Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006579-36.2004.4.03.6100/SP
2004.61.00.006579-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Prefeitura Municipal de Cruzeiro SP
ADVOGADO : LEIA LUCARIELLO ERDMANN GONCALVES e outro
APELADO : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : AUGUSTO MANOEL DELASCIO SALGUEIRO e outro

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor estudar a questão.


Compulsando ambos aos autos dos processos submetidos a julgamento conjuntamente pelo E. Relator, observo que os autos nº. 2004.61006579-3, estes iniciados como medida cautelar convertida em ação ordinária posteriormente (fls. 311), tratam de termo de confissão de dívida firmado entre o Município de Cruzeiro e a CEF, no valor de R$ 5.939.924,08, (cinco milhões, novecentos e trinta e nove mil e novecentos e vinte e quatro reais e oito centavos) atualizado até 24/05/2002, correspondendo ao período confessado de 06/1997 à 03/2002.

Nos autos nº. 2004.61.00.019319-2, refere-se o Município ao termo de confissão de dívida em valor de CR$ 1.109.120.212,99, (um bilhão, cento e nove milhões, cento e vinte mil e duzentos e doze cruzeiros e noventa e nove centavos) valor atualizado até 19/11/1993, referentes ao período entre 01/1967 e 10/1993.

Os pedidos são no mesmo sentido, de anulação de referidos termos e expedição de certificado de regularidade com o FGTS, cuja dívida confessada é de contribuições ao FGTS incidentes no período e os argumentos de direito deduzidos também os mesmos, sobre a obrigatoriedade do regime estatutário e inconstitucionalidade das leis municipais que submeteram os funcionários ao regime celetista, quais sejam, as leis municipais nº 2425/91 e 3064/97.


Portanto, com razão o E. relator ao submeter os feitos a julgamento conjunto, pois apesar de trará-se de pedidos diferentes (períodos diferentes) a causa de pedir, no que tange aos fundamentos de direito, é a mesma, e a solução adotada para um servirá ao outro.


Pois bem. Para a solução da questão é preciso saber qual o regime jurídico a que se submetiam os servidores do Município desde 1967 até 2002, período das confissões de dívida firmadas, e bem assim se a Câmara dos Vereadores de Cruzeiro estava autorizada, pela Lei Orgânica Municipal a alterar o regime jurídico dos servidores do Município por lei ordinária.


Fazendo um retrospecto legislativo, apenas desde 1971, segundo a prova constante dos autos, temos que:


A lei nº 1.078 de 16/12/1971 do município de Cruzeiro, promulgada em 1971, determinava em seu artigo 1º e parágrafo 1º a obrigatoriedade do regime jurídico estatutário aos servidores municipais:

Artigo 1º - Esta lei institui o regime jurídico dos funcionários públicos do município de Cruzeiro.
Parágrafo único - é de natureza estatutária o regime jurídico dos funcionários públicos do Município de Cruzeiro.

A lei Orgânica do Município foi promulgada em 05/04/1990 e diz o seguinte, no capítulo II, que trata dos servidores municipais (art. 84):

Artigo 84 - Para a organização da administração pública direta e indireta, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas, entre outras:
I - O Município instituirá regime jurídico único para os servidores da administração pública direita, das autarquias e fundações públicas, bem como planos de carreira:
(...)

A lei orgânica dispõe também em seu artigo 9º no capítulo das disposições gerais e transitórias:

Art. 9º - No prazo máximo de nove meses, o Executivo Municipal enviará à Câmara Municipal projeto do Estatuto dos Servidores Municipais, contendo preceitos sobre ingresso no serviço, forma e limites de remuneração, deveres e direitos dos servidores, planos de carreira, investidura em cargos em comissão e em funções de confiança, casos de contratações por tempo determinado e todas as demais normas inerentes aos Servidores Municipais.

E em seu artigo 10º:

Artigo 10. O Executivo e Legislativo terão o prazo máximo de seis meses para realizar concurso público, com o objetivo de regularizar os cargos e empregos que foram providos em desacordo com o artigo 84, incisos V e XXXVI, desta Lei orgânica;

Nesse artigo a lei se refere à regularização por meio da realização de concurso dos cargos e empregos efetivos providos em desacordo com a lei orgânica; e da vinculação somente ao nível de chefia e assessoramento dos cargos em comissão de livre nomeação e exoneração pelo prefeito Municipal.


A lei orgânica sofreu, até 2001, (fls. 175 e ss.) doze emendas, mas não no que tange ao regime jurídico dos servidores.


De fato, o artigo 30 da Lei Orgânica Municipal, no capítulo que trata do processo legislativo municipal, diz que poderão ser alteradas algumas matérias, dentre elas "estatuto dos servidores", por quorum de maioria absoluta dos votos dos Vereadores, in verbis:


Art. 30 - Dependerão do voto favorável na (sic) maioria absoluta dos membros da Câmara, a aprovação e as alterações das seguintes matérias:
V- Estatuto dos servidores municipais.


A lei 2.425/91, posterior, determinou que "o regime jurídico único adotado pela administração municipal deveria ser o celetista."


Já em 30 de janeiro de 1995, foi promulgada a lei 2876/1995, que instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, que em seu artigo 206 dispõe expressamente:

Art. 206 - Ficam submetidos ao regime instituído por essa lei, os servidores do executivo, Legislativo e autarquias.

