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EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. PEDOFILIA. ARTS. 241-A E 241-B. ARMAZENAMENTO DE ARQUIVOS EM UM HD GUARDADO EM ARMÁRIO. COMPARTILHAMENTO DE OUTROS ARQUIVOS EM PERÍODO DISTINTO E POR MEIO DE OUTRO HD, INSTALADO NO COMPUTADOR. CARACTERÍSTICAS REVELAM CONDUTAS DISTINTAS. CONCURSO MATERIAL. ALEGAÇÃO DE APLICAÇÃO DA EXCLUDENTE DA ILICITUDE. NÃO DEMONSTRAÇÃO. MANUTENÇÃO DAS PENAS APLICADAS ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONTINUIDADE DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. RECURSOS IMPROVIDOS.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e por EDGAR GOMES SILVA, contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo/SP, que condenou o réu às penas de 7 anos de reclusão, no regime inicial semi-aberto, e 30 dias-multa, no valor diário de 2 salários mínimos da época do crime, com correção monetária, pelas imputações contidas nos arts. 241-A e 241-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e decretou a perda do cargo público, como efeito da condenação.
Narra a denúncia que:
A denúncia foi recebida em 06.08.2010 (fl. 179).
Certidões de Distribuição, relativas a antecedentes, juntadas a fls. 191/192.
O MPF requereu a juntada do laudo nº 3.593/2010 (fls. 193/214), e do CD contendo o conteúdo da caixa postal do e-mail de titularidade do acusado, enviados pela empresa IG (fls. 215/217).
Foi determinado o sigilo da ação (fl. 218).
O acusado foi citado em 11.08.2010 (fls. 222/224).
Determinado o desentranhamento de folhas dos autos do Inquérito Policial nº 00006989-76.2009.403.6114 e seu desapensamento (fl. 225).
A determinação foi parcialmente cumprida, conforme certidão de fl. 226, pois algumas folhas eram cópias cujos originais já estavam encartados nestes autos (fls. 226/305), e foram desapensados os autos dos de nº 0006989-76.2009.403.6114 (fl. 306).
Dada vista ao Ministério Público Federal (fl. 307), manifestou-se a fls. 308/310, requerendo que os autos desapensados ficassem à disposição das partes, em Secretaria, pois estão intrinsecamente ligados os fatos, além de complementação de ofício já encaminhado à Corregedoria da Polícia Civil, informando a denúncia feita nestes autos, e solicitou fossem reiterados os ofícios para a vinda de folhas de antecedentes criminais, já encaminhados ao IIRGD, Polícia Federal e distribuidor estadual, além dos antecedentes funcionais e disciplinares. Reiterou, também, o pedido de perícia psiquiátrica e a requisição de eventuais avaliações psicológicas pelas quais o réu tenha passado no âmbito da Polícia Civil. Juntou ofício do provedor Globo.com em que é informado o bloqueio de endereço eletrônico (fl. 311).
Juntado a fls. 313/314, ofício da Polícia Civil acerca da ficha funcional do acusado.
Certificado que o réu não apresentou defesa escrita (fl. 315), foi determinado pelo juízo que a advogada constituída fosse intimada para apresentar a defesa preliminar sob pena de abandono e multa (fl. 317).
Foi expedido mandado de intimação (fls. 317 verso/318), cumprido em 02.09.2010 (fls. 323/324).
Aberta vista dos autos ao advogado do réu, em 02.09.2010, conforme certificado a fl. 319, em seguida, a fl. 320, foi determinada a expedição de mandado de busca e apreensão destes autos, porque, através de contato com a OAB, foi informado que a advogada estava suspensa.
Expedido o mandado de busca e apreensão, foi cumprido em 03.09.2010 (fls. 321/322).
A fl. 325 foi juntado ofício da OAB indicando advogada para defender os interesses do réu (original a fl. 342).
