D.E. Publicado em 17/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo retido, porém declará-lo prejudicado e dar parcial provimento à apelação para reformar a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito e, nos termos do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, declarar prejudicado o pedido relativo ao certame convocado pelo edital de 14.06.2007 e julgar parcialmente procedente a ação para, a partir da propositura da ação, contemplar a possibilidade de isenção de taxa de inscrição em relação aos candidatos hipossuficientes economicamente aos concursos de analistas e técnicos judiciários do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença prolatada nos autos da ação civil pública, que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, ao entendimento de que o pedido de inclusão no edital de concurso público de hipóteses de isenção da taxa de inscrição para candidatos economicamente hipossuficientes não pode ser acolhido por falta de interesse de agir do Ministério Público por inadequação da via eleita, porquanto descabe o ajuizamento de ação coletiva civil para veicular pretensão de índole tributária e também porque ilegítimo o Parquet para pleitear direito individual, patrimonial de natureza não difusa ou coletiva.
A ação foi proposta contra a União, na qual se requereu concessão de tutela antecipada para a paralisação imediata do concurso para analista e técnico judiciário organizado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cuja prova objetiva estava prevista para o dia 12.08.2007, até que constasse expressamente no edital a hipótese de isenção da taxa de inscrição e, ao final, que fosse julgado procedente o pedido e estendido aos futuros concursos a serem realizados para os cargos mencionados.
Em razão do despacho que postergou o exame da tutela requerida para após a manifestação da ré, o autor interpôs agravo de instrumento (nº 2007.03.00.085994-5), que foi recebido e processado sem a concessão da antecipação da tutela recursal. Posteriormente, houve conversão para agravo retido (fl. 244).
Em sua resposta de fls. 78/110, na qual junta cópia das informações prestadas pela Presidente do órgão público envolvido (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), a União alegou:
a) carência da ação por falta de interesse de agir pela inadequação da via eleita para reconhecimento do direito pretendido. Consoante o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.347/85 "Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, ..." Ademais, afirma, a natureza de tributo da taxa de inscrição está, há muito, consolidada na doutrina e na jurisprudência;
b) ilegitimidade ativa da autora para defender suposto direito individual homogêneo disponível de índole tributária, que não alcança toda a coletividade;
c) a cobrança da taxa de inscrição do certame subsiste em função da necessidade de acobertar as despesas dele advindas;
d) o artigo 11 da Lei nº 8.112/90, que regulamenta a forma de realização do concurso público, não condiciona que sejam estabelecidas isenções, apenas que, se houver, deverão ser ressalvadas no edital;
e) o inciso I do artigo 37 da Constituição Federal condiciona a acessibilidade aos cargos públicos à forma da lei e, nesse sentido, não há lei específica que isente o pagamento de taxas na inscrição do concurso, nem mesmo a Lei nº 1.060/50, que poderia ser aludida para esse fim, já que própria para custas judiciais;
f) o caput do artigo 37 da Carta Magna enumera os princípios a serem observados pelo administrador, de modo que, ao priorizar o princípio do amplo acesso aos cargos públicos, incorreria em ofensa aos princípios da legalidade, da separação de poderes, da igualdade, da razoabilidade e da reserva do possível;
g) não cabe ao Poder Judiciário pronunciar-se sobre mérito administrativo.
Às fls. 127/133, proferida decisão que, à vista da ausência da verossimilhança da alegação, indeferiu o pedido de antecipação de tutela.
Na contestação, a União, praticamente, reiterou os argumentos expendidos anteriormente (fls. 165/209).
