Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001348-09.2010.4.03.6103/SP
2010.61.03.001348-9/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada Raquel Perrini
REL. ACÓRDÃO : Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAFAEL DOS SANTOS LOPES
ADVOGADO : EMERSON RODRIGUES MOREIRA FILHO e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00013480920104036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

VOTO CONDUTOR

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:


Tratam-se de apelações da acusação e da defesa contra a sentença proferida pelo Juízo da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que condenou o réu RAFAEL DOS SANTOS LOPES à pena 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e o pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/10 do salário mínimo, corrigido monetariamente, como incurso nos artigo 241-A e 241-B da Lei n.º 8.069/1990.

O feito foi levado a jugalmento na sessão do dia 31/07/2012. Em seu voto, a E. Relatora Juíza Juíza Federal Convocada Raquel Perrini negou provimento à apelação do réu e deu parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, para majorar a pena de multa relativa ao crime do artigo 241-B da Lei nº 8.069/1990, de 10 (dez) para 20 (vinte) dias-multa, mantida no mais a sentença recorrida.

Acompanhei a E. Relatora, pelas razões expendidas no seu voto, para negar provimento ao apelo da Defesa, na parte em que mantém a condenação pelo crime do artigo 241-A da Lei nº 8.069/1990; bem como para negar provimento ao apelo da Acusação na parte em que mantinha a pena-base no patamar fixado na sentença, com relação crime do artigo 241-A.

Com a devida vênia, ousei divergir da eminente Relatora, dando parcial provimento à apelação do réu para afastar a condenação pelo pelo crime do artigo 241-B da Lei nº 8.069/1990, em face da consunção, julgando prejudicada a apelação do Ministério Público Federal, na parte em que pedia o aumento da pena em relação ao referido crime, no que fui acompanhado pelo MM. Desembargador Federal Johonsom di Salvo.


Passo a proferir o voto condutor.


Quanto à tipificação legal, observo que o réu foi condenado como incurso nos artigos 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990 - ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, com a seguinte redação:


Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Com a devida vênia, não vejo como seja possível, do ponto de vista lógico, que uma pessoa possa divulgar uma imagem sem antes armazená-la ou possuí-la, ao menos por alguns instantes.

Ainda que na mídia digital seja possível posteriormente o apagamento das imagens divulgadas, por alguns instantes o agente teria que possuir essas imagens para poder divulgá-las.

No caso concreto, verifico que a prova da materialidade indica que no mesmo disco rígido, no HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, lacrado sob nº 0071585, foram encontradas as provas tanto do armazenamento quanto da divulgação das imagens pornográficas infantis. Ou seja, no caso concreto, não há dúvida de que o mesmo meio eletrônico utilizado para a divulgação das imagens foi também utilizado para o armazenamento das imagens.

Portanto, repito, não consigo imaginar a conduta do agente de praticar o crime do artigo 241-A do ECA sem antes praticar o crime do artigo 241-B da mesma lei. Em outras palavras, consigo imaginar como o agente possa divulgar a imagem pornográfica sem antes possuí-la.

Assim, aplico aqui o princípio da consunção, entendendo que o delito do artigo 241-B do ECA resta absorvido pelo crime do artigo 241-A.

Acrescento a esse raciocínio que o §1º do 241-A do ECA tipifica a conduta do agente que armazena as imagens destinadas à divulgação. Então, parece-me que a intenção do legislador a foi de punir de maneira menos severa aquele que é o consumidor das imagens pornográficas, ou seja, aquele que recebe as imagens veiculadas por meio da internet, mas não as divulga, e apenar de forma um pouco mais grave aquele que divulga essas imagens.

No caso dos autos, como restou comprovado que o réu praticou as condutas tanto do armazenamento quanto da divulgação, é cabível a condenação apenas pela divulgação, e não pelo armazenamento.

Nessa linha, dou parcial provimento ao recurso do réu aqui para afastar a condenação pelo crime do artigo 241-B do ECA, em virtude do princípio da consunção.