O juízo, considerando que a advogada constituída estava com a inscrição na OAB suspensa, o que implicava nulidade dos atos praticados, nomeou defensora dativa ao acusado, mas determinou que antes de sua intimação, fosse expedida precatória para intimar o réu do ocorrido, oferecendo-lhe oportunidade para constituir outro defensor, no prazo de 3 dias. Ainda, determinou expedição de ofício à OAB-Acre com cópia dos atos praticados pela advogada suspensa nos presentes autos (fl. 326).
Expedidos o ofício e carta precatória (fls. 326/328).
Foi juntada nova procuração pelo réu (fls. 330/331).
Juntado ofício da Polícia Federal encaminhando relatório de missão policial (fls. 333/334).
Folhas de antecedentes juntadas a fls. 335/341.
Defesa preliminar apresentada a fls. 343/347 sustentando a inocência do acusado e requerendo expedição de alvará de soltura, absolvição sumária ou concessão do relaxamento do flagrante, e pleiteando a oitiva de testemunhas, cujo rol foi juntado a fl. 348.
O juízo (fls. 349/verso) deixou de absolver sumariamente o acusado, mantendo o recebimento da denúncia e designou audiência de instrução e julgamento. Indeferiu a prova pericial psiquiátrica, para avaliar semi-imputabilidade, diante do interrogatório policial, da linha de defesa adotada e dos demais elementos constantes dos autos, mas determinou que se oficiasse à Polícia Civil, buscando informações acerca de avaliações psicológicas do acusado, conforme pleiteado pelo MPF. Revogou a nomeação da defensora dativa, comunicando-se à OAB/SP, e determinou fosse dada vista ao MPF para se manifestar sobre o pedido de liberdade provisória.
Foram expedidos os ofícios (fls. 350/360) e aberta vista ao MPF (fl. 361).
O Parquet Federal (fls. 362/363) se manifestou contrariamente ao pedido de liberdade feito pelo réu.
Ressaltou que entendia importante a realização da perícia psiquiátrica para embasar a pena a ser aplicada, todavia, em face da celeridade processual contraposta à qualidade da instrução, requereu fosse intimada a defesa a dizer se concordava com a realização da perícia, pois, havendo concordância, ficaria afastada a hipótese de excesso de prazo.
Apontou que faltava folha de antecedentes do IIRGD e que pendia de apreciação um dos itens formulados em manifestação anterior.
Por fim, requereu fossem oficiadas as Seções da OAB do Acre e de São Paulo para que remetessem cópia da decisão que suspendeu a advogada, a fim de verificar a necessidade de extração de cópias para a persecução penal pelo crime do art. 205 do Código Penal, que restou deferido, conforme decisão de fls. 369/370, em que também foi indeferido o pedido de liberdade provisória, até a realização da audiência, e determinado que o Parquet se manifestasse sobre o ofício da Polícia Federal (de fl. 367) em que informou-se que uma das testemunhas estava em missão no Paraná até 07.11.2010, sobrevindo requerimento de desistência de sua oitiva (fl. 372).
Certificado o apensamento dos autos do pedido de quebra de sigilo nº 0005973-53.2010.403.6114 (fl. 384).
Na audiência realizada em 14.10.2010, foram ouvidas duas testemunhas de acusação e quatro de defesa, bem como interrogado o réu, conforme mídia de fl. 391-A (fls. 391/397).
A defesa desistiu da oitiva de testemunha faltante e não apresentou diligências. O MPF, de seu turno, desistiu da perícia psiquiátrica anteriormente requerida, e pleiteou a complementação da perícia técnica ainda restante no HD e nas outras mídias apreendidas, e pediu a vinda aos autos das folhas de antecedentes faltantes e de eventuais avaliações psicológicas da polícia civil já requisitadas nos autos.
Foram homologadas as desistências de testemunha e de perícia, e deferido prazo para encerramento do trabalho de perícia no HD e mídias apreendidas e determinado que se verificasse o cumprimento dos ofícios relacionados aos antecedentes e avaliações psicológicas. Em seguida, fossem apresentadas as alegações finais.
