Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003263-22.2008.4.03.6117/SP
2008.61.17.003263-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : LUIZ CARLOS PEREIRA
ADVOGADO : SAMIR HALIM FARHA e outro
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EMENDATIO LIBELLI. PECULATO. ARTIGO 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR REJEITADA. MERO ERRO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA.
1. Acusado considerado funcionário público para efeitos penais, tendo em vista que era funcionário da Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA, sociedade de economia mista integrante da Administração Indireta do Governo Federal e proprietária dos bens apreendidos em razão do cargo.
2. Fatos descritos na denúncia correspondem à figura típica prevista no artigo 312, caput, do referido diploma, que corresponde ao crime de peculato na modalidade apropriação.
3. Não há qualquer limitação para a aplicação da denominada emendatio libelli pelo Tribunal, pois a desclassificação, operada sem qualquer outra providência, não resultará em ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão final ou ao direito de ampla defesa, pois não haverá surpresa para o acusado, que se defendeu amplamente dos fatos que lhe foram imputados na denúncia
4. Pena mínima decorrente da prática do crime de peculato é maior do que a pena aplicada na sentença pela prática de apropriação indébita e havendo somente recurso da defesa, a fim de se evitar a reformatio in pejus, a reprimenda do apelante, em caso de manutenção da condenação, deve limitar-se aquela fixada em primeira instância, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal.
5. Preliminar referente à nulidade dos atos processuais praticados no âmbito do Juízo Estadual, bem como a sentença ora recorrida, rejeitada, pois restou óbvio e claro que ocorreu mero erro material.
6. Materialidade delitiva incontestável conforme Auto de Avaliação.
7. A autoria igualmente comprovada através dos depoimentos testemunhais que demonstram que a empresa não concedeu nenhuma autorização no sentido de autorizar o acusado a comercializar eventual excedente de material e que a empresa "Cicloaço" não comprou ou recebeu o material em questão.
8. O elemento subjetivo (dolo) reside apenas nas mentes dos agentes, não podendo ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo, sendo que no crime de peculato, em sua modalidade apropriação, não se exige a presença do dolo específico, pois a vontade de pretender apossar-se de coisa alheia está inserida no próprio núcleo do tipo "apropriar-se".
9. Apesar do entendimento acerca da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos crimes de peculato, haja vista que o direito penal permanece como sendo ultima ratio, inclusive nos delitos contra a Administração Pública, deve-se verificar se o valor do prejuízo foi ou não significativo para o erário.
10. Princípio da insignificância não aplicável em face do valor expressivo dos bens apropriados, aspecto objetivo que deve ser considerado para aplicar o referido preceito.
11. Condenação mantida.
12. Crime de peculato é próprio, pois somente pode ser praticado por funcionário público, a causa de aumento aplicada já é inerente ao próprio tipo penal (artigo 168, III, §1º, CP), razão pela qual a pena deve ser definitivamente mantida em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em atenção a vedação da reformatio in pejus.
13. Caráter impositivo da sanção, não tendo o réu a faculdade de escolher a pena que melhor lhe convenha, cabendo ao Juízo da Execução analisar se ele tem ou não aptidão para executar determinadas tarefas, observando-se, em todo caso, a eficácia da substituição da sanção privativa de liberdade com o intuito de reprimir e prevenir a prática de crimes.
14. Procedida, ex officio, a emendatio libelli, classificando a conduta do acusado no crime previsto no artigo 312, caput, do Código Penal; preliminar rejeitada e, no mérito, apelação improvida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pela defesa e, no mérito, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 10 de setembro de 2012.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003263-22.2008.4.03.6117/SP
2008.61.17.003263-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : LUIZ CARLOS PEREIRA
ADVOGADO : SAMIR HALIM FARHA e outro
APELADO : Justica Publica

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, considerando que a denúncia narra que o réu era funcionário da Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA, sociedade de economia mista integrante da Administração Indireta do Governo Federal e proprietária das barras de trilhos, em posse do acusado, que teria se apropriado em razão de seu cargo, entendo que ele é considerado funcionário público para efeitos penais, nos termos do artigo 327, caput, do Código Penal.


