D.E. Publicado em 18/05/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação Ministerial para condenar os réus, José Eduardo Birolli, Luiz Carlos Eisenzopf e Marco Antônio Turíbio às penas de 3 anos, 10 meses e 20 dias de detenção e Oswaldo Marques às penas de 3 anos, 4 meses de detenção e Celso Augusto Birolli a 3 anos e 4 meses de reclusão; substituídas, para todos e cada um dos réus, as penas privativas de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos acima expostos, e à pena de multa de 2% (dois por cento) do valor dos contratos licitados fraudulentamente, no caso de cujo valor apurado deverá, após o trânsito em julgado, ser revertido em prol do Município de Uchôa/SP, em obediência ao disposto no artigo 99, § 2, da Lei de Licitações, salvo em relação a Celso Augusto Birolli, que fica condenado nos termos do § 2º do artigo 1º do Decreto-lei 201/67 à perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, e à reparação civil do dano causado ao patrimônio público, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A EXCELENTÍSSIMA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS:
Trata-se de apelação criminal interposta pelo ministério Público Federal contra a sentença que absolveu os réus Celso Augusto Birolli, José Eduardo Birolli, Luiz Carlos Eisenzopf, Marco Antônio Turíbio e Oswaldo Marques da imputação do crime do artigo 90 da lei 8.666/93.
Narra a denúncia (fls. 03/05) que:
A sentença absolveu os acusados, com base no artigo 386, VII do Código de Processo Penal, entendendo o D. Juízo "a quo' que teria se verificado "apenas uma completa desorganização da prefeitura quanto aos trâmites legais na compra de medicamentos, que eram solicitados e entregues de urgência, conforme as necessidades, sem controle prévio", não tendo sido demonstrada a intenção dos acusados em fraudar licitação, bem como a obtenção de vantagem pecuniária em desfavor do Município ou de que os acusados tenham enriquecido ilicitamente as custas do Erário.
Apelação do Ministério Público Federal às fls. 995. Razões respectivas, fls. 996/1004, verso. Pede-se a condenação dos acusados nos termos da denúncia.
Contrarrazões de Celso Augusto Birolli, José Eduardo Birolli, Luiz Carlos Eisenzopf, Marco Antônio Turíbio e Oswaldo Marques às fls. 1028/1023; 1028/1030 e 1034/1035, respectivamente. Pugnam os réus pela manutenção da sentença.
O parecer ministerial, da lavra da E. Procuradora Regional da República Dra. Paula Bajer Fernandes é pelo provimento do recurso.
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Da prescrição.
Os fatos se deram no ano de 1997, entre janeiro e novembro daquele ano, sendo a última conduta de, 30/11/1997. A denúncia foi recebida em 19/7/2004 e a sentença, absolutória, prolatada em 20/02/2009. A prescrição da pena em abstrato, regulada pela pena máxima cominada ao crime do artigo 90, da Lei 8666/93, 4 anos, que nos termos do artigo 109, do Código Penal, se dá em 8 anos, está prevista para ocorrer em 18/07/2012, tendo em vista que a sentença absolutória não interrompe a prescrição.
Quanto ao crime do artigo 1º, I, do Decreto-lei 201/67, a prescrição da pretensão punitiva regula-se pelo artigo 109, II, do CP, e ocorre em dezesseis anos, estando prevista para ocorrer somente em 19/07/2020.
Portanto, não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva estatal, quer entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, quer entre essa data e a do presente julgamento.
Visto isso, passo à análise da matéria de fundo.
Como visto, trata-se de apelação interposta pelo MPF visando a reforma da r. sentença de primeiro grau que absolveu os réus da prática do crime tipificado no artigo 90, da Lei 8.666/93, e com relação a Celso Augusto Birolli, prefeito à época dos fatos, também, em relação ao artigo 1º, I, do Decreto-lei 201/67, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, por entender não haver prova suficiente para a condenação.
