Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006339-85.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006339-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : IVAN PAES BARBOSA
ADVOGADO : FABIO RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00063398520064036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE INTRODUÇÃO CLANDESTINA DE ESTRANGEIROS NO BRASIL. ART. 125, XII, DA LEI N. 6.815/80. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO. ART. 149, § 1º, I C. C. O § 2º, I, TODOS DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS COMPROVADAS. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA - CONCURSOS FORMAL E MATERIAL DE CRIMES DEMONSTRADOS. REGIME SEMIABERTO FIXADO PARA INÍCIO DE CUMPRIMENTO DA PENA. VALOR DO DIA-MULTA MANTIDO EM 1 (UM) SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO. RECURSO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A materialidade e autoria do delito previsto no art. 125, XII, da Lei n. 6.815/80, estão demonstradas pelos interrogatórios e depoimentos das testemunhas que confirmaram que o réu introduzia os paraguaios em território nacional, de maneira clandestina, para trabalhar em sua propriedade rural.
2. Como se depreende dos depoimentos trazidos nos autos, o acusado fez ingressar em território nacional estrangeiros que sabia irregulares. Assim o fez de maneira dolosa, contrariamente do que pretende demonstrar a defesa.
3. A materialidade e autoria do delito previsto no art 149, § 1º, II, c. c. o § 2º, I, do Código Penal encontram-se demonstradas pelos interrogatórios e depoimentos das testemunhas que confirmaram que o réu mantinha vigilância ostensiva sobre os paraguaios que prestavam serviços em sua propriedade rural.
4. Os depoimentos são unânimes em afirmar que os trabalhadores paraguaios não podiam sair da propriedade do réu sem prévia autorização, ainda que fora do horário de trabalho.
5. Quanto ao delito previsto no art. 125, XII, da Lei n. 6.815/80, a pena foi bem fixada pelo Juízo a quo. A pena-base foi fixada no mínimo legal, sendo as circunstâncias judiciais favoráveis ao réu (art. 59 do Código Penal).
6. Não restam dúvidas de que o réu cometeu o delito por três vezes, em concurso material. Não há como atender-se o pedido do Ministério Público Federal, para reconhecimento do concurso material por 23 vezes, ou o número de paraguaios ilegalmente introduzidos no país. Esse número não foi comprovado durante a instrução criminal, não podendo ser levado em conta para fixação da pena.
7. Não há como reconhecer o concurso material nos termos em que requerido na apelação do Ministério Público Federal, devendo ser mantida a condenação do acusado, por este delito, nos exatos termos em que lançada pela sentença, ou seja, 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.
8. Quanto ao delito de redução à condição análoga à de escravo verifico, nos termos do art. 59 do Código Penal, que o acusado é portador de bons antecedentes, e o seu dolo foi o normal ao cometimento do delito, motivo pelo qual a pena-base é fixada em 2 (dois) anos de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. Todavia, uma das vítimas possuía, à época do cometimento do delito, idade inferior a 18 anos, devendo incidir a qualificadora prevista no § 2º, I, do art. 149 do Código Penal, motivo pelo qual a pena do autor deverá ser acrescida da metade, restando fixada a pena-base em 3 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.
9. Não existem circunstâncias agravantes a serem consideradas. Todavia, à época da sentença, o réu contava com mais de setenta anos, devendo sua pena ser diminuída de 1/6, nos exatos termos do art 65, I, do Código Penal, fixando-se a sanção em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e 12 (doze) dias-multa.
10. Não existindo causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas, a pena deve ser mantida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e 12 (doze) dias-multa.
11. Ainda quanto a prática do crime do art. 149, § 1º, II, do Código Penal, verifica-se o concurso formal de delitos, nos termos do art. 70 do Código Penal. Mediante mais de uma ação, o réu cometeu na o delito por pelo menos três vezes, motivo pelo qual se aumenta a pena aplicada em 1/3, resultando a pena definitiva de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e 16 (dezesseis) dias-multa.
12. Dada o concurso material entre os delitos pelos quais o réu foi condenado, art. 125, XII, da Lei n. 6.815/80 e art. 149, § 1º, II c. c. o § 2º, I, do Código Penal, somadas as penas aplicadas ao réu, constata-se que a pena privativa de liberdade imposta é de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses, além do pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, o que impede a sua substituição por penas restritivas de direitos.
13. O regime inicial de cumprimento de pena é o semiaberto, devendo ser cumprida, inicialmente, a pena de reclusão e, na sequência, a pena de detenção, nos termos do art. 69 do Código Penal.
14. No que tange ao valor da pena de multa, mostrou-se bem fixada na sentença. De fato, o valor fixado pelo MM. Juízo a quo, de 1 (um) salário mínimo por dia-multa não restou dissociada da realidade dos autos, além de o acusado não demonstrar não ter condições de cumpri-la. Todavia, ainda poderá obter a sua redução, se vier a comprovar a impossibilidade de fazê-lo, perante o juízo das Execuções Penais.
15. Recurso da defesa desprovido. Apelo da acusação parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso da defesa e dar parcial provimento ao apelo da acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de dezembro de 2012.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal em substituição regimental


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006339-85.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006339-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : IVAN PAES BARBOSA
ADVOGADO : FABIO RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00063398520064036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO-VISTA

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por Ivan Paes Barbosa, em face da r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que condenou o acusado como incurso nas penas do artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80, em concurso material (três vezes), à pena de 03 (três) anos de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixando o valor de cada dia-multa em 01 (um) salário mínimo. A pena privativa de liberdade restou substituída por uma restritiva de direitos, com a duração da pena substituída, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas.

Para melhor análise dos fatos, pedi vista destes autos, quando da sessão de julgamento de 05 de novembro de 2012, tendo os autos vindo-me conclusos em 08 de novembro do corrente ano, a fim de analisar a materialidade das condutas imputadas ao réu.

Pois bem, melhor analisado o feito, não tenho qualquer dúvida em concluir que o acusado deve ser absolvido das imputações feitas pelo "Parquet" Federal. Vejamos.

Nos termos do voto de fls. 527/533, a acusação restou assim sintetizada:

"Segundo a denúncia, Ivan Paes Barbosa, na qualidade de proprietário da Fazenda de nome "Estância Gisele", localizada em Campo Grande/MS, recrutava e introduzia, em solo brasileiro, trabalhadores de origem Paraguaia, sem observância das regras legais de imigração. Sustenta ainda a acusação que, para ingresso destes trabalhadores em território nacional, o acusado prometia-lhes emprego em sua fazenda, mediante pagamento de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) mensais, sendo certo que, ao chegarem à "Estância Gisele", esses mesmos trabalhadores eram submetidos à vigilância ostensiva, não podendo ausentar-se de seu local de trabalho sem prévia e expressa autorização do acusado, que os ameaçava com a possibilidade de denunciá-los à polícia federal se assim o fizessem. Segundo a versão oferecida pelo denunciado, ele não sabia que os trabalhadores contratados eram paraguaios, sendo a contratação de funcionários da fazenda encargo de seus empregados."

A peça acusatória narrou, ainda, que em relação a pelo menos um dos trabalhadores paraguaios, houve constrangimento por parte do acusado para que o empregado mantivesse relações sexuais com ele, valendo-se notadamente de sua posição de supremacia na relação de emprego.

Assim sendo, a denúncia imputou a Ivan Paes Barbosa as condutas descritas pelo artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80 (24 vezes); artigo 149, §1º, inciso II c.c. o §2º, inciso II, do Código Penal (13 vezes) e artigo 216-A do Código Penal (01 vez), todos em concurso material.