Dessa forma, entendo que os fatos descritos na denúncia correspondem à figura típica prevista no artigo 312, caput, do referido diploma, que corresponde ao crime de peculato na modalidade apropriação, verbis:


"Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa."

Assim, tendo em vista que a denúncia imputa ao apelante a prática do delito previsto no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, entendo que é o caso de se aplicar o disposto no artigo 383 do Código de Processo Penal, para alterar a definição jurídica dada aos fatos pela denúncia, classificando a conduta do acusado na figura típica prevista no artigo 312, caput, do Código Penal, nos termos da fundamentação supra.


Não há qualquer limitação para a aplicação da denominada emendatio libelli pelo Tribunal, pois a desclassificação, operada sem qualquer outra providência, não resultará em ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão final ou ao direito de ampla defesa, pois não haverá surpresa para o acusado, que se defendeu amplamente dos fatos que lhe foram imputados na denúncia, conforme julgados do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO DIAMANTE. LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N.° 9.613/98. NULIDADE DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. MUTATIO LIBELLI NÃO CONFIGURADA. MERA EMENDATIO LIBELLI - DESNECESSIDADE DE PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES. ORDEM DENEGADA.
1-O princípio da correlação entre a peça vestibular e a sentença é um dos pilares do nosso processo penal, entretanto, tal princípio deve coexistir com o da livre dicção do direito, jura novit curia, isto é, o juiz conhece o direito, é ele quem cuida do direito, expresso na regra narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me o fato e te darei o direito).
2- Se o fato criminoso está descrito na denúncia, ainda que não tenha ali sido capitulado, pode o Juiz por ele condenar o acusado, posto que a defesa é contra os fatos e não contra a capitulação do delito.
3- A emendatio libelli é procedida de ofício, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição, sem qualquer formalidade prévia.
4 - Ordem denegada."
(HC 47.838/GO, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), 6ª Turma, DJe 14.4.2008)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP INEXISTENTE. DENÚNCIA. ADITAMENTO. EMENDATIO LIBELLI. MEDIDA DISPENSÁVEL. NARRATIVA ABRANGENTE QUE PERMITE OUTRA ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 171, § 3º, DO CP E ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. CONDUTAS DIVERSAS. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. SÚMULA Nº 7/STJ.
(...)
II - Se a imputatio facti, explícita ou implicitamente, permite definição jurídica diversa daquela indicada na denúncia, tem-se a possibilidade de emendatio libelli (art. 383 do CPP).
III - Não há, pois, nulidade decorrente da inobservância do mecanismo da mutatio libelli (art. 384 do CPP) se a exordial acusatória apresenta narrativa abrangente que admite outra adequação típica (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).
(...)"
(REsp 761.354/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 16.10.2006, p. 421)
"HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP.
1. O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da definição jurídica dada na denúncia.
2. A adequação típica pode ser alterada tanto pela sentença quanto em segundo grau, via emendatio libelli.
3. Se a nova classificação jurídica dada aos fatos, adequando a capitulação, nenhum dano trouxe ao paciente, já que se defendeu amplamente da narrativa inicial, não refletindo a conclusão do decisum em alteração na pena ou no regime carcerário, nenhuma nulidade há que se corrigir.
4. Ordem denegada."
(HC 41.527/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma, DJ 06.02.2006, p. 347)

Contudo, considerando que a pena mínima decorrente da prática do crime de peculato (dois anos) é maior do que a pena aplicada na sentença pela prática de apropriação indébita (um ano e quatro meses) e que há somente recurso da defesa, a fim de se evitar a reformatio in pejus, a reprimenda do apelante, em caso de manutenção da condenação, deve limitar-se aquela fixada em primeira instância, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal.


