D.E. Publicado em 27/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de CINTHIA MACERON, com o objetivo de viabilizar o trancamento da ação penal nº 0003650.73.2007.4.03.6181 em trâmite na 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campinas/SP, que apura a prática dos crimes previstos nos artigos 299, na forma do artigo 29, caput, e 71, todos eles do Código Penal, e do artigo 22, parágrafo único, da Lei Federal nº 7.492/86.
Em síntese, a impetração repisa a tese defensiva apresentada em resposta escrita, pugnando pelo deferimento de medida liminar para suspender o trâmite da ação penal e, definitivamente, a concessão da ordem para viabilizar o trancamento do feito consoante os seguintes fundamentos:
a) a falta de materialidade delitiva do crime de evasão de divisas tendo em vista que a prova que lhe serviu de substrato - declaração de rendimentos do correu Sandro Ricardo Paula Alves - foi declarada ilícita porque decorrente de quebra de sigilo fiscal sem autorização judicial, inexistindo suporte probatório para conferir justa causa à ação penal;
b) a ocorrência de cerceamento de defesa em virtude da prova obtida por interceptação telefônica não se encontrar acostada aos autos da ação penal de origem, muito embora tenha sido empregada pela autoridade policial, ao conduzir a investigação e pelo Ministério Público ao oferecer a denúncia;
c) a inépcia da inicial acusatória por considerá-la demasiadamente genérica, sem conter a descrição detalhada e individualizada da conduta imputada à paciente, baseando-se em meras presunções;
d) o crime de falsidade ideológica, se eventualmente ocorrido, não se consumou no Brasil;
e) a atipicidade da conduta em razão dos valores remetidos ao exterior serem inferiores ao limite estabelecido na Circular 3.313/06 para a configuração do tipo penal previsto no artigo 22 da Lei nº 7.492/86.
A impetração veio instruída com os documentos de fls. 41/847.
A autoridade coatora prestou informações às fls. 852/869.
O pedido de medida liminar foi indeferido por decisão deste Relator (fls. 871/875).
A Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem de habeas corpus (fls. 877/879).
É o relatório.
Em mesa.
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VOTO
Ratifico nesta oportunidade os fundamentos expendidos por ocasião da apreciação da liminar uma vez que nada de novo foi apresentado para alterar meu entendimento.
Antes de tudo, convém observar que o caso posto em análise decorre do desdobramento da Operação Monte Éden, que desmantelou complexa organização criminosa desenvolvida por meio do escritório de advocacia Oliveira Neves, já tendo o Superior Tribunal de Justiça, em relação a fatos semelhantes aos aqui tratados, concluído pela existência de justa causa para a persecução penal. Confira-se, neste sentido, o julgamento do HC nº 50.933-RJ, relatora Ministra Laurita Vaz:
Na hipótese em exame, a paciente foi denunciada pela prática, em tese, do crime de falsidade ideológica e crime contra o sistema financeiro porque, na qualidade de advogada do escritório de advocacia Oliveira Neves, prestou assessoria para promover a chamada "blindagem patrimonial" dos clientes Sandro Ricardo Paula Alves e Ana Paula Magatti Alves, também corréus da ação penal.
Na singularidade do caso não vislumbro a ocorrência de constrangimento ilegal na ação penal promovida em face da paciente.
Diversamente do que sustenta o impetrante, encontram-se presentes todos os pressupostos e condições de procedibilidade para o ajuizamento e prosseguimento da ação penal.
A denúncia foi formulada nos seguintes termos:
"Os denunciados, com vontade e consciência livres, em unidade de desígnios, para alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, fizeram inserir em documentos públicos informações falsas, utilizaram interpostas na lavratura dos documentos constitutivos e procurações das empresas uruguaias LIKANT TRADING SOCIEDAD ANÓNIMA, MAKRON INVESTIMENT SOCIEDAD ANÓNIMA e DILSEY TRADING SOCIEDAD ANÓNIMA, adquiridas na verdade pelos denunciados SANDRO RICARDO e ANA PAULA. Além disso, esses últimos dois denunciados omitiram da Declaração de Ajuste Anual Simplificada de Imposto de Renda de 2006 (ano-base 2005) informação juridicamente relevante, qual seja, a propriedade dessas empresas. Todas essas condutas foram praticadas com o fim de ocultar a propriedade dos bens imóveis que, no início de 2005, ainda estavam em nome de SANDRO RICARDO e ANA PAULA. Segundo SANDRO RICARDO, ele não queria ter transparência em seu patrimônio (f. 351). Para tanto, ele e sua esposa contrataram os serviços de CINTHIA MACERON, funcionária do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVESA, que com eles providenciou os conatos e a papelada necessária para a efetiva "blindagem" patrimonial.