E regulando os efeitos da modificação (de fato) operada pela 2.425 de 1991, dispôs ainda:

Art. 207 - Os servidores celetistas que na data da vigência dessa lei, estiverem com seus contratos suspensos ou interrompidos, somente serão enquadrados no regime estatutário após o seu retorno ao serviço.

Em 1997, porém, a lei 3064 de 30/05/1997 revoga a lei 2876/1995 e adota novamente o regime celetista para os servidores municipais.


Do retrospecto legislativo acima realizado, concluo o seguinte:


Os servidores do Município de Cruzeiro, desde 1971 eram regidos por estatuto (lei 1078/71)


A lei orgânica não só recepcionou esse estatuto, como instituiu REGIME JURÍDICO ÚNICO para os servidores municipais, estatutário, e determinou prazo máximo de nove mezes para o envio do projeto de novo estatuto dos servidores à Câmara dos Vereadores (art. 9º das Disposições gerais e transitórias da L.O.M.).


A lei 2.425/91 é lei ordinária, não poderia alterar a lei orgânica.


E mesmo que se a considerasse complementar, em virtude de eventual quorum, aqui não demonstrado, só poderia dispor sobre o estatuto dos funcionários e nunca alterar o regime de estatutário para celetista.


O Regime só poderia ter sido alterado, em meu entender, por emenda à Lei Orgânica do Município, seguindo o processo legislativo dos artigo 29 de seu próprio texto, que exige maioria absoluta para a aprovação da proposta de emenda a ser levada a votação - e esta só poderia ser aprovada por 2/3 dos membros da Câmara, em dois turnos de votação.


A lei 2876/1995, por sua vez, e por permissivo do artigo 30 1º, IV da Lei Orgânica Municipal, apenas instituiu novo estatuto para os servidores, substituindo o anterior, de 1971.


Pelo exposto, também a lei 3064/97 não poderia ter revogado o estatuto e instituído, novamente, o regime celetista, por afronta ao disposto na lei orgânica do município, da mesma forma que não poderia tê-lo feito a lei de 1991.


A Constituição Federal concede autonomia aos municípios, em seus termos, e assim dispõe sem seu artigo 29:


Art. 29 - O Município reger-se-á por lei orgância, votrada em dois turnos, com o insterstício mínimo de dez dias,e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estrabelecidos nesta constituição, na Consituição do respectivo Estado e dos seguintes preceitos:
XI- organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal.

Sobre a questão, trago a doutrina de Maria Sylvia Zanella di Pietro, que ao tratar do regime jurídico dos servidores públicos na constituição de 1988, inicia discorrendo sobre a aplicação do princípio da isonomia à matéria e logo após, diz o seguinte:

"(...) não bastassem essas normas, que são aplicáveis a todas as esferas de governo, a Constituição especificava, com relação aos servidores públicos, a forma como queria que a isonomia fosse observada, em aspectos como o regime jurídico 9que deveria ser único para os servidores da administração direta, autarquias e fundações públicas), a remuneração (em relação aos servidores em atividade, inativos e pensionistas) e as condições de ingresso.
A emenda Constitucional nº. 19, de 4/06/1998 trouxe algumas modificações nessa sistemática, pois excluiu a exigência de regime jurídico único, contida no caput do artigo 39, bem como a regra da isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo poder ou entre servidores dos poderes executivo legislativo e judiciário, que constava do parágrafo 1º do mesmo dispositivo.
Com a exclusão da norma constitucional do regime jurídico único, cada esfera de governo ficou com liberdade para adotar regimes jurídicos diversificados, seja o estatutário, seja o contratual, ressalvadas aquelas carreiras institucionalizadas em que a própria Constituição impõe, implicitamente o regime estatutário, uma vez que exige que seus integrantes ocupem cargos organizados em carreira (Magistratura ministério público, Tribunal de contas , Advocacia Pública, Defensoria pública e Polícia) além de outros cargos efetivos, cujos ocupantes exerçam atribuições que o legislador venha a definir como atividades exclusivas de Estado
(...)
Ocorre que o Supremo Tribunal federal, ao julgar a ADIn 2.135/DF, decidiu em sessão planária do dia 2/8/2007, suspender a vigência do artigo 39, caput da constituição Federal, em sua redação dada pela Emenda Constitucional nº. 19/98. Em decorrência dessa decisão volta a aplicar-se a redação originária do artigo 39, que exige regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, autarquias e fundações públicas.(g.n.)
O fundamento para a decisão foi que a proposta de alteração do Caput do artigo 39 não foi aprovada pela maioria qualificada (3/5 dos parlamentares) da Câmara dos Deputados, em primeiro turno, conforme previsto no artigo 60 2º da Constituição. A ministra Ellen Grace, ao proclamar o resultado do julgamento, esclareceu que a decisão tem efeito ex nunc vigorando a partir da data da decisão. (...)"

Como se infere do texto acima, regime jurídico único só pode ser o estatutário, pois a liberdade para instituir o regime contratual só houve no período de vigência da emenda 19/98.

E mesmo que assim não se concluísse, fato é que a lei orgânica do Município de Cruzeiro pretendeu que fosse o regime jurídico dos servidores, obrigatoriamente, o estatutário e não havia ali permissivo para a instituição de outro regime por lei, quer ordinária, quer complementar.


