algumas testemunhas declararam que a sindicada lhes telefonara e que se sentiam inibidas na presença dela, citando, expressamente, o caso da servidora Maria Cabral, concluindo que percebeu que as testemunhas sabiam mais dos fatos do que aquilo que afirmavam.
Ora, as condutas acima descritas - e provadas nos autos -, configuram-se como delituosas, encontrando definição na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que trata do regime jurídico dos servidores civis da União, caracterizando, primeiramente, violação de dever funcional (art. 116), conquanto não se houve a servidora com zelo e dedicação no exercício do cargo (inc. I) e, principalmente, não manteve conduta compatível com a moralidade administrativa (inc. IX). Em segundo lugar, incidiu a servidora nas proibições do artigo 117, pois, valeu-se do cargo para obter condenável proveito pessoal (inc. IX), no caso, ministrava sedativos aos bebês para que estes adormecessem e, em razão isso, era menos exigida durante o plantão, logrando algum tempo de descanso, pouco se importando com os riscos da medicação indevidamente administrada em seres tão frágeis e dependentes de cuidados especiais; certamente tal conduta incide ainda na proibição de o servidor proceder de forma desidiosa (inc. XV), descurada das cautelas mínimas no exercício das atribuições do cargo.
Ocorre que referidos delitos administrativos legitimam a aplicação da pena de demissão, pois, nos termos do artigo 132, do referido estatuto, a penalidade será aplicada nos casos de transgressão dos incisos IX a XVI, do artigo 117, bem como, dentre outras, na hipótese de improbidade administrativa (art. 132, IV).
Convém, agora, anotar, sobre a lei de improbidade administrativa, a doutrina autorizada de Alexandre de Moraes (Direito Constitucional Administrativo, São Paulo, Atlas, 1ª ed., 2002, p. 320) que preleciona o seguinte: "o ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da presente lei."
Isso significa que o ato de improbidade, ainda que plenamente configurado, não conduz de pronto à perda da função pública, ocorrendo esta somente quando sopesados a extensão do dano e o proveito obtido pelo agente, consagrando a lei hipóteses de responsabilidade subjetiva do servidor, pois, em todos os tipos de improbidade exige-se a presença do dolo na ação perpetrada.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988, dispõe, no artigo 37, § 4º, que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Assim sendo, decorre do Texto Fundamental que o ato de improbidade poderá implicar perda de cargo, emprego ou função pública.
Por seu turno, a Lei nº 8.429/92, dispõe o seguinte: Art. 11, caput: "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: (...)." Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (...); III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente."
Da inteligência das normas legais transcritas, verifica-se que o ato de improbidade administrativa é aquele que atenta contra os princípios da Administração Pública, por ação ou omissão do agente, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, respondendo o servidor, nas hipóteses do artigo 11, do diploma legal, segundo a penalidade cominada, inclusive perda da função, devendo o juiz, na fixação da pena, considerar a extensão do dano ou o proveito patrimonial logrado pelo servidor.
No caso em tela, de incidência no deslinde da causa a lei especial, conquanto a Administração, em sede de processo punitivo, deu-se por satisfeita com a aplicação de mera pena de suspensão da servidora, pelo prazo de trinta dias, não atentando, assim, para a gravidade de sua conduta, que pode e deve ser examinada nesta sede.
De fato, conforme amplamente provado nos autos, a servidora ministrava sedativos aos recém-nascidos sob seus cuidados, sem prescrição médica, com a manifesta intenção de evitar que chorassem, ou de qualquer forma a incomodassem, exigindo-lhe maiores cuidados durante o plantão. Ocorre que se tratava de bebês prematuros, ou portadores de doença grave, inclusive hidrocefalia, internados no setor de berçário e UTI neonatal do núcleo do Hospital Universitário da FUFMS, agindo, pois, com manifesto dolo e má-fé, contrariando, gravemente, o princípio da moralidade pública.
Trata-se, na verdade, de conduta inaceitável, perpetrada de forma consciente, contra pessoas frágeis e indefesas, colocadas sob guarda e cuidados da servidora, violando esta a dignidade humana daqueles pequeninos seres, tão desprovidos do carinho materno, em face da necessária internação, configurando a conduta da apelante falta grave, injustificável e teratológica, de manifesta quebra de seus deveres funcionais, não só para com a Administração, mas, também, para com a sociedade. Além de descumprir o princípio mais comezinho de suas funções, consistente na promoção da proteção à saúde e à vida de seus pacientes, conforme prevê o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, violou a servidora o compromisso de todo servidor público com os princípios da eficiência, da honestidade e da moralidade.
Assim sendo, há justa causa para a aplicação da pena de perdimento do cargo à servidora, sendo tal medida, ainda, razoável e proporcional à violação de seu dever funcional. Deveras, em face de tão nefasta conduta, legitima-se a aplicação da pena de demissão, considerando, ainda, a extensão do dano que se configurou com o perigo de morte a que submeteu injustamente muitos dos bebês sob sua guarda, não havendo falar em abrandamento da pena sob o equivocado argumento de ausência de dolo e má-fé e qualquer dano às pessoas e ao serviço público em geral, restando estes exaustivamente demonstrados nos autos, como visto alhures.
No sentido do quanto asseverado, mormente quanto à pertinência de aplicação da pena de perda da função pública, colho da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o seguinte excerto de julgado: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. 1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem(...)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. (...) 7. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade, afastado pelo Tribunal a quo na sua fundamentação, por isso que incidiu em error in judicando ao analisar o ilícito somente sob o ângulo objetivo, consoante se infere do voto condutor às fls. fls. 235/245. 8. A lei de improbidade administrativa prescreve no capítulo das penas que na sua fixação o "juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente." (Parágrafo único do artigo 12 da lei nº 8.429/92).(...)." (1ª Turma, REsp nº 831.178, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 14.05.2008).
Outrossim, revela-se correta a determinação judicial de remessa de ofício ao Conselho Regional de Enfermagem, para que este tomasse ciência da decisão e, naturalmente, adotasse as providências consideradas pertinentes. Portanto, se houve, no âmbito do referido órgão, suspensão da apelante do exercício da profissão, a pertinência ou não da medida somente poderá ser questionada por meio de ação própria.
Por último, verifico que a sentença revogou a liminar concedida para afastar a servidora do exercício do cargo durante a fase de instrução do feito. Contudo, concluiu o magistrado que, em face do quanto restou apurado nos autos, não seria possível o seu retorno, mantendo o afastamento, com base na norma contida no artigo 273, do estatuto processual civil. Considero correta a medida em razão da gravidade das condutas apuradas nos autos, caracterizando situação que torna a providência necessária para a proteção do interesse público ínsito na adequada prestação dos serviços de saúde e na proteção das pessoas contra ato inadequado que eventualmente viesse a ser perpetrado novamente pela servidora.
Em suma, restaram provadas nos autos as condutas imputadas à ora apelante, principalmente a mais grave delas, conquanto, valendo-se da sua condição de auxiliar de enfermagem, administrava, de forma reiterada e sem prescrição médica, sedativos para bebês sob sua guarda, colocando em risco as vidas de crianças prematuras e até de portadoras de doença grave. Assim sendo, o caso é de procedência do pedido para decretar a perda do cargo e demais cominações da sentença, que merece ser confirmada, desde que acrescida dos fundamentos aqui expendidos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação, para manter íntegra a sentença recorrida, acrescida, porém, dos fundamentos alhures expostos.
É como voto.
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