O Juízo a quo fundamentou sua decisão na ausência de dolo, porquanto em seu entender verificou-se "apenas uma completa desorganização da prefeitura quanto aos trâmites legais na compra de medicamentos, que eram solicitados e entregues de urgência, conforme as necessidades, sem controle prévio", não tendo sido demonstrada a intenção dos acusados em fraudar licitação, bem como a obtenção de vantagem pecuniária em desfavor do Município ou de que os acusados tenham enriquecido ilicitamente as custas do Erário.
Com a devida vênia, a sentença há que ser reformada, presentes que estão a materialidade do fato e a autoria do delito, sem quaisquer excludentes.
Inicialmente, consigno que em meu entender, necessário apenas o dolo genérico para a consumação do delito previsto no art. 90, da Lei 8.666/93, sendo desnecessária a prova do móvel psicológico de obter vantagem ilícita, elemento que se presume, pois decorrente da vontade livre e consciente de praticar a fraude em detrimento do patrimônio público e com violação de deveres inerentes ao cargo, no caso dos agentes públicos.
Além disso, a vantagem não precisa ser necessariamente econômica, nem mesmo que o agente a pretenda para si. Muito menos o efetivo locupletamento ilícito por parte dos agentes precisa ficar provado para a consumação do crime, bastando a tanto a vontade livre e consciente de fraudar a licitação, falseando a competitividade do respectivo processo, até porque a vantagem - que se presume almejada com a fraude - não necessita ser, obrigatoriamente, de ordem patrimonial, podendo consistir até mesmo em favorecimento de terceiros por pretensões eleitoreiras.
Com efeito, diz o artigo 90 da Lei n. 8.666/93:
Já quanto ao Decreto-lei 201/67 esta a redação do dispositivo penal:
A materialidade dos delitos está plenamente comprovada através do processo administrativo, em especial do relatório do Ministério da Saúde, que apontou diversas irregularidades e ilegalidades nos procedimentos licitatórios realizados pelo Município de Uchôa/SP, certames ns. 04/97, 15/97, 17/97, 23/97, 31/97, 37/97, 44/97, 53/97 e 54/97, na área de saúde pública.
A autoria por parte de todos os réus também é indene de dúvidas.
Restou plenamente demonstrado que os réus agiram em conluio para fraudar processos licitatórios que visavam à aquisição de medicamentos e materiais hospitalares, mediante diversos expedientes dentre os quais a utilização de falsos documentos e empresas fantasmas para direcionamento dos certames, o que resultou no desvio de verbas da prefeitura.
Cabe ressaltar, de plano, que são cinco os acusados neste feito: Celso Augusto Birolli, Prefeito Municipal à época dos fatos, José Eduardo Birolli, Secretário de Saúde do Município e irmão do primeiro, Luiz Carlos Eisenzopf, presidente da Comissão de Licitação à época dos fatos, nomeado pelo então prefeito e corréu Celso, Oswaldo Marques, sócio-proprietário da empresa Cirúrgica Eldorado Distribuidora de Produtos Médicos e Hospitalares Ltda., estabelecimento comercial envolvido nas irregularidades, e Marco Antonio Turíbio, à época dos fatos funcionário do setor de licitações da Prefeitura de Uchôa/SP.
No ano de 1997, o réu Celso, Chefe do Poder Executivo Municipal de Uchôa/SP, deu início a processos licitatórios, na modalidade de convite, para a aquisição de medicamentos e produtos hospitalares.
Participaram dos respectivos procedimentos as empresas Cirúrgica Eldorado Distribuidora de Produtos Médicos e Hospitalares Ltda., representada pelo réu Oswaldo Marques, dentre outras que falaremos a seguir.
Apesar da aparente legalidade nos certames realizados pela Prefeitura de Uchôa, foram verificadas diversas práticas por parte dos acusados com vistas a fraudar o caráter competitivo das licitações.
Os expedientes fraudulentos utilizados na aquisição de medicamentos e materiais hospitalares foram dos mais diversos e restaram comprovados à saciedade por meio de auditoria realizada pelo Ministério da Saúde, sendo minudentemente sumariados no Relatório do Ministério da Saúde que lastreou a peça acusatória e que, ao cabo das investigações, concluiu enfaticamente que as licitações foram dirigidas.