Por fim ressalto que a jurisprudência da Justiça do Trabalho colacionada, em meu entender, não elide o raciocínio aqui tratado, nem colidem seus efeitos, posto que a justiça trabalhista trata dos efeitos da lei vigente de fato sobre as relações também de fato travadas e perante terceiros, como bem mencionam alguns acórdãos citados pelo E. Relator em seu voto (fl. 6454): "Resta claro que a declaração de inconstitucionalidade das mencionadas leis municipais não elidirá os efeitos que as mesmas produziram perante terceiros durante a sua vigência mormente porque vem sendo reafirmado na jurisprudência, como se demonstru a eficácia da lei municipal nº 3.064/97" fato consituída e sob leis então vigentes".(gn)


Não se trata por fim, de declarar aqui a inconstitucionalidade de lei municipal, mas sim de reconhecer a sua desconformidade com a Lei Orgânica do Município, esta sim, editada legitimamente com base na Constituição Federal.


A ofensa à Constituição é, portanto, apenas reflexa, já que a matéria seria própria da Lei Orgânica do Município, por delegação constitucional - em que pese em alguns períodos, salvo na vigência da alteração do artigo 39 da Constituição Federal EC 19/98, não ter havido permissão constitucional para a adoção de regime contratual.

Posto isso, os termos de confissão de dívida assinados pelos representantes legais do Município devem ser anulados, posto que firmados em contrariedade à lei orgânica municipal, considerado que "à administração só é permitido fazer aquilo que a lei determina".


Ainda que os agentes públicos signatários o tenham feito sob a aparência de legalidade do termo, em conformidade à legislação vigente, são ineficazes para obrigar o Poder Público Municipal, pois firmados em contrariedade a sua Lei Orgânica.


Em conclusão, o regime celetista não foi validamente instaurado no município, ainda que tenha surtido efeitos de fato perante terceiros.


Os vereadores, pelo processo legislativo adotado, não tinham poderes para fazê-lo, não poderiam ter criado, da forma que criaram (lei ordinária), obrigações para o Município decorrentes da alteração do regime jurídico de seus funcionários, em contrariedade à Lei Maior do Município.


Somente por Emenda à Lei Orgânica a alteração poderia ter sido feita e lembre-se, mesmo assim, no período de vigência da EC 19/98.


Cumpre notar ainda que o período anterior à 12/1971, confessado (de 01/67 a 12/71) ao ser objeto de confissão de dívida, em 1993 não estava prescrito, porém, com a anulação do termo, resta prescrita a sua cobrança, ainda que, pela legislação trazida à baila pelo Município, não se possa afirmar se nesse período o vínculo era estatutário ou celetista ou se coexistiam.


Pelo exposto, ouso divergir do preclaro Relator e DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para anular os termos de confissão de dívida assinados pelos representantes legais do Município com a Caixa Econômica Federal, relativos à dívida apurada desde 01/1967 a 03/2002 (autos nº 2004.61006579-3 período confessado de 06/1997 à 03/2002 e autos nº 2004.61.00.019319-2, período entre 01/1967 e 10/1993) e determinar a ré que expeça o competente certificado de regularidade com o FGTS ao Município, se outro óbices não houver.

É como voto


LOUISE FILGUEIRAS


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006579-36.2004.4.03.6100/SP
2004.61.00.006579-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Prefeitura Municipal de Cruzeiro SP
ADVOGADO : LEIA LUCARIELLO ERDMANN GONCALVES e outro
APELADO : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : AUGUSTO MANOEL DELASCIO SALGUEIRO e outro

VOTO-VISTA

A par do respeito e admiração que nutro pelo Ilustre Relator, pedi vista dos autos para melhor examinar o caso.

Trata-se de remessa oficial, tida como interposta, de sentença de improcedência proferida nos autos de ação ordinária ajuizada pela PREFEITURA MUNICIPAL DE CRUZEIRO em face da CEF - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, representando a UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), com o fim de anular débitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS relativos aos períodos de 06/1997 a 03/2002.

Nos autos da Ação Ordinária nº 2004.61.00.019319-2, em apenso, em que se questiona, com os mesmos argumentos, débitos do FGTS relativos ao período de 01/1967 a 10/1993, também foi proferida sentença de improcedência, tendo sido reconhecida a intempestividade do recurso de apelação e estando pendente de julgamento remessa oficial, tida como interposta.

E tais débitos, conforme se depreende dos autos, foram constituídos em 23/11/1993 (Ação Ordinária nº 2004.61.00.019319-2) e 24/04/2002 (Ação Ordinária nº 2004.61.00.006579-7), mediante termos de confissão de dívida e compromisso de pagamento para com o FGTS.

Sustenta o autor, em suas razões, que as Leis Municipais nºs 2425/91 e 3064/97, que instituíram o regime celetista para todos os servidores municipais, são inválidas, vez que não tramitaram conforme previsto na Lei Orgânica do Município e na atual Constituição Federal.

Tais alegações, no entanto, não são suficientes para anular os débitos em questão, visto que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, que só podem ser ilididas mediante prova inequívoca a cargo do administrado.

Com efeito, a presunção de legitimidade é uma das qualidades ostentadas pelo ato administrativo. A importância desse atributo é basilar, na medida em que permite - juntamente com a imperatividade, a exigibilidade e a auto-executoriedade - à Administração Pública cumprir, com eficiência, a missão de gerir os interesses da coletividade.

Todo ato expedido pela Administração Pública no desempenho da função administrativa reveste-se de presunção relativa de acerto, visto que o princípio da legalidade impõe que a Administração aja somente de acordo com a lei.

Portanto, presume-se que, se a Administração Pública agiu, o fez de acordo com a lei.

