D.E. Publicado em 05/07/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal e por Luiz Carlos Soares em face da sentença que julgou procedente em parte o pedido para condenar Luiz Carlos a 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, regime aberto, e a 13 (treze) dias-multa, no valor mínimo legal, pela prática do crime do art. 312, caput, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi convertida em uma pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade e uma prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos vigentes em novembro de 2006 (fls. 506/519).
O Ministério Público Federal apela da dosimetria da pena e requer sua majoração com fundamento nos seguintes argumentos:
a) o réu cometeu o crime no exercício da função de Gerente de Relacionamento, com prejuízos de ordem moral e patrimonial à Caixa Econômica Federal, e a pena fixada não representa retribuição suficiente;
b) o crime foi cometido mediante a falsificação de assinaturas, denotando o intuito e o meio fraudulento por ele utilizado (fls. 521/522).
Luiz Carlos apresentou contrarrazões às fls. 544/548.
Luiz Carlos também apela com as seguintes razões:
a) em sede de preliminar, aduz que o feito é nulo por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal, tendo em vista sua função de gerente de relacionamento da Caixa Econômica Federal e, como tal, teria assegurado o direito de apresentar defesa preliminar;
b) a Justiça Federal não tem competência para julgar o feito, na medida em que houve o suposto desvio de valores pertencentes a particulares, não havendo certeza quanto ao interesse direto da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal;
c) a acusação está centrada no fato de que, nos meses de novembro e de dezembro de 2006, na condição de gerente de relacionamentos da Caixa Econômica Federal, o réu teria se apropriado de valores constantes de cheques administrativos emitidos pela Caixa Econômica Federal, Cheque n. 312683, no valor de R$115,30 (cento e quinze reais e trinta centavos), em favor de Luiza Márcia Benetti; Cheque n. 312766, no valor de R$88,37 (oitenta e oito reais e trinta e sete centavos), em favor de José Carlos Valério; Cheque n. 313523, no valor de R$83,99 (oitenta e três reais e noventa e nove centavos), em favor de Adilson Pimentel Jorge e Cheque n. 313654, no valor de R$110,99 (cento e dez reais e noventa e nove centavos), em favor de Edson Cláudio da Costa;
d) os dois primeiros cheques, por estarem prescritos, tiveram o pagamento recusado, razão pela qual o recorrente teria substituído as duas cártulas por uma só, no valor de R$203,76 (duzentos e três reais e setenta e seis centavos);
e) os destinatários dos cheques foram uníssonos em informar que receberam os valores constantes dos cheques relacionados;
f) o documento de fl. 4 demonstra que a apuração administrativa data de 18.12.06, sendo que o recorrente entregou o dinheiro anteriormente a 29/30.11.06;
g) o fato é atípico, tendo em vista que as cártulas já estavam com seus destinatários, pagos em moeda corrente, não havendo, portanto, apropriação indevida;
h) todos os beneficiários dos cheques receberam os valores em 11.06, sendo que, posteriormente, réu entregou os cheques para pagamento de suas próprias contas;
i) não houve dano patrimonial para a configuração do crime de peculato;
j) o réu, na seara administrativa, foi punido com quinze dias de suspensão do trabalho, o que não seria plausível caso tivesse ocorrido o crime de peculato;
k) o réu não agiu com dolo e sim com imprudência;
l) requer a desclassificação para a modalidade culposa do art. 312, § 1º, do Código Penal ou para o crime de apropriação indébita, na medida em que o réu não deteve os valores em razão de sua função no banco;
m) deve ser aplicado o princípio da insignificância, tendo em vista que o valor apropriado era inferior a R$300,00 (trezentos reais);
n) a denúncia não descreveu a conduta relativa ao peculato-furto mas somente a do peculato-desvio, de modo que é inepta;
o) a pena restritiva de direito deve ser cumprida na metade do tempo da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 46, § 4º, c. c. o art. 55 do Código Penal;
p) requer, por fim, a absolvição com fundamento no art. 386, III e IV, do Código de Processo Penal (fls. 550/572).
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 575/584.
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 586/592).
É o relatório.
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VOTO
Imputação. Luiz Carlos Soares foi denunciado pela prática do crime dos arts. 304 e 312, c. c. os arts. 69 e 71, todos do Código Penal, nos seguintes termos:
O Juízo a quo entendeu que restou configurado o crime de art. 304 do Código Penal, na medida em que o réu fez uso de cheques administrativos cujos endossos de pelo menos três deles não partiram do punho dos beneficiários Edson Cláudio da Costa, José Carlos Valério e Luíza Márcia Benetti Cerqueira. No entanto, considerou que tal prática restou absorvida pelo crime do art. 312 do Código Penal, por se tratar de meio de execução para o crime-fim de peculato.