A r. sentença de fls. 427/436 absolveu o réu da violação aos artigos 149, §1º, inciso II e §2º, inciso II; e 216-A, todos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, condenando-o como incurso no artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80.

Em razões de apelação (fls. 442/451), pleiteou o Ministério Público Federal a condenação do réu como incurso nas penas do artigo 149, §1º, inciso II c.c. o §2º, inciso I, ambos do Código Penal, bem como a fixação (em 23 incursões) e a majoração da pena base fixada pelo cometimento do delito previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80 e o reconhecimento da circunstância agravante prevista no artigo 61, inciso II, "a", do Código Penal.

Em razões de apelação (fls. 478/490), a defesa pretende a absolvição do réu da suposta prática do delito tipificado pelo artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80, por três vezes.

Eis a síntese do necessário.

Primeiramente, no que se refere ao delito de introduzir clandestinamente estrangeiro em território brasileiro, ou ocultar clandestino ou irregular, pelo qual o acusado fora condenado em primeira instância, tenho que a conduta praticada pelo réu é atípica.

Assim dispõe o artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80, verbis:


Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:
XII - introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular:
Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.

De acordo com meu conhecimento, adquirido ao longo dos 17 (dezessete) anos nos quais atuei como Procurador da República no Estado do Mato Grosso do Sul, posso afirmar com convicção que as fronteiras daquele Estado com o Paraguai se constituem como "fronteiras secas", ou seja, desprovidas de fiscalização, onde circulam diariamente - e livremente - centenas de pessoas.


Assim sendo, vislumbro ausência de tipicidade na conduta do acusado, porquanto ausente elementar do tipo penal em apreço, especificamente, o elemento normativo "clandestinamente", na medida em que a entrada dos estrangeiros - in casu, paraguaios - se faz de forma livre e desvigiada na região, não havendo que se falar em introdução clandestina.


Nesse sentido, colaciono excertos dos depoimentos prestados em juízo pelos trabalhadores paraguaios/testemunhas de acusação Aristides Valenzuela (fls. 124/125) e Oscar Saul Gonzáles (fls. 128/129), respectivamente:

"Entrei no Brasil em 02 de julho de 2004 e fui trazido pelo sr. Ivan Paes Barbosa em sua caminhonete. Conheci o sr. Ivan através de Oscar, que trabalhava na fazenda do sr. Ivan, e através dele consegui que o sr. Ivan me levasse para trabalhar na fazenda. Iniciei o trabalho na Fazenda em 02 de julho de 2004 fiquei três meses trabalhando, retornei para minha casa no Paraguai, onde fiquei 6 meses, depois retornei a fazenda e trabalhei por 8 meses, retornei a minha casa e fiquei um mês, finalmente voltei a trabalhar na fazenda por mais 3 meses. O sr. Ivan me buscou na fronteira com o Paraguai, mas do lado do Brasil. O sr. Ivan foi me buscar juntamente com o capataz. Além de mim havia outros 5 paraguaios aguardando o sr. Ivan. (...) O prazo que o sr. Ivan nos deu era de 3 meses de trabalho, mas se quiséssemos poderíamos continuar trabalhando na fazenda. (...) Enquanto estive na fazenda alguns trabalhadores paraguaios retornaram ao Paraguai e outros vieram. (...) ÀS REPERGUNTAS DA ACUSAÇÂO RESPONDEU: O sr. Ivan foi me buscar 3 vezes no Paraguai. Quando chegávamos com o sr. Ivan próximo à fronteira nós atravessamos a pé e ele nos pegava do outro lado. (...) Quando o Ministério do Trabalho [sic] estiveram na fazenda Marcos, Geraldo e Portillo já haviam retornado ao Paraguai. Eles retornaram ao Paraguai espontaneamente." - grifo nosso.
"Ingressei no Brasil em 10 junho 2004 para vir trabalhar com o sr. Ivan e fiquei 3 meses trabalhando, retornando ao Paraguai. Em maio de 2006 novamente ingressei no Brasil para trabalhar com o sr. Ivan. Conheci o sr. Ivan através de um amigo. O sr. Ivan foi me buscar de caminhonete em Bela Vista-MS e havia outros 4 paraguaios o aguardando." - grifo nosso.

Da análise das declarações supra, infere-se que o réu se encontrava com os trabalhadores paraguaios ainda em território brasileiro, não ultrapassando as fronteiras existentes entre Brasil e Paraguai.

Ademais, é possível perceber, também, a facilidade com que os trabalhadores cruzavam a fronteira entre os dois países, deixando e retornando à Fazenda e ao Brasil com certa facilidade.

Por esta razão, reputo ausente a clandestinidade exigida pelo tipo penal e, portanto, a própria tipicidade do delito imputado ao acusado.

Igualmente, não restou caracterizada a consumação do tipo penal em apreço pela conduta de "ocultar clandestino ou irregular". Como se viu nos depoimentos supra transcritos, alguns trabalhadores paraguaios laboravam na fazenda por determinado período e retornavam ao seu país de origem, voltando, posteriormente e por vontade própria, a trabalhar para o acusado. Também há relatos, conforme adiante se demonstrará, de que os paraguaios saiam da fazenda sozinhos, mediante autorização, ou na companhia do réu, para fazer compras, o que demonstra a ausência de dolo do acusado em "esconder" ou "encobrir" aqueles estrangeiros.

Pelo exposto, entendo que Ivan deve ser absolvido em relação ao delito prescrito pelo artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80.

No que se refere ao artigo 149, §1º, inciso II c.c. o §2º, inciso II, do Código Penal, entendo que a conduta do réu, igualmente, não se subsume ao tipo penal. Vejamos.

Afirma o Ministério Público Federal que o acusado teria mantido vigilância ostensiva sobre seus empregados, vigilância essa que teria ultrapassado o usual em relações de emprego. Sustenta também que o réu utilizava-se de ameaças e guardas em sua propriedade como meio de proibir a livre locomoção dos trabalhadores paraguaios.

Todavia, como bem observado pelo magistrado sentenciante, não restou demonstrada a infração prevista pelo tipo penal em apreço, visto que os elementos coligados aos autos não são suficientes para sustentar um decreto condenatório.

Dispõe o artigo 149, §1º, inciso II e §2º, inciso II, do Código Penal, verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§1º Nas mesmas penas incorre quem:
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Considerando que a figura trazida pelo inciso II do §1º do artigo 149 é autônoma em relação ao caput, o delito restaria configurado, in casu, com a mera vigilância ostensiva do local de trabalho, com o fim de reter o trabalhador.

Ocorre que, como destacado nos depoimentos supra transcritos, os trabalhadores paraguaios deixavam a fazenda após determinado período, retornando ao seu país de origem, e muitas vezes voltavam, de livre e espontânea vontade, ao local de trabalho tido como vigiado. Nesse sentido:

"Que já tinha trabalhado na fazenda de janeiro até maio deste ano, sendo que nesse período recebeu o pagamento normal pelos serviços prestados; (...) Que ligou para o sr. Ivan requisitando sua volta à fazenda para trabalhar, no que foi atendido." - Manuel Ramon Portillo Portillo (fls. 144/145).

Assim, não reputo "ostensiva" a vigilância exercida sobre os trabalhadores, que deixavam a fazenda após o prazo do contrato de trabalho (irregular, deveras), retornando, por vontade própria, em alguns casos.