Entre os anos de 2004 e 2005, com o auxílio de CINTHIA MACERON, funcionária do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES (f. 384-419), SANDRO RICARDO e ANA PAULA compraram as SAFI (Sociedade Anônima Financeira de Investimentos) uruguaias LIKANT TRADING SOCIEDAD ANÓNIMA, MAKRON INVESTIMENT SOCIEDAD ANÓNIMA e DILSEY TRADING SOCIEDAD ANÓNIMA. Contudo, os dois primeiros denunciados nomearam para as funções de diretores e procuradores interpostas pessoas, a fim de não se vincularem formalmente a essas empresas e, consequentemente, "blindarem" seu patrimônio imobiliário (f. 31-78 e 80-124 - documentos nos quais foram registradas algumas das falsidades ideológicas citadas). Os diretores nomeados foram indicados por CINTHIA MACERON, no exercício de suas atividades no escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, e os procuradores foram indicados por SANDRO RICARDO - tudo com a intenção de esconder a verdade sobre os reais proprietários das sociedades empresárias e dos bens que seriam a elas transferidos.
Para acomodar provisoriamente os bens imóveis que seriam ocultados, antes de transferi-los às SAFI LIKANT TRADING e MAKRON INVESTMENT, os denunciados constituíram, em 01.03.2005, a empresa DG OFFICE HOLDING PATRIMONIAL - e nela figuraram, ambos, como administradores, cada um com valor de participação na sociedade de R$ 334.125,00 - conforme ficha cadastral completa, anexa. A empresa possuía SANDRO RICARDO e ANA PAULA como sócios que, para integralizar o capital social, no total de R$ 668.250,00, transferiram para a empresa os bens imóveis então existentes em seus nomes (f. 172-179, 397 e 254-261 do Apenso II).
A intenção dos denunciados não era a de permanecerem por muito tempo como sócios da recém-criada empresa, mas sim a de transferir as respectivas cotas às SAFI uruguaias MAKRON INVESTMENT e LIKANT TRADING, ocasião em que eles, como pessoas físicas, estariam formalmente desvinculados da propriedade dos bens, mas, de fato, ligados a eles (aos bens) pela posse das ações ao portador representativas da propriedade das empresas uruguaias (documento entre as f. 300-303).
Para viabilizar a aquisição das suas cotas sociais pelas empresas uruguaias, SANDRO RICARDO e ANA PAULA, pro intermédio de CINTHIA MACERON e em conluio com membros do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, simularam operações de mútuo (nos quais o mutuante era empresa do grupo Oliveira Neves) que jamais existiram, com a finalidade de criar disponibilidade financeira para que as uruguaias MAKRON INVESTMENT e LIKANT TRADING tivessem, cada uma, capital suficiente para adquirir 50% do capital social da DG OFFICE (f. 211-214, 224-231, 219-222, 232-240).
O procedimento para a transferência das cotas foi iniciado em 08.06.2005, com o protocolo da solicitação de credenciamento da empresa DG OFFICE HOLDING PATRIMONIAL para acesso ao SISBACEN pela internet, com o fim de registrar o aporte de capital do exterior (f. 266 do Apenso II).
A efetivação da transferência de capital social dos dois denunciados para as empresas uruguaias somente não se concretizou em razão da expedição do cumprimento dos mandados de busca e apreensão no escritório de advocacia e na residência de ambos em 30.06.2005, data em que as negociações em andamento entre SANDRO RICARDO e ANA PAULA e o escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES foram paralisadas. Se não fosse isso, os denunciados teriam logrado êxito em, por meio das empresas uruguaias, ocultarem a real propriedade de diversos imóveis, inicialmente utilizados para a composição do capital social da sociedade empresária DG OFFICE.
Também não foi concluída a operação envolvendo a aquisição da empresa CREDCAMP FOMENTO MERCANTIL, de propriedade de SANDRO RICARDO e ANA PAULA, pela uruguaia DILSEY TRADING, embora as simulações de empréstimos tenham sido efetivadas (f. 215-217, 247-249 e 252-260).
Apesar da não concretização do ilícito civil (a ocultação dos bens por meio dos negócios simulados), a materialidade do ilícito penal, efetivamente consumado, é comprovada pelos documentos constitutivos das empresas LIKANT TRADING SOCIEDAD ANÓNIMA, MAKRON INVESTIMENT SOCIEDAD ANÓNIMA e DILSEY TRADING SOCIEDAD ANÓNIMA (f. 31-170), que demonstram a utilização de interpostas pessoas como diretores e procuradores dessas empresas, com o fim de ocultar a real propriedade delas.
Os denunciados, por três vezes, em continuidade delitiva, na forma acima narrada, fizeram inserir declaração falsa em documentos públicos (originalmente confeccionados no Uruguai, mas que produziram seus efeitos no Brasil após a tradução para o português por tradutor público juramentado).