Nulidade. Defesa preliminar. CPP, art. 514. Entendo que a falta da defesa preliminar de que trata o 514 do Código de Processo Penal consubstancia nulidade relativa: não parece razoável que o réu eventualmente condenado por haver provas consistentes de autoria e materialidade possa sustentar com seriedade a falta dos requisitos para a propositura da ação penal, cuja inexistência, nessa fase, já se resolveria pela absolvição: ou o acusado merece ser condenado, hipótese em que é despropositado falar em receber novamente a denúncia, ou deve ser absolvido, quando então não se vê razão para sujeitá-lo a novo processo-crime. Por tais motivos, é natural respeitar o entendimento já consolidado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, a principiar pela Súmula n. 330 do Superior Tribunal de Justiça, à qual, de certo modo, as instâncias ordinárias remanescem vinculadas:
Em decisões recentes sobre o tema, as Colendas Turmas do Supremo Tribunal Federal manifestaram-se em termos distintos. A 2ª Turma entendeu que a inobservância da defesa preliminar caracterizaria nulidade absoluta, malgrado a ação penal seja precedida de inquérito policial (STF, HC n. 95.402, Rel. Min. Eros Grau, j. 31.03.09). A 1ª Turma, por sua vez, concluiu que, independentemente da espécie de nulidade gerada pela supressão da defesa preliminar, é necessário que o acusado demonstre o prejuízo concreto resultante da supressão da formalidade (STF, HC n. 97.033-SP, Rel. Min. Carmén Lúcia, por maioria, j. 12.05.09, Informativo STF n. 546, p. 7), reservando-se esse procedimento apenas aos casos em que são imputados ao acusado apenas delitos funcionais (STF, HC n. 95.969-SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, por maioria, j. 12.05.09, Informativo STF n. 546, p. 8).
Penso que, à vista de entendimento já sumulado e da jurisprudência predominante até o presente, o precedente emanado da Colenda 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deve ser aplicado restritivamente. Tem-se ainda que, na hipótese, por exemplo, de não se tratar de crimes afiançáveis, a nulidade não se caracteriza, sendo que para esse efeito deve ser considerado o total das penas mínimas cominadas aos delitos tidos como perpetrados em concurso, nos termos da Súmula n. 81 do Superior Tribunal de Justiça:
Do caso dos autos. Não prospera a alegação da parte de que o feito é nulo em face da falta de observância do art. 514 do Código de Processo Penal, que prevê a apresentação de defesa preliminar por funcionário público.
A questão foi devidamente apreciada pelo Juízo a quo nos seguintes termos:
A decisão não comporta revisão.
De fato, as penas cominadas aos delitos, somadas, superavam 2 (dois anos de reclusão), a obstar a concessão de fiança e, por essa razão, que se permitisse ao réu, à época, a apresentação de defesa preliminar, nos termos do então art. 323, I, do Código de Processo Penal.
Todavia, verifico que o réu apresentou resposta prévia às fls. 304/321, nas quais deduziu suas teses de impugnação, que foram enfrentadas, razão pela qual não se constata, nem restou provado, nenhum prejuízo pela falta de apresentação da defesa específica do art. 514 do Código de Processo Penal, tendo sido observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Incompetência da Justiça Federal. Igualmente não prospera a alegação de nulidade por incompetência da Justiça Federal, ao argumento de que, em tese, houve o desvio de valores pertencentes a particulares.
Consta que o réu se apropriou e posteriormente desviou de sua finalidade cheques administrativos emitidos pela Caixa Econômica Federal, empresa pública federal.
O interesse da CEF é manifesto, a deslocar a competência para a Justiça Federal, tendo em vista que os cheques administrativos foram emitidos por ela, que estava na posse de valores a serem entregues a particulares em virtude de contratos celebrados entre estes e a empresa pública (CR, art. 109, IV). Ademais, trata-se o peculato de crime praticado por funcionário público contra a Administração Pública, sendo protegidos não somente o seu interesse patrimonial mas também o interesse moral, e aqui a probidade administrativa.