Fica prejudicada a apelação do Ministério Público, na parte em que pede o aumento da pena com relação ao artigo 241-B do ECA.

Dessa forma a pena resta fixada em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 20 dias multa, no valor unitário de em 1/10 do salário mínimo, para o crime do artigo 241-A do ECA, tal como consta do voto da E. Relatora

O regime inicial será o aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, e prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos em favor da entidade de proteção e abrigo a menores, a serem fixadas conforme dispuser o Juízo da execução.


Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso do réu para afastar a condenação pelo crime do artigo 241-B do ECA em face da consunção, e reduzir a pena para 03 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 20 dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos na forma supra citada; julgo em parte prejudicada a apelação do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, nego-lhe provimento.

É como voto.




MARCIO MESQUITA
Relator para o acórdão


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001348-09.2010.4.03.6103/SP
2010.61.03.001348-9/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada Raquel Perrini
REL. ACÓRDÃO : Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAFAEL DOS SANTOS LOPES
ADVOGADO : EMERSON RODRIGUES MOREIRA FILHO e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00013480920104036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA QUE IMPUTA AS CONDUTAS DE ARMAZENAR E DISPONIBILIZAR VIA INTERNET FOTOGRAFIAS E VÍDEOS CONTENDO PORNOGRAFIA INFANTO-JUVENIL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 241-A E 241-B DO ECA - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. AFASTADA A CONDENAÇÃO PELO DELITO DO ARTIGO 241-B.
1. Apelações da Acusação e Defesa contra sentença que condenou o réu à pena de seis anos e oito meses de reclusão, como incurso no artigo 241-A e artigo 241-B da Lei 8.069/1990, c.c. o artigo 69 do Código Penal.
2. O Laudo Pericial, resultante do exame do material apreendido, constatou a existência de grande quantidade de material pedófilo no computador do acusado. Havendo imagens ativas armazenadas no HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, resta caracterizada a materialidade do delito capitulado no artigo 241-B da Lei n.º 8.069/90, na modalidade de "armazenar".
3. O Laudo Pericial, resultante do exame do HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, registrou "que houve compartilhamento de fotografias contendo pornografia infantil através do software 'Shareaza'", restando caracterizada a materialidade do delito capitulado no artigo 241-A da Lei n.º 8.069/90, na modalidade de "disponibilizar".
4. A autoria restou inconteste. Apesar de negar a ciência do compartilhamento dos referidos arquivos, o conjunto probatório demonstra que o acusado tinha conhecimento de que compartilhava arquivos de conteúdo pedófilo, através do programa "Shareaza", instalado em seu computador, com outros usuários que também estivessem conectados. Além disso, o réu, por ocasião de seu interrogatório judicial, declarou que era estudante do curso superior de Tecnólogo em redes, não sendo crível que desconhecesse a funcionalidade de compartilhamento trazida pelo programa "Shareaza".
5. Quanto à pena-base, para o crime descrito no artigo 241-A da Lei nº. 8.069/90, o acréscimo operado pelo Juízo de 1º grau resta suficiente para a reparação do delito, não comportando nova majoração em razão dos argumentos trazidos pelo órgão ministerial, mormente porque a satisfação da lascívia do réu ou de terceiros são elementos do tipo penal, não se consubstanciando motivos do crime, objeto de análise das circunstâncias judiciais disciplinadas no artigo 59 do Código Penal.
6. Não é possível, do ponto de vista lógico, que uma pessoa possa divulgar uma imagem sem antes armazená-la ou possuí-la, ao menos por alguns instantes. Ainda que na mídia digital seja possível posteriormente o apagamento das imagens divulgadas, por alguns instantes o agente teria que possuir essas imagens para poder divulgá-las.
7. No caso concreto, no mesmo disco rígido (HD) foram encontradas as provas tanto do armazenamento quanto da divulgação das imagens pornográficas infantis, não havendo dúvida de que o mesmo meio eletrônico utilizado para a divulgação das imagens foi também utilizado para o armazenamento das imagens.
8. Não se consegue imaginar a conduta do agente de praticar o crime do artigo 241-A do ECA sem antes praticar o crime do artigo 241-B da mesma lei. Aplicação do princípio da consunção, entendendo-se que o delito do artigo 241-B do ECA resta absorvido pelo crime do artigo 241-A.
9. Acrescenta-se a esse raciocínio que o §1º do 241-A do ECA tipifica a conduta do agente que armazena as imagens destinadas à divulgação. A intenção do legislador a foi de punir de maneira menos severa aquele que é o consumidor das imagens pornográficas, ou seja, aquele que recebe as imagens veiculadas por meio da internet, mas não as divulga, e apenar de forma um pouco mais grave aquele que divulga essas imagens.
10. Restou comprovado que o réu praticou as condutas tanto do armazenamento quanto da divulgação, sendo cabível a condenação apenas pela divulgação, e não pelo armazenamento.
11. Apelação da Defesa parcialmente provida. Apelação da Acusação prejudicada em parte, e na parte conhecida, improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação do réu para afastar a condenação pelo crime do artigo 241-B do E.C.A em face da consunção, e reduziu a pena para 03 anos e 06 meses de reclusão e 20 dias-multa, sendo a primeira substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de 05 salários-mínimos em favor de entidade de proteção e abrigo de menores a serem fixadas conforme dispuser o Juízo da execução e, em caso de cumprimento da reclusão, o regime será o aberto, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, vencida a Relatora que negava provimento à apelação; e, também por maioria, julgar em parte prejudicada a apelação do Ministério Público Federal, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, vencida a Relatora que a conhecia integralmente e, na parte conhecida, a Turma, por unanimidade, negou-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora.