Foram juntados ofícios da OAB, a fl. 401, encaminhando cópias do processo disciplinar em face da advogada (fls. 402/405); da testemunha que faltou à audiência, em que explica a razão da ausência (fl. 407); e da Polícia Federal (fl. 408), encaminhando os laudos periciais (fls. 409/422 e 423/432).
Em alegações finais (fls. 435/443), o Parquet pugna pela procedência da ação penal, com a condenação do réu pelos crimes descritos na denúncia, em concurso material e com os respectivos aumentos de continuidade delitiva.
Folha de antecedentes juntada a fl. 444.
A defesa, de seu turno (fls. 447/451), sustenta a inocência do acusado, buscando sua absolvição.
O MPF requereu a juntada de novo laudo (fls. 451/457).
Dada nova vista à defesa (fl. 460), ratificou e reiterou as alegações já apresentadas (fls. 472/474).
Ofício da OAB (fl. 462), encaminhando cópia da decisão aplicando pena à advogada (fls. 463/466).
Foi proferida sentença (fls. 476/484), que julgou procedente a ação penal para condenar o réu nas sanções previstas nos arts. 241-A e 241-B do ECA.
Em relação ao delito do art. 241-A do ECA, foi fixada a pena-base em 4 anos e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa, em face da gravidade das circunstâncias delitivas, revelada pela quantidade de vídeos disponibilizados e número de requisições para transmissão, recebidas e aceitas, pela periculosidade revelada pela condição de policial que teve contato com investigações de pedofilia, além dos fortes indícios de que tem personalidade voltada a prática desses delitos.
E em relação ao delito do art. 241-B do ECA, foi fixada a pena-base em 2 anos e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa, em face da gravidade das circunstâncias delitivas, revelada pela quantidade de vídeos e imagens armazenados, pela periculosidade revelada pela condição de policial que teve contato com investigações de pedofilia, além dos fortes indícios de que tem personalidade voltada a prática desses delitos.
Sem agravantes ou atenuantes e sem causas de aumento ou diminuição, em ambos os delitos. O valor do dia-multa foi fixado em 2 salários mínimos vigentes à época do crime, considerando a renda de escrivão de polícia.
Diante do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal, as penas somadas totalizaram 7 anos de reclusão e pagamento de 30 dias-multa, fixado o regime inicial semi-aberto.
Determinada a expedição de guia de recolhimento provisório.
Anotou não haver possibilidade do réu recorrer da sentença em liberdade, por ter respondido ao processo preso e mantidas as condições de cautelaridade para sua permanência na prisão, em face não apenas da gravidade das condutas, mas o modo de vida e a reprimida inserção social do acusado, somados às imagens, vídeo e escritos apreendidos, apresentando personalidade voltada à prática desses crimes e risco à ordem pública.
Nos termos do art. 92, inc. I, alínea "b", do Código Penal, em vista da quantidade de pena fixada e da prática de ilícito incompatível com as atribuições do cargo de escrivão de polícia civil, decretou a perda do cargo público como efeito da condenação.
Deixou de aplicar o art. 387, inc. IV, do CPP, ante a inexistência de elementos concretos para tanto.
Determinou que fosse encaminhada cópia da sentença à Corregedoria da Polícia Civil em São Paulo para as providências que entender cabíveis.
Sentença publicada em 07.12.2010 (fl. 485).
Expedida Guia de Recolhimento Provisória (fls. 486/487), e ofícios à Polícia Civil (fls. 488/489).
O Ministério Público Federal apelou (fls. 493/499) buscando a reforma da sentença em relação à fixação da pena-base atribuída em ambos os crimes, quanto à continuidade delitiva e ao regime inicial de cumprimento de pena.
Argumenta que a autoria e materialidade restaram induvidosas e a culpabilidade do réu é intensa, pois sua formação e atuação profissional revelam se tratar de pessoa informada, esclarecida, e ademais o exercício de função pública que tem por essência o combate ao crime, fazem concluir que se esperava comportamento diametralmente distinto do efetivamente verificado.
Assim, deve ser considerado o artigo 59 do Código Penal como bastante desfavorável ao réu, determinando a imposição rigorosa e acentuada de pena.