Materialidade. A materialidade delitiva restou comprovada com base nos seguintes elementos de convicção:
a) Processo de Apuração de Responsabilidade n. SP. 0305.2006.G.001291, conclusivo de que o réu, na condição de gerente de relacionamento, guardou indevidamente valores de clientes, além de utilizar cheques devidos a outras pessoas para o pagamento de contas particulares (fls. 6/75);
b) cópias do Cheque n. 312683, emitido em 16.11.04 em favor de Luíza Márcia Benetti Cerqueira, no valor de R$115,30 (cento e quinze reais e trinta centavos); Cheque n. 312766, emitido em 04.01.05 em favor de José Carlos Valério, no valor de R$88,37 (oitenta e oito reais e trinta e sete centavos); Cheque n. 313523, com data de 05.05.06, em favor de Adilson Pimentel Jorge no valor de R$83,99 e Cheque n. 313654, emitido em 13.07.06 em favor de Edson Cláudio da Costa, no valor de R$110,99 (cento e dez reais e noventa e nove centavos). Os dois primeiros, atingidos pela caducidade, foram substituídos pelo cheque administrativo n. 313697, com o valor correspondente à sua soma, no valor de R$203,76 (duzentos e três reais e setenta e seis centavos) (fls. 87/90) e os cheques n. 313523, 313654 e 313967(fls. 142/144);
c) laudo de exame documentoscópico dos cheques, com endossos, cujas assinaturas foram confrontadas com os padrões gráficos fornecidos por Edson Cláudio da Costa, José Carlos Valério, Adilson Pimentel Jorge, Luíza Márcia Benetti e Luiz Carlos Soares, conclusivo de que: "Os lançamento gráficos à guisa de assinaturas de Luíza Márcia B. Cerqueira, José Carlos Valério, Adilson Pimentel Jorge e Edson Cláudio da Costa, apostos nos versos dos cheques administrativos da CEF n. 312683, 312766, 313523 e 3136554, apresentam divergências gráficas significativas em relação às respectivas assinaturas tomadas como padrão, permitindo aos Peritos afirmar que são inautênticos. Quanto à autoria de tais lançamentos: foram encontradas convergências entre os lançamentos questionados e o padrão gráfico fornecido por Luiz Carlos Soares, entretanto, os Peritos não as consideraram suficientes para um exame conclusivo (fls. 240/242);
d) Ofício n. 94 da Superintendência Regional da Caixa Econômica Federal, o qual informa que foi imputada ao réu a penalidade de suspensão do contrato de trabalho por quinze dias, por decisão do comitê disciplinar no Processo de Apuração de Responsabilidade n. SP. 0305.2006.G.001291 (fls. 249 e 263).
Autoria. Restou suficientemente provada a autoria delitiva.
Luiz Carlos Soares, gerente de relacionamento de uma agência da Caixa Econômica Federal - CEF na cidade de Garça (SP), admitiu que usou cheques administrativos emitidos em nome de clientes da agência onde trabalhava para o pagamento de contas pessoais em uma lotérica, conforme os seguintes excertos de suas declarações:
Conceição Aparecida Castro, bancária, disse que o cheque administrativo de R$203,76 (duzentos e três reais e setenta e seis centavos) fora emitido em substituição aos cheques administrativos prescritos e devolvidos nos valores de R$88,37 (oitenta e oito reais e trinta e sete centavos) e de R$115,39 (cento e quinze reais e trinta e nove centavos). Tais cheques tinham beneficiários distintos. Não soube dizer quem figurava como beneficiário do cheque de R$203,76 (duzentos e três reais e setenta e seis centavos), que fora depositado na conta da lotérica Zebrão. Salientou que posteriormente foram emitidos mais dois cheques administrativos nos valores daqueles prescritos (R$88,37 e R$115,39), pagos à Lotérica Zebrão. Quando detectada a prescrição, os cheques foram restituídos ao dono da Lotérica Zebrão (fl. 367).
Orlando Pinto de Almeida, bancário, ratificou as declarações prestadas perante a CEF (fl. 31), nas quais mencionou que a emissão do cheque fora feita por Lobão e que, em 05.12.06, Lobão viera com o cheque em mãos para descontar e efetuar o depósito na conta da lotérica do Gil (fl. 368).
Sandra Aparecida Ribeiro, operadora de caixa da Casa Lotérica Zebrão, ratificou integralmente suas declarações perante a CEF à fl. 369, nas quais mencionou ter recebido três cheques de Lobão, totalizando o valor de R$398,00 (trezentos e noventa e oito) reais, para pagamento de contas particulares dele:
Edson Cláudio da Costa disse que recebeu de Lobão, em espécie, o valor de R$110,99 (cento e dez reais e noventa e nove centavos). Assinara um recibo e não o verso de um cheque administrativo. Asseverou que o denunciado pedira para que assinasse uma declaração pública acerca dos fatos. Fora até o cartório de notas local e assinara a declaração, a qual lera anteriormente e que expressava a verdade (fl. 370).