São Paulo, 31 de julho de 2012.
MARCIO MESQUITA
Relator para o acórdão


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Data e Hora: 26/09/2012 15:03:05



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001348-09.2010.4.03.6103/SP
2010.61.03.001348-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAFAEL DOS SANTOS LOPES
ADVOGADO : EMERSON RODRIGUES MOREIRA FILHO e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00013480920104036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


O Ministério Público Federal denunciou RAFAEL DOS SANTOS LOPES como incurso no artigo 241-A (por três vezes) e 241-B da Lei n.º 8.069/90 c/c art. 69 do Código Penal.

Narra a denúncia que (fls. 121/133):


"Consta do Inquérito Policial em anexo que no dia 26 de fevereiro de 2010, entre 7h e 8h da manha (momento do cumprimento da busca e apreensão deferida a fls. 108/108v dos autos 2009.61.81.002036-5), no imóvel localizado na rua Américo de Oliveira, nº 130, na cidade de Jacareí-SP, o Denunciado RAFAEL DOS SANTOS LOPES, com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, armazenava em seu computador - Disco Rígido (HD) marca Maxtor, série 6RY3CPYN - fotografias e vídeos que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em evidente afronta os preceitos estabelecidos na Lei 8.609/90.
Consta, também, que o ora denunciado, entre os dias 09 de dezembro de 2008 e 26 de fevereiro de 2010, com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, disponibilizou, por meio do software "Shareaza", (laudo UTEC/DPF/SJK/SP nº 028/2010 - fls. 94), fotografias e vídeos que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em evidente afronta os preceitos estabelecidos na Lei 8.609/90.
Consta, ainda, que o ora denunciado, no período entre 09 de dezembro de 2008 (criação do perfil 9648381182750876171 - fls. 55 dos autos 2009.61.81.002036-5) e 22 de dezembro de 2008 (cancelamento do perfil 9648381182750876171 - fls. 54 dos autos 2009.61.81.002036-5), com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, divulgou, no perfil 9648381182750876171 do site de relacionamento Orkut, fotografias que continham cenas de sexo ilícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em dentre afronta os preceitos estabelecidos na Lei 8.609/90.
Consta, por fim, que o ora denunciado, no período entre 14 de fevereiro de 2009 (criação do perfil 2697084282061287391 - fls.49 dos autos 2009.61.81.004314-6) e 17 de fevereiro de 2009 cancelamento do perfil 2697084282061287391 - fls. 48 dos autos 2009.61.81.004314-6), também com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, divulgou, no perfil 2697084282061287391 do site de relacionamento Orkut, fotografias que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em evidente afronta os preceitos estabelecidos na Lei 9.609/90.(...)"