Os atos administrativos presumem-se legítimos porque a Administração Pública somente pode atuar naquelas hipóteses e daquelas maneiras que a lei lhe permite ou exige.

Por força disso, a Administração Pública está dispensada de apresentar elementos que justifiquem os pressupostos de fato e de direito que levaram à expedição do ato. Somente a impugnação - deduzida na esfera administrativa ou judicial - é que abre a possibilidade ao administrado para discutir a legitimidade do ato, mediante a apresentação de provas que sejam capazes de remover a presunção de acerto que repousa sobre o ato administrativo.

Nesse sentido, ensina HELY LOPES MEIRELES, em seu Direito administrativo brasileiro (São Paulo, RT, 1983, pág. 112):

... conseqüência da presunção de legitimidade é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuide-se de argüição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia.

Raciocínio diverso implicaria em privar a Administração Pública de um importantíssimo instrumento, que lhe é conferido pelo regime jurídico-administrativo, para garantir a segurança jurídica e a celeridade necessária no desempenho das suas funções.

Cumpre ao intérprete sempre levar em conta que o regime jurídico-administrativo apóia-se em dois comandos nucleares: a) supremacia do interesse público sobre o privado e a b) presunção de legitimidade dos atos da Administração.

Assim sendo, em homenagem aos princípios acima declinados, não se pode aceitar a pura e simples argumentação de que determinado ato administrativo encontra-se maculado. Cabe ao administrado produzir provas que prestem suporte a essa alegação.

Nesse sentido, é o entendimento firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - INSS - COMPETÊNCIA - FISCALIZAÇÃO - AFERIÇÃO - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - ÔNUS DA PROVA.

1. Em se tratando de ação anulatória, incumbe ao autor o ônus da prova, no tocante à desconstituição do crédito já notificado ao contribuinte, em face da presunção de legitimidade e veracidade do ato administrativo, sendo, pois, necessário prova irrefutável do autor para desconstituir o crédito.

2. O artigo 333, incisos I e II, do CPC dispõe que compete ao autor fazer prova constitutiva de seu direito; e ao réu, prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Embargos acolhidos para sanar omissão relativa ao ônus da prova, sem efeitos modificativos.

(EDcl no REsp nº 894571 / PE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 01/07/2009)

No caso, conforme se depreende dos autos: (1) a Lei Municipal nº 1078/71, instituiu regime jurídico dos funcionários públicos do Município de Cruzeiro; (2) a Lei Orgânica do Município, de 1990, estabeleceu que o Município deveria instituir regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e fundações públicas; (3) a Lei Municipal nº 2425/91 determinou que o regime jurídico único adotado pela administração municipal deveria ser o celetista; (4) a Lei Municipal nº 2876/95 instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais; (5) a Lei Municipal nº 3064/97 revogou a Lei Municipal nº 2876/95, adotando novamente o regime celetista para os servidores municipais.

E não procede a alegação do Município no sentido de que qualquer alteração relativa ao Estatuto de Servidores Municipais só poderia ser realizada por meio de emenda à Lei Orgânica do Município, visto que esta prevê, em seu artigo 30, inciso V, que a aprovação e as alterações relativas ao Estatuto de Servidores Municipais depende de voto favorável da maioria absoluta dos membros da Câmara.

Por outro lado, como bem asseverou o Juízo "a quo" nas sentenças de fls. 580/585 destes autos e fls. 6092/6101 dos autos em apenso, da leitura das atas juntadas aos autos (fls. 203/216), não é possível afirmar que, na tramitação das Leis Municipais nºs 2425/91 e 3064/97, a exigência da maioria absoluta não foi observada.

E ainda que fossem consideradas inválidas as referidas leis, não se poderia concluir que os servidores do Município de Cruzeiro eram estatutários, ante a inexistência de prova, nos autos, no sentido de que foram admitidos pelo regime estatutário, ou seja, de que foram aprovados em concurso público ou, ainda, de que exerceram cargo em comissão, tendo, para tanto, sido nomeados e tomado posse.

Na verdade, há que se ter em conta que as Leis Municipais nºs 2425/91 e 3064/97 foram editadas muito antes do ajuizamento das presentes ações anulatórias, em 10/03/2004 (Ação Ordinária nº 2004.61.00.006579-7) e 12/07/2004 (Ação Ordinária nº 2004.61.00.019319-2), e, no seu período de vigência, geraram direitos e deveres, entre os quais destaco, por exemplo, a inexistência de estabilidade do trabalhador e o seu direito ao FGTS e, por outro lado, a obrigação do Município de descontar dele e de depositar o valor relativo ao FGTS.

Além disso, como bem assinalou o D. Magistrado "a quo" na sentença de fls. 580/585, não se sabe como foram admitidos os novos servidores nesse período, nem o tratamento dado aos que já eram servidores, sendo imprescindível a comprovação de que, no período de vigência das questionadas leis, o tratamento dado aos servidores foi, realmente, de estatuário, o que não ocorreu:

... Nestes autos, não existe, sequer, um rol dos servidores do município em relação aos quais a fiscalização constatou a falta de pagamento do FGTS. Não é, portanto, possível verificar como nem quando foram admitidos ao serviço do Município. Nem o tratamento que tiveram no período em discussão.

Aliás, no relatório fiscal da NDGC 505.057.531, há menção a uma relação nominal, de 115 páginas, dos empregados prejudicados, num total de 3668, mas esta não foi juntada aos autos (fl. 56). Além do que, no que diz respeito ao termo de confissão em discussão, não se sabe ao débito de FGTS de que servidores ele se refere.