Ademais, a vigilância do local não era armada, e os paraguaios saíam dali para fazer compras, ainda que mediante autorização do réu e/ou em sua companhia, conforme os depoimentos testemunhais colacionados:

"Não podia sair da Fazenda sem autorização do sr. Ivan. Eu saia da fazenda com três Paraguaios para fazer compras, com autorização do sr. Ivan. O sr. não nos disse por que havia necessidade de sua autorização para sair da fazenda. Havia alojamento, uma casa em que ficavam 5 [sic] pessoa em cada cômodo, em boas condições de higiene. (...) Há 7 meses o sr. Ivan colocou um guarda na entrada da fazenda. O guarda tinha ordens para não nos deixar sair da fazenda, salvo com ordem do sr. Ivan." - Aristides Valenzuela (fls. 124/125) - grifo nosso.
"O sr. Ivan disse para nós os paraguaios que não podíamos sair da fazenda sem a sua autorização. Somente saímos em companhia do sr. Ivan, para comprar roupas e cortar cabelo. (...) ÀS REPERGUNTAS DA ACUSAÇÃO, RESPONDEU: Havia um guarda na entrada da fazenda. Nós não tentamos sair da fazenda, quando queríamos sair pedíamos ao sr. Ivan. O guarda tinha ordem para não nos deixar sair da fazenda, salvo com ordem do sr. Ivan." - Luis Ferreira Valenzuela (fls. 126/127) - grifo nosso.
"Que o sr. Ivan não autoriza os trabalhadores paraguaios a sair; que alguns deles saem acompanhados do sr. Ivan para fazer compras; (...) que a porteira fica fechada no cadeado para evitar que o portão se abra com o vento; que só abre a porteira para a saída do trabalhador mediante a autorização do sr. Ivan.
[...]
Que trabalhava na portaria e que se recorda que para os funcionários saírem tinham que ter autorização do proprietário da fazenda; que se recorda que em dia de pagamento o Sr. Ivan levava os funcionários até a cidade para fazer compras e depois os trazia de volta; que eles não vinham sozinhos sempre eram trazidos pelo Sr. Ivan, pois eles não conheciam a região; (...) que também toda quinta-feira à noite o Sr. Ivan levava os paraguaios para uma feira que acontecia no Bairro das Moreninhas em Campo Grande e depois trazia de volta; (...) que enquanto estava na portaria não usava armas." - Ramão Souza Benevides (porteiro), fl. 135 e fls. 272/273, respectivamente - grifo nosso.

No sentido de que os trabalhadores paraguaios poderiam sair da fazenda, apenas mediante autorização do acusado:

"[...] poderia entrar e sair livremente da fazenda quando requisitasse" - Aliverto Aguelho Afonso (fls. 44/45)
"[...] podia deixar a fazenda sem maiores complicações, embora nunca o tenha feito" - Catalino Blanco (fls. 48/49)
"[...] o senhor Ivan (...) também permite que o mesmo saia da fazenda se assim o declarante requerer" - Julian Vadora Villalba (fls. 62/63)

O único trabalhador paraguaio que afirmou que ele e seus companheiros não poderiam sair da fazenda nem para fazer compras, e que o acusado era quem trazia as mercadorias, e depois descontava o montante dos salários, foi Eliseu Araújo Montania (fls. 131/132), figurando esse depoimento como isolado quando coligado às demais provas dos autos.

Portanto, apesar de estar provada a vigilância exercida sobre os trabalhadores paraguaios por parte do réu, esta vigilância não era absoluta, nem se revestia com características de cárcere privado, na medida em que, de acordo com parte dos depoimentos prestados, os estrangeiros deixavam a fazenda com a permissão do acusado; retornavam ao seu país de origem e, por vezes, novamente voltavam a trabalhar para Ivan.

E havendo contradição entre as declarações prestadas pelas vítimas, aptas a gerar dúvida e insegurança acerca da realidade fática narrada pela inicial acusatória, imperiosa a prevalência do princípio in dubio pro reo, com a consequente absolvição do acusado.

Outrossim, como bem decidido pelo MM. Juízo a quo:

"Destarte, a prova testemunhal dá conta de que havia certa restrição quanto à saída dos empregados estrangeiros da propriedade. Todavia, dentro dos parâmetros normais inerentes à relação de emprego. Outrossim, para a caracterização do ilícito de redução a condição análoga à de escravo, necessária a submissão total da vítima ao agente dominador, moral e fisicamente, não bastando meras irregularidades nas relações de trabalho." - fl. 433-verso.

Ante todo o exposto, divirjo da E. Desembargadora Federal Ramza Tartuce nas razões expendidas às fls. 527/533, e dou provimento à apelação defensiva, a fim de absolver o réu dos delitos lhe imputados, com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP.

É como voto.

LUIZ STEFANINI


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Data e Hora: 17/12/2012 17:59:50



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006339-85.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006339-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : IVAN PAES BARBOSA
ADVOGADO : FABIO RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00063398520064036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por IVAN PAES BARBOSA contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 5ª Vara Criminal de Campo Grande-MS, que condenou o réu pela prática da conduta descrita no artigo 125, inciso II, da Lei n.º 6.815/80, em concurso material (três vezes), à pena de 03 (três) anos de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias multa, fixando o valor de cada dia-multa em 01 (um) salário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, com a duração da pena substituída, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidade públicas. Custas pelo réu (fls. 427/436vº).

Consta da denúncia que (fls. 02/09):