A denúncia foi recebida em 03/08/2010 (fls. 134/135).

Após regular instrução, sobreveio sentença (fls. 249/253) que condenou o réu à pena de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, acrescida do pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor de 1/10 do salário mínimo vigente à época dos fatos cada, corrigido monetariamente o total a partir do trânsito em julgado.

O Ministério Público Federal apelou (fls. 258/263), requerendo que a pena-base seja aumentada em razão da repugnância dos motivos do crime e da existência de circunstâncias e consequências negativas do crime, bem como aumentada a pena de multa fixada na sentença.

O acusado apelou (fls. 271/277), postulando sua absolvição, nos termos do artigo 386, VII ou III, do Código de Processo Penal.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 282/287) e Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 290/295), pelo desprovimento do recurso da defesa e provimento do recurso da acusação.

É o relatório.

À revisão.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 13/04/2012 16:28:55



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001348-09.2010.4.03.6103/SP
2010.61.03.001348-9/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RAFAEL DOS SANTOS LOPES
ADVOGADO : EMERSON RODRIGUES MOREIRA FILHO e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00013480920104036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAQUEL PERRINI:


1. OS TIPOS PENAIS E A PEÇA ACUSATÓRIA


São estes os tipos penais descritos na denúncia:


"Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
I - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
II - assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º. (...)
"Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)".

De seu turno, a peça acusatória narra que (fls. 121/133):

"Consta do Inquérito Policial em anexo que no dia 26 de fevereiro de 2010, entre 7h e 8h da manhã (momento do cumprimento da busca e apreensão deferida a fls. 108/108v dos autos 2009.61.81.002036-5), no imóvel localizado na rua Américo de Oliveira, nº 130, na cidade de Jacareí-SP, o Denunciado RAFAEL DOS SANTOS LOPES, com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, armazenava em seu computador - Disco Rígido (HD) marca Maxtor, série 6RY3CPYN - fotografias e vídeos que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em evidente afronta os preceitos estabelecidos na Lei 8.609/90.
Consta, também, que o ora denunciado, entre os dias 09 de dezembro de 2008 e 26 de fevereiro de 2010, com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, disponibilizou, por meio do software "Shareaza", (laudo UTEC/DPF/SJK/SP nº 028/2010 - fls. 94), fotografias e vídeos que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em evidente afronta os preceitos estabelecidos na Lei 8.609/90.
Consta, ainda, que o ora denunciado, no período entre 09 de dezembro de 2008 (criação do perfil 9648381182750876171 - fls. 55 dos autos 2009.61.81.002036-5) e 22 de dezembro de 2008 (cancelamento do perfil 9648381182750876171 - fls. 54 dos autos 2009.61.81.002036-5), com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, divulgou, no perfil 9648381182750876171 do site de relacionamento Orkut, fotografias que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em dentre afronta os preceitos estabelecidos na Lei 8.609/90.
Consta, por fim, que o ora denunciado, no período entre 14 de fevereiro de 2009 (criação do perfil 2697084282061287391 - fls.49 dos autos 2009.61.81.004314-6) e 17 de fevereiro de 2009 cancelamento do perfil 2697084282061287391 - fls. 48 dos autos 2009.61.81.004314-6), também com pleno conhecimento do tipo penal e vontade de realizar a conduta proibida, divulgou, no perfil 2697084282061287391 do site de relacionamento Orkut, fotografias que continham cenas de sexo explícito e/ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, em evidente afronta os preceitos estabelecidos na Lei 9.609/90.(...)"