Em sua manifestação sobre a contestação, o Parquet pugna pelo afastamento das preliminares de falta de interesse processual e ilegitimidade ad causam, porquanto a ação objetiva proteção aos princípios da isonomia e do amplo acesso aos cargos públicos, bem como tutela interesses difusos, entendidos como os "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato", consoante autoriza o parágrafo único do inciso I do artigo 81 da Lei nº 8.078/90, além do relevante interesse social em jogo. Aduz ainda que a chamada "taxa de inscrição" não tem natureza jurídica de tributo, pois não possui nenhum dos atributos que lhe são próprios (CTN, art. 77), já que o valor cobrado visa tão somente custear a entidade responsável pela organização do concurso. Quanto ao mérito, argumenta que não há que se falar em discricionariedade administrativa, uma vez que cabe ao ente estatal, embora possa determinar o pagamento de um valor para custeio do evento, prever também no edital hipóteses de isenção como dispõe o artigo 11, in fine, da Lei nº 8.112/90, verbis: "... ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas." Óbices de natureza econômica não se prestam para justificar violações de preceitos constitucionais e legais. Por fim, ressalta que eventual procedência do pedido não causará dano ao interesse público como alega a ré, pois o autor não se insurge contra o concurso, mas tão somente que aqueles que forem realizados a partir desta ação contemplem hipóteses de isenção para candidatos hipossuficientes economicamente, observados os princípios da igualdade e do amplo acesso aos cargos públicos (fls. 214/226).
Não foram especificadas provas por se tratar de questão de mérito unicamente de direito.
Acolhidas as preliminares de ilegitimidade ativa do Parquet para a propositura da ação e falta de interesse de agir por inadequação da via eleita, foi extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil (fls. 246/259).
Interposto recurso de apelação à fls. 267/281, o Ministério Público Federal requer, preliminarmente, o conhecimento do agravo retido nº 2007.03.00.085994-5. Quanto ao decisum, pede sua reforma e, nos termos do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, a condenação da União para que os editais dos concursos para analista e técnico judiciários a partir da propositura desta ação sejam contemplados com a possibilidade de isenção da taxa de inscrição para as pessoas hipossuficientes economicamente, nos termos dos artigos 5º e 37, inciso I, da Constituição Federal e artigo 11 da Lei nº 8.112/90. São aduzidos ainda no apelo os seguintes argumentos:
a) a sentença extintiva fundamenta-se na ilação de que a "taxa de inscrição" teria a natureza de tributo, contudo não se está diante da prestação de um serviço público, uma vez que o valor cobrado não possui nenhum dos atributos de taxa, consoante dispõe o artigo 77 do C.T.N.;
b) o termo "isenção" também não tem conotação tributária. Significará apenas que os menos favorecidos economicamente não devem pagar o valor fixado no edital;
c) o juízo a quo também não poderia considerar o valor da inscrição como tributo, pois este para ser criado, aumentado, reduzido ou extinto depende de lei (CF, art. 150, I);
d) excluída a natureza de tributo, não há que se falar em falta de interesse de agir por inadequação da via eleita e ilegitimidade do Parquet. Negar ao órgão ministerial a legitimidade de recorrer ao Judiciário afronta o artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna;
e) impossibilitar aos hipossuficientes de participarem nos concursos públicos pela sua incapacidade econômica é incompatível com a sociedade livre, justa e solidária e não concretiza o fundamento de dignidade da pessoa humana;
f) ao tutelar esses princípios, reflexivamente age o Ministério Público em prol dos interesses difusos da sociedade (CF, art. 129, III);
g) ainda que se entendesse que se trata de direitos disponíveis, o interesse de agir e a legitimidade do Parquet remanescem à vista do relevante interesse social (CF, art. 127).
Recebida a apelação no efeito devolutivo, porquanto o processo foi extinto sem resolução do mérito.
Contrarrazões apresentadas pela União às fls. 287/308, nas quais se reiteram os argumentos explicitados na contestação para que seja desprovido o recurso de apelação do órgão ministerial.
Remetidos os autos a esta corte.
Em seu parecer, o Procurador Regional da República manifestou-se no sentido de reafirmar a argumentação despendida na apelação e transcreveu vários arestos sobre o entendimento jurisprudencial a respeito do assunto. Pugnou, ao final, pelo provimento da apelação (fls. 315/322).