Com efeito, algumas práticas, e dispensa de formalidades legais essenciais à regularidade dos certames, demonstram que os réus pretendiam direcionar os certames, ou ao menos que assim agindo, na melhor das hipóteses, assumiram o risco de permitir a fraude:
- Os certames eram realizados sem que houvesse definição, pela autoridade competente, das unidades e quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis em desacordo ao disposto no artigo 15, 7º da lei 8.666/93;
- Não consta do processo o original do Edital, conforme exige o art. 40 da lei 8.666/93 e suas alterações, constando apenas o edital enviado às empresas convidadas com as discriminações dos itens solicitados, no qual as empresas preencheram os campos dos preços (unitário e total), devolvendo-as como sendo suas propostas, com assinatura e carimbo da empresa em campo específico, sem rubrica pela comissão de licitação, violando-se o artigo 43 daquele diploma legal;
- Não existe demonstrativo do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e custo unitário, exigido pelo artigo. 40, 2º, II da lei 8666/93;
- As empresas convidadas não eram cadastradas, conforme declaração escrita do corréu Marco Antônio Turíbio.
Além disso, a demonstrar o direcionamento dos certames, temos que das onze licitações realizadas para a aquisição de medicamentos e materiais hospitalares no exercício de 1997, a Cirúrgica Eldorado Distribuidora de Produtos Médicos Hospitalares Ltda. participou de 73% dos procedimentos licitatórios, a empresa Valdevino Aparecido da Silva - Rio - Preto -ME, participou de 55% e a empresa Bruno M. de A. Goulart - ME participou de 36%, tendo sido as maiores vencedoras das licitações realizadas. (fls. 17/18)
A primeira empresa (Cirúrgica Eldorado) tem como responsável o Sr. Oswaldo Marques; a segunda empresa citada, (Valdevino Aparecido da Silva-ME) foi constituída com documentos falsos, tendo sido o Sr. Oswaldo Marques a receber as notas fiscais a elas relativas e rubricá-las, declarando-se, outrossim, responsável tributário pela mesma e a terceira, (Bruno M. da A. Goulart- ME) participou de licitações após o seu encerramento, tendo também o corréu Oswaldo Marques assinado o atestado de recebimento das Notas de Empenho e Notas de Ordem de Pagamento relativas a Notas Fiscais emitidas por essa empresa.
Apurou-se ainda que:
- A Empresa Cirúrgica Eldorado Distribuidora de Produtos Médicos Hospitalares Ltda. participou de 73% das licitações e venceu 27,27%;
- A Empresa Valdevino Aparecido da Silva - Rio Preto - ME participou de 55 % das licitações e venceu 27,27%;
- A Empresa Bruno M. de A.Goulart -ME participou de 36% das licitações e venceu 18,18%;
- Outras empresas, também participaram, mas não venceram licitações (O.C.Silvino - ME" participou de 45% das licitações e a Empresa Medical Center Prod. Hosp. Ltda. de 9%).
Ressalte-se que, como restou apurado pela auditoria do Ministério da Saúde, nas propostas, a mesma empresa apresenta para o mesmo material um valor superior numa licitação e em outra, apresenta valor inferior ao anteriormente apresentado.
Ficou comprovado também que Oswaldo Marques, amigo pessoal do Prefeito, respondia pelas três empresas citadas, como se demonstra a seguir:
a) A Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda apreendeu em posse do Sr. Oswaldo Marques (sócio da firma Cirúrgica Eldorado Distribuidora de Produtos Hospitalares Ltda.) a 3ª via da AIDF n 11.728 e as Notas Fiscais da firma Valdevino Aparecido da Silva, de ns 155, 156, 175, 176, 208, 209 e 226 emitidas em 1997 para a Prefeitura Municipal de Uchôa/SP;
b) O Sr. Oswaldo Marques, através de declaração firmada junto à Secretaria da Fazenda, assumiu a responsabilidade de todo e qualquer encargo tributário incidente nas operações supostamente realizadas pela "firma" Valdevino Aparecido da Silva;
c) Valdevino Aparecido da Silva na presença de testemunhas declarou a termo que jamais possuiu qualquer tipo de empresa em seu nome ou mesmo ter autorizado quem quer que fosse a abrir firma em seu nome e não reconheceu como sendo suas as assinaturas dos documentos que lhe foram exibidos (Declaração Cadastral n° 1220/95 e Autorização de impressão de documentos fiscais nº 11.728) fls. 103.
