D.E. Publicado em 21/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pela defesa e, no mérito, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Inicialmente, considerando que a denúncia narra que o réu era funcionário da Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA, sociedade de economia mista integrante da Administração Indireta do Governo Federal e proprietária das barras de trilhos, em posse do acusado, que teria se apropriado em razão de seu cargo, entendo que ele é considerado funcionário público para efeitos penais, nos termos do artigo 327, caput, do Código Penal.
Dessa forma, entendo que os fatos descritos na denúncia correspondem à figura típica prevista no artigo 312, caput, do referido diploma, que corresponde ao crime de peculato na modalidade apropriação, verbis:
Assim, tendo em vista que a denúncia imputa ao apelante a prática do delito previsto no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, entendo que é o caso de se aplicar o disposto no artigo 383 do Código de Processo Penal, para alterar a definição jurídica dada aos fatos pela denúncia, classificando a conduta do acusado na figura típica prevista no artigo 312, caput, do Código Penal, nos termos da fundamentação supra.
Não há qualquer limitação para a aplicação da denominada emendatio libelli pelo Tribunal, pois a desclassificação, operada sem qualquer outra providência, não resultará em ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão final ou ao direito de ampla defesa, pois não haverá surpresa para o acusado, que se defendeu amplamente dos fatos que lhe foram imputados na denúncia, conforme julgados do Superior Tribunal de Justiça:
Contudo, considerando que a pena mínima decorrente da prática do crime de peculato (dois anos) é maior do que a pena aplicada na sentença pela prática de apropriação indébita (um ano e quatro meses) e que há somente recurso da defesa, a fim de se evitar a reformatio in pejus, a reprimenda do apelante, em caso de manutenção da condenação, deve limitar-se aquela fixada em primeira instância, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido é a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça e desta C. Quinta Turma:
A preliminar argüida pelo réu referente à nulidade dos atos processuais praticados no âmbito do Juízo Estadual, bem como a sentença ora recorrida, pois não foram ratificados pelo Juízo Federal, tendo em vista que constou na sentença (fl. 371v) que "(...) Convalido todos os atos praticados na Justiça Federal, inclusive diante da ausência de qualquer nulidade (...)", deve ser rejeitada, pois, caso entendesse que não deveria convalidar os atos praticados na Justiça Estadual, teria anulado os mesmos, restando óbvio e claro que ocorreu um mero erro material.
No mérito, o réu pugna pela absolvição, alegando que: possuía autorização para comercializar 20% (vinte por cento) do excedente, conforme depoimentos testemunhais; a empresa vencedora do processo licitatório de aquisição dos materiais recebeu os respectivos produtos; os fatos narrados na denúncia constituem numa relação obrigacional e não crime; não agiu com dolo específico.
As provas colhidas nos autos são hábeis a ensejar decreto condenatório pela prática do crime de peculato, previsto no artigo 312, caput, do Código Penal.
A materialidade delitiva é incontestável, haja vista que foram avaliadas 40 (quarenta) barras de trilhos de aço, modelo TR-20, com oito metros de comprimento cada uma, cujo peso era de 6.400 kg (seis mil e quatrocentos quilos), em R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais), conforme Auto de Avaliação (fl. 15).
Por sua vez, a autoria restou igualmente comprovada.
Em que pese as alegações trazidas pela defesa visando a absolvição, os depoimentos testemunhais demonstram que de fato a empresa não concedeu nenhuma autorização no sentido de autorizar o acusado a comercializar eventual excedente de material e que a empresa "Cicloaço" não comprou ou recebeu o material em questão.
Através do depoimento de Luiz Vitório Meneguetti, tanto em sede policial (fls. 08/09), quanto judicial (fl. 192), conclui-se que é incontroverso o fato de que o réu Luiz Carlos Pereira apresentou-se a ele como representante da rede ferroviária, sendo que, após alguns dias, por volta do começo do mês de setembro de 2004, retornou ao pátio da capela de Ventania para retirar as barras de trilhos.
Confira-se:
Em sede de inquérito policial, o sócio-proprietário da empresa "Cicloaço Prod. Sid. LTDA", Valentin Aparício Escamilla, afirmou que sua empresa não esteve retirando material no pátio de Ventania, na cidade de Dois Córregos, nos meses de setembro e outubro de 2004; não recebeu qualquer material vindos daquele pátio; e não arrematou trilhos da RFFSA (fls. 116/117).