Nesse sentido é a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça e desta C. Quinta Turma:


"HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DENÚNCIA POR INFRAÇÃO AOS ARTS. 4º E 5º DA LEI 7.492/86. CONDENAÇÃO. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. APLICAÇÃO DO ART. 383 DO CPP. AFASTAMENTO DO DELITO DE GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E DESCLASSIFICAÇÃO EM RELAÇÃO À APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE VALORES. INCURSÃO NO ART. 312, § 1º, DO CP. PENA ELEVADA. IMPOSSIBILIDADE. REFORMATIO IN PEJUS. OFENSA AO ART. 617 DO CPP. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. 1. Perfeitamente possível, segundo entendimento pacificado nesse Superior Tribunal, a aplicação da emendatio libelli - permitida pelo art. 383 do CPP - em segundo grau, mas desde que nos limites do art. 617 do CPP, que proíbe a reformatio in pejus. 2. Evidenciado que o Tribunal, julgando recurso exclusivo da defesa, ao desclassificar a conduta do art. 5º da Lei 7.492/86 para aquela do art. 312, § 1º, do CP, aplicou finalmente pena mais severa do que aquela fixada em primeira instância pela mesma conduta, resta evidenciada a reforma a pior nesse ponto - dosimetria da pena - e ofensa ao art. 617 do CPP. 3. Ordem concedida para anular o acórdão tão-somente no ponto em que agravou a situação do paciente, qual seja, na parte referente à dosimetria da pena, devendo outro ser proferido, obedecendo-se aos limites previstos no art. 617 do CPP."(HC 200801059614, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:25/05/2009.)
"PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - EMENDATIO LIBELLI - POSSIBILIDADE NA SEGUNDA INSTÂNCIA, DESDE QUE OBEDECIDO O LIMITE IMPOSTO NO ARTIGO 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM SE TRATANDO DE RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - NOVA CAPITULAÇÃO QUE PARTIU DE PENA MÍNIMA CONSISTENTE EM QUANTITATIVO NO DOBRO DA PENA MÍNIMA ANTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - PENA FINAL QUE RESULTOU NO DOBRO DA PENA DEVIDA - ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A EMENDATIO LIBELLI E REESTRUTAR A PENA IMPOSTA. É possível, por ocasião da sentença, dar aos fatos narrados na denúncia nova capitulação, mesmo que esta venha a resultar em pena mais grave, pois a defesa é feita quanto aos fatos, logo, não ocorre quebra do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. É possível ao Tribunal efetuar a emendatio libelli, mas o legislador lhe impôs, em caso de recurso exclusivo da defesa, uma limitação: a pena não pode ser agravada. Se feita a emendatio libelli em segunda instância, a pena mínima do novo crime é o dobro daquela prevista na capitulação contida na sentença e se o acórdão modifica o entendimento quanto à análise das circunstâncias judiciais, considerando-as totalmente favoráveis ao réu, fixando-lhe pena mínima, impossível efetuar-se a emendatio, pois resultará em pena maior que a devida em face do novo entendimento sobre tais circunstâncias. Ordem concedida para restabelecer a capitulação feita na sentença e reestruturar a pena conforme a análise das circunstâncias judiciais feita pelo Tribunal a quo."(HC 200802323085, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:02/03/2009.)