Além disso, a suposta "firma" Valdevino Aparecido da Silva tinha como objeto social declarada em cadastro na Junta Comercial do Estado de São Paulo é de confecção de roupas e agasalhos não especificados ou não classificados.
Já a empresa Bruno M. de A. Goulart - ME encerrou suas atividades em 30.04.97, no entanto participou e venceu a licitação na modalidade Convite de n 47/97 que iniciou abertura em 12.09. 97, com Homologação e Termo de Encerramento em 29.09.97, datas estas posteriores ao encerramento de suas atividades.
Todas as notas fiscais da empresa Bruno M. de A. Goulart- ME foram emitidas posteriormente ao encerramento de suas atividades e pagas pela prefeitura Municipal de Uchôa/SP supostamente ao Sr. Oswaldo Marques (sócio da Empresa Cirúrgica Eldorado Distr. de Prod. Hosp. Ltda.), haja visto que o atestado de recebimento das Notas de Empenho e Notas de Ordem de Pagamento relativas a estas Notas Fiscais foram assinadas pelo Sr. Oswaldo Marques - RG n 9.038.791, sendo que na Ficha Cadastral da Junta Comercial a empresa Bruno M. de A.Goulart - ME é "firma individual".
Além disso, as duas outras empresas participantes dos certames também não poderiam ser admitidas a licitar.
A empresa "O.C. Silvino" participou de licitações para fornecimento de medicamentos, contudo, seu objeto social é o varejo de máquinas, aparelhos e equipamentos ondonto-médico-hospitalares e laboratoriais, inclusive ortopédicos e para a correção de defeitos físicos.
A empresa Medical Center Produtos Hospitalares Ltda participou de licitações apresentado propostas nas quais consta que a empresa é sediada em endereço inexistente na cidade de São Paulo, e na junta comercial do Estado de São Paulo não existe ficha cadastral da referida empresa.
Mais ainda, outras irregularidades foram encontradas: consta atestado de recebimento dos materiais e medicamentos, no verso de diversas notas fiscais do exercício de 1997 assinado pelo Sr. Secretário Municipal de Administração e Finanças da Prefeitura, o que não é usual, uma vez que os materiais e medicamentos são entregues diretamente à Farmácia do Hospital, na contagem física dos materiais e medicamentos foram constatadas divergências entre as quantidades em estoque e as registradas nas fichas de controle; registros de entrada nas fichas de estoques com datas anteriores a da emissão das Notas Fiscais e de Abertura de Procedimentos Licitatórios, e diversos itens de materiais e medicamentos "supostamente" adquiridos e não lançados na ficha de estoque. (fls. 17/30).
A robustez da prova não deixa dúvidas quanto ao dolo dos acusados. Os expedientes utilizados pelos réus não permitem crer que tenham agido com boa-fé, demonstrando apenas despreparo na gestão pública e desconhecimento em relação aos trâmites no cumprimento de exigências formais para a aquisição de bens.
Embora a prova documental dispense maiores comentários, é auto-explicativa quanto à burla dos procedimentos licitatórios, nota-se que dentre as maiores empresas vencedoras, duas são empresas fictícias, empresas fantasmas, todas elas sob o comando do réu Oswaldo.
Nesse sentido, há declaração de Valdevino Aparecido da Silva, falecido em 12/08/2000, dizendo nunca ter integrado a empresa que leva o seu nome, firmada por ele e por duas testemunhas (fl. 103).
Apesar da ilegalidade patente, como se não bastasse esse fato escandaloso, a referida pessoa jurídica fictícia Valdevino Aparecido da Silva - Rio Preto - ME participou tranquilamente dos certames para a aquisição de bens na área da saúde, tendo como ramo de atividade cadastrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo a confecção de roupas e agasalhos não especificados ou não classificados.