A seu turno, Francisco Aparecido da Silva, operador de máquina numa empresa que prestava serviços para a RFFSA, afirmou que o denunciado lhe pediu para carregar oito trilhos num caminhão, sendo que, em seguida, entrou no referido veículo e foi embora juntamente com o motorista (fl. 27).
Assim, os depoimentos de Luiz Vitorino Meneguetti e de Francisco Aparecido da Silva não corroboram a alegação da defesa de que o acusado teria entregado o material à empresa "Cicloaço", pois presenciaram tão somente o transporte e remoção dos trilhos do pátio da capela de Ventania.
Outrossim, Edson Pardo, testemunha de acusação, afirmou, em depoimento prestado perante autoridade policial (fl. 68), que é representante da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA e responsável pelo patrimônio da empresa, bem como que o procedimento adotado por Luiz Carlos Pereira não era legal, tampouco autorizado pela empresa. Ademais, disse que o acusado não comunicou à RFFSA acerca de eventual retirada dos trilhos do local pela empresa "Cicloaço", sendo que o procedimento correto a ser adotado seria comunicar à empresa sobre a sobra de material, para que o responsável lhe orientasse sobre o que fazer a respeito .
A testemunha de acusação Darci Bueno, ex-funcionário da RFFSA, afirmou que o acusado não tinha autonomia expressa da empresa para vender eventual excesso de material leiloado (fl. 308).
Portanto, a alegação do réu de que seria uma norma da empresa a entrega de até 20% do material excedente, mediante nota fiscal e pagamento pela empresa adquirente, não encontra respaldo.
Todavia, é certo que o elemento subjetivo (dolo), por residir apenas nas mentes dos agentes, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo, sendo que no crime de peculato, em sua modalidade apropriação, não se exige a presença do dolo específico, pois a vontade de pretender apossar-se de coisa alheia está inserida no próprio núcleo do tipo "apropriar-se".
Os elementos coligidos aos autos indicam a saciedade que o réu tinha plena ciência acerca da ilicitude de seu comportamento, consistente na apropriação de barras de trilhos de propriedade da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, não possuindo autorização para dar destinação diversa da determinada pela empresa.
Por outro lado, apesar desta E. Quinta Turma, em sessão realizada em 16 de julho de 2012, por ocasião do julgamento da apelação criminal nº 0005640-07.2004.4.03.6181, de minha relatoria, ter entendido ser possível aplicar o princípio da insignificância nos crimes de peculato, haja vista que o direito penal permanece como sendo ultima ratio, inclusive nos delitos contra a Administração Pública, portanto deve-se verificar se o valor do prejuízo foi ou não significativo para o erário.
Contudo, entendo não ser aplicável ao presente caso, tendo em vista que o valor dos bens apropriados é expressivo, uma vez que ultrapassa o valor de 12 (doze) salários-mínimos à época dos fatos, nos termos da Lei nº 10.888/04, aspecto objetivo que deve ser considerados para aplicar o referido preceito.
Destarte, o decreto condenatório deve ser mantido.
A pena-base foi fixada no mínimo legal. Em seguida, ausentes agravantes, atenuantes e causas de diminuição, a pena foi exacerbada em 1/3 (um terço) em razão da causa de aumento prevista no inciso III, § 1º, do artigo 168 do Código Penal.
Porém, considerando que o crime de peculato é próprio, pois somente pode ser praticado por funcionário público, a causa de aumento aplicada já é inerente ao próprio tipo penal, razão pela qual a pena deve ser definitivamente mantida em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em atenção a vedação da reformatio in pejus.
O regime inicial de cumprimento de pena, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e o valor unitário de cada dia-multa devem ser mantidos nos termos da sentença.
Por fim, tendo a pena privativa de liberdade sido substituída por duas restritivas de direitos, entre elas a prestação de serviços à comunidade, é certo que deve consistir em atribuições de tarefas gratuitas ao condenado, devendo ser observadas suas aptidões, nos termos do artigo 46, §§ 1º e 3º, do Código Penal, c.c. artigo 149, inciso I, da Lei nº 7.210/84.
Assim, tendo em vista o caráter impositivo da sanção, não tem o réu a faculdade de escolher a pena que melhor lhe convenha, cabendo ao Juízo da Execução analisar se ele tem ou não aptidão para executar determinadas tarefas, observando-se, em todo caso, a eficácia da substituição da sanção privativa de liberdade com o intuito de reprimir e prevenir a prática de crimes.
Ante o exposto, procedo, ex officio, à emendatio libelli, classificando a conduta do acusado no crime previsto no artigo 312, caput, do Código Penal, rejeito a preliminar argüida pela defesa e, no mérito, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação acima.
É o voto.
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