Nestes autos, foi juntado o relatório de folha de pagamento dos empregados. Mas ele é de junho de 2005.

Também foram juntadas fichas de registro dos empregados. Mas elas não especificam a forma de admissão de todos. E não foram juntados contratos de trabalho, nem termos de nomeação e de posse.

Há, entretanto, menção a concurso público em algumas fichas de empregados, como, por exemplo, as de fls. 5635, 5637, 5639, 5641, 5643, 5646, 5654, entre outros. Trata-se, contudo, de minoria.

E há, também, menção a contrato de trabalho vencido e prorrogado por seis meses e por três meses (fl. 5652).

Observo, ainda, da ata da sessão de votação do Projeto de Lei que dispunha sobre o quadro geral de pessoal da Prefeitura de Cruzeiro, que, durante a sessão, o Vereador José C. Zinani assim se manifestou: "... Esse projeto adota como regime único da CLT, apesar que noventa por cento dos funcionários já tem o seu contrato regido por ela..." (fl. 214).

Trata-se, evidentemente, apenas de uma afirmação, mas é de se supor que retrate a verdade, já que a discussão era sobre a questão dos funcionários.

Em suma, o autor não demonstrou que o regime que prevalecia, no período relativo à notificação fiscal, era, efetivamente, o estatutário. E, embora o autor afirme que os servidores não possuem termo de opção, não é a ré que tem de fazer esta prova. O autor, que alega a existência do regime estatutário, é que tem que prová-lo.

No mesmo sentido, é a sentença proferida às fls. 6092/6101 dos autos em apenso.

E, mesmo em relação ao período em que prevalecia o regime estatutário, há de se comprovar que a cobrança incidiu indevidamente sobre a remuneração de servidores admitidos mediante aprovação prévia em concurso público.

Sobre o tema, confiram-se os julgados dos Egrégios Tribunais Regionais Federais:

TRIBUTÁRIO - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO FISCAL - FALTA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES DO FGTS - PRAZO PRESCRICIONAL - SUSPENSÃO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÕES EXCLUSIVAS PELO REGIME ESTATUTÁRIO - ÔNUS DA PROVA (ART. 333, I, CPC) - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19 - EXCLUSÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO - DECLARAÇÃO EM GUIA DE RECOLHIMENTO DO FGTS E INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL (GFIP) - CONFISSÃO DE DÍVIDA - INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO OU DE NOTIFICAÇÃO - DESNECESSIDADE - OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - INOCORRÊNCIA.

1. Alega o Autor que a Lei Orgânica do Município de Condeúba/BA dispõe em seu art. 15 que "o regime jurídico único dos servidores da administração pública, das autarquias e das fundações públicas é o estatutário, vedada qualquer outra vinculação de trabalho".

2. No entanto, prevê a Lei Municipal n. 326, de 05/12/1969 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município-Autor): "Art. 224 - o pessoal temporário será contratado no regime de Consolidação das Leis do Trabalho, observados os princípios estabelecidos neste Capítulo(...). Art. 225 - A contratação do pessoal previsto no artigo anterior, nos órgãos da administração municipal centralizada ou descentralizada, far-se-á observado o seguinte:(...) V - as contratações deverão ser feitas obrigatoriamente no regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço".

3. Admite o próprio Autor, na inicial: a) "com o advento da Emenda Constitucional nº 19 houve a exclusão do regime jurídico único, porém com a nova regulamentação da matéria, caberá a cada esfera de governo a liberdade de adotar o regime jurídico que lhe for mais convincente"; b) "de acordo com as cláusulas que compõem o termo de confissão com proposta de pagamento, o Município de Condeúba encontra-se em débito com a instituição no valor de R$ 613.359,61 (...), além disso, a assinatura do termo importa em confissão do débito de forma irretratável, constituindo ainda título da dívida líquida e certa".

4. O Município-Autor firmou, em 19/03/2001, o TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E COMPROMISSO DE PAGAMENTO PARA COM O FGTS, tendo solicitado posteriormente o reparcelamento de tal financiamento.

5. Demonstrou a CEF que o "município apresentou confissão de dívida através da GFIP(...), envolvendo o período de 11/2001 a 04/2004", e pagou mais de um quinto do financiamento relativo às competências 03/1970 a 09/2001, ficando liquidadas 40 parcelas, de 180. Tais fatos, por si sós, já são causa de suspensão do prazo prescricional, pelo que não há falar em prescrição da pretensão.

6. O Autor juntou tabelas relativas ao plano de carreira dos servidores do quadro permanente (cargos efetivos e em comissão) do município, assim como edital para abertura de concurso público, além de atas de sessões da Câmara Municipal.

7. No entanto tais documentos não são suficientes para comprovar as alegações (art. 333, I, CPC) de que: a) "não há no Município qualquer relação de trabalho submetida ao regime celetista, pelo contrário, todos os servidores são estatutários"; b) "mesmo aqueles servidores que mantinham com o Município relação de trabalho anterior à aprovação do Estatuto dos Servidores Municipais de Condeúba fizeram, à época, a opção pela estabilidade decenal".

8. De acordo com a jurisprudência, a declaração em Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP) constitui confissão de dívida fiscal, sendo desnecessária notificação ou instauração de processo administrativo para sua apuração, pelo que não há falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa.