A posse de cada um dos arquivos e o compartilhamento de cada um deles constitui crime autônomo, de modo que não deveria ter sido afastada a aplicação da regra da continuidade delitiva, inclusive considerando-se o período em que se compreende a ação, no mínimo de 12.04.2010 a 09.07.2010, da data da instalação do programa e-Mule até a data da última publicação virtual de grande parte dos vídeos ilícitos.
E as circunstâncias são absolutamente desfavoráveis ao réu, de modo que deveria ter sido fixado regime de cumprimento de pena mais severo, o fechado, observando-se os critérios previstos no art. 59 do CP.
Juntada jurisprudência a fls. 500/504.
Constituídos novos defensores pelo réu, conforme fls. 506/508 e 516/517.
Ofício da Polícia Civil (fl. 511) encaminhando informações sobre inexistência de avaliações psicológicas e atendimentos médicos do réu, no âmbito daquele órgão (fl. 512).
Folhas de antecedentes juntadas a fls. 513/515.
O acusado foi intimado da sentença (fls. 520/522).
Apelação do réu (fls. 524/533) buscando a reforma da sentença, para reconhecer sua inocência, sob argumento de que não houve crime, pois o acusado agiu no cumprimento de dever legal, qual seja, investigando o crime em questão. Alternativamente, pleiteia seja considerada a prática de um único delito de forma continuada.
Contrarrazões da acusação a fls. 535/538 e da defesa a fls. 545/556.
Solicitado pela Corregedoria da Polícia Civil o envio de cópias de alguns depoimentos e de laudos (fls. 543/544), o pedido restou deferido pelo juízo (fls. 557/558).
Subiram os autos a esta Egrégia Corte, onde o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo provimento do recurso da apelação (fls. 560/566).
O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.
É O RELATÓRIO.
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VOTO
A materialidade dos crimes restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante (fls. 02/03), pelo auto de apreensão (fls. 10/13), pela informação técnica nº 206/2010-NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (fls. 32/44), e pelos laudos periciais relativos ao exame dos HDs apreendidos: nº 3517/2010 (fls. 132/149 e 259/276), nº 3593/2010 (fls. 151/171 - original a fls. 194/214 e 277/280), complementado pelo de nº 4901/2010 (fls. 409/421).
No material apreendido foram encontrados arquivos de vídeos e fotos, com conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, foi identificado o programa de compartilhamento e-Mule, localizado o arquivo que armazena dados dos arquivos que foram compartilhados, cuja análise permitiu a identificação de registro de compartilhamento de arquivos que continham material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, e ainda em outro arquivo, de configuração do programa e-Mule, que memoriza os termos utilizados pelo usuário para fazer a busca de arquivos, foram identificados diversos termos relacionados à pornografia infantil que foram efetivamente utilizados em buscas efetuadas.
Ademais, os próprios nomes da maioria dos arquivos localizados contendo pornografia infantil já revelam o conteúdo do material.
Há dois crimes, e são distintos, diversamente do sustentado pela defesa, dado que a materialidade foi identificada em dois HDs, com conteúdo diferente. Um deles estava instalado no computador, continha o programa e-Mule instalado e foi constatado que, por meio deste programa é que se deu o compartilhamento de dados envolvendo o material ilícito. O outro estava guardado em um armário, não continha programas ou sistema operacional instalado, somente arquivos, sua capacidade quase completamente utilizada, e o material arquivado era quase todo relativo à pornografia, dentre o qual, o material relativo à pedofilia.
Ademais, a previsão legal está disposta em dois tipos penais distintos e, no caso, verifica-se que a conduta do réu também foi distinta.
O auto de apreensão descreve os dois HDs apreendidos, no campo discriminação da tabela, pela marca, modelo e número de série, conforme se confere a fl. 11:
Na informação técnica nº 206/2010, o perito que acompanhou a diligência de busca e apreensão, esclarece onde cada um dos HDs foi encontrado e como foi realizado o exame que identificou o material ilícito, conforme se confere do quanto transcrevo:
Deste modo, já é possível identificar que os dois HDs não se destinavam à mesma função, até por sua localização física no momento da apreensão. O que se pode extrair é que o HD da marca Samsung tinha por função o armazenamento de arquivos, visto que sequer continha qualquer programa instalado, ao passo que o HD da marca Seagate estava instalado no computador, que estava ligado na ocasião do flagrante, e continha o programa utilizado para o compartilhamento dos arquivos contendo pornografia infantil.