O expediente espúrio não ficou só nisso, pois a empresa fictícia Bruno M. de A. Goulart - ME sagrou-se vencedora de licitação após o encerramento de suas atividades e suas notas foram pagas pela prefeitura municipal de Uchôa/SP ao réu Oswaldo, sócio - proprietário a empresa Cirúrgica Eldorado Distribuidora de Produtos Hospitalares Ltda., porquanto por ele assinadas.
Neste diapasão, as declarações de Valdevino vieram ao encontro dos fatos assumidos pelo réu Oswaldo, por ocasião de diligências efetuadas na sede de sua empresa, a firma Cirúrgica Eldorado, momento em que foram localizados e apreendidos em posse dele livros de registro pertencentes à aludida firma fantasma.
Não há como deixar de registrar os depoimentos de OSWALDO, absolutamente enfáticos, tanto na seara inquisitiva e perante o Juízo, tal qual como lançado no parecer na Procuradoria Regional da República:
(fls. 437/438 - g.n.)
Os fatos assumidos pelo réu Oswaldo, reveladores do estratagema utilizados em conluio pelos demais corréus, na medida em que Luiz Carlos e Marco Antônio também atuavam na área de licitações da prefeitura, harmonizaram-se com os depoimentos prestados pelas testemunhas Edson e Silvia, funcionários concursados da prefeitura de Uchôa/SP, e nomeados pelo então prefeito Celso Augusto Birolli para compor a Comissão de Licitação do município, os quais revelaram em versão digna de toda fé que nunca analisaram quaisquer documentos ou propostas, sequer participaram de reuniões com os demais integrantes da Comissão para discussão de assuntos ligados aos certames licitatórios, limitando-se a assinar os documentos apresentados pelos acusados Marcos e Luiz, sendo que as atas já vinham subscritas por esse último.
Por tudo o que se expôs, resta claro que a competitividade dos certames foi afastada, sendo que os procedimentos licitatórios foram realizados apenas para dar aparência de legalidade ao prévio ajuste realizado pelos acusados em adjudicar o bem à empresa já definida, ocorrendo o direcionamento em favor da empresa gerida por um dos acusados, Oswaldo Marques, amigo pessoal do Prefeito e do Secretário de Saúde do município de Uchôa/SP.
Irretocável o parecer de fls. 1.040 e ss., no qual a I. Procuradora Regional da República, com muita argúcia, aponta a responsabilidade de cada um dos réus na empreitada criminosa, o qual passo adotar, transcrevendo sua parte final:
"(...) Segundo declarações prestadas em Juízo (fls. 430/432 e 433/435), Luiz Carlos Eisenzopf e Marcos Antônio Turíbio atuavam no setor de licitações da Prefeitura de Uchôa/SP na época dos fatos, ocupando, o primeiro, o cargo de Presidente da Comissão de Licitação do Município. Logo, é evidente a responsabilidade destes acusados pelas fraudes nos certames (e pelos desvios de verbas federais subsequentes), pois todos os procedimentos licitatórios eram conduzidos por estes recorridos, conforme atestado pelas testemunhas Edson Carlos Biselli Júnior e Silvia Elena Cubo Barata (fls. 566/567, 569/571).
(...)
Por outro lado, a responsabilidade penal de Celso Augusto Birolli também está clara no processo, pois, como Prefeito Municipal de Uchôa/SP, nomeou Luiz Carlos Eisenzopf e Marcos Antônio Turíbio para integrarem a Comissão Municipal de Licitação (fls. 155), para que estes conduzissem os certames em benefício da empresa gerida por Oswaldo Marques (amigo pessoal do Prefeito e de José Eduardo Birolli, conforme declarado pelo acusado - fls. 232/235), fraudando licitações e desviando verbas públicas federais.
Por outro lado, a participação de Celso Augusto Birolli e de José Eduardo Birolli (então Secretário Municipal de Saúde de Uchôa/SP) nas fraudes e desvios nas licitações mencionadas na denúncia foi evidenciada pelo relatório dos auditores do Ministério da Saúde (fls. 17/18), "principalmente porque as empresas concorrentes não eram cadastradas; as adjudicações não foram comunicadas ao setor de auditoria do Ministério da Saúde; uma mesma empresa apresentava preços ora inferiores, ora superiores, para igual medicamento" (fls. 354). Ainda, José Eduardo Birolli atestou o recebimento de mercadoria da fictícia empresa "Valdevino Aparecido da Silva - Rio Preto - ME", prova manifesta de seu envolvimento com as fraudes perpetradas (fls. 25).
