Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/03/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003650-59.2006.4.03.6100/SP
2006.61.00.003650-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : MARIA CLARA OSUNA DIAZ FALAVIGNA e outro
APELANTE : JACQUES EMILE FREDERIC BREYTON espolio
ADVOGADO : PERCIVAL MENON MARICATO e outro
REPRESENTANTE : ARIANE JACQUELINE BREYTON
ADVOGADO : PERCIVAL MENON MARICATO e outro
APELADO : OS MESMOS

EMENTA


DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE  INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PRISÃO, TORTURA E PERSEGUIÇÃO. REGIME MILITAR. PRESCRIÇÃO AFASTADA. LEGITIMIDADE DO ESPÓLIO. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO. VALOR DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 54 DO STJ. APLICAÇÃO DA LEI N° 11.960/09.

1. A parte autora autor busca a condenação da União e do Estado de São Paulo ao pagamento de danos morais em decorrência de alegada perseguição política proveniente de atos cometidos durante os governos militares.
2. A  violação aos direitos da personalidade gera o direito de reparação, de cunho patrimonial, transmitindo-se com o falecimento do titular do direito, ou seja, tanto os herdeiros quanto o espólio têm legitimidade ativa para ajuizar ação de reparação por danos morais, pois o direito que se sucede é o direito de ação.
3. No presente caso, onde se discute ato que atenta direta e profundamente contra o direito inalienável à dignidade da pessoa humana, consistente em um dos fundamentos basilares da República, não há falar em prescrição da ação.
4. Dispõe o Juiz de liberdade para apreciar, valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas partes, devendo-se levar em conta, para se fixar o seu quantum: o tipo de dano, o grau de culpa com que agiu o ofensor, a natureza punitivo-pedagógica do ressarcimento, que tem por fim potencializar o desencorajamento da reiteração de condutas lesivas de igual conteúdo, e a situação econômica e social de ambas as partes, a vítima e o autor do fato.
5. Embora o valor seja superior ao costumeiramente fixado pela Turma, hei por bem em mantê-lo tendo em conta a especialíssima situação em que submeteram-se crianças - filhos do torturado - sujeitos a assistir às sevícias.
6. Os juros das obrigações líquidas vencem a partir da data do vencimento da obrigação e, em sentido contrário, em relação às obrigações ilíquidas em que se faz necessário o reconhecimento judicial, os juros vencem a partir da data da citação, diante da peculiar situação dos autos, os juros devem fluir a partir da data da citação, visto que se trata, na espécie, de obrigação ilíquida, só delineada por força da ação judicial, não incidindo, pois, o enunciado sumular nº 54/STJ.
7. Os percentuais de juros de mora incidentes sobre os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09, que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescentado pela Medida Provisória 2.180/01, devem observar os critérios nela disciplinados, mesmo nos processos em andamento, visto tratar-se de norma de natureza eminentemente processual, conforme já decidido pelo STJ, no julgamento dos EREsp 1.207.197.
8.O arbitramento dos honorários de advogado, nas causas em que o ente público for a parte vencida, devem ser fixados consoante apreciação equitativa do juiz, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, observadas as normas das alíneas a, b e c, do § 3º daquele dispositivo, dessa forma e, considerando a natureza e o grau de zelo do causídico, bem como que feito demandou a realização de audiência de instrução e julgamento, apresenta-se razoável e compatível a fixação em 10% (dez por cento) do valor da condenação, devendo ser mantido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade decidiu negar provimento à apelação da parte autora e, por maioria, negar provimento às apelações do Estado de São Paulo e da União e ao reexame necessário, tido por interposto, vencido o Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken.


São Paulo, 20 de fevereiro de 2014.
NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003650-59.2006.4.03.6100/SP
2006.61.00.003650-2/SP
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : MARIA CLARA OSUNA DIAZ FALAVIGNA e outro
APELANTE : JACQUES EMILE FREDERIC BREYTON espolio
ADVOGADO : PERCIVAL MENON MARICATO e outro
REPRESENTANTE : ARIANE JACQUELINE BREYTON
ADVOGADO : PERCIVAL MENON MARICATO e outro
APELADO : OS MESMOS

VOTO

Trata-se de apelações das partes e remessa oficial tida por interposta nos autos de ação pelo rito ordinário, em que a parte autora autor busca a condenação da União e da Fazenda do Estado de São Paulo ao pagamento de dano moral em decorrência de alegada perseguição política proveniente de atos cometidos durante os governos militares.


Aduzem as rés que o espólio não detém legitimidade para pleitear a indenização por dano moral, pois sendo o direito ao ressarcimento por dano moral de natureza personalíssima não cabe qualquer tipo de sucessão pelos herdeiros.