O laudo nº 3517/2010 analisou o HD da marca Samsung, cuja função dada pelo usuário foi de armazenar dados, já que naquele não foi instalado sistema operacional, e cuja capacidade de 500GB estava quase esgotada, conforme anotado pelo perito:
Quanto ao outro HD, da marca Seagate, foi objeto de perícia que resultou no laudo nº 3593/2010, complementado posteriormente pelo laudo nº 4901/2010, restando constatado o compartilhamento de material que continha pornografia infantil, conforme transcrevo:
Deste modo, não resta dúvida quanto à materialidade dos delitos.
A alegação da defesa no sentido de que o último laudo encartado nos autos descaracteriza as teses da acusação e nega a prática de ato ilícito, em face da divergência com os laudos anteriores, não procede.
Assim, cabe uma análise pormenorizada de todos os laudos encartados aos autos, o de nº 4798/2010 (fls. 423/432) se refere à perícia realizada nos outros objetos apreendidos por ocasião do flagrante, sendo que, nos 3 pendrives e 7 mídias ópticas CD-RW não foram localizados arquivos contendo pornografia infantil ou dados de possível interesse relacionados à pedofilia.
Ainda, foi objeto da mencionada perícia 64 folhas de papel comum com textos impressos e algumas anotações manuscritas.
O laudo nº 4987/2010 (fls. 454/457), a que se refere a defesa em suas razões de apelação, se refere à perícia realizada em um CD que continha os dados de mensagens eletrônicas do réu, recebidas e enviadas pela conta de e-mail exatamente@ig.com.br, em que não foram identificados registros de divulgação de arquivos contendo pornografia infantil.
No entanto, os dois laudos nº 4798/2010 e nº 4987/2010, diversamente do sustentado pela defesa, não ensejam conclusão diversa da alcançada com base nos laudos relativos aos HDs.
Cabe ressaltar que cada um dos laudos se refere a mídias diversas, com conteúdo diverso. A armazenagem do material ilícito poderia ser identificada em todas as mídias, ou apenas em uma, o que já bastaria para demonstrar a materialidade do crime. O fato de se encontrar o material de pedofilia em mais de uma mídia interfere nas características dos crimes, como a quantidade e meios de dispersão do material.
Ainda, é de se anotar que, em relação ao uso de e-mail, o fato de não ter sido identificada nas mensagens a divulgação de material com conteúdo pedófilo, não elide o compartilhamento efetuado por outro meio, no caso através do programa e-Mule, conforme constatado no outro laudo.
Assim, não há divergência entre os laudos e incabível a conclusão almejada pelo réu de que o laudo nº 4987/2010 nega a prática de ato ilícito.
Ademais, por tudo quanto demonstrado pelos laudos periciais, cuja análise deve ser feita em conjunto com os esclarecimentos prestados por seus autores, ouvidos como testemunhas, é possível concluir-se, com segurança, pela materialidade e autoria dos delitos.
E a avaliação desta prova, em conjunto com as demais provas dos autos, especialmente a testemunhal, ensejam o afastamento da tese defensiva de que o réu estaria investigando o crime em questão, escudado na excludente prevista no § 2º do art. 241-B do ECA (Lei nº 8.069/90).
Argumenta a defesa no sentido de que o cumprimento das funções fora do local de trabalho era fato conhecido dos superiores do acusado, conforme depoimento do Dr. Fabiano, apontado pela defesa como o superior do réu.
Ocorre que, em primeiro lugar, diversamente do afirmado pela defesa, a testemunha Fabiano, delegado da polícia civil, não era o superior do réu na época dos fatos. Ainda, cabe ressaltar que a defesa não trouxe qualquer testemunha que demonstrasse sua tese de que o superior hierárquico do acusado tinha ciência e deu autorização para que o mesmo agisse da forma como alega.