É relevante destacar que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo reconheceu a irregularidade nos certames narrados na denúncia, aplicando penalidades ao então Prefeito Celso Augusto Birolli (fls. 335/349). Transcreva-se trecho:
O desvio de verbas federais foi bem identificado pelos auditores do Ministério da Saúde, pois na "contagem física dos materiais e medicamentos constatamos divergências entre as quantidades em estoque e as registradas nas fichas de controle" (relatório da auditoria - fls. 30). (g.n.)"
Portanto, também quanto ao crime de responsabilidade do Prefeito Municipal à época, Celso Augusto Birolli, previsto no artigo 1º do Decreto-lei 201/67, comprovadas estão a materialidade delitiva e também a autoria.
Por fim, diante do grave cenário verificado, representado por diversas ilegalidades, dentre as quais a comprovação da existência de empresas fantasmas e a utilização de documentos falsos; a inconstância de preços para um mesmo medicamento; a emissão de notas fiscais de compra a posteriori; a apresentação de propostas em licitação de empresa sediada em outro município e/ou de empresa cujo ramo de atividades é distinto dos bens visados pela licitação, deixa claro que as "falhas" verificadas nos procedimentos licitatórios realizados pela Prefeitura Municipal de Uchôa/SP, o argumento da defesa com vistas a afastar o dolo - a urgência na aquisição dos medicamentos e insumos hospitalares com vistas a suprir a deficiência na prestação do serviço - não merece acolhimento.
É de conhecimento de todos que o nosso país carece de políticas públicas de longo prazo, apartidárias, sendo raros os projetos que efetivamente são mantidos a cada troca de mandato, porém tal se constitui em justificativa para as condutas aqui tratadas, sob pena de se permitir ao administrador furtar-se intencionalmente de suas obrigações para com o interesse público, com prejuízo a Administração, já que a regra é licitar.
Ademais, o que se vê dos autos é que a Prefeitura do Município de Uchôa/SP não carecia de disponibilidade financeira para atender às necessidades de seus tutelados, necessitava sim agir com premência para abastecer o hospital e atender a contento a população, mas certamente essa situação de escassez, de desídia que poderia ter sido provocada pela gestão anterior, e que, em tese, se apresentaria como um fator inesperado ao réu Celso, na qualidade de Chefe do Poder Executivo Municipal, no momento seguinte, ou na pior das hipóteses, com o passar dos meses, tornar-se-ia amplamente conhecida da Administração, reclamando medidas urgentes para a devida solução, dentre as quais certamente jamais estaria a de realizar a licitação a posteriori visando a regularizar compras já realizadas, sobretudo mediante a utilização de documentos falsos e empresas fantasmas/fictícias. A conduta foi praticada de forma reiterada, por quase um ano, tal qual verificado nos presentes autos.
Aliás, a reiteração criminosa afasta por completo a suposta ingenuidade e boa-fé dos acusados, deixando claro que o objetivo visado não era outro senão fraudar o processo licitatório, falseando o seu caráter competitivo, sob a alegação excepcional e legítima de presença de situação emergencial, pelo que devem ser os réus condenados nas penas do artigo 90, da Lei 8.666/93.
No tocante ao crime de uso de documento falso (notas fiscais) imputado aos réus Celso Augusto Birolli e Oswaldo Marques, aplicável ao caso o princípio da consunção, porquanto o fim almejado pelos agentes era exclusivamente o de dar aparência de legalidade às fraudes realizadas em relação aos procedimentos licitatórios realizados pela Prefeitura de Uchôa/SP.
Assim, quanto ao crime de responsabilidade do Prefeito Municipal à época, Celso Augusto Birolli, previsto no artigo 1º, do Decreto-lei 201/67, comprovadas estão a materialidade delitiva e também a autoria, por todo o exposto.