É o relatório.
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida pela Juíza Federal da 20ª Vara Cível Federal da Subseção Judiciária de São Paulo nos autos da ação civil pública, julgada extinta, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, ao entendimento de que o autor não tinha interesse de agir, uma vez que a lei da ação civil pública não autoriza o ajuizamento de ação coletiva que envolva pretensão de índole tributária e, ainda, por ilegitimidade ativa ad causam, à vista de que a legislação lhe veda a defesa de interesses individuais disponíveis.
O pedido deduzido na inicial refere-se à ausência de dispositivo de isenção de pagamento de taxa de inscrição aos hipossuficientes economicamente no edital para concurso público para provimento de vagas nos cargos de analista e técnico judiciários dos quadros permanentes de pessoal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (DOU, Poder Judiciário, Seção 3, 14 de junho de 2007), em flagrante desrespeito aos artigos 5º e 37, incisos I e II, da Constituição Federal.
Primeiramente, ressalte-se que o fato de o candidato que deu ensejo à ação do Parquet ter efetuado a inscrição e recolhido o valor da taxa não desqualifica a iniciativa ministerial, uma vez que, consoante o termo de declarações prestadas pelo requerente, não se pedia providência para ele, mas se noticiava a ausência de isenção no edital e que fosse possibilitada a dispensa do recolhimento em relação a todos aqueles que não tivessem condições de arcar com o valor exigido para concorrer (fl. 18).
I - DO AGRAVO RETIDO
Quanto ao agravo retido nº 2007.03.00.085994-5, conheço-o, já que requerida a sua apreciação nas razões de apelação, consoante dispõe o artigo 523, caput e § 1º, do Código de Processo Civil, no entanto declaro-o prejudicado, porquanto, com a realização do concurso e a nomeação dos aprovados, exauriu-se supervenientemente o objeto do pedido de suspensão do certame para que fossem previstas no edital as hipóteses de isenção da taxa de inscrição para candidatos economicamente hipossuficientes.
II - DO INTERESSE DE AGIR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Fundamenta-se a sentença na falta de interesse de agir do órgão ministerial em razão da espécie processual que veicula o feito, ao assentar que a taxa de inscrição em concurso público teria a natureza jurídica de tributo e, portanto, haveria incidência do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.347/85 (LACP), acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, que veda o ajuizamento de ação coletiva com pretensões de tal índole. Ocorre que, como se verá a seguir, o valor exigido não se enquadra na qualificação dada pelo juízo a quo.
O termo "tributo" é designação genérica de espécies: "impostos, taxas e contribuição de melhoria". Quanto à taxa, o artigo 145, inciso II, da Constituição Federal enuncia os fatos jurígenos genéricos que servem de suporte à sua instituição, verbis:
Assim também dispõe o artigo 77 do Código Tributário Nacional:
Assinale-se ainda o artigo 79 também do Código Tributário:
Dessome-se que não há na lei distinção entre taxa e preço público, no entanto a doutrina e a jurisprudência estabeleceram que os serviços públicos de utilidade, específicos e divisíveis, podem ser remunerados por preço, isto é, mediante regime contratual, ao passo que a taxa propriamente dita é exigida pelo regime de direito público, ou seja, é considerada tributo e sujeita às restrições do poder de tributar, tal que sua fixação e alterações só podem ser feitas por lei e observada a anterioridade. Quanto ao preço público, inexiste compulsoriedade e pode ser fixado sem as condicionantes da taxa. Há que se atentar ainda que o poder de polícia, exercido pelo poder público e indelegável, aplica-se em relação à taxa (tributo), mas não quando se trata de "preço público".