Ainda, é esclarecedor o depoimento, prestado durante a fase inquisitorial, do Delegado Mitiaki, com quem o réu também trabalhou no Setor de Investigações Gerais - SIG, e superior do delegado Fabiano, em que afirmou não ser comum o policial fazer este tipo de investigação em casa, referindo-se a investigações sobre pedofilia.
Por fim, não cabe nesta fase processual determinar diligências para esclarecer a questão, dado que já houve oportunidade para tanto, durante toda a instrução processual e não houve qualquer pedido nesse sentido, tendo a defesa, inclusive, desistido da oitiva de uma testemunha, conforme se confere da assentada da audiência realizada em 14.10.2010 (fl. 389).
Quanto à tese de que o acusado assim agiu em face da precariedade do material disponível na Polícia Civil, o argumento é primário.
Ainda que seja de conhecimento geral a precariedade de equipamentos em muitos setores públicos, o Delegado Mitiaki, na fase inquisitorial, afirmou que o sistema de informática da polícia civil era bem atualizado. O relato do delegado Fabiano, de que o réu levou seu computador pessoal para o local de trabalho durante o período em que trabalharam juntos, não interfere na análise da questão, pois, ainda que diante da precariedade do material de trabalho, tal fato não autoriza qualquer agente público, incluindo-se o próprio delegado, a cometer crimes.
O argumento de que o réu só compartilhou os dados com o intuito de identificar possíveis criminosos, tampouco é factível, uma vez que grande parte do material ilícito tem origem estrangeira e, como não é possível só pelo registro do IP que acessou o material, que sequer foi identificado pelo réu, identificar o usuário que acessou os arquivos, resta totalmente ineficiente o suposto método de investigação utilizado, e que, dado o conhecimento do réu na área de informática, não permite sequer a aplicação da dúvida em seu favor.
Quanto à alegação de que as ações atribuídas ao réu, compartilhar e armazenar, são únicas no programa e-Mule, pois o contato e transferência de dados é automático, de forma que não se poderia imputar condutas diversas ao réu, tampouco procede.
Conforme já analisado, cada HD apreendido tinha funções distintas, o que já se poderia intuir em face da localização física de cada um, no momento da apreensão. O HD da marca Samsung tinha por função o armazenamento de arquivos, estava em um armário fechado, junto com diversas outras mídias, inclusive outros HDs, cujo conteúdo era de arquivos que não envolviam o crime em questão. Por outro lado, o HD da marca Seagate estava instalado no computador, possuía arquivos de material contendo pornografia infantil além do programa utilizado para o compartilhamento do material ilícito.
Ainda, conforme se extrai dos laudos que periciaram ambos os HDs, a diversidade de datas revela que se trataram de condutas distintas.
No HD Samsung, que tinha por função armazenar, na grande maioria, arquivos envolvendo pornografia, o perito localizou 328 arquivos de vídeo contendo pornografia infantil, em duas pastas distintas, uma delas com nome ligado especificamente ao crime, denominada "PEDO", e que totalizavam um volume de dados de 50 GB, e além destes arquivos de vídeo, que estavam ativos, também foram recuperadas 41 imagens que haviam sido apagadas, em que havia indivíduos com aparência de criança ou adolescente em cenas de nudez ou pornográficas (fl. 143).
Ainda, o perito anotou que não havia informação sobre a forma e data de obtenção dos arquivos, porém, como estavam disponíveis as datas de criação, modificação e último acesso dos arquivos encontrados, permite-se a conclusão de que se referiam a condutas praticadas no ano de 2009.
Por outro lado, a conduta de compartilhamento dos arquivos encontrados no outro HD, da marca Seagate, revelou-se que foi praticada no ano de 2010, havendo intervalo entre as condutas de meses, o que embasa a conclusão do juízo de primeiro grau ao entender tratar-se de crimes distintos e aplicar o concurso material, de modo que, tampouco o pedido alternativo da defesa, para que seja considerada a prática de um único delito de forma continuada, merece provimento.