Contudo, tenho que não é caso de aplicar-se o concurso material de crimes em relação a Celso Augusto Birolli, no que concerne aos crimes de fraude à licitação e desvio de verbas públicas. A infração do artigo 1º, do Decreto-lei 201/67, é crime próprio e mais grave que o crime do artigo 90, da Lei 8666/93, punido aquele com reclusão e este com detenção, tendo aquele pena máxima de 12 anos e este de 4 anos.
O crime de responsabilidade, crime próprio e mais grave, absorve o crime menos grave, sempre que este for meio necessário para aquele.
No presente caso, as licitações fraudadas foram o meio utilizado para desviar verbas públicas, ainda que em proveito alheio, ou em proveito próprio, de ordem política, como se discorreu acima, desnecessária a prova do efetivo enriquecimento ilícito.
Entendo, portanto, que se aplica o princípio da consunção ao presente caso, entre os crimes do artigo 1º, I, do Decreto-lei 201/67, e do artigo 90, da Lei 8.666/93, em relação a Celso Augusto Birolli.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a acusação, condenando os réus JOSÉ EDUARDO BIROLLI, LUIZ CARLOS EISENZOPF E MARCO ANTÔNIO TURÍBIO E OSWALDO MARQUES nas penas do artigo 90, da Lei 8.666/93 c.c o artigo 29, do Código Penal e CELSO AUGUSTO BIROLLI nas penas do artigo 1º, I e parágrafos 1º e 2º, do Decreto-lei 201/67.
Passo a dosimetria das penas.
I. Penas-base:
Atenta aos ditames do artigo 59, do Código Penal, verifico que os réus são primários e ostentam bons antecedentes.
Em que pese o total desrespeito às normas jurídicas atinentes à matéria e a falta de zelo com o patrimônio público, tenho que a circunstância já se insere na culpabilidade inerente às condutas, tanto a do artigo 90, da lei 8666/93, quanto a do artigo 1º, do Decreto-lei 201/67, e não autoriza a elevação da pena base, que fica mantida, para todos os acusados, para as condutas respectivamente cominadas (JOSÉ EDUARDO BIROLLI, LUIZ CARLOS EISENZOPF E MARCO ANTÔNIO TURÍBIO e OSWALDO MARQUES, ART. 90 DA LEI 8.666/93 E CELSO AUGUSTO BIROLLI ART. 1º, I e parágrafos 1º e 2º DO DECRETO-LEI 201/67) em seu mínimo legal.
II. Agravantes e atenuantes
Na segunda fase, incide sobre a pena dos acusados, JOSÉ EDUARDO BIROLLI, LUIZ CARLOS EISENZOPF E MARCO ANTÔNIO TURÍBIO a agravante do artigo 61, "g", do Código Penal, por terem praticado o crime com violação de dever inerente ao cargo, posto que a circunstância não se encontra descrita ou mesmo implícita no tipo do artigo 90, da Lei 8666/93, que pode ser praticado por particular, não se constituindo em bis in idem a sua aplicação.
Ressalto, por oportuno, que a aplicação da agravante atende ao princípio da isonomia no caso, diferenciando os réus que estão em situação desigual e devem ser tratados de forma diferente, portanto. Claro está em meu entender, que os administradores públicos que participaram do conluio aqui tratado devem receber reprimenda mais grave que o particular, que a despeito de prejudicar também o Erário não possui o dever de agir positivamente para evitar e coibir tais condutas lesivas, que decorre do cargo público.
Elevo a pena de JOSÉ EDUARDO BIROLLI, LUIZ CARLOS EISENZOPF E MARCO ANTÔNIO TURÍBIO em 1/6, do que resulta a fixação, em virtude disso, em 2 anos, 4 meses de detenção.
Já quanto a CELSO AUGUSTO BIROLLI, por ser sua conduta tipificada como crime de responsabilidade, considero que já contém esse desvalor ínsito. Já faz parte do tipo penal a circunstância de ser agente público, o que eleva a gravidade do delito, punido com reclusão e cujos efeitos são a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.
Assim não pode ser aplicada a ele a majorante, sob pena de bis in idem.
Não há atenuantes a serem consideradas.