"(...)1. DOS FATOS
No período de maio de 2005 a julho de 2006, o denunciado IVAN PAES BARBOSA recrutou e introduziu clandestinamente 24 (vinte e quatro) trabalhadores paraguaios em território brasileiro, os quais foram conduzidos para sua fazenda denominada 'Estância Gisele', localizada nesta capital, onde manteve 13 (treze) deles sob vigilância ostensiva, para fins de retenção no local de trabalho; e, em pelo menos um deles, constrangeu-o para que mantivesse relação sexual consigo, valendo-se notadamente de sua posição de supremacia na relação de emprego.
As investigações empreendidas no incluso apuratório iniciaram-se a partir das declarações prestadas, em 05 de julho de 2006, pelos cidadãos paraguaios Derlis Martinez, Higinio Marin Gonçalvez e Milciades Jimenez, no sentido de que o empresário IVAN PAES BARBOSA estaria recrutando trabalhadores paraguaios na fronteira Brasil/Paraguai para prestarem serviços nas dependências de sua propriedade rural denominada 'Estância Gisele', localizada na rodovia BR 163, KM 01, Campo Grande-MS.
De fato, em vista dessas informações, no dia 11 de julho do mesmo ano, uma equipe composta por agentes da Polícia Federal, do Ministério Público do Trabalho e Delegacia Regional do Trabalho diligenciou vistoria nas dependências da citada 'Estância Gisele', oportunidade em que foram localizados e resgatados 21 (vinte e um) trabalhadores paraguaios, todos introduzidos irregularmente pelo denunciado em território brasileiro, encontrando-se eles submetidos a condições análogas à de escravo.
Apurou-se que IVAN PAES BARBOSA dirigiu-se reiteradas vezes tanto à cidade fronteiriça de Bela Vista/MS como à vizinha Bela Vista/PY, onde recrutava pessoalmente cidadãos paraguaios para prestar serviços em sua fazenda localizada no Brasil, oferecendo-lhes, via de regra, remuneração mensal no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais), pelo período de três meses. Após a celebração do ajuste laboral, IVAN BARBOSA encarregava-se também pelo transporte dos trabalhadores paraguaios, os quais eram conduzidos (três a três, por viagem) no interior do seu veículo tipo camioneta até a fazenda 'Estância Gisele'.
Uma vez ingressados na indigitada propriedade rural, alguns dos trabalhadores paraguaios eram proibidos pelo denunciado de ausentar-se do local de trabalho, sob pena de não haver o pagamento dos respectivos créditos trabalhistas. Além disso, para impedir a saída daqueles trabalhadores, IVAN PAES BARBOSA ameaçava denunciá-los às autoridades competentes por conta de sua condições de estrangeiros ilegais, sujeitos que estavam à deportação. Registre-se, inclusive, que o denunciado instruiu o funcionário brasileiro Ramão Souza Benevides, responsável pela portaria da 'Estância Gisele', no sentido de impedir a saída dos estrangeiros.
Por derradeiro, apurou-se também que o acusado IVAN PAES BARBOSA, valendo-se de sua superioridade imanente à posição de empregador na relação de emprego, constrangeu o trabalhador Paraguaio Manuel Ramon Portillo Portillo a manter consigo relações sexuais, mediante um pretensioso convite para sair, com nítidos fins sexuais.
Para fins de ilustração da conduta delitiva de IVAN BARBOSA, bem como para identificar a ocorrência do concurso de crimes, convém reproduzir aqui um quadro esquemático, discriminando individualmente os principais dados acerca da contratação irregular dos 24 (vinte e quatro) trabalhadores paraguaios resgatados da propriedade rural 'Estância Gisele', senão vejamos:
(...)
2. DA AUTORIA E MATERIALIDADE
Embora o denunciado IVAN PAES BARBOSA tenha procurado, em suas declarações prestadas na fase policial às fls. 136/138 e 160/162, elidir a responsabilidade penal pela prática dos fatos acima descritos, afirmando que contratação ilegal dos trabalhadores estrangeiros caberia a seu funcionário chamado Heleno, os elementos carreados aos autos evidenciam claramente a autoria daquele; assim como a materialidade delitiva.
Nesse sentido, após a operação conjunta da Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho e Delegacia Regional do Trabalho na 'Estância Gisele', os trabalhadores paraguaios resgatados foram todos encaminhados à Superintendência Regional daquela primeira instituição, onde relataram de modo uníssono que o responsável pela contratação laboral, assim como pelo transporte dos trabalhadores até aquela propriedade rural foi efetivamente o denunciado IVAN PAES BARBOSA (fls. 06/92).
Do mesmo modo, alguns dos trabalhadores paraguaios (aproximadamente treze, conforme quadro supra) relataram que eram proibidos pelo denunciado de ausentar-se do local de trabalho, sob a ameaça de não receberam os respectivos créditos trabalhistas e de serem denunciados por ele às autoridades competentes, uma vez que encontravam-se em condição de clandestinos no território nacional. Nesse sentido, o funcionário brasileiro Ramão Souza Benevides, responsável pela portaria da fazenda 'Estância Gisele', declarou às fls. 94/95 que 'desde que trabalha para IVAN na Estância Gisele nunca chegou de acontecer a situação de um funcionário pretender sair da fazenda sem autorização de IVAN, mas havia sido orientado por este a, caso tal fato acontecesse, impedir a saída do funcionário' (grifei).
Quanto ao delito sexual, a despeito de haver nos autos notícia de que IVAN BARBOSA haveria constrangido vários trabalhadores a manter consigo relações sexuais, apurou-se com êxito que, pelo menos em relação ao trabalhador Manuel Ramon Portillo Portillo, o denunciado efetivamente valeu-se de sua condição de superior hierárquico imanente à relação de emprego para obter deste nacional paraguaio favorecimento sexual.
Nessa perspectiva, o próprio Manuel Portillo Portillo relatou que foi convidado por IVAN para sair sozinho com ele, sabendo que tal convite seria para fins sexuais, mas que não haveria aceitado; assim como, que conhecia a natureza sexual do referido convite, uma vez que outros funcionários da fazenda haviam com ele comentado (fls. 136/138).
Convém pontuar, outrossim, que vários trabalhadores estrangeiros disseram que o denunciado 'vingava-os' constantemente, tratando-os muito mal (fls. 65; 76; 89). Por outro lado, os elementos carreados aos autos demonstram que este mesmo tratamento espúrio não era dispensado aos trabalhadores brasileiros ali presentes - o que evidencia, em última instância, que IVAN PAES BARBOSA agia daquela forma delituosa motivado por nítido preconceito em relação à origem paraguaia daqueles estrangeiros.
Anote-se, por oportuno, que o Ministério Público Federal requerer e obteve perante esse Juízo medida cautelar inominada para fins de produção antecipada de provas, uma vez que os trabalhadores paraguaios clandestinos haviam sido intimado a deixar o país logo após a multicitada operação de resgate. Desse modo, foram antecipadamente oitivados, como testemunhas de acusação, os trabalhadores Aristides Valenzuela, Luiz Ferreira Valenzuela e Oscar Saul Gonzalez, os quais corroboraram in totum os fatos delituosos perpetrados pelo denunciado IVAN PAES BARBOSA, nos moldes acima descritos, consoante se infere dos respectivos termos de depoimento acostados aos autos do incidente de n.º 2006.60.00.005337-6 em apartado.
A materialidade delitiva dos crimes encontra-se sobejamente demonstrada por intermédio dos termos de declarações prestados pelos trabalhadores paraguaios e auditores fiscais do Ministério do Trabalho de fls. 06/104; 132/138; do relatório de fiscalização lavrado pela Delegacia Regional do Trabalho de Campo Grande (constante do procedimento administrativo para fins penais autuados perante esta Procuradoria da República sob o n.º 1.21.000.000849/2007-82, cuja juntada é requerida em apartado); das declarações prestadas pelos estrangeiros em Juízo encartadas nos autos do incidente de n.º 2006.60.00.005337-6; assim como pelos demais elementos coligidos ao incluso apuratório.
3. DA IMPUTAÇÃO PENAL
De todo o exposto, conclui-se que o denunciado IVAN PAES BARBOSA, atuando voluntária e dolosamente, no período de maio de 2005 a julho de 2006, introduziu clandestinamente 24 (vinte e quatro) trabalhadores paraguaios em território brasileiro. Manteve ainda, sobre 13 (treze) dos trabalhadores, vigilância ostensiva, para fins de retenção no local de trabalho ('Estância Gisele'). Por fim, em relação a pelo menos um deles, constrangeu-o para que mantivesse relação sexual consigo, valendo-se notadamente de sua posição de supremacia na relação de emprego.
Assim agindo o denunciado praticou, em continuidade delitiva, as condutas típicas descritas no art. 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80 (24 vezes); no art. 149, § 1º, inciso II, c/c § 2º, inciso II, do Código Penal (13 vezes); e no art. 216-A do mesmo diploma (uma vez), todos em concurso material, nos termos a seguir dispostos:
(...)
4. DO PEDIDO
Face o exposto, requer o Ministério Público Federal:
01. O recebimento e autuação desta DENÚNCIA, instaurando-se a devida ação penal pública, com a observância das formalidades legais, prosseguindo-se até final prolação de sentença condenatória;
02. Seja citado o denunciado para interrogatório e intimado para os demais termos da ação penal;
03. Sejam requisitadas as certidões de antecedentes criminais do réu deste processo perante a Justiça Estadual e Federal desta Capital; assim como perante o Instituto Nacional de Identificação (por meio da DPF local) e ao Instituto de Identificação do Mato Grosso do Sul, acompanhados das respectivas certidões criminais do que eventualmente constar;
04. Seja determinada a oitiva das testemunhas abaixo arroladas. (...)" (os destaques são no original)"

A denúncia foi recebida em 27 de agosto de 2007, determinando-se, nesse mesmo ato processual, a citação e intimação do réu para seu interrogatório, designado para o dia 23/10/2007, às 13:30 horas. Foi determinada a requisição das folhas de antecedentes criminais do acusado e as certidões delas decorrentes (fl. 191).

Termo de audiência acostado às fls. 207/211, momento em que foi colhido o interrogatório do réu, determinando-se ainda o decreto de sigilo dos autos e a designação do dia 08 de janeiro de 2008, às 14:40 horas para oitiva das testemunhas arroladas na denúncia.