Daí se vê que ao réu foram imputadas as condutas de armazenar (art. 241-B da Lei n.º 8.069/90), disponibilizar e divulgar (art. 241-A da Lei n.º 8.069/90) material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.


2. DA MATERIALIDADE. A materialidade delitiva está amparada nos seguintes documentos:


a) Auto de Apreensão (fls. 29/30);

b) Informação técnica nº 001/2010 - UTEC/DPF/SJK/SP (fls. 34/40)

c) Laudos n.º 028/2010 e nº 030/2010 de Exame de dispositivo de armazenamento computacional - HD (fls. 90/95 e 96/99).


Consta do Auto de Apreensão de fls. 29/30 que foram apreendidos na residência do apelante: 41 (quarenta e uma) mídias diversas, 01 (um) celular da marca LG, com carregador, 01 (uma) máquina fotográfica, marca "SONY", modelo DSC-W5, cor preta, 01 (um) HD, marca "Maxtor", série E19PGLHE, lacrado sob nº 0000849, 01 (um) HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, lacrado sob nº 0071585 e 1 (um) "pen drive Kingston", com 1 Gb, cor branca.


Conforme informação técnica de fls. 34/40 foi encontrado no computador do réu vasto material contendo imagens e vídeos com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes.


O Laudo Pericial n.º 028/2010 (fls. 90/95), resultante do exame do material apreendido, constatou a existência de grande quantidade de material pedófilo no computador do acusado. A perita conclui que (fls. 91/92): "Devido à grande quantidade de material pedófilo encontrada, e ao tamanho dos arquivos de vídeo, os arquivos selecionados foram disponibilizados no Disco Rígido "Samsung", modelo SP 0411N, número de Série (S/N): S01JJ50Y757641.



2.1 - DA MATERIALIDADE DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 241-B DA LEI n.º 8.069/90 (ARMAZENAR)


Não há dúvida de que as imagens contendo cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente estavam armazenadas no computador do réu.


Foram periciados 2 (dois) discos rígidos:


1) 01 (um) HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, lacrado sob nº 0071585;

2) 01 (um) HD, marca "Maxtor", série E19PGLHE, lacrado sob nº 0000849.


O Laudo Pericial n.º 028/2010 (fls. 90/95), resultante do exame do HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, consignou que o disco rígido "contém farto material pedófilo. Foram encontradas imagens ativas, imagens deletadas e vídeos deletados no disco rígido analisado. Prejudicado quanto às datas de download. Não foi possível a Perita determinar as datas em que os arquivos foram 'baixados'. Os locais de armazenamento ("Caminho completo") dos referidos arquivos estão indicados em cada um dos arquivos disponibilizados no Disco Rígido (HD), anexo". (fls. 93)


O Laudo Pericial n.º 030/2010 (fls. 96/99), resultante do exame do HD, marca "Maxtor", série E19PGLHE, consignou que "não foram encontrados no Disco Rígido (HD), marca "Maxtor", série E19PGLHE arquivos contendo pedofilia".


Assim, havendo imagens ativas armazenadas no HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, lacrado sob nº 0071585, resta caracterizada a materialidade do delito capitulado no artigo 241-B da Lei n.º 8.069/90, na modalidade de "armazenar".


2.2 - DA MATERIALIDADE DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI n.º 8.069/90 (DISPONIBILIZAR E DIVULGAR)



O Laudo Pericial n.º 028/2010 (fls. 90/95), resultante do exame do HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, assim registrou:


"É possível afirmar que houve compartilhamento de fotografias contendo pornografia infantil através do software 'Shareaza' presente no disco rígido examinado. Pois tal software tem por característica o compartilhamento automático dos arquivos 'baixados". Tais arquivos encontravam-se na pasta 'HD250\Part_1\Principal-NTFS\Documents and Settings\Rafael\Meus documentos\Shareaza Downloads\' e foram selecionados, incluídos no disco rígido, anexo ao presente Laudo, devidamente referenciados" (fls. 94).