Ressalte-se que a Desembargadora Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, já em suas informações, destaca que o valor exigido para a inscrição não se trata de taxa, mas sim de preço público, transcreve jurisprudência e conclui que: "Assim sendo, não há cogitar-se de "taxa de inscrição" e, sim, de "valor de inscrição", o que corresponde, como já dito, a um preço público, cobrado dos candidatos para custear despesas relativas ao certame." (fl. 118)
Ademais, verifica-se que, conforme consta do edital de fls. 19/31, a responsável pela realização do concurso é a Fundação Carlos Chagas. A taxa de inscrição destina-se, em princípio, a custear os dispêndios do certame. Os concursandos não ostentam a condição de contribuintes, mas pagam um preço público que remunera os gastos da entidade contratada.
Destarte, como estabeleceu o Ministro Luiz Fux no julgamento do REsp 480.692, " ... 5. A fonte primária do direito tributário é a "lei" porquanto dominado esse ramo pelo "princípio da legalidade" segundo o qual não há tributo sem lei que o estabeleça, como consectário de que ninguém deve ser coativamente instado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei" (DJU 30.06.2003), se o valor da inscrição não foi instituído por lei, mas sim por contrato entre as partes, a conclusão óbvia é que não tem conotação tributária, o que afasta a aplicação do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.347/85 e, em consequência, a alegação de falta de interesse de agir do Ministério Público Federal. Além disso, a questão encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça. Basta observar os precedentes, dos quais destaco o seguinte aresto:
III - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Para decidir acerca da legitimidade ou não do órgão ministerial é necessário, primeiramente, saber quem se beneficiará com eventual procedência da ação. In casu, serão pessoas não determinadas, mas parte de um grupo formado por candidatos comprovadamente hipossuficientes economicamente que deseja se inscrever no concurso público para o provimento de cargos de analista e técnico judiciários do Tribunal Regional da 3ª Região.
Na doutrina, Hugo Nigro Mazzilli, em sua obra A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, assenta que quando se trata de interesses difusos - como o conceitua o CDC - há interesses ou direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato" e "compreendem grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos." Leciona ainda que em relação aos interesses difusos o "liame ou nexo que une o grupo de forma indivisível está essencialmente concentrado numa situação de fato compartilhada por um grupo indeterminável." Quanto aos interesses coletivos esclarece: "o que une o grupo é uma relação jurídica básica comum, que deverá ser solucionada de maneira uniforme e indivisível para todos seus integrantes" e ante interesses individuais homogêneos assinala que "há sim uma origem comum para a lesão, fundada tanto numa situação de fato compartilhada pelos integrantes do grupo, como numa mesma relação jurídica que a todos una, mas, o que lhes dá a nota característica e inconfundível, e que o proveito pretendido pelos integrantes do grupo é perfeitamente divisível entre os lesados." (13ª edição, Editora Saraiva, p. 46-47 e 52).
Para a defesa desses interesses existem as ações civis públicas, para as quais o Parquet está legitimado, consoante dispõem o artigo 5º, inciso I, da Lei nº 7.347/85 e artigo 82, inciso I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como o arcabouço legislativo consistente no artigo 129, inciso III, da Carta Magna, o artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85, os artigos 5º, inciso V, alínea "b", e 6º, inciso VII, alínea "c", da Lei Complementar nº 75/93 e o artigo 25, inciso IV, alínea "a", da Lei nº 8.625/93, que perfazem o quadro normativo constitucional e legal que complementam a legitimação ministerial. Confira-se o teor de cada um desses dispositivos:
O preceito constitucional expressa:
A Lei nº 7.347, de 24.07.1985, estatui:
A Lei Complementar nº 75, de 20.05.1993, dispõe:
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público - Lei nº 8.625, de 12.02.1993 - estabelece que:
Não se olvide, ainda, que dentre as funções institucionais do órgão ministerial se inclui o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos à observância dos princípios constitucionais da isonomia, da não discriminação e da publicidade, bem como da garantia ao amplo acesso aos cargos públicos.