III. Causas de aumento e diminuição de pena
Na terceira fase, de rigor reconhecer a continuidade delitiva tendo em vista que os réus praticaram 11 condutas em conluio, durante o ano de 1997, nos termos do artigo 71, do Código Penal, pois se trata de crimes da mesma espécie, cujas circunstâncias de condições de tempo, lugar, maneira de execução autorizam a conclusão de que foram praticados, uns em continuação dos outros.
O patamar de aumento deve ser de 2/3, nos termos da doutrina de Alberto Silva Franco, que se aplica bem ao caso presente:
Em conclusão:
Ficam as penas privativas de liberdade definitivamente fixadas em 3 anos, 10 meses e 20 dias de detenção para JOSÉ EDUARDO BIROLLI, LUIZ CARLOS EISENZOPF E MARCO ANTÔNIO TURÍBIO;
Em relação a CELSO AUGUSTO BIROLLI em 3 anos e 4 meses de reclusão;
Em relação a OSWALDO MARQUES, em 3 anos e 4 meses de detenção.
Quanto à pena de multa, prevista para o crime do artigo 90, da Lei 8666/93, deve ajustar-se aos limites previstos no parágrafo primeiro do artigo 99, da Lei de Licitações, que assim dispõe:
Fixo, pois, a pena de multa no patamar mínimo de 2% (dois por cento) do valor dos contratos licitados fraudulentamente, cujo valor apurado deverá, após o trânsito em julgado, ser revertido em prol do Município de Uchôa/SP, em obediência ao disposto no artigo 99, § 2º, da Lei de Licitações, para JOSÉ EDUARDO BIROLLI, LUIZ CARLOS EISENZOPF E MARCO ANTÔNIO TURÍBIO e OSWALDO MARQUES.
O crime a que foi condenado CELSO AUGUSTO BIROLLI não prevê pena de multa, mas prevê, como efeito da condenação, a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público, nos termos do parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto-lei nº 201/67 a ser apurado em ação civil ex delicto.
Por fim, SUBSTITUO AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS, presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, nos termos de seu parágrafo 2º:
a) Prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, adequada à repressão da conduta a à capacidade econômica dos réus, a ser destinada à entidade social cadastrada neste Juízo, e
b) Prestação de serviços à comunidade, em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, a ser definido durante o Processo de Execução Penal, segundo as aptidões de cada um dos réus, à razão de 01 (uma) hora por dia de condenação, fixadas de molde a não prejudicar a jornada normal de trabalho, na forma do parágrafo 3º, do artigo 46, do Código Penal.
Reconheço aos réus o direito de recorrer em liberdade, levando-se em consideração, o fato de terem respondido ao processo em liberdade, o regime de pena aplicado e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Decreto, como efeito da condenação a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público, nos termos do § 2º do artigo 1º do Decreto-lei nº 201/67 a ser apurado em ação civil ex delicto.
Condeno-os, outrossim, a terem seus nomes lançados no rol dos culpados e ao pagamento das custas do processo, após o trânsito em julgado do acórdão.
Comunique-se, depois de certificado o trânsito em julgado, ao Tribunal Regional Eleitoral, para fins do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal e do 2º do artigo I do Decreto-lei nº 201/67.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação Ministerial para CONDENAR os réus, José Eduardo Birolli, Luiz Carlos Eisenzopf e Marco Antônio Turíbio às penas de 3 anos, 10 meses e 20 dias de detenção e Oswaldo Marques às penas de 3 anos, 4 meses de detenção e Celso Augusto Birolli a 3 anos e 4 meses de reclusão; substituídas, para todos e cada um dos réus, as penas privativas de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos acima expostos e à pena de multa 2% (dois por cento) do valor dos contratos licitados fraudulentamente, cujo valor apurado deverá, após o trânsito em julgado, ser revertido em prol do Município de Uchôa/SP, em obediência ao disposto no artigo 99, § 2, da Lei de Licitações, salvo em relação a Celso Augusto Birolli, que fica condenado nos termos do § 2º do artigo 1º do Decreto-lei 201/67 à perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, e à reparação civil do dano causado ao patrimônio público.
É O VOTO
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