Assim, tendo ocorrido o compartilhamento de fotografias contendo pornografia infantil, através do software "Shareaza", a partir do HD, marca "Maxtor", série 6RY3CPYN, lacrado sob nº 0071585, resta caracterizada a materialidade do delito capitulado no artigo 241-A da Lei n.º 8.069/90, na modalidade de "disponibilizar".


Quanto à divulgação do material, a sentença bem pontuou a conduta, verbis:

"As provas produzidas nos autos são suficientes para concluir que o réu, entre 09.12.2008 e 22.12.2008, divulgou no perfil 9648381182750876171, na página de relacionamentos 'Orkut', fotografias que continham cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. (...) Também não restam dúvidas de que o aludido perfil foi operado a partir do IP (Internet Protocol) 201.93.210.73, que a investigação apontou como sendo relativo ao computador instalado no quarto do réu. É o que se extrai da análise dos documentos de fls. 89-90 e 101 dos autos de nº 2009.61.03.002036-5. (...) Ocorre que as informações prestadas pela Telefonica - Telecomunicações de São Paulo S/A indicam que o acesso à internet no dia 09.12.2008, às 19h10m20s ocorreu a partir do referido IP, com endereço na Rua Américo de Oliveira, 130, Jacareí/SP, que é exatamente o endereço do réu. Tais circunstâncias se reproduziram quanto ao perfil 2697084282061287391, também no 'site' de relacionamentos 'Orkut', mantido no período de 14.02.2009 a 17.02.2009. As imagens igualmente pornográficas, armazenadas no CD-ROM juntado às fls. 39 dos autos de nº 2009.61.03.004314-6 (em apenso), foram postadas nesse perfil a partir de números de IP (Internet Protocol) cujos endereços físicos eram, todos eles, os do réu, conforme informou a Telefônica (fls. 73-74 daqueles autos)" (fls. 250 e verso).

Ante essas circunstâncias, resta demonstrada a materialidade das condutas tipificadas nos artigos art. 241-A e 241-B, ambos da Lei n.º 8.069/90.


3. DA AUTORIA. O réu declarou em Juízo que nunca criou perfil falso no "Orkut". Alegou que seu computador ficava ligado constantemente e que várias pessoas tinham acesso a ele. Declarou que, quando era adolescente, estava num site de relacionamento e um "contato seu" lhe enviou uma foto pornográfica, que foi imediatamente apagada, tendo, ainda, excluído tal "contato" de sua lista. Disse que já aconteceu de virem fotos pornográficas para seu computador enquanto utilizava o programa "Shareaza", mas que sempre eram apagadas. Alegou não saber que tal "software" também possuía a função de compartilhamento de informações. Perguntado a respeito da quantidade de documentos pedófilos ativos no seu computador, respondeu que não os tinha visto. (depoimento gravado por mídia, às fls. 204)


A versão do acusado restou isolada do conjunto probatório, carecendo de credibilidade, especialmente levando-se em conta que, por ocasião de seu interrogatório judicial, em 09 de novembro de 2010, declarou que era estudante do curso superior de Tecnólogo em redes (fls. 202).


A testemunha de acusação, Valter Tadeu de Campos, declarou ter sido designada para a busca e apreensão de material pornográfico na residência do acusado e que tal material foi encontrado no computador que ficava no quarto do filho daquele. Sustentou, ainda, que o réu se defendeu alegando que, ao ligar o equipamento, recebia, automaticamente, imagens pornográficas.


José Darquino e Antônio Donizete Leite, vizinhos do acusado, foram chamados para servirem de testemunha da busca e apreensão e afirmaram desconhecer os fatos alegados na denúncia e que o réu é boa pessoa.


Os sogros do réu também prestaram depoimento, tendo declarado que ele sempre foi pessoa honesta e trabalhadora.


A esposa do acusado, ouvida como informante, relatou que certa vez, ao ligar o computador, percebeu que ele estava recebendo material pornográfico automaticamente. Assustada, ligou para o réu, e ele lhe instruiu a apagar o conteúdo pornográfico e passar o antivírus no equipamento.