Ademais em uma única conduta, em data posterior a essas, SANDRO RICARDO e ANA PAULA omitiram da Receita Federal informação que deveria constar da Declaração Anual Simplificada de 2006 (anexa por cópia), com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. A materialidade desse delito faz-se comprovar pela cópia da Declaração de Ajusta Anual Simplificada de 2006, na qual se verifica a inexistência da declaração da propriedade das cotas das empresas uruguaias no campo "Declaração de bens e direitos".
Além disso, SANDRO RICARDO e CINTHIA MACERON contribuíram para a manutenção no exterior, no ano de 2005, pelo primeiro, de depósitos não-comunicados à repartição federal competente - no caso, a Receita Federal do Brasil.
Com efeito, em nome da sociedade empresária MAKRON INVESTMENT SOCIEDAD ANÓNIMA havia depositados, em 28.02.2005, US$ 99.825,44 (f. 284 - documento 13), tendo como responsável pela movimentação da conta justamente SANDRO RICARDO PAULA ALVES (f. 283).
CINTHIA MACERON, que cuidou de todo o processo de "blindagem" patrimonial - já acima narrado - e SANDRO RICARDO, o dono do dinheiro, depositaram o valor na Conta nº 188001697-4 do Banco República, localizado na Calle Cerrito nº 351, em Montevideo, no Uruguai, onde ficou mantido até data desconhecida, e não comunicaram o fato à Receita Federal do Brasil. Com isso violaram o comando positivo do art. 25, §1º, inciso III, da Lei Federal nº 9.250/95 - e incorreram ambos no crime do art. 22, parágrafo único, da Lei Federal nº 7.492/86, na forma do art. 29 do Código Penal.
Em sua residência, SANDRO RICARDO matinha guardadas as ações ao portador da sociedade empresária MAKRON INVESTMENT SOCIEDAD ANÓNIMA (f. 302) - circunstância que robustece a propriedade do dinheiro depositado no exterior. SANDRO RICARDO não declarou o depósito dos US$ 99.825,44 em sua Declaração de Ajuste Anual Simplificada de 2006 (anexo, por cópia).
2) IMPUTAÇÃO PENAL
SANDRO RICARDO PAULA ALVES, ANA PAULA MAGATTI ALVES e CINTHIA MACERON praticaram o crime do artigo 299, na forma dos artigos 29, caput, e 71, todos eles do Código Penal. Por sua vez, SANDRO RICARDO PAULA ALVES e CINTHIA MACERON praticaram o delito do art. 22, parágrafo único, da Lei Federal nº 7.492/86."
Como se nota, a peça acusatória descreveu suficientemente a conduta criminosa atribuída à paciente, assim atendendo as exigências formais e materiais contidas no artigo 41 do Código de Processo Penal. A denúncia que descreve os fatos e aponta as circunstâncias do fato criminoso permite o exercício da ampla defesa e, por conseguinte, atende às exigências do art. 41 do Código de Processo Penal (STF: HC 110.524, Relatora: Minª. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012).
Conforme o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido, "eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP" (RHC 18.502/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 15.05.2006), situação que não acontece na singularidade do caso em que a denúncia é clara e permite a amplitude de defesa, o que vem sendo feito pelos operosos patronos da paciente.
Presentes indícios da prática de crime ("fumus commissi delicti") não é possível a interrupção prematura da ação penal, cujo prosseguimento, por certo, viabilizará o esclarecimento dos fatos imputados à paciente.
Já o acolhimento da alegada atipicidade ou falta de materialidade delitiva para o crime de evasão de divisas, a definição sobre o "locus delicti" do crime de falsidade ideológica, dentre outros argumentos deduzidos em defesa preliminar, requerem, nos termos em que foram postulados, uma incursão sobre fatos e o revolvimento de provas, o que é inviável na via estreita do habeas corpus (STF: HC 105.382, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 12/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 26-06-2012 PUBLIC 27-06-2012 - HC 104.925, Relatora: Minª. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 05/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012).
Por fim, no que diz respeito a tese de cerceamento de defesa em virtude da prova obtida por interceptação telefônica não se encontrar acostada aos autos da ação penal, observo que não há espaço para tratar da questão em sede de mandamus para o fim pretendido - trancamento da instância penal - porque tais elementos probantes podem ser trazidos aos autos no curso da instrução já que em sede de Processo Penal as partes podem "apresentar documentos em qualquer fase do processo" (artigo 231 do Código de Processo Penal), sendo que a espécie dos autos não configura uma das exceções possíveis; além disso, não é aqui o lugar adequado para perscrutar da maior ou menor relevância dessa prova para fins de juízo condenatório, menos ainda para se afirmar o caráter absoluto ou relativo de algum vício processual.
Por estes fundamentos, denego a ordem de habeas corpus.
É como voto.
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Data e Hora: | 20/09/2012 10:20:19 |