Cumpre acentuar que a indenização por dano moral pleiteada na inicial se fundamenta no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988 e nos arts. 186 e 927, do Código Civil, a qual não se confunde com a reparação econômica prevista na Lei nº10.559/2002 ou à consignada na Lei n° 9.140/1995, a qual confere legitimidade para pleitear indenização em razão de tortura no regime militar aos descendentes das pessoas que desapareceram no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, como bem explica a Ministra Denise Arruda, no julgamento do REsp 890.930/RJ, DJ 14/06/2007:

Os direitos dos anistiados políticos, expressos na Lei 10.559/2002 (art. 1º, I a V),"não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais". Insere-se, aqui, o direito fundamental à reparação por danos morais (CF/88, art. 5º, V e X;CC/1916, art. 159; CC/2002, art. 186), que não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional, tampouco pela interpretação da regra de direito, sob pena de inconstitucionalidade.

O dano moral em si é personalíssimo por natureza, portanto, intransmissível. No entanto, o direito à indenização, isto é, o direito de se exigir a reparação do dano moral, é de caráter patrimonial.

Esse é o entendimento que prevalecente no STJ, decorrente da exegese sistemática dos arts. 12 e 943 do CC/02, que permite concluir que o direito de pedir reparação do dano moral é assegurado aos sucessores daquele que sofreu o dano, direito que se transmite por herança.

A  violação aos direitos da personalidade gera o direito de reparação, de cunho patrimonial, transmitindo-se com o falecimento do titular do direito, ou seja, tanto os herdeiros quanto o espólio têm legitimidade ativa para ajuizar ação de reparação por danos morais, pois o direito que se sucede é o direito de ação.

O STJ se posiciona no sentido de reconhecer a legitimidade dos sucessores para ajuizar ação que visa o recebimento de indenização por danos morais sofridos pelo titular já falecido, considerando que o direito patrimonial perseguido é transmissível aos herdeiros:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. FALECIMENTO DO TITULAR. AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO. SÚMULA N.º 168/STJ.
A posição atual e dominante que vigora nesta c. Corte é no sentido de embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio ou os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. Incidência da Súmula n.º 168/STJ. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EREsp 978651/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/12/2010, DJe 10/02/2011)

Diversos são os julgados do STJ em idêntico sentido, do que são exemplo os seguintes: AgRg no Ag 1.122.498/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 23.10.2009; AgRg no REsp 1.072.296/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 23.03.2009; e REsp 1.028.187/AL, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 06.05.2008.

De se concluir, pois, pela legitimidade ativa do espólio em pleitear indenização por dano moral sofrido por Jacques Emile Frederic Breyton, considerado anistiado político.


Alega ainda a União, que a parte autora é carecedora da ação por falta de interesse processual, pois como Jacques Emile Frederic Breyton requereu benefícios da Comissão de Anistia, administrativamente, não teria o direito de propor ação de indenização por dano moral com a mesma causa de pedir.


Ocorre que fundamento jurídico da ação movida pela parte autora nestes autos (causa de pedir próxima) é a responsabilidade civil extracontratual do Estado (art. 37, § 6º, da CF), aliada à garantia constitucional de reparação do dano moral, decorrente da prisão de Jacques Emile Frederic Breyton efetuada sem o respeito ao devido processo legal (causa de pedir remota).


Nesse contexto, o direito fundamental à reparação por dano moral, garantido pela Constituição Federal de 1988, art. 5º, V e X não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional, tampouco pela interpretação da regra de direito, sob pena de inconstitucionalidade.


Nem tampouco a Lei 10.559/2002 proibiu a acumulação da reparação econômica com indenização por dano moral, ante a diversidade de fundamentos e finalidade.


Aplica-se, nesse caso a orientação consolidada na Súmula 37/STJ: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

E ainda, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, assegurado na Constituição vigente, como bem colocado pelo Juízo a quo:


Não prospera, outrossim, a alegação de falta de interesse de agir formulada pelas rés, ingresso do pedido de anistia o Ministério da Justiça não impede o ajuizamento simultâneo de ação judicial objetivando a reparação dos danos morais em razão da tortura sofrida, face aos termos do artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, que garante a inafastabilidade da jurisdição.

Tem a parte autora, portanto, o direito de pleitear em juízo, em desfavor da União e da Fazenda Estado de São Paulo, indenização mais favorável do que aquela concedida administrativamente.                      

A prescrição também deve ser afastada.


No presente caso, onde se discute ato que atenta direta e profundamente contra o direito inalienável à dignidade da pessoa humana, consistente em um dos fundamentos basilares da República, não há falar em prescrição da ação.