"PENAL - RECEPTAÇÃO - MOTOCICLETA DE PROPRIEDADE DOS CORREIOS - OBJETO DE ROUBO - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS - APLICAÇÃO DO ART. 383 E 617 DO CPP - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - POSSIBILIDADE - PORTE DE MUNIÇÃO - ATIPICIDADE - LESIVIDADE NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1.- Não há provas da participação do apelado no roubo da motocicleta pertencente aos correios, contudo, sua conduta encontra tipificação no art. 180, caput, do Código Penal, na esteira das razões recursais apresentadas. 2.- Houve plena consciência do réu sobre a origem da motocicleta, já que acompanhada de baú para entrega de correspondências, do capacete e da capa de chuva, acessórios gravados com o símbolo da EBCT e que ali não se encontrariam, se a moto tivesse sido adquirida em um leilão, conforme alegação nos autos. 3.- Possibilita-se a adequação típica em segundo grau, via emendatio libelli (art. 383 do CPP), com observação do quanto disposto no art. 617 do CPP - vedada a reformatio in pejus -, para condenar o apelado como incurso nas penas do art. 180, caput, c.c. §6º, do Código Penal. 4.- O outro crime imputado ao acusado é de porte de munição e não há comprovação da potencialidade lesiva das munições, nada demonstrando que possuíam a capacidade de serem deflagradas, mantendo-se a absolvição. 5.- Pena-base fixada no mínimo, incidindo, na terceira fase, a causa de aumento prevista no §6º, do art. 180 do Código Penal, porquanto, o bem fora subtraído de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações. Segundo o dispositivo, a pena é aplicada em dobro, tornando-se definitiva, em 02 (dois) aos de reclusão e 20 (vinte) dias multa. 6.- Presentes os requisitos do art. 44, I, II e III, do Código Penal. 7.- Recurso ministerial parcialmente provido."(ACR 00078044920044036114, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/04/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - OMISSÃO RECONHECIDA - MODIFICAÇÃO DO JULGADO. 1.A rigor é possível a desclassificação jurídica em razão de emendatio libelli, na sentença de primeiro grau e até mesmo em grau recursal. Não pode, contudo, o acórdão agravar a pena para o réu, se o recurso foi por ele interposto. 2.No caso dos autos, pode-se dizer que não houve violação ao princípio da non reformatio in pejus, tendo em vista que não houve agravação da pena ao réu. 3.Ocorre que, como o v. acórdão embargado reconheceu que o réu era primário e de bons antecedentes e que as circunstâncias judiciais não o desabonavam, deveria fazer constar que a pena imposta seria a mínima prevista no artigo 299 do Código Penal, eis que a sentença também consignou que não haviam circunstâncias agravantes e atenuantes, nem causas de aumento e de diminuição. 4.Não se mostra correto enquadrar a conduta a um dado preceito primário e, ao mesmo tempo, aplicar o preceito secundário relativo a outro tipo penal. 5.Assim, na hipótese, é necessário reduzir a pena para o mínimo legal, para o crime de uso de documento ideologicamente falso (artigo 304 c.c. o artigo 299 do Código Penal). 6. Não ocorreu ofensa ao disposto no artigo 617 do Código de Processo Penal, além do que a redução da pena para o mínimo previsto no artigo 299 da lei penal supre qualquer alegação de violação ao princípio da proporcionalidade. 7. Prescrito o crime do artigo 308 do Código Penal, remanesce a pena de 01 ano pelo cometimento do crime do artigo 304 c.c. o artigo 299 do Código Penal. 8. Em consequência, deve ser revista a aplicação das penas alternativas a serem cumpridas pelo réu. E, de acordo com o que dispõe o artigo 44, § 2º do Código Penal, a pena privativa de liberdade igual ou inferior a um ano pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos ou multa. 9.Considerando que na decisão de primeiro grau, houve a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, adaptando-se a substituição à pena ora imposta, resulta na sanção de prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, como previsto no v. acórdão embargado. 10.Embargos de declaração acolhidos."(ACR 00089686320064036119, DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/04/2010 PÁGINA: 256 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Passo à análise da apelação interposta pela defesa.