A perita Carla de Oliveira Alves e Silva declarou ter encontrado tamanha quantidade de imagens ativas de conteúdo pedófilo no computador do réu que teve disponibilizá-las num disco rígido de computador. Disse ter recuperado o material que havia sido "deletado", mas que havia uma quantidade muito grande de imagens ativas espalhadas pelo HD. (depoimentos gravados por mídia, às fls. 204).


A autoria restou, portanto, inconteste.


Apesar de negar a ciência do compartilhamento dos referidos arquivos, o conjunto probatório demonstra que o acusado tinha conhecimento de que compartilhava arquivos de conteúdo pedófilo, através do programa "Shareaza", instalado em seu computador, com outros usuários que também estivessem conectados.


Além disso, conforme já consignado, o réu, por ocasião de seu interrogatório judicial, declarou que era estudante do curso superior de Tecnólogo em redes (fls. 202), não sendo crível que desconhecesse a funcionalidade de compartilhamento trazida pelo programa "Shareaza".


Consoante definição extraída da Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Shareaza), "shareaza é um software gratuito e de código livre licenciado sob a GNU General Public License, para compartilhamento de arquivos baseado em tecnologia P2P (peer to peer) no sistema operacional Windows. O Shareaza suporta os protocolos Gnutella, Gnutella2, eDonkey, FTP, HTTP e BitTorrent".



Destarte, amplamente comprovadas a materialidade e autoria dos delitos narrados na peça acusatória, não comporta acolhida o apelo da defesa que objetiva a absolvição do acusado com lastro na atipicidade fática e insuficiência probatória.

De seu turno, o recurso do Ministério Público Federal visa à majoração:


a) da pena-base em razão da repugnância dos motivos do crime e da existência de circunstâncias e conseqüências negativas do crime;

b) da pena de multa.


Quanto à pena-base, o magistrado majorou-a acima do piso legal:


a) para o crime descrito no artigo 241-A da Lei nº. 8.069/90 fixou-a em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em razão da grande quantidade de arquivos pedófilos encontrados em posse do réu e automaticamente compartilhados;

b) para o crime descrito no artigo 241-B da citada lei, estabeleceu-a em 02 (dois) anos de reclusão, em razão da grande quantidade de arquivos pedófilos armazenados no computador do acusado.


O acréscimo operado pelo Juízo de 1ºgrau resta suficiente para a reparação do delito, não comportando nova majoração em razão dos argumentos trazidos pelo órgão ministerial, mormente porque a satisfação da lascívia do réu ou de terceiros são elementos do tipo penal, não se consubstanciando motivos do crime, objeto de análise das circunstâncias judiciais disciplinadas no artigo 59 do Código Penal.


O apelo ministerial comporta parcial provimento tão somente para majorar a pena de multa relativa ao crime definido no artigo 241-B da Lei nº 8.060/90, uma vez que, ao ser cominada no piso legal - 10 (dez) dias-multa, não observou o critério de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, majorada acima do mínimo legal.


Desta feita, para tal delito fixo a pena de multa em 20 (vinte) dias -multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença.


Quanto ao crime descrito no artigo 241-A daquela lei, a pena de multa porquanto restou corretamente cominada e em observância ao critério da proporcionalidade com a sanção corporal: 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.


O regime inicial de cumprimento de pena estabelecido na sentença é o semiaberto, em razão das circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 33, § 3º do Código Penal, que deve ser mantido, mesmo porque sequer foi impugnado.

Diante do exposto:

a) nego provimento à apelação do réu;

b) dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal tão somente para majorar a pena de multa relativa ao crime descrito no artigo 241-B da Lei nº. 8.060/90, de 10 (dez) para 20 (vinte) dias-multa, mantida, no mais, a sentença recorrida.

É o voto.


RAQUEL PERRINI
Juíza Federal Convocada


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