José Carlos Valério disse que recebera no final de dezembro de 2006, o valor aproximado de R$88,37 (oitenta e oito reais e trinta e sete centavos) e que não tinha conhecimento de que havia valores a sua disposição desde janeiro de 2005. Fora procurado pessoalmente por Lobão (fl. 46).
Em Juízo, ratificou as declarações anteriores e disse que assinara um recibo para o gerente Lobão ao receber o que lhe era devido. Assinara uma declaração pública lavrada no cartório de notas a pedido de Lobão, a qual fora lida e expressava a verdade (fl. 371).
Adilson Pimentel Jorge narrou que assinara uma declaração pública em relação aos fatos objetos da apuração. O tabelião fora colher sua assinatura, sendo que o documento já estava escrito. Era beneficiário de um cheque administrativo no valor de R$84,00 (oitenta e quatro reais). No final de dezembro fora chamado à agência por Lobão, o qual lhe efetuara o pagamento em sua mesa (fl. 372).
Luíza Márcia Benetti Cerqueira ratificou as anteriores declarações, no sentido de que tivera conhecimento da existência de um resíduo a receber em virtude de um empréstimo que havia feito junto a CEF. Em novembro de 2006 fora procurada pelo gerente Castelo, que lhe apresentara uma cópia de um cheque administrativo e lhe perguntara se a assinatura no verso era sua, o que negara. Após diversos contatos, recebera a importância de R$130,00 (cento e trinta reais) aproximadamente. Lobão mantivera diversos contatos com a depoente e dizia que tinha que devolver o valor de um cheque que havia sido pago para outra pessoa (fls. 128/129 e 373).
Luís Fernando Silva Domingues, à época tesoureiro da agência da CEF em Garça, disse que guardava os cheques administrativos emitidos em favor de pessoas que não tinham conta na agência. Relatou que entregara vários desses cheques ao gerente Luiz Carlos Soares, que os pedira para entregar aos beneficiários. Seu departamento realizava o controle da compensação desses cheques e suspeitara de irregularidades ao tomar conhecimento de que muitos deles "caíram" ao mesmo tempo. A CEF emitia esses cheques administrativos para devolução de resíduos de valores indevidamente descontados de clientes. Tais devoluções eram chamadas de SIAPI (fls. 391/392).
As testemunhas de defesa Pedro Dias e Adriana Borelli afirmaram que o réu era preocupado com o fluxo de pessoas na agência bancária. Adriana mencionou que o réu lhe pedira para telefonar para os clientes e pedir que fossem à agência retirar seus cheques administrativos (fls. 421 e 422).
A testemunha de defesa Ricardo Luiz de Paula deu referências do réu (fl. 423).
Os elementos coligidos nos autos comprovam que o réu, conhecido como Lobão, apropriou-se de cheques administrativos, os quais obteve da tesouraria do banco, na condição de gerente da agência da CEF em Garça, e, os endossando mediante fraude, utilizou-os em proveito próprio para pagar contas pessoais em uma agência lotérica.
O réu admitiu que pagou cheques administrativos a beneficiários com seu próprio dinheiro, que colheu os endossos dos beneficiários dos cheques e que os utilizou para pagar contas pessoais em uma lotérica. Todavia, os elementos de prova coligidos evidenciam que o réu primeiramente pagou suas contas com tais cheques, por meio de endossos falsos, e, posteriormente, procurou os beneficiários para ressarci-los, na medida em que tal prática irregular foi descoberta pelos colegas da agência bancária.
A funcionária da lotérica, Sandra, declarou ter recebido três cheques administrativos do réu, conhecido pela alcunha de Lobão, para pagamento de contas particulares, no valor aproximado de R$398,00 (trezentos e noventa e oito reais), e que os aceitou porque eram da Caixa Econômica Federal e os estava recebendo do gerente da agência bancária.
Considerando que tal valor equivale à soma dos quatro cheques usados pelo réu, que totalizam R$398,74 (trezentos e noventa e oito reais e setenta e quatro centavos), é possível inferir que Sandra recebeu os quatro cheques cujas cópias se encontram à fl. 90 e não 3 (três) cheques, como havia declarado.
Dois cheques usados pelo réu, o primeiro de n. 312683, no valor de R$115,39 (cento e quinze reais e trinta e nove centavos), em favor de Luíza Márcia Benetti Cerqueira, emitido em 16.11.04, e o segundo de n. 312766, no valor de R$88,37 (oitenta e oito reais e trinta e sete centavos), em favor de José Carlos Valério, emitido em 04.01.05, foram devolvidos porque apresentados fora do prazo legal, razão pela qual o réu emitiu o cheque administrativo n. 313937, no valor de R$203,76 (duzentos e três reais e setenta e seis centavos), que corresponde à soma desses cheques, emitido em nome de Gilberto Fernandes, de modo a regularizar o pagamento.