A preliminar argüida pelo réu referente à nulidade dos atos processuais praticados no âmbito do Juízo Estadual, bem como a sentença ora recorrida, pois não foram ratificados pelo Juízo Federal, tendo em vista que constou na sentença (fl. 371v) que "(...) Convalido todos os atos praticados na Justiça Federal, inclusive diante da ausência de qualquer nulidade (...)", deve ser rejeitada, pois, caso entendesse que não deveria convalidar os atos praticados na Justiça Estadual, teria anulado os mesmos, restando óbvio e claro que ocorreu um mero erro material.


No mérito, o réu pugna pela absolvição, alegando que: possuía autorização para comercializar 20% (vinte por cento) do excedente, conforme depoimentos testemunhais; a empresa vencedora do processo licitatório de aquisição dos materiais recebeu os respectivos produtos; os fatos narrados na denúncia constituem numa relação obrigacional e não crime; não agiu com dolo específico.


As provas colhidas nos autos são hábeis a ensejar decreto condenatório pela prática do crime de peculato, previsto no artigo 312, caput, do Código Penal.


A materialidade delitiva é incontestável, haja vista que foram avaliadas 40 (quarenta) barras de trilhos de aço, modelo TR-20, com oito metros de comprimento cada uma, cujo peso era de 6.400 kg (seis mil e quatrocentos quilos), em R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais), conforme Auto de Avaliação (fl. 15).


Por sua vez, a autoria restou igualmente comprovada.


Em que pese as alegações trazidas pela defesa visando a absolvição, os depoimentos testemunhais demonstram que de fato a empresa não concedeu nenhuma autorização no sentido de autorizar o acusado a comercializar eventual excedente de material e que a empresa "Cicloaço" não comprou ou recebeu o material em questão.


Através do depoimento de Luiz Vitório Meneguetti, tanto em sede policial (fls. 08/09), quanto judicial (fl. 192), conclui-se que é incontroverso o fato de que o réu Luiz Carlos Pereira apresentou-se a ele como representante da rede ferroviária, sendo que, após alguns dias, por volta do começo do mês de setembro de 2004, retornou ao pátio da capela de Ventania para retirar as barras de trilhos.


Confira-se:


"(...) No pátio da capela de Ventania estavam depositados diversos trilhos, os quais não sabia quem era o proprietário. O padre teria pedido para que entrasse em contato com o responsável pelos trilhos e solicitasse a remoção deles daquele local. Recorda-se que uma pessoa identificando-se com representante da ferrovia disse que iria providenciar a retirada, Não sabe no nome dessa pessoa. Dias após, viu um movimento de pessoas e máquinas retirando os trilhos do local. Não é capaz de identificar quem estava retirando os trilhos. Apresentando nesta data o réu Luiz Carlos, o depoente o identifica como a pessoa que se apresentou como representante da Ferrovia e que informou que providenciaria a retirada dos trilhos.(...)"
(Luiz Vitório Meneguetti - testemunha de acusação - fl. 192)

Em sede de inquérito policial, o sócio-proprietário da empresa "Cicloaço Prod. Sid. LTDA", Valentin Aparício Escamilla, afirmou que sua empresa não esteve retirando material no pátio de Ventania, na cidade de Dois Córregos, nos meses de setembro e outubro de 2004; não recebeu qualquer material vindos daquele pátio; e não arrematou trilhos da RFFSA (fls. 116/117).


A seu turno, Francisco Aparecido da Silva, operador de máquina numa empresa que prestava serviços para a RFFSA, afirmou que o denunciado lhe pediu para carregar oito trilhos num caminhão, sendo que, em seguida, entrou no referido veículo e foi embora juntamente com o motorista (fl. 27).


Assim, os depoimentos de Luiz Vitorino Meneguetti e de Francisco Aparecido da Silva não corroboram a alegação da defesa de que o acusado teria entregado o material à empresa "Cicloaço", pois presenciaram tão somente o transporte e remoção dos trilhos do pátio da capela de Ventania.


