Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/05/2012
HABEAS CORPUS Nº 0020029-66.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.020029-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
IMPETRANTE : MARCO ANTONIO GREGORI
PACIENTE : MARCO ANTONIO GREGORI
ADVOGADO : FERNANDO FERREIRA DA SILVA
IMPETRADO : JUÍZO DO TRABALHO DA 11ª VARA DE SAO PAULO

EMENTA

HABEAS CORPUS - INQUÉRITO POLICIAL - FRAUDE PROCESSUAL - ART. 347 DO CP - LOCAÇÃO DE IMÓVEL PENHORADO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - TRANCAMENTO - FALTA DE JUSTA CAUSA - ORDEM CONCEDIDA.
1. O Paciente assinou contrato de locação de bem imóvel o qual havia sido penhorado anteriormente, em ação trabalhista, sendo arrematado em leilão.
2. A conduta investigada - locação de imóvel penhorado em processo de execução trabalhista, celebrada após a penhora e sua averbação no cartório competente - é atípica, porquanto, este tipo de contrato não possui o condão de inovar artificiosamente o estado do bem locado, que só ocorreria com o registro no cartório de imóveis, de forma que o bem continua com as mesmas características de propriedade. Acolhimento do parecer ministerial lançado nos autos.
3. Não houve atingimento ao objeto material predisposto no art. 347, do Código Penal, qual seja, a coisa que sofre inovação, bem como ferimento ao objeto jurídico que é a Adminstração da Justiça inerente ao tipo penal em enfoque, a excluir a tipicidade, eis que a conduta não se ajustou ao tipo incriminador, não tendo havido lesão ao bem jurídico protegido pela norma.
4. O digno parecer lançado nestes autos, bem retrata e afasta qualquer possibilidade de iniciar investigação acerca de outros crimes, como estelionato, previsto no art. 171, §2º, do CP, tanto no que se refere ao inciso I, como ao II, e ainda, no que tange ao crime descrito no art. 179 do CP.
5. Ausência de interesse do Estado, na causa posta, tampouco necessidade de intervenção do Poder Judiciário, a justificar continuidade do procedimento apuratório, o que se dá também em relação aos demais envolvidos - os locadores e arrematante do bem imóvel - sendo o caso de estender a ordem para trancar o inquérito também a eles, já que o ilícito se mostra eminentemente processual.
6. Ordem concedida, para trancar o inquérito policial em tela, providência que, de ofício, deve ser estendida aos demais envolvidos com os fatos que estavam sendo apurados.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder a ordem de "habeas corpus", para trancar o inquérito policial em tela, providência que, de ofício, deve ser estendida aos demais envolvidos com os fatos que estavam sendo apurados, comunicando à autoridade impetrada o teor da presente decisão, nos termos do voto do Relator.


São Paulo, 23 de abril de 2012.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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HABEAS CORPUS Nº 0020029-66.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.020029-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
IMPETRANTE : MARCO ANTONIO GREGORI
PACIENTE : MARCO ANTONIO GREGORI
ADVOGADO : FERNANDO FERREIRA DA SILVA
IMPETRADO : JUÍZO DO TRABALHO DA 11ª VARA DE SAO PAULO

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Marco Antônio Gregori contra ato do MM. Juízo da 11ª Vara do Trabalho de São Paulo/Capital, Justiça do Trabalho da 2ª Região que determinou a instauração de inquérito policial em razão de suposta prática de crime de fraude processual previsto no art. 347 do Código Penal.

Alega-se, em síntese, que o Paciente sofre constrangimento ilegal, diante da atipicidade da conduta de locação de bem imóvel dado em garantia em processo judicial trabalhista após a penhora, fato que não configura crime, faltando justa causa para o procedimento apuratório.

Aduz a impetração que não haveria possibilidade de induzir o juiz do caso a erro, uma vez que a transferência de propriedade do imóvel somente se concretiza com a adjudicação e que mesmo com a arrematação do bem, a propriedade ainda não se modifica podendo usufruir o seu dono, desde que não o aliene.

Pede, liminarmente, a suspensão do inquérito policial e da audiência designada para o dia 19 de julho de 2011 e, ao final, sua extinção, vez que a locação é transferência da posse do bem e não da propriedade, salientando que a locação do imóvel arrematado em leilão judicial não é legalmente proibida.