Defesa prévia do acusado às fls. 213/214, arrolando testemunhas.

Testemunhas de acusação ouvidas às fls. 242/244, 272/273 e 277/278.

Deferida a substituição da testemunha de defesa Edmilson Lucas Rachel por Irone Alves Ribeiro Barbosa, redesignando-se a audiência para oitiva das testemunhas de defesa para o dia 14/05/2008 (fls. 297).

Testemunhas de defesa ouvidas às fls. 316/324 e 366/371.

Designada audiência de instrução e julgamento para 26/10/2010, ocasião em que o réu será reinterrogado (fl. 373).

Decisão de fls. 379, decretando a revelia do acusado, o cancelamento da audiência acima mencionada e determinando às partes a apresentação de alegações finais.

Termo de audiência acostado às fls. 391/392vº, sendo reinterrogado o acusado e concedido às partes prazo sucessivo de cinco dias para apresentação de memoriais.

Em alegações finais, o Ministério Público Federal requereu a condenação do réu IVAN PAES BARBOSA (fls. 394/399), ao passo que a defesa pleiteou sua absolvição (fls. 404/425).

A sentença foi proferida às fls. 427/436vº. O apelante foi condenado como incurso nas sanções do artigo 125, inciso XII, da Lei n.º 6.815/80 e absolvido quanto ao cometimento dos crimes descritos nos artigos 149, § 1º, incisos II e § 2º, inciso II e 216-A, todos do Código Penal.

Em razões de apelação (fls. 404/451vº), pleiteia o Ministério Público Federal a condenação do réu como incurso nas penas do artigo 149, § 1º, inciso II c/c § 2º, inciso I, ambos do Código Penal, bem como a majoração da pena base fixada pelo cometimento do delito previsto no artigo 125, XII, da Lei n.º 6.815/80 e o reconhecimento da circunstância agravante prevista no artigo 61, inciso II, "a", Código Penal.

Em razões de apelação (fls. 478/490), a defesa pretende a absolvição do réu da suposta prática do delito tipificado no artigo 125, XII da Lei n.º 6.815/80, por três vezes.

Com as contra-razões a ambos os recursos (fls. 454/460 e 493/497vº) subiram os autos a esta Egrégia Corte, onde o Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso do Ministério Público Federal, para condenar o réu pela prática da conduta tipificada no artigo 149, § 1º, inciso II, do Código Penal, e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 500/511).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
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Data e Hora: 24/10/2012 14:09:29



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006339-85.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006339-4/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : IVAN PAES BARBOSA
ADVOGADO : FABIO RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00063398520064036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Segundo a denúncia, Ivan Paes Barbosa, na qualidade de proprietário da Fazenda de nome "Estância Gisele", localizada em Campo Grande/MS, recrutava e introduzia, em solo brasileiro, trabalhadores de origem Paraguaia, sem observância das regras legais de imigração. Sustenta ainda a acusação que, para ingresso destes trabalhadores em território nacional, o acusado prometia-lhes emprego em sua fazenda, mediante pagamento de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) mensais, sendo certo que, ao chegarem à "Estância Gisele", esses mesmos trabalhadores eram submetidos à vigilância ostensiva, não podendo ausentar-se de seu local de trabalho sem prévia e expressa autorização do acusado, que os ameaçava com a possibilidade de denunciá-los à polícia federal se assim o fizessem. Segundo a versão oferecida pelo denunciado, ele não sabia que os trabalhadores contratados eram paraguaios, sendo a contratação de funcionários da fazenda encargo de seus empregados.

A defesa sustenta que os empregados da fazenda "Estância Gisele" eram todos brasileiros, pois lhes era exigida documentação para regularizar sua contratação. Afirma que não mantinha o vínculo empregatício com aqueles funcionários que não apresentavam a documentação solicitada. Sustenta, ainda, que, a contratação de referidos funcionários era de responsabilidade de Heleno, empregado do réu.

Ressalte-se que o delito pelo qual o acusado foi condenado em primeira instância, previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei n° 6.815/80, é o de introduzir clandestinamente estrangeiro em território brasileiro. Dispõe a lei que:


"Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:
XII - introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular:
Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão."

Ao contrário do quanto alegado pela defesa, o cometimento do delito ora em comento restou comprovado, senão vejamos.

A materialidade e autoria do delito estão devidamente demonstradas pelos interrogatórios e depoimentos das testemunhas que confirmaram que o réu introduzia os paraguaios em território nacional, de maneira clandestina, para trabalhar em sua propriedade rural.

Necessário citar o depoimento de Aristides Valenzuela, prestado às fls. 129/130 dos autos do Processo n.º 2006.60.00.005337-6, apenso aos presentes autos, in verbis:


"(...) Entrei no Brasil em 02 de julho de 2004 e fui trazido pelo Sr. Ivan Paes Barbosa em sua caminhonete. Conheci o Sr. Ivan através de Oscar, que trabalhava na fazenda do Sr. Ivan, e através dele consegui que o Sr. Ivan me levasse para trabalhar na fazenda. (...)

No mesmo sentido temos o depoimento de André Otávio Pastro Kempf, Auditor Fiscal do Trabalho que participou da investigação que permitiu ajudar os trabalhadores aliciados pelo réu. Em seu depoimento de fls. 277/278 ele declarou:


"(...) Segundo os trabalhadores Paraguaios, foram contratados em Bella Vista/PY, pessoalmente pelo réu Ivan e o encarregado Eleno. O réu Ivan transportou pessoalmente de caminhonete os trabalhadores Paraguaios até a Estância Gisele. Havia dois grupos de trabalhadores Paraguaios, um dos grupos foi contratado diretamente pelo réu Ivan e o encarregado Eleno em Bella Vista/PY e transportado até a Fazenda. Outro grupo de trabalhadores Paraguaios foi contratado por Domingos, por ordem do réu Ivan, em Bella Vista/PY, transportados até Pedro Juan Caballero/PY e finalmente transportado até a Fazenda."

Por fim, e também para que não restem quaisquer dúvidas sobre a conduta delituosa do acusado e sua responsabilidade pelo cometimento do delito, vale a pena transcrever o depoimento do funcionário do acusado, Ramão Souza Benevides, in verbis:


"(...) Iniciou a trabalhar na Estância Gisele no final do ano de 2003 sendo registrado cinco meses depois. Que trabalhou no local até 22 de junho de 2006; que trabalhava na portaria da referida propriedade rural; que tinha conhecimento de que haviam paraguaios trabalhando no local; que se recorda que quando a Polícia Federal foi no local haviam 19 paraguaios; que acredita que esses funcionários tinham registros; que trabalhava na portaria e que se recorda que para os funcionários saírem tinham que ter autorização do proprietário da fazenda; que se recorda que em dia de pagamento o Sr. Ivan, pois eles não conheciam a região; que não tem conhecimento de qualquer alegação de funcionários terem sido obrigados a manter relação sexual com o réu; que também toda quinta-feira à noite o Sr. Ivan levava os paraguaios para uma feira que acontecia no Bairro das Moreninhas em Campo Grande e depois trazia de volta; que fora essas vezes nas quintas-feiras e na época do recebimento do salário os empregados não tinham autorização para sair; que o depoente tinha autorização para ir e vir sem problema; que para os empregados brasileiros que são da região das Moreninhas não tinha qualquer restrição para entrar e sair da fazenda; que não tem conhecimento se havia algum empregado ilegal no local. Dada a palavra para o Representante do Ministério Público, às reperguntas respondeu que: se não encontrasse o Sr. Ivan ou se esse não desse autorização os paraguaios não podiam sair da fazenda porque essa era a regra, a justificativa era de que eles não conheceriam a região e poderiam beber ou não voltar mais; que da porteira sempre ficava um funcionário ou o depoente ou outro durante o dia e durante a noite para a segurança ela era chaveada; que sempre que chagavam novos funcionários paraguaios eram trazidos pelo Dr. Ivan; que sabiam falar português mas com falso sotaque paraguaio e entre eles normalmente falavam guarani; que sabe os funcionários eram contratados pelo Sr. Ivan, que sabe que o Sr. Ivan tinha conhecimento que os funcionários eram paraguaios; que os funcionários tinham carteira de trabalho brasileira; que tinha ordem de não deixar empregado paraguaio sair sem autorização e a ordem era do Sr. Ivan; que confirma o que declarou na polícia federal de que tinha conhecimento de que o Sr. Ivan recrutava paraguaios sem regularização de imigração e os transportava em sua Frontier até a fazenda; que na época dos fatos os paraguaios não eram regularizados que foi feito depois; que confirma o que disse na Delegacia da Polícia Federal de que haviam 20 paraguaios sem a regularização mais cinco empregados brasileiros na fazendo sendo que destes apenas o depoente e mais um tinham registro em carteira; que nunca ouvia nenhum comentário de que o Sr. Ivan era homossexual; Dada a palavra para o advogado do réu, às reperguntas respondeu: que enquanto estava na portaria não usava armas; que sabe que o Sr. Ivan contratava os funcionários paraguaios em Bela Vista - Paraguai; que o Sr. Heleno era contratado como capataz; que sabe que os funcionários recebiam mensalmente R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais); que os serviços que eles prestavam eram leves, de jardinagem; que o local era usado para lazer e tinha 20 hectares e os funcionários cuidavam do jardim e das plantas ornamentais do local e nada significativo eram produzidos; que os funcionários ficavam em dois alojamentos com banheiro, cama, lençóis, etc; que no refeitório havia televisão; que era servido café da manhã, às 09 horas havia um lanche, depois o almoço e a janta; que o ambiente era higienizado por um empregado; que não tem conhecimento de nenhum maus-tratos sofridos pelos empregados seja física ou psicologicamente; que pelo que tem conhecimento não haviam menores no local; que geralmente a jornada de trabalho era de nove horas, com uma hora e meia para almoço; que no local não havia estábulo. (...)"

Como se depreende, com clareza, dos depoimentos trazidos a efeito nos autos, o acusado fez ingressar em território nacional estrangeiros que sabia irregulares. Assim o fez de maneira dolosa, contrariamente do que pretende demonstrar a defesa.

Restou comprovado que o acusado utilizava-se da força de trabalho dos paraguaios até aqui trazidos. Agia de maneira livre e consciente - como por ele mesmo afirmado é proprietário de vários bens, entre eles várias rádios e um canal de TV - não havendo que falar-se em desconhecimento, de sua parte, das regras legais vigentes no país.

Caracterizado o cometimento do delito acima transcrito, passo à análise do cometimento, ou não, do delito previsto no artigo 149, § 1º, inciso II c/c § 2º, inciso I, ambos do Código Penal. Também aqui melhor sorte não aguarda o acusado.

A materialidade e autoria deste delito encontram-se, também, devidamente demonstradas pelos interrogatórios e depoimentos das testemunhas que confirmaram que o réu mantinha vigilância ostensiva sobre os paraguaios que prestavam serviços em sua propriedade rural. Assim agindo, praticou o fato típico previsto no tipo penal, in verbis:


"Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§1º Nas mesmas penas incorre quem:
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente; (...)"

Afirma o Ministério Público Federal que o acusado teria mantido vigilância ostensiva sobre seus empregados, vigilância essa que teria ultrapassado o usual em relações de emprego. Sustenta também que o acusado utilizava-se de ameaças e guardas em sua propriedade como meio de proibir a livre locomoção de seus empregados.

Entendo que a acusação está com a razão.

Os depoimentos levados a efeito nos autos são unânimes em afirmar que os trabalhadores paraguaios não podiam sair da propriedade do réu sem prévia autorização, ainda que fora do horário de trabalho.

Necessário faz citar o depoimento de Luiz Ferreira Valenzuela e Oscar Saul Gonzalez, prestados nos autos do Processo n.º 2006.60.00.005337-6, apenso aos presentes autos, in verbis:


"(...) Quando o Sr. Ivan foi me buscar havia vários paraguaios aguardando sua chegada, Luiz, Augusto, Sra. Justa e mais dois homens que não sei o nome, apenas os apelidos 'Surraco' e 'Quejera'. O sr. Ivan nos levou em sua caminhonete até a fazenda Gisele. O sr. Ivan disse que nos pagaria mensalmente R$ 350,00. Comecei trabalhando como jardineiro e depois passei a servente de pedreiro. Recebi o salário. O sr. Ivan disse para nós os paraguaios que não podíamos sair da fazenda sem sua autorização. Somente saímos em companhia do sr. Ivan para comprar roupas e cortar o cabelo. (...) (fl. 131).
"(...) Eu trabalhava plantando pastos. O Sr. Ivan disse que nos pagaria mensalmente R$ 350,00 livre e forneceria gratuitamente a alimentação. Recebi os salários. Eu trabalhava plantando pastos. O Sr. Ivan disse para nós os paraguaios que não podíamos sair da fazenda sem a sua autorização. Saímos somente com o Sr. Ivan para comprarmos material de higiene pessoal. (...) (fl. 133)"

No mesmo sentido temos o depoimento de Wallace Faria Pacheco, Auditor Fiscal do Trabalho que participou da investigação que permitiu ajudar os trabalhadores aliciados pelo réu. Em seu depoimento de fls. 242/243 ele declarou:


"(...) Que a testemunha ouviu declarações de trabalhadores no sentido de que a saída dos trabalhadores de origem estrangeira da Estância Gisele era controlada pelo Senhor Ramão que ficava na portaria. Esclarece que os trabalhadores de origem estrangeira não podiam sair da Estância, a não ser se estivessem acompanhados pelo acusado ou mediante autorização deste. Que não foram encontrados vestígios de vigilância armada na Estância. Que os trabalhadores demonstravam receio de sair da Estância Gisele em desobediência as normas impostas pelo acusado, tendo em vista a sua situação irregular no País e o receio de serem delatados para a Polícia Federal pela administração da Estância Gisele. Que um grupo de trabalhadores que estavam no local aproximadamente há mais de um mês, relataram que não haviam saído da Estância. Que o encarregado da Estância um cidadão de origem brasileira e paraguaia relatou que os trabalhadores de origem estrangeira eram levados para fazer as suas compras em um estabelecimento no Bairro Moreninha pelo próprio acusado. ÀS REPERGUNTAS DA PROCURADORA DA REPÚBLICA, RESPONDEU: Que o encarregado dos trabalhadores declarou para a testemunha que os trabalhadores de origem paraguaia eram contratados em Bela Vista/PY e trazidos para o Brasil na caminhonete do próprio acusado. Que ao entrevistar os trabalhadores, os mesmos confirmaram essa informação. Esclarece a testemunha que ao entrevistar o Senhor Ramão, responsável pela portaria da Estância Gisele, este confirmou que os trabalhadores só podiam sair da Estância na companhia do acusado ou com a sua autorização (...)"

As informações apresentadas pelas testemunhas de defesa, em juízo, bem como as declarações do réu, quando de seu interrogatório em Juízo, não tem o condão de afastar a tese da acusação relativa à prática delitiva imputada, sendo, ao revés, uma confirmação da acusação.