Resulta, pois, que ao Ministério Público se confere o dever de salvaguarda, não apenas os direitos ditos indisponíveis, mas também os interesses socialmente relevantes, independentemente do caráter de indisponibilidade ou não do direito. José dos Santos Carvalho Júnior esclarece que:
Relativamente à taxa de inscrição em concurso público, a jurisprudência tem dado realce ao aspecto de relevância social, não obstante o seu caráter subjetivo, e acolhe a legitimidade ad causam do órgão ministerial para promover ação civil pública em favor dos candidatos hipossuficientes economicamente, consoante se observa em decisões das cortes superiores.
A Ministra Cármen Lúcia, no julgamento do AgRg no RE 500.879, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em 10.05.2011 (DJe 26.05.2011), firmou posição no sentido de que: "A legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública, não se restringe à defesa dos direitos difusos e coletivos, mas também abarca a defesa dos direitos individuais homogêneos, máxime quando presente o interesse social."
Por seu turno, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública relacionada a supostos desrespeitos a princípios constitucionais constantes do artigo 37, caput, da Constituição Federal. Nesse sentido, os arestos:
Demonstrado que o Ministério Público Federal possui interesse de agir e ostenta legitimidade para propor a ação, a sentença de extinção deve ser reformada e promovido o julgamento imediato da lide, com a subsunção do caso na teoria da causa madura, prevista no artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, por se tratar de questão exclusivamente de direito.
IV - DO JULGAMENTO DA LIDE
A) DA PERDA PARCIAL SUPERVENIENTE DO OBJETO
Pela regra do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, em relação ao concurso público objeto do edital publicado em 14.06.2007, o pedido restou prejudicado, uma vez que, após regular realização e empossados os candidatos aprovados para as vagas disponíveis, teve sua validade exaurida definitivamente em 02.04.2012.
B) DA PARTE REMANESCENTE DO PEDIDO
O § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 10.322, de 26 de dezembro de 2001, possibilitou às cortes, nos casos de reforma de sentença de extinção do processo sem resolução de mérito, dirimir de pronto a lide, desde que a mesma verse sobre questão exclusivamente de direito e esteja em condições de imediato julgamento, o que atende também o princípio constitucional da duração razoável do processo, o qual, inserido no âmbito dos direitos constitucionais individuais e coletivos pela Emenda Constitucional nº 45/2004, prescreve:
Como visto anteriormente, pleiteia-se na ação civil pública a inclusão no edital de concurso público de hipóteses de isenção da taxa de inscrição para candidatos economicamente hipossuficientes, relativamente ao certame para analista e técnico judiciários do Tribunal Regional da 3ª Região, cuja prova objetiva está prevista para o dia 12.08.2007, e que seja estendida aos futuros concursos para os referidos cargos.
A jurisprudência firmou entendimento no sentido de que a hipossuficiência econômica é premissa inafastável à aferição do direito à isenção de taxa de inscrição em concurso, como se pode verificar nos seguintes arestos:
A cobrança da taxa de inscrição e ressalvas às hipóteses de isenção arrimam-se no artigo 11 da Lei nº 8.112/90, que dispõe:
Por outro lado, a Constituição Federal, em seus artigos 5º, caput, e 37, inciso I, assegura o princípio da igualdade, que transmite a ideia de que os iguais serão tratados igualmente e os desiguais desigualmente na exata medida respectivamente e o amplo acesso aos cargos e empregos públicos àqueles que atendam aos requisitos exigidos. Nesse sentido:
Por se tratar de preceitos complementares, devem ser interpretados em harmonia. Conclui-se, portanto, que não é ilegal a cobrança de taxa destinada a cobrir os custos do certame, mas, por outro lado, não é absoluta, pois comporta exceção em relação aos candidatos hipossuficientes por força da própria lei e dos preceitos constitucionais mencionados.