Às fls. 140/141, reconhecida a competência deste E. Tribunal Regional Federal para conhecer do pedido, considerando-se que, a matéria é criminal, não sendo da competência da Justiça do Trabalho, a teor do art. 114 da Constituição Federal.

Na mesma ocasião, indeferi a medida liminar, por não vislumbrar, de pronto, a atipicidade da conduta, e também por ser excepcional o acolhimento do pedido urgente em tais circunstâncias.

Às fls. 145/155, os embargos de declaração apresentados versaram sobre omissão da r. decisão, e não foram conhecidos por nova decisão exarada à fl. 157.

As informações do impetrado de fls. 159/160 seguiram-se do parecer Ministerial de fls. 166/171, da lavra do i. Procurador Regional da República Osvaldo Capelari Júnior, pela concessão do writ, para que seja trancado o inquérito policial, ante a atipicidade da conduta apurada.

É o breve relato.

Em mesa.


VOTO

Marco Antônio Gregori está sendo investigado pela prática de crime contra a administração da justiça, na modalidade de fraude processual, em virtude de requisição de instauração de inquérito realizada pela autoridade impetrada - Juiz Titular da 11ª Vara do Trabalho de São Paulo em 04.11.2010, conduta assim descrita no Código Penal:


Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.

Segundo dos autos consta, em 01.12.2009, na condição de representante do locatário, Instituto Superior de Comunicação Educacional - ISCE, o Paciente assinou contrato de locação de bem imóvel (fls. 52/58), o qual, por sua vez, havia sido penhorado anteriormente, em ação trabalhista, na data de 21.07.2009, sendo arrematado em leilão no dia 26.01.2010, conforme informações da autoridade impetrada, relativas aos autos do processo nº 2001.03.00.020029-0.

Transcrevo parte das informações do Juízo do Trabalho que resumem o quanto ocorrido nos autos:

"Em 21.07.2010, o Instituto Superior de Comunicação Educacional - ISCE, terceiro interessado, na qualidade de mantenedora do Colégio Anhembi Morumbi, peticionou no processo supra mencionado, noticiando a existência de um contrato de locação, com a vigência, a partir de 01/12/2009, tendo ele como locatário, e como locadora a Sra. Aurélia Mello de Camargo. Constam, ainda, como anuentes da referida avença, os Senhores José Aurélio de Camargo, Maria Lúcia de Camargo Garcia, Luiz Antônio de Camargo e José Francisco de Camargo Júnior.
Diante da recusa dos proprietários, determinou-se a expedição de Mandado de Imissão na Posse, cumprido em 05/10/2010, com resultado positivo, em conformidade com o teor da certidão do Oficial de Justiça Avaliador (fl. 556).
Em 13/08/2010 foi proferida decisão judicial circunstanciada, declarando nula a locação entabulada, mantendo a posse do arrematante e determinando a expedição de ofício à Polícia Federal para apuração de crime contra a Administração da Justiça, nos termos do art. 347 , do CP (fl. 554- cópia anexa).
Diante de tal provimento judicial, o Instituto Superior de Comunicação Educacional - ISCE (locatário), interpôs embargos de terceiro, julgados improcedentes wm 10/09/2010, já tendo havido trânsito em julgado dessa decisão.(...)"

Acolhemos, em face do contexto narrado, o parecer ministerial lançado nos autos, no sentido de que a conduta investigada - locação de imóvel penhorado em processo de execução trabalhista, celebrada após a penhora e sua averbação no cartório competente - é atípica, porquanto, este tipo de contrato não possui o condão de inovar artificiosamente o estado do bem locado, o qual continua com as mesmas características de propriedade.

Diga-se que a conduta de inovar o estado de bem imóvel, assim interpretada restritivamente em obediência ao princípio da legalidade, somente se procede com o registro no cartório de imóveis e, como bem salientou o Parquet, a locação somente transfere a posse do imóvel ao locatário "posse esta que não é nem mesmo passível de ensejar a prescrição aquisitiva" (fl. 167).