De fato, verifica-se que a testemunha Valéria Saigali de Paula afirmou em seu depoimento (fls. 317/318) que é funcionária do acusado e soube dos fatos tratados nos autos através deste.

Jorge César Paniago, em seu depoimento (fls. 319/320), também confirma ser empregado do réu. A testemunha Edi Monteiro de Lima não soube afirmar se havia, ou não, restrição da liberdade de ir e vir dos empregados (fls. 321/322). A testemunha Irone Alves Ribeiro Barbosa confirmou não ter conhecimento específico dos fatos, sabendo dos mesmos por intermédio do acusado (fls. 323/324).

Viu-se, pois, que restaram suficientemente demonstradas a autoria e a materialidade delitivas.

Comprovada a vigilância ostensiva por parte do acusado no trato dos seus trabalhadores, inclusive com o uso constante de ameaças, resta consumado o crime de redução à condição análoga de escravo, na forma de seu § 1º, inciso II.

Consigne-se que o delito não exige o elemento subjetivo específico. Restou claro, portanto, que o réu, ciente de suas atitudes, agindo de maneira livre e desimpedida resolveu cercear a liberdade de locomoção de seus empregados. Nem se diga que referida atitude tinha por fim preservar os funcionários que, eventualmente, pudessem se perder no caminho da fazenda para a cidade. Se assim o fosse, não teria o réu ameaçado as vítimas de denunciá-las à polícia caso desobedecessem suas ordens.

Outra não é a opinião dos membros desta Egrégia Corte, in verbis:


PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INTRODUÇÃO CLANDESTINA DE ESTRANGEIRO, REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. ARTIGOS 125, XII, DA LEI 6.815/80, E ARTIGOS 149 E 159, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. VERACIDADE DAS DECLARAÇÕES NO INQUÉRITO POLICIAL QUE NÃO SE AFASTA PELA RETRATAÇÃO EM JUÍZO. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. SUBMISSÃO A JORNADA EXAUSTIVA E A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO CONTRA MENOR DE DEZOITO ANOS. DOSIMETRIA DA PENA. MOTIVO TORPE CONSISTENTE NA FINALIDADE DE LUCRO. APELAÇÃO DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. As vítimas, em sede policial, afirmaram que foram trazidas da Bolívia ao Brasil pelo réu. A retratação de algumas em juízo decorre, naturalmente, do temor que sentiam em relação ao réu, que as mantinha cativas em sua oficina. Configurado o delito previsto no artigo 125, XII, da Lei nº 6.815/80 (introdução clandestina de estrangeiro).
2. Restou demonstrado que o réu submetia as vítimas a jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho, e restringia a sua liberdade de locomoção, em razão de dívidas contraídas e mediante a retenção de seus documentos pessoais. Configurado o delito previsto no artigo 149, § 1º, inciso I, do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo).
3. Dentre as pessoas que o réu subjugava, estavam dois adolescentes. Presente a causa de aumento prevista no § 2º, inciso I, do artigo 149, do Código Penal.
4. Restou demonstrado que o réu cometeu o delito de extorsão mediante seqüestro contra pessoa menor de 18 (dezoito) anos, diante das declarações da vítima e de testemunhas, e do reconhecimento fotográfico. Configurado o delito previsto no artigo 159, § 1º, do Código Penal.
5. Quanto ao delito previsto no artigo 125, XII, da Lei nº 6.815/80, fixada a pena-base em 02 (dois) anos de detenção, em razão do alto grau de reprovabilidade da conduta, e das diversas etapas para o cometimento do delito.
6. Reconhecimento da circunstância agravante do motivo torpe, dado que o réu trazia as vítimas para o país com a finalidade de lucro e com o prévio desiderato de subjugá-las em território estrangeiro. Aumento da pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção.
7. Reconhecimento do concurso material de crimes. Somatória das penas que resulta em 21 (vinte e um) anos e 04 (quatro) meses de detenção.
8. Quanto ao delito previsto no artigo 149, do Código Penal, mantida a quantidade de pena nos termos da r. sentença, isto é, em 03 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.
9. Quanto ao delito previsto no artigo 159, § 1º, do Código Penal, fixada a pena-base em 15 (quinze) anos de reclusão, ante o alto grau de reprovabilidade da conduta do réu e do dolo intenso.
10. Reconhecimento da circunstância agravante do motivo torpe, dado que o réu seqüestrou a vítima não apenas com a finalidade de obter lucro , mas também o de intimidar os outros que subjugava. Aumento da pena privativa de liberdade para 20 (vinte) anos de reclusão.
11. Somatória das penas aplicadas para cada delito, tornando-se definitiva em 23 (vinte e três) anos de reclusão e 21 (vinte e um) anos e 04 (quatro) meses de detenção, em regime inicial fechado.
12. Insubsistência da substituição por penas restritivas de direitos com relação ao delito de redução a condição análoga à de escravo, como a r. sentença determinara, em vista da quantidade de pena aplicada.
13. Apelação da defesa a que se nega provimento, e apelação do Ministério Público Federal a que se dá provimento. (TRF3R, ACR 0000022-42.2008.4.03.6181/SP; Desembargador Federal Relator HENRIQUE HERKENHOFF, Segunda Turma, Publicação e-DJF3, de 01/10/2009 Página 265).

Registre-se também que a sentença baseou-se nas declarações das testemunhas ouvidas em Juízo para proferir a sentença de procedência parcial da inicial acusatória. As testemunhas arroladas pela defesa não trouxeram aos autos quaisquer informações que pudessem mudar a convicção do Juízo.

O fato é que não restou demonstrada qualquer intenção das testemunhas de prejudicar o réu, e tampouco a intenção de prestar declaração falsa ou de calar ou negar a verdade dos fatos. Daí por que merecem crédito esses testemunhos.

Anote-se que os depoimentos das testemunhas, coligidos ao longo da instrução, foram considerados individualmente e são aptos a sustentar a condenação.

Desta forma, concluo que as provas contidas nos autos conduzem, de forma lógica e harmônica, à existência do ilícito penal, e à autoria dos delitos imputados ao apelante.

Estabelecida a condenação do réu pelos delitos mencionados, passo à dosimetria das penas. Quanto ao delito previsto no artigo 125, XII, da Lei n.º 6.815/80, entendo que a pena foi bem fixada pelo juízo a quo. Cabe ressaltar que a pena base foi fixada no mínimo legal, sendo as circunstâncias judiciais favoráveis ao réu, conforme previsão do art. 59 do Código Penal.

Também não restam dúvidas de que o réu cometeu o delito por três vezes, em concurso material. Não há como atender-se o pedido do Ministério Público Federal, para reconhecimento do concurso material por 23 vezes, ou seja, o número de paraguaios ilegalmente introduzidos no país. Esse número não foi comprovado durante a instrução criminal, não podendo ser levado em conta para fixação da pena.

Nesse sentido a precisa manifestação da Ilustríssima Procuradora Regional da República, Doutora Paula Bajer Fernandes Martins da Costa, às fls. 500/511, in verbis:


"(...) Note-se que a sentença condenou Ivan Paes Barbosa pela prática de conduta tipificada no artigo 125, XII, da Lei n.º 6.815/80, por três vezes, em concurso material, afirmando que foram ouvidos, em Juízo, 3 estrangeiros. Decidiu-se que: 'os outros estrangeiros que teriam sido encontrados trabalhando para o réu não foram ouvidos na fase judicial, sendo que não foram produzidas outras provas durante a instrução criminal, no sentido de que eles foram introduzidos no país pelo réu' (fls. 430).
No recurso de apelação, o Ministério Público Federal buscou condenação do acusado pela prática de conduta tipificada no artigo 125, XII, da Lei n.º 6.815/80, por 23 vezes, em concurso material, pois, na fase policial, foram ouvidos 23 paraguaios que teriam sido introduzidos no país pelo acusado (fls. 448vº/449). Porém, o pedido não pode ser acolhido. Como bem observado na sentença, apenas 3 paraguaios foram ouvidos na instrução e confirmaram a introdução clandestina no país. Os demais estrangeiros não foram ouvidos em Juízo, não sendo produzidas provas na fase processual. A condenação não pode estar fundamentada apenas em elementos colhidos na investigação. Está no artigo 155 do Código de Processo Penal: 'O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.' (...)"