Posteriormente, os beneficiários dos cheques foram procurados pelo réu para receberem os valores devidos e três deles, Adilson Pimentel Jorge, Edson Cláudio da Costa e José Carlos Valério, declararam por meio de escritura pública em junho de 2007, a pedido do Luiz Carlos Soares, que receberam os valores devidos e que nada tinham contra o réu.
As assinaturas dos endossos de Edson Cláudio da Costa, José Carlos Valério, Adilson Pimentel Jorge, Luíza Márcia Benetti e Luiz Carlos Soares (fl. 90v.) foram submetidas a exame grafotécnico, que concluiu não terem partido dos então signatários, restando provado que foram falsificados para que o réu lograsse o intento de usar os cheques de terceiros em benefício próprio.
As declarações das testemunhas, tanto do tesoureiro do banco que entregou os cheques ao réu quanto da funcionária da lotérica que os recebeu na própria agência bancária, demonstram que os cheques estiveram sob o poder do réu todo o momento, a evidenciar a autoria da contrafação dos endossos, a despeito do laudo técnico não ter sido conclusivo quanto a esse fato.
O dolo da prática delitiva exsurge das circunstâncias fáticas, notadamente da falsificação dos endossos, que comprovam a intenção do réu de se apropriar de numerário de particulares em proveito próprio. Note-se que a funcionária da lotérica Sandra, após ser indagada pela bancária Conceição sobre o desconto de cheques administrativos antigos na lotérica, disse que os recebeu diretamente de Lobão e que ele havia sugerido que ela mentisse, dizendo que havia recebido somente um cheque (fl. 40).
Não prospera a alegação da defesa de que a conduta é atípica em razão do pagamento dos valores aos beneficiários.
O desconto dos cheques com endossos falsificados fez consumar o delito, causando prejuízo à empresa pública federal, não se olvidando que este não é somente de natureza patrimonial mas também moral, particularmente no aspecto da probidade administrativa.
Por essa razão, não é caso de aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista a relevância dos bens jurídicos tutelados, não se tratando o peculato de crime meramente patrimonial.
Falece razão à defesa ao pretender a desclassificação do crime de peculato para a modalidade culposa ou para o crime de apropriação indébita.
O delito de peculato culposo, previsto no art. 312, § 2º, do Código Penal, pune o funcionário que concorre culposamente para o crime de outrem. Ocorre que o réu foi denunciado e condenado por ser o autor do delito de peculato e não por ter concorrido para sua prática, ainda que culposamente. É incabível, portanto, tal desclassificação.
Não é possível, ademais, a desclassificação para o crime de apropriação indébita, tendo em vista que o réu praticou o crime aproveitando-se da sua condição de funcionário público, de gerente de relacionamento de agência da CEF, em razão do que teve acesso aos cheques e os utilizou para fins pessoais. Tal conduta, dada sua especialidade, possui dispositivo penal próprio e se subsume ao tipo previsto no art. 312 do Código Penal, cujo capítulo cuida dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral.
A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direito, prestação de serviços à comunidade, e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários-mínimos vigente ao tempo dos fatos.
O Ministério Público Federal apela da dosimetria da pena e requer sua majoração, ao fundamento de que o réu cometeu o crime no exercício da função de gerente, com prejuízos de ordem moral e patrimonial à Caixa Econômica Federal e mediante a falsificação de assinaturas, a denotar o intuito e o meio fraudulento por ele utilizado.
A defesa também apela da dosimetria e aduz que a pena restritiva de direito deve ser cumprida na metade do tempo da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 46, § 4º, c.c. o art. 55 do Código Penal.
Não prosperam os pleitos das partes.
A circunstância de o réu ter cometido o crime na condição de gerente da agência bancária foi sopesada pelo Magistrado, em razão do que aumentou a pena em 8 (oito) meses (1/3 da pena-base), cuja fração se mostra razoável para a prevenção e reprovação do crime.
Não é caso, ademais, de agravar a pena do réu em face da falsificação dos endossos, tendo em vista que a falsidade foi absorvida pelo crime de peculato por tratar do meio utilizado pelo réu para a consumação do crime mais grave.
O pleito da defesa para que o réu cumpra a pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade na metade do tempo da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 46, § 4º, c. c. o art. 55 do Código Penal, deve ser apreciado pelo Juízo das Execuções Penais, competente para executar a pena.
Ante o exposto, REJEITO as preliminares e NEGO PROVIMENTO às apelações.
É o voto.
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