Outrossim, Edson Pardo, testemunha de acusação, afirmou, em depoimento prestado perante autoridade policial (fl. 68), que é representante da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA e responsável pelo patrimônio da empresa, bem como que o procedimento adotado por Luiz Carlos Pereira não era legal, tampouco autorizado pela empresa. Ademais, disse que o acusado não comunicou à RFFSA acerca de eventual retirada dos trilhos do local pela empresa "Cicloaço", sendo que o procedimento correto a ser adotado seria comunicar à empresa sobre a sobra de material, para que o responsável lhe orientasse sobre o que fazer a respeito .


A testemunha de acusação Darci Bueno, ex-funcionário da RFFSA, afirmou que o acusado não tinha autonomia expressa da empresa para vender eventual excesso de material leiloado (fl. 308).


Portanto, a alegação do réu de que seria uma norma da empresa a entrega de até 20% do material excedente, mediante nota fiscal e pagamento pela empresa adquirente, não encontra respaldo.


Todavia, é certo que o elemento subjetivo (dolo), por residir apenas nas mentes dos agentes, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo, sendo que no crime de peculato, em sua modalidade apropriação, não se exige a presença do dolo específico, pois a vontade de pretender apossar-se de coisa alheia está inserida no próprio núcleo do tipo "apropriar-se".


Os elementos coligidos aos autos indicam a saciedade que o réu tinha plena ciência acerca da ilicitude de seu comportamento, consistente na apropriação de barras de trilhos de propriedade da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, não possuindo autorização para dar destinação diversa da determinada pela empresa.


Por outro lado, apesar desta E. Quinta Turma, em sessão realizada em 16 de julho de 2012, por ocasião do julgamento da apelação criminal nº 0005640-07.2004.4.03.6181, de minha relatoria, ter entendido ser possível aplicar o princípio da insignificância nos crimes de peculato, haja vista que o direito penal permanece como sendo ultima ratio, inclusive nos delitos contra a Administração Pública, portanto deve-se verificar se o valor do prejuízo foi ou não significativo para o erário.



Contudo, entendo não ser aplicável ao presente caso, tendo em vista que o valor dos bens apropriados é expressivo, uma vez que ultrapassa o valor de 12 (doze) salários-mínimos à época dos fatos, nos termos da Lei nº 10.888/04, aspecto objetivo que deve ser considerados para aplicar o referido preceito.


Destarte, o decreto condenatório deve ser mantido.


Passo à análise da dosimetria da pena.

A pena-base foi fixada no mínimo legal. Em seguida, ausentes agravantes, atenuantes e causas de diminuição, a pena foi exacerbada em 1/3 (um terço) em razão da causa de aumento prevista no inciso III, § 1º, do artigo 168 do Código Penal.


Porém, considerando que o crime de peculato é próprio, pois somente pode ser praticado por funcionário público, a causa de aumento aplicada já é inerente ao próprio tipo penal, razão pela qual a pena deve ser definitivamente mantida em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em atenção a vedação da reformatio in pejus.


O regime inicial de cumprimento de pena, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e o valor unitário de cada dia-multa devem ser mantidos nos termos da sentença.

Por fim, tendo a pena privativa de liberdade sido substituída por duas restritivas de direitos, entre elas a prestação de serviços à comunidade, é certo que deve consistir em atribuições de tarefas gratuitas ao condenado, devendo ser observadas suas aptidões, nos termos do artigo 46, §§ 1º e 3º, do Código Penal, c.c. artigo 149, inciso I, da Lei nº 7.210/84.


Assim, tendo em vista o caráter impositivo da sanção, não tem o réu a faculdade de escolher a pena que melhor lhe convenha, cabendo ao Juízo da Execução analisar se ele tem ou não aptidão para executar determinadas tarefas, observando-se, em todo caso, a eficácia da substituição da sanção privativa de liberdade com o intuito de reprimir e prevenir a prática de crimes.


Ante o exposto, procedo, ex officio, à emendatio libelli, classificando a conduta do acusado no crime previsto no artigo 312, caput, do Código Penal, rejeito a preliminar argüida pela defesa e, no mérito, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação acima.


É o voto.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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Data e Hora: 14/09/2012 17:34:30