O prazo quinquenal do Decreto n. 20.910/32 só se aplica quanto aos atos praticados em regime de normalidade institucional, sendo imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição por motivos políticos durante o Regime Militar, que envolvam a violação da integridade física e moral do ser humano, sendo, pois, improcedente a alegação recursal da União.


Veja-se ainda que o art. 14 da Lei n.º 9.140/95, que prevê as ações judiciais indenizatórias fundadas em fatos decorrentes da situação política vivida no período da Ditadura Militar, não estipulou prazo prescricional, sendo, portanto, incabível a aplicação tanto do Decreto nº. 20.910/32 quanto do Código Civil nestes casos.


Nesse sentido veja-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO E PRISÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. IMPRESCRITIBILIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.º DO DECRETO N.º 20.910/32. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO, REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, CPC. INOCORRÊNCIA. ART. 538, DO CPC. IMPOSIÇÃO DE MULTA. SÚMULA N.º 98/STJ.
1. Ação Ordinária, proposta em face da União, objetivando a condenação da demandada ao pagamento de danos morais decorrentes de perseguições políticas, perpetradas por ocasião do golpe militar de 1964, que culminaram na prisão ilegal do autor, o qual foi submetido a torturas sistemáticas durante o regime militar nos anos de 1964 a 1979.
2. A violação aos direitos humanos ou direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a proteção da sua dignidade lesada pela tortura e prisão por delito de opinião durante o Regime Militar de exceção enseja ação de reparação ex delicto imprescritível, e ostenta amparo constitucional no art. 8.º, § 3.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
3. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.
4. Consectariamente, não há falar em prescrição da pretensão de se implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.
5. Outrossim, a Lei n.º 9.140/95, que criou as ações correspondentes às violações à dignidade humana, perpetradas em período de supressão das liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem cominar prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil ou do Decreto n.º 20.910/95 no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física do ser humano.
6. À lei interna, adjuntam-se as inúmeras convenções internacionais firmadas pelo Brasil, como, v.g., Declaração Universal da ONU, Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Conveção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
7. A dignidade humana violentada, in casu, posto ter decorrido, consoante noticiado pelos autores da demanda em sua exordial, de perseguição política imposta ao seu genitor, prisão durante o Regime Militar de exceção, revelando-se referidos atos como flagrantes atentados aos mais elementares dos direitos humanos, que segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.
8. A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1.º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".
9. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.
(...)
17. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, parcialmente provido, apenas, para excluir a multa imposta, com base no art. 538, parágrafo único, do CPC.
STJ, Primeira Turma, RESP 200801966930, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1085358, Relator LUIZ FUX, DJE DATA:09/10/2009


Ante o exposto e com fundamento nesse precedente, rejeito a prejudicial de prescrição.


Superadas as preliminares, passo à análise do mérito.


Ambas as apelantes rés sustentam que não há prova suficiente para caracterizar o dano moral, ante a ausência da prova do ato ilícito e do nexo de causalidade, imputável a um agente público no exercício de sua função, nem demonstração do dano.


Vejamos, portanto, os elementos carreados aos autos.


Consta, às fls. 18, certidão expedida pela 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar, com as informações de que Jacques Emile Frederic Breyton respondeu ao processo n. 207/69, sendo absolvido em 21/03/1975, às fls. 19/22, cópia do mandado de prisão, inclusive de sua esposa Nair Benedicto, onde há expressa referência à sua participação em atividades ideológico-subversivas, comprovando que esta foi a causa de sua prisão em 02/10/1969.


Por fim, o reconhecimento administrativo da condição de Jacques Emile Frederic Breyton como anistiado político, cujo documento, consistente na cópia da Portaria do Ministro da Justiça, na qual foi concedida a reparação econômica, foi trazido aos autos pela ré União e anexado à fl. 186 dos autos.


Através da prova oral, restou comprovado que durante o tempo em que Jacques Emile Frederic Breyton permaneceu preso, foi submetido a torturas físicas e psicológicas, assim, conforme consta da sentença, através do depoimento de Lais Furtado Tapajós, quando ficou presa juntamente com a esposa de Jacques, por dois meses no Dops:


(...) a depoente tem conhecimento que Jacques e sua esposa Nair foram torturados e pendurados nus no "pau-de-arara", levando choques e também pancadas, esse tipo de tortura ocorreu várias vezes;(...) um outro drama que a depoente pode testemunhar é que o casal um outro drama que a depoente pode testemunhar é o fato de que o casal Nair e Jacques tinha três filhos pequenos, que ficariam na casa junto com a avó; no período em que Nair ficou presa policias dormiram na casa juntamente com as crianças por cerca se um mês, ao que se recorda a depoente:a depoente manteve um contato eventual com o casal Nair e Jacques e pode dizer que o sentimento deles, assim como da depoente, era de muito medo; o casal tinha muita preocupação com que os filhos tinham passado na época da prisão; tanto a depoente como Nair e Jacques tinham medo de ser presos e torturados novamente e viviam num estado de permanente terror;(...) sabe que quando Nair e Jacques foram presos foram levados ao Dops com o filho do casal de 3 anos de idade e nos intervalos da tortura eles podiam ver o menino sentado numa sala; além disso eles eram ameaçados de que o menino seria levado para um juizado; esse era o tipo de pressão psicológica muito utilizado na época, que envolvia o cônjuge e os filhos do preso"(fls. 181/182).

A testemunha John Manuel de Souza, preso na mesma época no Dops e Presídio Tiradentes, inclusive na mesma cela que Jacques, também confirmou os torturas físicas e psicológicas sofridas.


O caso em questão apresenta contornos nítidos da responsabilidade civil, sendo que o suporte probatório é suficiente para caracterizar o dano moral.


O ato ilícito restou comprovado: Jacques Emile Frederic Breyton foi preso, por motivos de cunho político, tanto que foi posteriormente declarado como anistiado político. Os danos foram inúmeros, decorrentes do sofrimento de quem foi privado de sua liberdade e submetido a sessões de tortura física e psíquica, causando-lhe inúmeras violações nos direitos da personalidade, à sua honra subjetiva e objetiva, culminando com atingimento de sua imagem, sua dignidade.

A União, com base na legislação federal, e da Fazenda do Estado de São Paulo, no uso de suas dependências, no caso dos autos em especial do DOPS e do Presídio Tiradentes, logicamente através de seus prepostos existentes à época dos fatos, o que se traduz na ação especifica dos agentes públicos, que assim agiram para fazer eco a uma estrutura política governamental que representava, à época, o próprio Estado.


O nexo de causalidade é fruto da conclusão de que, excluída a prisão de Jacques Emile Frederic Breyton da cadeia causal, desapareceriam, com ela, os danos extrapatrimoniais noticiados na ação. Logo, percebe-se que tais danos nascem, diretamente, do ato ilícito praticado pelas rés, gerando o dever de indenização.


Desse modo, considero que se encontram presentes os elementos da responsabilidade civil em decorrência da violação de inúmeros direitos da personalidade de Jacques Emile Frederic Breyton, entendo que merece ser mantida a sentença no que se refere a conclusão do juízo a quo sentenciante, no sentido da configuração da responsabilidade civil da União e da Fazenda do Estado de São Paulo pelo dano moral sofrido, não devendo ser acolhida a argumentação da ausência de nexo de causalidade.


Tendo sido comprovado o dano e o nexo causal, resta configurado o dever de indenizar do Estado, de acordo com a teoria da responsabilidade objetiva de que trata o 37, § 6º, da CF/88.


Prosseguindo, ambas as partes impugnaram o quantum arbitrado a título de reparação do dano moral.


Sabe-se que os critérios para fixação de indenização a título de dano moral tem sido objeto de diversos debates doutrinários, causando, inclusive, divergências jurisprudenciais, visto que não há como prever fórmulas predeterminadas para situações que merecem análise individual e casuística.


Entretanto, frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o Superior Tribunal de Justiça tem procurado estabelecer determinados parâmetros, a fim de se estabelecer um valor equivalente entre o dano e o ressarcimento, sob a ótica de atender uma dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.


Dentro dessa ótica, dispõe o Juiz de liberdade para apreciar, valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas partes, devendo-se levar em conta, para se fixar o seu quantum: o tipo de dano, o grau de culpa com que agiu o ofensor, a natureza punitivo-pedagógica do ressarcimento, que tem por fim potencializar o desencorajamento da reiteração de condutas lesivas de igual conteúdo, e a situação econômica e social de ambas as partes, a vítima e o autor do fato.


E ainda, a indenização por dano moral não deve proporcionar o enriquecimento sem causa do ofendido, mas não deve ser inexpressiva, de modo a servir de humilhação à vítima.


Embora o valor seja superior ao costumeiramente fixado pela Turma, hei por bem em mantê-lo tendo em conta a especialíssima situação em que submeteram-se crianças - filhos do torturado - sujeitos a assistir às sevícias.


