D.E. Publicado em 24/03/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade decidiu negar provimento à apelação da parte autora e, por maioria, negar provimento às apelações do Estado de São Paulo e da União e ao reexame necessário, tido por interposto, vencido o Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken.
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Data e Hora: | 14/03/2014 16:01:35 |
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VOTO
Trata-se de apelações das partes e remessa oficial tida por interposta nos autos de ação pelo rito ordinário, em que a parte autora autor busca a condenação da União e da Fazenda do Estado de São Paulo ao pagamento de dano moral em decorrência de alegada perseguição política proveniente de atos cometidos durante os governos militares.
De se concluir, pois, pela legitimidade ativa do espólio em pleitear indenização por dano moral sofrido por Jacques Emile Frederic Breyton, considerado anistiado político.
Alega ainda a União, que a parte autora é carecedora da ação por falta de interesse processual, pois como Jacques Emile Frederic Breyton requereu benefícios da Comissão de Anistia, administrativamente, não teria o direito de propor ação de indenização por dano moral com a mesma causa de pedir.
Ocorre que fundamento jurídico da ação movida pela parte autora nestes autos (causa de pedir próxima) é a responsabilidade civil extracontratual do Estado (art. 37, § 6º, da CF), aliada à garantia constitucional de reparação do dano moral, decorrente da prisão de Jacques Emile Frederic Breyton efetuada sem o respeito ao devido processo legal (causa de pedir remota).
Nesse contexto, o direito fundamental à reparação por dano moral, garantido pela Constituição Federal de 1988, art. 5º, V e X não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional, tampouco pela interpretação da regra de direito, sob pena de inconstitucionalidade.
Nem tampouco a Lei 10.559/2002 proibiu a acumulação da reparação econômica com indenização por dano moral, ante a diversidade de fundamentos e finalidade.
E ainda, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, assegurado na Constituição vigente, como bem colocado pelo Juízo a quo:
A prescrição também deve ser afastada.
No presente caso, onde se discute ato que atenta direta e profundamente contra o direito inalienável à dignidade da pessoa humana, consistente em um dos fundamentos basilares da República, não há falar em prescrição da ação.
O prazo quinquenal do Decreto n. 20.910/32 só se aplica quanto aos atos praticados em regime de normalidade institucional, sendo imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição por motivos políticos durante o Regime Militar, que envolvam a violação da integridade física e moral do ser humano, sendo, pois, improcedente a alegação recursal da União.
Veja-se ainda que o art. 14 da Lei n.º 9.140/95, que prevê as ações judiciais indenizatórias fundadas em fatos decorrentes da situação política vivida no período da Ditadura Militar, não estipulou prazo prescricional, sendo, portanto, incabível a aplicação tanto do Decreto nº. 20.910/32 quanto do Código Civil nestes casos.
Nesse sentido veja-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Ante o exposto e com fundamento nesse precedente, rejeito a prejudicial de prescrição.
Superadas as preliminares, passo à análise do mérito.
Ambas as apelantes rés sustentam que não há prova suficiente para caracterizar o dano moral, ante a ausência da prova do ato ilícito e do nexo de causalidade, imputável a um agente público no exercício de sua função, nem demonstração do dano.
Vejamos, portanto, os elementos carreados aos autos.
Consta, às fls. 18, certidão expedida pela 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar, com as informações de que Jacques Emile Frederic Breyton respondeu ao processo n. 207/69, sendo absolvido em 21/03/1975, às fls. 19/22, cópia do mandado de prisão, inclusive de sua esposa Nair Benedicto, onde há expressa referência à sua participação em atividades ideológico-subversivas, comprovando que esta foi a causa de sua prisão em 02/10/1969.
Por fim, o reconhecimento administrativo da condição de Jacques Emile Frederic Breyton como anistiado político, cujo documento, consistente na cópia da Portaria do Ministro da Justiça, na qual foi concedida a reparação econômica, foi trazido aos autos pela ré União e anexado à fl. 186 dos autos.
Através da prova oral, restou comprovado que durante o tempo em que Jacques Emile Frederic Breyton permaneceu preso, foi submetido a torturas físicas e psicológicas, assim, conforme consta da sentença, através do depoimento de Lais Furtado Tapajós, quando ficou presa juntamente com a esposa de Jacques, por dois meses no Dops:
A testemunha John Manuel de Souza, preso na mesma época no Dops e Presídio Tiradentes, inclusive na mesma cela que Jacques, também confirmou os torturas físicas e psicológicas sofridas.
O caso em questão apresenta contornos nítidos da responsabilidade civil, sendo que o suporte probatório é suficiente para caracterizar o dano moral.