A questão foi sucinta e coerentemente avaliada nas contrarrazões do Ministério Público Federal, que transcrevo:
Por fim, ainda em face das alegações da apelação do réu, cabe afastar o pedido de novas diligências a fim de esclarecer o uso do programa de computador que permitiu o compartilhamento do material ilícito.
O material apontado pela defesa, relativo a artigo de pesquisa sobre virtualização e emulador, é questão estranha aos autos, uma vez que a matéria não se aplica a programa de compartilhamento de arquivos, como o utilizado no caso.
Aparenta tratar-se de expediente protelatório e, por sua ineficácia em relação ao deslinde do caso, não merece qualquer providência nesta fase processual.
Ademais, além da prova da materialidade, houve a demonstração da autoria pelas testemunhas ouvidas em juízo, conforme mídia de fl. 391-A, em que os agentes que efetuaram a busca na residência do réu esclareceram que somente moravam no local o réu e sua genitora e somente ele utilizava o escritório em que estavam os computadores e mídias apreendidas.
E a alegação de que o réu teria agido de forma lícita ao acessar o material, pois estaria realizando uma investigação, atos que estariam acobertado pela previsão legal do § 2º do art. 241-B do ECA, conforme já analisado, não merece crédito, até pelo simples fato de ter efetuado o compartilhamento do material ilícito, uma vez que a excludente só se refere ao crime do art. 241-B.
O fato do programa de compartilhamento atuar automaticamente não elide de modo algum a ilicitude da conduta, pois o usuário escolhe as pastas que serão compartilhadas, conforme esclarecido pelas testemunhas.
Ademais, o próprio réu, em seu interrogatório, confirmou ter compartilhado os arquivos de pornografia infantil, ainda que sob a alegação de que assim agia para buscar informações acerca de possíveis criminosos, como parte de sua suposta investigação.
Deste modo, desmente-se a tese de que o compartilhamento era automático, pois o próprio acusado reconheceu que tinha ciência do funcionamento do programa e que optou por fazer uso do compartilhamento dos arquivos ilícitos.
Ainda, foi esclarecido pelos peritos que o programa tem mecanismos para evitar o compartilhamento de cada um dos arquivos baixados.
O réu, justamente por suas características de conhecer a área de informática, não pode ser beneficiado por um suposto desconhecimento disso, se para tudo o mais que envolvia a questão, inclusive de investigar os crimes cibernéticos, se valia de sua expertise, o que também é indicado pela quantidade de material de informática existente em seu escritório, onde apreendido o material ilícito, já que lá havia, segundo os depoimentos das testemunhas, pelos menos dois computadores em uso, mais outros dois, mais antigos, parados, além de, no armário, haver mais de 20 HDs.
Ainda é relevante ressaltar que a testemunha Ayrton, perito que acompanhou a diligência de busca e apreensão, relatou que os dois computadores em uso tinham uma gaveta, que identificou como hotplug, em que o HD comum é colocado e utilizado e que tinha "uns vinte e poucos HDs no armário".
Assim, a versão apresentada pelo réu em juízo, buscando o reconhecimento de excludente da ilicitude, não se coaduna com a prova produzida em sede inquisitorial, no momento da prisão em flagrante, e que restou ratificada em juízo, sob o crivo do contraditório, especialmente em face das testemunhas de defesa que relataram que o acusado era conhecido por sua intimidade com a área de informática.
Também demonstrado o dolo do réu pelo teor do depoimento dos agentes que acompanharam a diligência de busca e apreensão, Marco Antonio e Ayrton, ao relatarem que o acusado somente se referiu ao conteúdo do material relativo à pornografia infantil após aquele ter sido encontrado.