9. Remessa oficial a que se nega provimento.

(TRF1, REO nº 2006.33.07.000360-4, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, e-DJF1 11/11/2011, pág. 961)

AÇÃO ORDINÁRIA - FGTS - ALEGAÇÃO MUNICIPALISTA DE QUE SEU REGIME A SER ESTATUTÁRIO - DÉBITO PRETÉRITO CABALMENTE RECONHECIDO PELO MUNICÍPIO, NA FIGURA DE SEU PREFEITO, TANTO QUE PEDIU O PARCELAMENTO DA RUBRICA - ÔNUS DO AUTOR INATENDIDO - AUSENTE DIREITO À CND - INCOMPROVADA A INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS - IMPROCEDÊNCIA AO PEDIDO.

1. Não é nula a r. sentença, vez que o reconhecimento de que devido pela municipalidade o Fundo de Garantia, por decorrência lógica, ofusca a postulação por devolução de valores, assim sem sentido a arguição, em apelo aviada.

2. Da documentação carreada ao feito, extrai-se que a Fiscalização embasou a autuação em folhas de pagamento, recibos de quitação, livros fiscais e de despesas, sendo que os encarregados da Seção de Contabilidade e do Setor de Pessoal atenderam ao Fiscal.

3. No ano de 1978, o próprio Prefeito do Município autor a ter reconhecido a existência de dívida para com o FGTS, tanto que postulou o parcelamento do débito, assim a tão-somente corroborar a existência de obreiros sob o regime do FGTS, improsperando, então, a tese de que seriam empregados com estabilidade.

4. Não se apresenta crível que a própria Administração tenha reconhecido ser devido o valor e, posteriormente, venha a ofertar discórdia com o quanto cristalinamente apurado em relação ao Fundo de Garantia inadimplido, não se tratando de relação privada, onde os seus proprietários podem livremente dispor de seus haveres, mas de público dinheiro, portanto não teria o Município "cegamente" tomado aquela decisão, se efetivamente não estivessem os seus trabalhadores vinculados ao FGTS hostilizado.

5. Olvida o Poder Público Municipal de que o convencimento jurisdicional é formado consoante os elementos carreados aos autos, demonstrando o cenário em desfile típico quadro de insuficiência de provas, em nenhum momento sendo ilidida a autuação em pauta, a qual, como mui bem sabe o Município, goza de presunção de legitimidade, assim somente fragilizada em face de provas robustas, o que inocorre no presente, como se observa.

6. Em sede de CND, assentado no Texto Constitucional o direito à obtenção de certidões (art. 5º, XXXIV, alínea "b"), clara se revela a classificação das certidões tributárias entre as espécies, quais sejam as puramente negativas, as puramente positivas e as negativas por equiparação legal, também consagradas como positivas com efeito de negativa, isto na forma do art. 206 do CTN.

7. Prescreve cuidar de certidões puramente negativas o art. 205 do mesmo Estatuto: por conseguinte e evidentemente, acesso a esta terá todo aquele que revelar a inexistência de débitos, perante o Estado.

8. Já a concessão de certidão de débito, positiva com efeito de negativa, nos termos do artigo 206, CTN, sujeita-se à comprovação de que os débitos envolvidos estejam com sua exigibilidade suspensa e ou garantidos por penhora em execução.

9. No caso vertente a parte autora não logrou êxito em provar a inexistência de débitos para com o Fisco, tampouco a alegada suspensão da exigibilidade em relação a todos os débitos existentes, sendo incabível, portanto, a almejada expedição de CND, sendo de se reformar a r. sentença.

10. Provimento à apelação economiária. Improvimento à apelação municipal e à remessa oficial, tida por interposta, reformada a r. sentença, para julgamento de improcedência ao pedido, sujeitando-se a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, no importe de R$ 10.000,00, com monetária atualização até o efetivo desembolso, artigo 20, CPC.

(TRF3, AC nº 0001061-17.1999.4.03.6108, 1ª Turma, Relator Juiz Federal Convocado Silva Neto, DJe CJ1 27/10/2011)

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ERRO MATERIAL - DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL - AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - TRIBUTÁRIO - MUNICÍPIO - CONTRIBUIÇÕES AO FGTS - SERVIDORES CELETISTAS - ESTABILIDADE CONFERIDA PELO ART. 19 DO ADCT - RETENÇÃO DE COTAS DO FPM.

1. Se fossem examinados os documentos juntados pelo Município, restaria clara e manifesta a total dispensabilidade e irrelevância da prova pericial. Conclui-se que, na verdade, o acórdão incorreu em erro material, pois houve crasso e evidente equívoco no mero exame visual das provas coligidas aos autos. Anular a sentença, nessa situação, representa total e absoluto desprezo pelos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas.

2. O erro material é passível de correção por meio de embargos declaratórios, calhando a atribuição de efeitos infringentes ao recurso. Ultrapassada a preliminar de nulidade da sentença, cabe analisar o mérito.

3. O art. 39 da CF de 1988, na redação original, adotou unicamente o regime estatutário para o ingresso de servidores na administração pública direta e indireta. Porém, até a Constituição de 1988, a administração pública podia manter servidores nos dois regimes (estatutário e trabalhista). Diante da duplicidade de regimes então existente, o legislador constituinte criou uma regra de transição, prevista no art. 19 do ADCT, a fim de solucionar o problema dos servidores contratados sob o regime da CLT antes da Constituição.