O ato ilícito restou comprovado: Jacques Emile Frederic Breyton foi preso, por motivos de cunho político, tanto que foi posteriormente declarado como anistiado político. Os danos foram inúmeros, decorrentes do sofrimento de quem foi privado de sua liberdade e submetido a sessões de tortura física e psíquica, causando-lhe inúmeras violações nos direitos da personalidade, à sua honra subjetiva e objetiva, culminando com atingimento de sua imagem, sua dignidade.
A União, com base na legislação federal, e da Fazenda do Estado de São Paulo, no uso de suas dependências, no caso dos autos em especial do DOPS e do Presídio Tiradentes, logicamente através de seus prepostos existentes à época dos fatos, o que se traduz na ação especifica dos agentes públicos, que assim agiram para fazer eco a uma estrutura política governamental que representava, à época, o próprio Estado.
O nexo de causalidade é fruto da conclusão de que, excluída a prisão de Jacques Emile Frederic Breyton da cadeia causal, desapareceriam, com ela, os danos extrapatrimoniais noticiados na ação. Logo, percebe-se que tais danos nascem, diretamente, do ato ilícito praticado pelas rés, gerando o dever de indenização.
Desse modo, considero que se encontram presentes os elementos da responsabilidade civil em decorrência da violação de inúmeros direitos da personalidade de Jacques Emile Frederic Breyton, entendo que merece ser mantida a sentença no que se refere a conclusão do juízo a quo sentenciante, no sentido da configuração da responsabilidade civil da União e da Fazenda do Estado de São Paulo pelo dano moral sofrido, não devendo ser acolhida a argumentação da ausência de nexo de causalidade.
Tendo sido comprovado o dano e o nexo causal, resta configurado o dever de indenizar do Estado, de acordo com a teoria da responsabilidade objetiva de que trata o 37, § 6º, da CF/88.
Prosseguindo, ambas as partes impugnaram o quantum arbitrado a título de reparação do dano moral.
Sabe-se que os critérios para fixação de indenização a título de dano moral tem sido objeto de diversos debates doutrinários, causando, inclusive, divergências jurisprudenciais, visto que não há como prever fórmulas predeterminadas para situações que merecem análise individual e casuística.
Entretanto, frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o Superior Tribunal de Justiça tem procurado estabelecer determinados parâmetros, a fim de se estabelecer um valor equivalente entre o dano e o ressarcimento, sob a ótica de atender uma dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.
Dentro dessa ótica, dispõe o Juiz de liberdade para apreciar, valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas partes, devendo-se levar em conta, para se fixar o seu quantum: o tipo de dano, o grau de culpa com que agiu o ofensor, a natureza punitivo-pedagógica do ressarcimento, que tem por fim potencializar o desencorajamento da reiteração de condutas lesivas de igual conteúdo, e a situação econômica e social de ambas as partes, a vítima e o autor do fato.
E ainda, a indenização por dano moral não deve proporcionar o enriquecimento sem causa do ofendido, mas não deve ser inexpressiva, de modo a servir de humilhação à vítima.
Embora o valor seja superior ao costumeiramente fixado pela Turma, hei por bem em mantê-lo tendo em conta a especialíssima situação em que submeteram-se crianças - filhos do torturado - sujeitos a assistir às sevícias.
Quanto à alegação de que os juros moratórios devem ser contados da data da ocorrência do evento danoso e não tão-somente da citação, de fato, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento segundo o qual o termo a quo para o início da contagem dos juros de mora é a data do evento danoso, havendo nesse sentido o enunciado sumular n. 54 no STJ.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95, por tratar-se de obrigação ilíquida, os juros moratórios devem fluir a partir da citação.
Dessa forma, recordando-se que os juros das obrigações líquidas vencem a partir da data do vencimento da obrigação e, em sentido contrário, em relação às obrigações ilíquidas em que se faz necessário o reconhecimento judicial, os juros vencem a partir da data da citação, diante da peculiar situação dos autos, os juros devem fluir a partir da data da citação, visto que se trata, na espécie, de obrigação ilíquida, só delineada por força da ação judicial, não incidindo, pois, o enunciado sumular nº 54/STJ.
Nesse sentido:
Dessa forma, os percentuais de juros de mora incidentes sobre os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09, que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, acrescentado pela Medida Provisória 2.180/01, devem observar os critérios nela disciplinados, mesmo nos processos em andamento, visto tratar-se de norma de natureza eminentemente processual, conforme já decidido pelo STJ, no julgamento dos EREsp 1.207.197.
Dessa forma, especificamente quanto aos juros de mora, deverá incidir o percentual de 1% (um por cento), conforme fixado na sentença, reduzidos em 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da entrada em vigor da Lei 11.960/09, ante a condenação imposta à Fazenda Pública.
Sobre a fixação dos honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, requereu a parte autora a sua majoração.
Por todo o exposto, nego provimento aos recursos de apelação da parte autora e do Estado de São Paulo, conheço e nego provimento à remessa necessária, tida por interposta, e ao apelo da União.
É como voto.
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Data e Hora: | 14/03/2014 16:01:32 |