O relato de Ayrton é muito esclarecedor. Conforme o longo depoimento prestado em juízo, relatou que, ao localizar no programa e-Mule o histórico de buscas, apareceram os termos que haviam sido buscados e, dentre eles, havia alguns relacionados à pornografia infantil, recordando-se de um que é PTHC que significa preteen hardcore. Esclareceu que o acusado estava nesse momento e que perguntou-lhe o que eram aqueles termos, ao que o acusado respondeu "você sabe o que é isso". Ainda, mais à frente em deu depoimento, narrou que foi perguntado ao acusado se tinha mais alguma coisa, pois estava analisando o HD que estava instalado no computador, e ele disse que não, no entanto foi encontrado em outro HD, que estava no armário, mais arquivos com pornografia infantil. E mais adiante ainda, ao falar sobre os termos encontrados, disse que aprenderam a partir desse caso um novo termo relacionado à pedofilia que é SDPA, que seria a versão em espanhol para PTHC, mas não se recordava exatamente o que significava a sigla.
Mantida a condenação, cumpre verificar a dosimetria da pena.
Em relação a ambos os crimes, na primeira fase de fixação da pena, o juízo a quo já avaliou as circunstâncias do art. 59 do Código Penal para fixar a pena-base acima do mínimo legal.
Ponderou que, apesar do réu ser primário, ter bons antecedentes e nada o desabonar em sua conduta profissional, as circunstâncias delitivas eram graves.
Bem fundamentada a valoração do juízo a quo, pois apontou a grande quantidade de material ilícito, a condição de policial do réu, que teve contato com investigações de pedofilia, o que aumenta a periculosidade, pois dele era esperada conduta diametralmente oposta, pois como agente do Estado deveria proteger a sociedade e perseguir criminosos e não cometer ele próprio aqueles crimes. Ainda, anotado que o réu tinha total domínio dos termos de busca de pedofilia, inclusive apontado por um dos peritos que um dos termos buscados só teve conhecimento a partir desse caso, bem como há fortes indícios de que tenha personalidade voltada à prática desses delitos.
Assim, da pena prevista no tipo penal do art. 241-B, de 1 a 4 anos, foi aplicada pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa, e no tipo penal do art. 241-A, da pena possível de 3 a 6 anos, foi aplicada pena-base de 4 anos e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa.
As penas se tornaram definitivas em virtude da ausência de agravantes ou atenuantes, na segunda fase, e de causas de aumento ou diminuição, na terceira fase, de modo que, no total foi aplicada pena de 7 anos de reclusão e 30 dias-multa, cujo valor diário restou fixado em 2 salários mínimos da época do crime, tendo sido considerada a renda que o réu auferia como escrivão de polícia.
Ainda, foi fixado regime inicial de cumprimento de pena semi-aberto e decretada a perda do cargo público, como efeito da condenação, tanto em face da quantidade de pena fixada quanto pela prática de ilícito incompatível com as atribuições do cargo de escrivão de polícia civil.
Apesar das razões apontadas pelo Ministério Público Federal, entendo que a pena-base não deve se aproximar do máximo conforme disposto no art. 59 do Código Penal e, no caso, como bem anotado pelo juízo a quo, não são todos os fatores apontados naquele dispositivo legal que são desfavoráveis ao réu, de modo que, entendo que já bem avaliada a reprimenda no montante fixado e que deve ser mantido.
Anoto que não cabe a aplicação da causa de aumento pela continuidade delitiva, seja porque o crime do art. 241-B se alonga no tempo, enquanto armazenado o material ilícito, tratando-se de crime permanente e, no caso do crime do art. 241-A, o espaço de tempo em que o material foi compartilhado, parece-me, pelo testemunho dos peritos, tratar-se de conduta única, já que compartilhado enquanto se adquiria o próprio material e, dado o volume de arquivos adquiridos, foi uma parte bem menor que restou efetivamente transmitida apesar do grande número de solicitações.
Por fim, no que tange ao pedido alternativo da defesa, acerca da possibilidade de aplicação da conversão em pena restritiva de direitos, não é cabível tanto em face da quantidade da pena aplicada quanto pelas características dos delitos, o que impede a conversão da pena.
Diante do exposto, nego provimento a ambos os recursos, mantendo integralmente a sentença.
É COMO VOTO.
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