4. Improcede o argumento de que, após a Constituição de 1988, os servidores públicos não fazem jus ao FGTS. A estabilidade outorgada pelos arts. 19 do ADCT e 41, caput, da CF, não converte automaticamente o regime celetista em estatutário. A intenção do art. 19 do ADCT não foi o de transformar empregos em cargos públicos, mas unicamente de estabilizar os funcionários regidos pela CLT, até que se adequassem ao art. 39 da CF, submetendo-se a concurso público para ingressar no regime estatutário.

5. Os servidores municipais ocupantes de empregos e optantes pelo FGTS à época da CF, continuaram regidos pela CLT, ainda que alçados à condição de estáveis. Uma vez que todos os direitos que o empregado possuía antes de adquirir a estabilidade foram preservados, inclusive o FGTS, o Município permaneceu obrigado a continuar recolhendo a contribuição ao Fundo.

6. Conquanto a Lei Municipal nº 1.095/1976 institua o regime estatutário dos funcionários públicos municipais, o fato é que, antes da Constituição de 1988, coexistiam o regime estatutário e celetista para a admissão de servidores públicos, razão pela qual a mera edição da referida Lei não suprime a permanência dos servidores contratados pela CLT.

7. O autor não logrou comprovar que, no âmbito do serviço público municipal, não existiam contratados pelo regime celetista, em relação aos quais o recolhimento do FGTS era obrigatório.

8. Não afronta o artigo 160 da CF/88 a realização de parcelamento garantido por cotas do Fundo de Participação dos Municípios. Não há confundir a retenção pura e simples do FPM como forma de compensação por dívidas da União, cuja consecução é defesa pelo artigo 160, da CF, com a sua vinculação, fruto de prévio ajuste, à dívida fiscal.

(TRF4, AC nº 2003.70.01.008410-4, 1ª Turma, Relator Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik, DE 26/08/2010)

TRIBUTÁRIO - FGTS - TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA - REGIME ESTATUTÁRIO ADOTADO PELO MUNICÍPIO - RETENÇÃO DAS COTAS DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS.

1. Determina a Lei Orgânica do Município de Itaperuçu/PR que "o Município deverá estabelecer em Lei o regime jurídico de seus servidores" (art. 80). Trata-se, no caso, da Lei Municipal nº 013/93, que instituiu o regime jurídico dos Servidores do Município de Itaperuçu, de suas Fundações e Autarquias e conferiu, incontestavelmente, natureza estatutária ao regime de contratação. Tendo sido publicada no ano de 1993, afasta, em princípio, a obrigação do Município, a partir de então, de contribuir para o FGTS e demonstra a completa imprestabilidade do Termo de Confissão de Dívida em referência.

2. Insurge-se a CEF afirmando que o regime jurídico estatutário para servidores estabelecido pelo Município de Itaperuçu (Paraná) foi expressamente revogado por legislação municipal superveniente, com efeitos retroativos, e que determinou o recolhimento das contribuições pertinentes à previdência social. Tratar-se-ia da Lei Municipal nº 62/1996. O Município-autor sustenta que a Lei Municipal nº 062/96 nunca gerou seus efeitos, porque sequer vigeu. Carreou aos autos, nesse sentido, certidões da imprensa oficial do município, da sua Câmara Municipal e do atual prefeito. A CEF não logrou provar nos autos a vigência de tal lei municipal, ônus que lhe cabia. Restariam ao caso, destarte, os imperativos da Lei Municipal nº 13/93, pelos quais todos os servidores celetistas do município, a partir de sua vigência, passaram a ser regidos por regime estatutário próprio, o qual somente foi extinto pela Lei Municipal nº 215, de 06 de maio de 2003.

3. Todavia, a vigência de lei municipal que institui regime próprio de previdência não garante, por si só, a sua implementação e, por conseguinte, a desvinculação do regime celetista, bem como o pagamento das contribuições ao FGTS.

4. Entende esta Turma que, embora formalmente instituído o Regime Jurídico Único de servidores municipais, deve o ente federativo comprovar a efetiva implantação do sistema próprio de previdência, sua viabilidade, a forma de custeio e arrecadação de contribuições, como se daria a garantia e pagamento dos benefícios, tais como pensões, aposentadorias, etc. Tal entendimento, aliás, foi manifestado no próprio caso em exame quando do julgamento do AI n.º 2005.04.01.055169-2.

5. Com esse desiderato, o Município-autor trouxe aos autos - no corpo de perícia contábil particular que patrocinou - cópia de extratos contábeis-financeiros que discriminam (no período de amostra - Setembro de 2005) número de servidores que recebiam, de forma sistemática, benefícios concedidos por força de leis municipais, dentre as quais o Estatuto dos Servidores Públicos do Município (Lei Municipal 013/93) e outras esparsas. Entretanto, o alegado regime jurídico próprio foi extinto a partir de 2003. Assim, tal prova documental não se presta para demonstrar a efetividade ou implementação dos comandos da Lei Municipal 013/93.