Ainda nos termos da escorreita e intocável manifestação do órgão ministerial, atuante perante este E. Tribunal à fl. 169 verso:


"A propriedade imóvel é direito real e, sendo-o, tem eficácia erga omnes, o que é suficiente para afirmar que o adquirente do imóvel leiloado poderá reivindicá-lo de modo que não houve indução em erro do juiz ou o perito. Ademais, o contrato de locação é de natureza obrigacional, fato este suficiente para reconhecer seus efeitos inter partes e afirmar que o descumprimento do contrato de locação não promove, via de regra, sua execução específica, mas sim sua solução em perdas e danos.
(...)
Ora, depreende-se que se está diante de mero ilícito civil, extraído do art. 593, caput, do Código de Processo Civil, caput, do Código de Processo Civil, na modalidade oneração que caracateriza fraude à execução, pois houve transferência, após a penhora e conseqüente averbação, da posse direta do imóvel, mantendo o devedor a propriedade do bem, sendo de rigor lembrar-se que o negocio jurídico em tela é ineficaz em relação ao Poder Judiciário, tanto que foi declarado nulo, mormente com a verificação da adjudicação, que tem conteúdo de aquisição originária e transfere ao adjudicatário a propriedade do bem, sem o ônus que, eventualmente, sobre o mesmo incidiam antes da adjudicação, porque a penhora vincula o bem ao processo, proibindo modificação jurídica sobre o qual incide. No caso, se dá uma verdadeira expropriação pelo Estado do bem penhorado, que passa, assim, ao adjudicatário, ou arrematante, inteiramente livre.
(....) o paciente é representante da pessoa jurídica locatária do bem arrematado, sendo que há notícia nos autos de que o contrato de locação foi declarado nulo, mantida a posse ao arrematante. Ora, quem cometeu fraude à execução foi o executado, notadamente na condição de depositário do bem penhorado, sendo curial lembrar-se que contratos de locação não se sujeitam, a princípio, por não se tratarem de ato solene, à averbação cartorária, razão pela qual pode-se legitimamente concluir que o paciente desconhecia a situação litigiosa, embora seja matéria de prova, mas que não tem nenhuma influência na solução do caso."

A meu ver, diante do que se aflorou nos autos, não houve atingimento ao objeto material predisposto no art. 347, do Código Penal, qual seja a coisa que sofre inovação, bem como ferimento ao objeto jurídico que é a Adminstração da Justiça inerente ao tipo penal em enfoque, a excluir a tipicidade, eis que a conduta não se ajustou ao tipo incriminador, não tendo havido lesão ao bem jurídico protegido pela norma.

De se salientar que o digno parecer lançado nestes autos, bem retrata e afasta qualquer possibilidade de iniciar investigação acerca de outros crimes, como estelionato, previsto no art. 171, §2º, do CP, tanto no que se refere ao inciso I, como ao II, e ainda, no que tange ao crime descrito no art. 179 do CP.

Acentuamos, ainda com base na precisa manifestação, que a locação de coisa alheia como própria, mencionada no §2º inciso I, do Código Penal, pressupõe propriedade, e o bem penhorado, não deixa de ser do executado. Também é certo que o tipo envolvendo a alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria (art. 171, §2º, II, do CP), não retrata a hipótese presente, na medida em que não prevê o contrato de locação, ao descrever as condutas típicas.

Nada diferente ocorre com a possibilidade de se abrir investigação em torno de delito de fraude à execução (art. 179 do CP), porquanto, a locação não faz parte das condutas descritas pelo dispositivo penal.

O exame ministerial foi minucioso, e não é para menos, pois se o trancamento de ação penal é medida excepcional, diga-se mais ainda do inquérito policial.

Diante do panorama apresentado, não vislumbro interesse do Estado, na causa posta, tampouco necessidade de intervenção do Poder Judiciário, a justificar continuidade do procedimento apuratório, o que se dá também em relação aos demais envolvidos - os locadores e arrematante do bem imóvel - sendo o caso de estender a ordem para trancar o inquérito também a eles, já que o ilícito se mostra eminentemente processual.

Ante todo o exposto, concedo a ordem, para trancar o inquérito policial em tela, providência que, de ofício, deve ser estendida aos demais envolvidos com os fatos que estavam sendo apurados.

Comunique-se à autoridade impetrada o teor da presente decisão.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 12/04/2012 17:10:33