Desta feita, não há como reconhecer o concurso material nos termos em que requerido na apelação do Ministério Público Federal, devendo ser mantida a condenação do acusado, por este delito, nos exatos termos em que lançada pela r. sentença, ou seja, 03 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.

Passo, então, a dosimetria da pena do delito previsto no artigo 149 do Código Penal.

A pena cominada para o delito em comento é de 02 a 08 anos de reclusão, e multa.

Nos termos do artigo 59 do Código Penal, verifico que acusado é portador de bons antecedentes, e o seu dolo foi o normal ao cometimento do delito, motivo pelo qual fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa. Todavia, observo que uma das vítimas possuía, à época do cometimento do delito, idade inferior a 18 anos, devendo incidir, no caso presente, a qualificadora prevista no § 2º, I, do artigo 149 do Código Penal, motivo pelo qual a pena do autor deverá ser acrescida da metade, restando fixada a pena-base em 03 (três) anos de reclusão, e 15 (quinze) dias-multa.

Não existem circunstâncias agravantes a serem consideradas. Verifico, todavia, que, à época da sentença o réu contava com mais de setenta anos, devendo sua pena ser diminuída de 1/6, nos exatos termos do artigo 65, inciso I do Código Penal, fixando-se a sanção, assim, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, e 12 (doze) dias-multa.

Não existindo causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas, a pena deve ser mantida em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, e 12 (doze) dias-multa.

Presente, ainda, quanto a prática do crime previsto no artigo 149, § 1º, inciso II do Código Penal, o concurso formal de delitos, nos exatos termos do artigo 70 do Código Penal. Mediante mais de uma ação o réu incorreu na figura típica ora tratada por pelo menos três vezes, motivo pelo qual aumento a pena aplicada em 1/3, do que resulta a pena definitiva de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 16 (dezesseis) dias-multa.

Verifico, por fim, a ocorrência de concurso material entre os delitos pelos quais o réu foi condenado, quais sejam, aquele previsto no artigo 125, inciso XII, da Lei n° 6.815/80 e aquele previsto no artigo 149, § 1º, inciso II c/c § 2º, inciso I, do Código Penal. Outro não é o entendimento dessa Corte Regional:


PENAL. ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINARES AFASTADAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. ARTIGO 125, XII, DA LEI 6.815/80. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. SENTENÇA REFORMADA. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA CONSUÇÃO. TUTELA DE BENS JURIDICOS DIVERSOS. DOSIMETRIA DA PENA. ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL. PENA BASE MAJORADA. PATAMAR INSUFICIENTE. ARTIGO 61, II, "G", DO CÓDIGO PENAL. ARTIGO 125, XII, DA LEI 6.815/80. PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ARTIGO 61, II, "B" E "G" E 62, I, DO CÓDIGO PENAL. CONTINUIDADE DELITIVA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. SOMATÓRIO. REGIME FECHADO. EXPULSÃO. COMUNICAÇÃO AO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SURSIS. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PROVIDA. APELAÇÃO DO RÉU IMPROVIDA.
1. Os réus foram denunciados como incursos no artigo 149 do Código Penal, pois no dia 15 de fevereiro de 2002, na Rua Anhaia, bairro Bom Retiro, na cidade de São Paulo - SP, foram flagrados reduzindo os bolivianos Marco Antônio Vila Velasco, Pedro Fernandez Copajira, Fidelia Alicia Huaca Calizaya, Inez Mamani e Miriam Carolina Ortuño Gómez a condição análoga à de escravos. Também foram denunciados como incursos no artigo 125, XII, da Lei 6.815/80, por ocultar os referidos estrangeiros, mesmo sabendo que se encontravam em situação irregular no território nacional. 2. Preliminares afastadas. Intimação do acusado, de seu advogado e do intérprete da audiência de oitiva de testemunhas. Ciência efetiva do réu. Ausência de defensor na audiência. Defensora ad hoc. Revelia. Inexistência de nulidade. 3. Artigo 149 do Código Penal. Autoria e materialidade comprovadas. Sentença condenatória mantida. 4. Artigo 125, XII, da Lei 6.815/80. Autoria e materialidade comprovadas. Sentença reformada. Inocorrência de absorção pelo crime do artigo 149 do Código Penal. Tutela penal distinta. Se por um lado o crime de redução a condição análoga à de escravo busca proteger a liberdade e dignidade da pessoa humana, por outro, o delito de ocultação de estrangeiro tutela o interesse da Administração em regulamentar a presença do estrangeiro em solo nacional. Portanto, os delitos devem ser analisados em concurso material. 5. Dosimetria da pena. Artigo 149 do Código Penal. Pena-base fixada acima do mínimo legal. Patamar insuficiente. Aumento. Aplicação de agravante do artigo 61, II, "g", do Código Penal. 6. Artigo 125, XII, da Lei 6.815/80. Pena-base fixada acima do mínimo legal. Artigo 59 do Código Penal. Aplicação de agravantes do artigo 61, II, "b" e "g" e artigo 62, I, do Código Penal. Continuidade delitiva. Reconhecimento. 7. Concurso material. Pena de reclusão. Pena de detenção. Regime de cumprimento de pena. Somatório do tempo de prisão. Regime fechado. Expulsão. Com o trânsito em julgado, deve ser expedido ofício para o Ministério da Justiça para providências cabíveis. 8. Artigo 44 do Código Penal. Não cumprimento. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade. Pedido de suspensão da pena. Ausência de cumprimento dos requisitos. 9. Preliminares rejeitadas. Apelação da acusação a que se dá provimento. Apelação do réu a que se nega provimento.
(TRF3R, ACR 0000354-38.2010.4.03.6181/SP; Desembargadora Federal Relatora VESNA KOLMAR, Primeira Turma, Publicação e-DJF31 DATA:27/02/2012).

Desta maneira, realizada a somatória das penas imputadas ao réu, verifico que a pena privativa de liberdade imposta é de 06 (seis) anos e 04 (quatro) meses, além do pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, o que impede a sua substituição por penas restritivas de direitos.

O regime inicial de cumprimento de pena é o semi-aberto, devendo ser cumprida, inicialmente, a pena de reclusão e, na sequência, a pena de detenção, nos exatos termos do artigo 69 do Código Penal.

No que tange ao valor da pena de multa, tenho que bem fixada na r. sentença. De fato, o valor fixado pelo MM. Juízo a quo, de 01 (um) salário mínimo por dia-multa não restou dissociada da realidade dos autos, além do que o acusado não demonstrou que não tem condições de cumpri-la. Todavia, ainda poderá obter a sua redução, se vier a comprovar a impossibilidade de fazê-lo, perante o juízo das Execuções Penais.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso de Ivan Paes Barbosa e dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para condenar o réu também pelo delito do artigo 149, § 1º, II, c.c. artigo 70 do Código Penal, somando suas penas o total de 06 anos, 04 meses (sendo 03 anos e 04 meses de reclusão e 03 anos de detenção), além do pagamento de 26 dias-multa, mantendo, no mais, a decisão de primeiro grau.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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