Quanto à alegação de que os juros moratórios devem ser contados da data da ocorrência do evento danoso e não tão-somente da citação, de fato, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento segundo o qual o termo a quo para o início da contagem dos juros de mora é a data do evento danoso, havendo nesse sentido o enunciado sumular n. 54 no STJ.


Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95, por tratar-se de obrigação ilíquida, os juros moratórios devem fluir a partir da citação.


Dessa forma, recordando-se que os juros das obrigações líquidas vencem a partir da data do vencimento da obrigação e, em sentido contrário, em relação às obrigações ilíquidas em que se faz necessário o reconhecimento judicial, os juros vencem a partir da data da citação, diante da peculiar situação dos autos, os juros devem fluir a partir da data da citação, visto que se trata, na espécie, de obrigação ilíquida, só delineada por força da ação judicial, não incidindo, pois, o enunciado sumular nº 54/STJ.


Nesse sentido:


CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
INDENIZAÇÃO POR DANO PATRIMONIAL E MORAL EM DECORRÊNCIA DE DESAPARECIMENTO DE PESSOA, POR MOTIVOS POLÍTICOS. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, VALIDADE DOS ATOS INSTITUCIONAIS E AUSÊNCIA DE INTERESSE NO PAGAMENTO DE PENSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADO SUMULAR Nº 211/STJ. PRESCRIÇÃO.
DIREITOS DA PERSONALIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO-OCORRÊNCIA. LEI 9.140/95. PREVISÃO DE REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS EVENTUALMENTE CAUSADOS À VÍTIMA. DANO MORAL NÃO ABRANGIDO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO A QUO. CITAÇÃO. APLICAÇÃO DO VERBETE Nº 54 DA SÚMULA/STJ QUE SE AFASTA DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO RAZOÁVEL.
(...)
5. Embora a Súmula 54/STJ determine a fluência de juros moratórios a partir do evento danoso nos casos de responsabilidade extracontratual, a hipótese dos autos merece tratamento diferenciado em face do reconhecimento legislativo ocorrido com o advento da Lei 9.140/95, que tratou apenas do valor da indenização e não de juros moratórios. Havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95, em se tratando de obrigação ilíquida, os juros moratórios devem fluir a partir da citação.
(...)
7. Recurso Especial interposto pela União parcialmente conhecido e, nessa extensão, PROVIDO apenas para determinar que os juros de mora sejam contados a partir da citação.
(REsp 841.410/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 07/04/2009)


Pertinente ao requerimento de limitação do percentual de juros em 0,5% (meio por cento) ao mês, não merece prosperar a insurgência da recorrente, ante o princípio do tempus regit actum.

Portanto, não há como prevalecer o entendimento do réu Estado de São Paulo, ora apelante, no sentido de que deveriam ser calculados em 0,5%, nos termos da vigência do código Civil de 1916, por tratar-se de fatos consolidados sob a sua vigência, eis que os juros serão contados a partir da citação e não do evento danoso.

Ainda sobre do tema relativo aos juros da mora, como se sabe, é entendimento do STJ que a matéria é de ordem pública, razão pela qual não esta sujeita à preclusão, de forma que sua aplicação, alteração ou modificação do termo inicial, inclusive de ofício, não enseja reforma in pejus ( Edcl nos Edcl no Resp 998935/DF, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 22/02/2011, DJE 04/03/2011). Grifei.

Dessa forma, os percentuais de juros de mora incidentes sobre os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09, que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescentado pela Medida Provisória 2.180/01, devem observar os critérios nela disciplinados, mesmo nos processos em andamento, visto tratar-se de norma de natureza eminentemente processual, conforme já decidido pelo STJ, no julgamento dos EREsp 1.207.197.


Dessa forma, especificamente quanto aos juros de mora, deverá incidir o percentual de 1% (um por cento), conforme fixado na sentença, reduzidos em 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da entrada em vigor da Lei 11.960/09, ante a condenação imposta à Fazenda Pública.


Sobre a fixação dos honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, requereu a parte autora a sua majoração.


O arbitramento dos honorários de advogado, nas causas em que o ente público for a parte vencida, devem ser fixados consoante apreciação equitativa do juiz, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, observadas as normas das alíneas a, b e c, do § 3º daquele dispositivo, dessa forma e, considerando a natureza e o grau de zelo do causídico, bem como que feito demandou a realização de audiência de instrução e julgamento, apresenta-se razoável e compatível a fixação em 10% (dez por cento) do valor da condenação, devendo ser mantido.

Por todo o exposto, nego provimento aos recursos de apelação da parte autora e do Estado de São Paulo, conheço e nego provimento à remessa necessária, tida por interposta, e ao apelo da União.


É como voto.






NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 14/03/2014 16:01:32