Ressalte-se que não se questiona a constitucionalidade nem mesmo a vigência do artigo 11 da Lei nº 8.112/90, mas, com amparo nos princípios constitucionais da igualdade e do amplo acesso aos cargos públicos, é preciso assegurar aos candidatos carentes economicamente a participação no concurso público.
É indubitável que a cobrança da taxa de inscrição está amparada em dispositivo legal, como descrito anteriormente, contudo o caput do artigo 5º e o artigo 37, caput e incisos I e II, da Constituição garantem a todos os que preencherem os requisitos legais a igualdade na assunção de funções públicas por concurso. In casu, o certame para selecionar servidores para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região é baseado em provas de conhecimento, o que fica evidente que a situação econômica do candidato não é pressuposto para a seleção. Deduz-se, portanto, dos mencionados dispositivos da Carta Magna que aqueles que não disponham de numerário para se inscrever no concurso não podem ser impedidos de participar, já que não se admite no ordenamento jurídico a exigência de pressuposto econômico como critério de seleção. A ausência de hipóteses de isenção possibilitaria concluir que o concurso comportaria, indiretamente, uma pré-seleção, consistente em somente permitir aos mais aquinhoados economicamente de participar da fase de conhecimento do certame, a configurar uma injusta discriminação com parcela da sociedade.
A Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), com atuação no S.T.J., proferiu decisão unipessoal no REsp 1.069.148 (DJe 09.10.2008), para negar seguimento ao recurso, cuja matéria de fundo versava sobre vedação de isenção de taxa de inscrição em edital de concurso público, na qual transcreveu excerto do voto que ora se reproduz:
Nessa mesma linha, a Ministra Laurita Vaz ao proferir decisão singular em que negou seguimento ao REsp 709.995 (DJU 17.08.2007) assim se expressou:
Por toda essa fundamentação fica afastada a alegação da apelada de ofensa aos princípios da legalidade, da separação de poderes, da igualdade, da razoabilidade e da reserva do possível. Quanto ao argumento de que não cabe ao Poder Judiciário pronunciar-se sobre mérito administrativo, também não tem razão, pois não há que se falar em intromissão indevida em juízo de conveniência ou oportunidade ou mesmo de reserva do possível, porque não existe essa margem quando se trata de observância a princípios constitucionais, bem como de norma legal relativa à matéria. É até possível o sopesamento entre princípios, mas jamais os inobservar.
A aplicação do artigo 11 da Lei nº 8.112/90 em harmonia com os princípios constitucionais previstos nos artigos 5º, caput, e 37, caput, e inciso I, da Carta Magna leva ao deferimento de parte da pretensão do autor, no sentido de que, nos concursos que venham a ser realizados acerca dos cargos anteriormente referidos, os interessados possam, pelo princípio da publicidade, por meio do edital convocatório, tomar conhecimento dos critérios de isenção a que farão jus aqueles que preencherem os requisitos ali indicados.
Ante o exposto, voto para:
a) conhecer do agravo retido, porém declaro-o prejudicado;
b) prover parcialmente a apelação e, em consequência, reformar a sentença que extinguiu o processo sem resolução, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do C.P.C.;
c) em decorrência do artigo 515, § 3º, do C.P.C.,
c1) declarar prejudicado o pedido relativo ao certame convocado pelo edital de 14.06.2007 por perda superveniente do interesse de agir, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do C.P.C.;
c2) julgar parcialmente procedente a ação, com base no artigo 269, inciso I, do C.P.C., para condenar a União Federal a, nos concursos para analista e técnico judiciários do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a serem realizados a partir da propositura desta ação, contemplar a possibilidade de isenção de taxa de inscrição em relação aos candidatos hipossuficientes economicamente, observados os artigos 5º e 37, inciso I, da Constituição Federal e artigo 11 da Lei nº 8.112/90.
Sem condenação aos honorários de advogado, custas e despesas processuais, a teor do artigo 18 da Lei nº 7.347/85.
Certifique-se o desfecho nos autos do agravo retido.
É o voto.
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