6. Outros elementos de prova carreados aos autos conduzem o julgador ao sentido oposto daquele sustentado na inicial, isto é, demonstram que - embora formalmente instituído o seu regime próprio de previdência - o Município-autor não o implementou, mantendo-se, portanto, vinculado ao sistema celetista e ao recolhimento de contribuições ao FGTS. Primeiro, a própria celeuma a respeito da Lei Municipal 62/1996 indica a realidade política (no mínimo) "preocupada" com a ineficiência ou, mais precisamente, com a situação de "pendência" na implementação do regime próprio dos servidores municipais de Itaperucu. Segundo, as declarações do próprio Município-autor na seara administrativa de que a Lei Municipal 62/1996 teria "revogado" as disposições da Lei Municipal 13/93 ou de que o ente federativo viveria uma "controvérsia de regimes jurídicos". Terceiro, os arquivos magnéticos juntados aos autos pela CEF (em CD), cujos relatórios (parcialmente impressos e juntados aos autos pelo próprio Município-autor, indicam que, mesmo não-individualizados, o Município-autor recolheu valores ao FGTS no período guerreado.

7. Por fim, impõe-se proteger a presunção de validade da confissão de dívida ora atacada, isso diante de uma prova fraca ou insuficiente da ocorrência de vício que a invalide.

8. A retenção de cotas do Fundo de Participação do Município pelo Banco do Brasil até o limite da parcela inadimplida, com posterior repasse à CEF, estabelecida como garantia contratual em acordo de parcelamento dos débitos do FGTS, não encontra óbice na vedação inserta no art. 160 da Constituição Federal.

9. Sentença reformada.

(TRF4, AC nº 2005.70.00.032533-8, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, DE 06/03/2008)

FGTS - COBRANÇA - MUNICÍPIO - SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS E EMPREGADOS PÚBLICOS - CRÉDITO FISCAL - PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA.

1. O servidor público civil é sujeito ao regime estatutário, enquanto o mero empregado público é sujeito às leis trabalhistas.

2. Compreende-se como funcionários públicos propriamente ditos aqueles sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos, enquanto empregados públicos são os contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público.

3. Comprovada a existência de empregados contratados por regime diverso do estatutário, ou seja, celetistas, mantém-se a presunção de liquidez e certeza do débito exigido.

4. Para que seja afastada a presunção de exigibilidade do crédito fiscal (visto que presunção o é, podendo ser ilidida), há que se apresentar prova inequívoca.

5. No regime celetista, o vínculo de empregado e empregador é contratual, equiparando-se a Administração a um empregador comum.

(TRF4, AC nº 2000.04.01.140159-0, 1ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 01/10/2003, pág. 375)

Desse modo, considerando que o autor não trouxe, aos autos, elementos capazes de demonstrar a ilegalidade do ato que motivou a constituição do crédito relativo ao FGTS, era de rigor a rejeição dos pedidos de nulidade dos atos administrativos.

Diante do exposto e por esses argumentos, registrando aqui o respeito e admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele ouso divergir, para NEGAR PROVIMENTO à remessa oficial, tida como interposta, mantendo a decisão de Primeiro Grau, em seu inteiro teor.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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D.E.

Publicado em 20/07/2012
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006579-36.2004.4.03.6100/SP
2004.61.00.006579-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Prefeitura Municipal de Cruzeiro SP
ADVOGADO : LEIA LUCARIELLO ERDMANN GONCALVES e outro
APELADO : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : AUGUSTO MANOEL DELASCIO SALGUEIRO e outro

EMENTA

FGTS - CONTRIBUIÇÕES - ALTERAÇÃO DE REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES - NULIDADE DO TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA CELEBRADO ENTRE O MUNICÍPIO E A CEF - DÉBITO DEVE CORRESPONDER AO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO REGIME CELETISTA
1. Alegação de inconstitucionalidade das Leis Municipais nºs. 2.425/91 e 3.064/97. Não há previsão legislativa de que a matéria referente à alteração do regime jurídico dos servidores só possa ser tratada por meio de emenda á lei orgânica do município. Ao contrário, a previsão é expressa no sentido da possibilidade de alteração por meio de lei complementar.
2. A estabilidade outorgada pelos arts. 19 do ADCT e 41, caput da CF não converteram automaticamente o regime celetista em estatutário. A intenção do art. 19 do ADCT não foi o de transformar empregos em cargos públicos, mas unicamente de estabilizar os funcionários regidos pela CLT, até que se adequassem ao art. 39 da CF, submetendo-se a concurso público para ingressar no regime estatutário.
3. Só são devidas as contribuições ao FGTS do período em que os servidores mantiveram com o município vínculo celetista. Não são exigíveis as contribuições sociais referentes à competência de dez/71 a abr/91. É nula a avença firmada entre o município e a CEF, devendo o montante das contribuições devidas pelo município serem recalculadas, vinculando apenas o período em que os servidores do município eram regidos pelo vínculo celetista, ou seja, de maio de 1991 a outubro de 1993.
4. Não são devidas as contribuições ao FGTS do período em que os servidores mantiveram com o município vínculo estatutário.
5. Remessa oficial, tida por ocorrida, parcialmente provida.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região dar parcial provimento à remessa oficial, tida por ocorrida, tão somente para que se reconheça a inexigibilidade das contribuições ao FGTS referentes à época em que os servidores mantinham vínculo estatutário com o município, de dezembro de 1971 a abril de 1991, e declarar a nulidade do termo de confissão de dívida de fls. 24/26, celebrado entre o Município e a CEF, devendo ser recalculado o valor total da dívida, nos termos do relatório e voto médio do relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Proferiu voto-vista a DES. FED. RAMZA TARTUCE, negando provimento à remessa oficial, tida por ocorrida, a JUÍZA FED. CONV. LOUISE FILGUEIRAS, em retificação de voto, deu provimento à remessa oficial, tida por interposta.


São Paulo, 04 de junho de 2012.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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